I
A Liga dos Campeões será em Lisboa, anunciou ontem o PM numa sessão solene no Palácio de Belém, estrelada pelo dono do estabelecimento, o presidente da AR e o da Câmara, um Gomes que superintende no futebol e outras altas personalidades.
No brilhante improviso que Costa preparou, abundou na honra que a UEFA concedeu ao nosso país, na confiança demonstrada pela disciplina que o bom povo português evidenciou ao acatar as sábias determinações do governo com o qual a Providência nos abençoou, e no exaltante prémio que semelhante distinção constitui para os profissionais de saúde.
Marcelo, por sua vez, declarou à RTP3 “ser a marca Portugal aquela que vence e que se vai afirmar”.
II
Mas nem só de alegrias são feitos estes momentos. A Dinamarca, hoje, reabriu as fronteiras mas excluiu Portugal, expressamente, de semelhante benefício, com grave dano para aqueles afortunados turistas portugueses que tivessem a intenção de ir ver, tiritando de frio, a Pequena Sereia, ou pagar por um bilhete de acesso ao Tivoli o preço de um jantar para cidadãos honestos.
III
Há dias, milhões de brasileiros ficaram gelados com a confissão do PM Costa, que admitiu não lhes permitir a vinda a Portugal e aguardam, angustiados, uma decisão definitiva na matéria, não do governo português ou do senhor Presidente, cujos sentimentos de arreigado amor aos nossos irmãos de além-mar não carecem de sublinhado, mas de quem detém poderes de última instância.
IV
Soube-se hoje que está finalmente em gestação o Banco de Fomento, cujo parto apenas aguarda autorização do Banco de Portugal, que depende de Frankfurt, e de Bruxelas, que só depende de quem seja louro. Agregará dois organismos que ninguém sabia que existiam e destina-se a suprir as falhas da Caixa Geral de Depósitos, que é um banco excessivamente igual aos outros. O reforço do capital da CGD não convém porque dá muito nas vistas, e estima-se conveniente diversificar os instrumentos de controle da economia, que dá por vezes ainda sinais de indesejável independência.
Estas as quatro notícias, escolhidas de entre outras que ilustram como vai a nossa alegre casinha. Que diz este residente?
O nosso principal produto de exportação em notoriedade é hoje Ronaldo, como antes foi Eusébio, e o país ganha com isso. Mas produzirmos regularmente génios da bola não é sintoma de nenhuma verdadeira superioridade; o excesso de importância que o que gira à volta do jogo ganhou entre nós, a promiscuidade entre o poder suspeito, e com frequência corrupto, das instâncias futeboleiras e dos poderes públicos, não é sadio; nem, finalmente, a erecção dos triunfos desportivos em desígnio nacional nos engrandece ou resolve qualquer problema. Marcelo acha que sim, da mesma forma que entende que a sua fotografia em todos os lares, por cima de uma corbeille de flores de plástico, traduz outra coisa que não acefalia colectiva. Mas Marcelo é um prestidigitador: toda a gente vê o que lá não está, isto é, lhe imagina poderes que não tem, competência que lhe passou sempre ao largo, e brilhantismo que, se existe, é o das lantejoulas. A sua palavra nunca é a do mais alto magistrado da Nação porque nunca disse nada que tenha um prazo de validade superior a uns dias nem jamais teve nenhuma ideia sobre coisa alguma que não fosse maria-vai-com-as-outras ou, pior, que não seja uma das rodilhices pelas quais o supõem florentino.
Anunciar com solenidade no palácio de Belém uma fase final de futebol só não é motivo para as gargalhadas de escárnio do país porque o país não sabe rir de si mesmo. Uma elite do pensamento e da magistratura de influência poderia fazê-lo – se existisse.
O caso da Dinamarca é menos grave do que parece. A nossa embaixada naquele país viquingue já veio esclarecer que, com uns telefonemas e martelando os números, a coisa se pode compor.
Costa, a sua entourage, o PS, os restantes partidos com excepção dos comunistas e primos, as pessoas que, inclinando as ponderosas cabeças, opinam nos meios de comunicação, são ferozmente europeístas, como o é a maioria da população, que acha que ser colonizado não vai resultar no benefício do colonizador. Daí que se aceite como normal, sem um frémito, sem um coice, que as relações com o Brasil ou outras ex-colónias dependam do que diz ou deixa de dizer Bruxelas. Não há que temer: Logo que Bolsonaro seja substituído retornará o clima que nunca deixou de existir nos discursos, e Marcelo, numa viagem de Estado, encantará os locais com ternurentas selfies, e ensaiará uns passos de samba – ele, para bailarino, tem jeito.
O Banco de Fomento fomentará investimentos tolos, corrupções sortidas, delírios dirigistas e tráfico de influências. Nada que justifique insónias: alguma coisa se há de aproveitar e depois do BES e do Novo Banco, da CGD, do BPN, do Montepio, e j’en passe, o contribuinte desenvolveu anticorpos: isso de bancos a falir ou a precisar de arame é lá coisa de engenharias financeiras dos ricos, o PS defende-nos. E a Caixa está fora disto, que é nossa, razão pela qual lá metemos periodicamente dinheiro.
E o funeral do título? Seria o funeral do país, que não tem moeda, nem bancos privados, nem grandes empresas que não sejam de mercearias, nem Orçamento que não precise de pré-aprovação estrangeira, nem controle de fronteiras, nem eleitores em número suficiente que não dependam do Estado, nem política externa que não seja cortejar os que têm tudo isso; mas tem a maior dívida pública da sua história e um deslizar teimoso para os últimos lugares do desenvolvimento.
Seria, mas não é. A menos que Portugal fosse apenas a mole que aprova este estado de coisas. Mas a geração mais bem formada de sempre terá filhos e netos, e estes não pensarão o que pensavam os pais; a União Europeia ou cai com estrondo, vítima da contradição entre os seus dirigentes e beneficiários apátridas e os nacionalistas que se supõem extintos, ou recua para o mercado único do qual nunca deveria ter saído; e para Portugal, que já cá anda há quase 900 anos, e aguentou 60 de Filipes, mais fomes, pestes e guerras, não haverá de ser nada.
Entretanto, no próximo Sábado começa o Verão. E nada obsta a que, entre 12 e 23 de Agosto, se saia da praia para o café mais próximo, à hora dos jogos. Podia ser pior.