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Delito de Opinião

Changeling (3)

José Gomes André, 27.01.09

 

O filme foi escandalosamente esquecido pelos Óscares, mas é bom saber que não vivi uma alucinação quando o achei uma obra-prima. Pelo menos, a julgar pela qualificada opinião de Jorge Leitão Ramos: "É um Drama individual, íntimo, dilacerante. É a história de uma mulher a quem tiram tudo, num acto de violência sem nome - tudo menos a dignidade, a determinação de lutar pelo que está certo, não porque não haja alternativa, mas porque é assim que deve ser. É um caso urbano em Los Angeles, nos anos 20, mas podia ser um western, o herói solitário que parece não ter hipóteses nenhumas, mas que não desiste. É um gesto de liberdade, americano até ao tutano, que Clint Eastwood ergue com um fôlego estarrecedor, um peso dramático, uma beleza formal, uma noção do plano, da respiração do plano, da cadência dos movimentos, da precisão dos olhares - tudo perfeito. Até Angelina Jolie parece, de repente, uma grande actriz - quilómetros acima de qualquer coisa que já tenha feito antes."

 

Não deixem de ler também este texto do nosso Pedro Correia, no Corta-Fitas.

Changeling (2)

José Gomes André, 14.01.09

 

 

Num filme que envolve o desaparecimento de um filho, o assassinato de uma vintena de crianças, o internamento da heroína e uma execução capital – entre outras situações de grande carga emotiva – não existe uma única cena sentimentalista, um único diálogo lamechas, um único plano que procure apenas chocar o espectador. Pode parecer simples, mas muitas vezes o grande desafio para um realizador – especialmente num drama deste género – é não ceder à tentação de enfeitar uma cena, carregar na banda sonora ou introduzir aquela tirada que pura e simplesmente apele à lágrima fácil.

O que impressiona no cinema de Clint Eastwood é pois a sua espantosa contenção e sua capacidade para contar uma história brutal sem nunca forçar o ritmo, a interacção das personagens ou o movimento das câmaras. Eisenstein dizia que só lhe interessava o cinema necessário; cenas com propósitos decorativos tenderiam a desvirtuar a essência do que se pretendia contar através das imagens. Eastwood é o herdeiro deste cinema puro, onde habita um raro dramatismo e ferocidade psicológica sem cedências a adornos simplistas ou artifícios emocionais.

Changeling (1)

José Gomes André, 12.01.09

 

 

 

Depois dos extraordinários Million Dollar Baby e Cartas de Iwo Jima, Clint Eastwood oferece-nos Changeling, um filme colossal sobre a perda, a coragem, a razão e o exercício do poder – entendido nas suas tortuosas e complexas ramificações. O espectro temático é tão rico quanto os movimentos de câmara, as interpretações, a banda sonora, a espantosa fotografia e a reconstituição histórica, elementos que nos são revelados com inegável mestria. Na verdade, Eastwood dirige o filme com a precisão de um relógio suíço e a carga dramática de um Shakespeare, conduzindo um enredo que nas mãos de outro realizador acabaria provavelmente numa película medíocre. Uma obra excepcional, à qual voltarei nos próximos dias.