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Delito de Opinião

Câmara Corporativa

José Meireles Graça, 30.10.21

Acabo de ver Isabel Camarinha a aliviar-se de declarações à saída de uma audiência no Palácio de Belém, cujo locatário também recebeu as confederações patronais, em nome das quais prestou declarações um tal Calheiros. Isabel foi significar ao Presidente as profundidades do seu pensamento sobre o chumbo do Orçamento, os salários, as greves e outros assuntos do seu breviário, e as confederações foram explicar por que razão abandonaram a Concertação Social, aproveitando, parece, para dizer não sei quê sobre o salário mínimo.

Convém dizer que Marcelo, se não partilhasse com a generalidade da opinião pública (que por sua vez é mais vezes sim do que não um reflexo da opinião publicada), convicções obnóxias sobre o que é o interesse público não recebia, nesta altura, esta tropa fandanga. O assunto neste passo são eleições, possível interferência do Governo no processo eleitoral em que é parte, prazos, situação dos partidos, etc., e nem os sindicatos nem as associações patronais têm seja o que for a ver com os mecanismos pelos quais o problema criado pela não aprovação do Orçamento se resolve.

No mínimo, esta gente foi lá fazer perder tempo, mesmo que este Presidente o malbarate habitualmente em vacuidades. E alimentar um equívoco corporativo, que consiste em supor que há um processo democrático paralelo em que corpos sociais têm interesses unívocos, esses interesses são encarnados por aquelas pessoas cuja representatividade é, para dizer o mínimo, obscura, e as opiniões veiculadas têm peso institucional relevante é, neste caso como noutros, uma desvalorização da democracia e da Assembleia da República.

Que os patrões se organizem em grupos de pressão, nada a opor, mesmo que esses grupos não abranjam patrões comuns, isto é, os que não dispõem de tempo para dedicar ao tráfico de influências e ao jogo de poder que a conquista de lugares de influência implica; e que trabalhadores se filiem ou vagamente apoiem sindicatos, mesmo sabendo que estes são frequentemente coios de comunistas e radicais, idem.

Não é porém sadio que a comunicação social descreva uma enguia irresoluta como António Saraiva como “patrão dos patrões”. Os patrões não têm patrão, isso os distingue, e a sua condição é o triunfo do individualismo, que só pode ser adequadamente representado por quem o defenda ferozmente – não é o caso de Saraiva, e duvido que de algum dos outros. E sendo natural que os trabalhadores comuns, cuja maioria não navega nas águas do esquerdismo assanhado, confiem mesmo assim em sindicalistas porque a militância fanática daqueles lhes pode dar jeito em situações de conflito com os patrões, já não o é que depois se venha oficialmente a receber a CGTP como se representasse os trabalhadores. Não representa: a CGTP é, e sempre foi, o braço do PCP para o mundo do trabalho (para usar o jargão deles), e quem tem competência para legislar sobre as relações de trabalho, mesmo que o faça desastradamente, é o Parlamento, onde estão representadas todas as correntes de opinião política relevante, e o Governo, que tende (o actual seguramente) a representar as convicções asnáticas dominantes.

O coroar deste teatro de sombras é o Conselho Permanente de Concertação Social, que já em Junho de 2014, quando os inúteis que o povoavam eram outros, caracterizava assim. Foi este Conselho que foi “desautorizado” há dias quando o Governo, pressionado, deixou de fingir que respeita aquela joça, um crime de lesa-convenções: ali gente que finge que representa classes profissionais finge que negoceia entre si e depois com quem finge que os respeita. A comunicação social e quem a consome, provavelmente, não finge: acredita que tudo isto é para levar a sério.

As despesas envolvidas com esta maquinaria têm expressão muito relevante? Se a Constituição fosse expurgada do seu art.º 92º, que consagra a Câmara Corporativa com outro nome, haveria um grande benefício? E o assunto interessa muito?

Não, não e não. Mas migalhas são pão. E depois, para Pessoa, a metafísica era  uma consequência de estar mal disposto; a mim, o estar mal disposto não me dá para nada, mas o espectáculo destas personagens que desempenham o seu lamentável papel agrava-me a má disposição.

"La Pasionaria" da Alameda

Pedro Correia, 07.07.20

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A nova secretária-geral da CGTP diz-se "representante dos trabalhadores" sem fazer a menor ideia, por experiência própria, do que é o trabalho em Portugal.

Chegou aos 60 anos sem nunca ter conhecido a amarga experiência do desemprego, sem jamais lhe faltar o salário ao fim do mês, ignorando o que é trabalhar sem auferir dois subsídios - o de férias e o de Natal - ano após ano, sem falhar um.

Isabel Camarinha exerce há quatro décadas como funcionária da própria central sindical. Apregoa o exercício permanente do direito à greve sem ela própria jamais ter feito greve: a sua entidade patronal não lhe perdoaria tal atrevimento.

Eis o exemplo supremo da endogamia reinante na CGTP, estrutura cada vez mais encerrada na própria bolha e divorciada do país real.

 

Não admira que os seus dirigentes cometam grosseiros erros de perspectiva e análise da sociedade, que está muito longe de ser como imaginam. Daí as críticas duríssimas e generalizadas que receberam, de quase todos os sectores, por terem levado "avante" aquela grotesca coreografia do 1.º de Maio na Alameda que até incluiu gente arrebanhada em autocarros, como no tempo da velha senhora, chocante excepção à regra em pleno estado de emergência.

A 8 de Maio, por macabra coincidência, Portugal registou o pior dia em estatísticas relativas ao Covid-19 desde o início da crise pandémica: 533 infectados, além de nove vítimas mortais. E desde então não pararam de aumentar os preocupantes focos de infecção na região de Lisboa e Vale do Tejo.

 

São factos e números com custos reputacionais incalculáveis para a central sindical, que ficará irremediavelmente ligada, na perspectiva do cidadão comum, à progressão da pandemia na Grande Lisboa.

Se Camarinha tivesse noção do que é o mundo do trabalho, fora da bolha onde sempre viveu, jamais teria cometido esse erro lapidar de se estrear num "banho de massas" durante o estado de emergência. Imaginando-se porventura como La Pasionaria da Alameda, quando afinal é apenas o que sempre foi: uma obediente e diligente funcionária comunista há quatro décadas em "comissão de serviço" na CGTP.

Falar menos e proceder melhor

Pedro Correia, 02.06.20

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O Presidente da República, na linha do que fizera dias antes a directora-geral da Saúde, lembrou-se este domingo, à entrada para a missa na Sé de Lisboa, de dar um ralhete aos jovens.

«Não faz sentido que os jovens estejam a organizar festas com centenas de pessoas e muito próximas, e sem a preocupação de distanciamento. As normas sanitárias devem valer para todos», declarou Marcelo, num esporádico regresso à sua anterior condição de professor. 

 

Creio que este ralhete presidencial chega um pouco tarde.

Devia ter-se ouvido um mês antes, e com outros destinatários, que funcionaram como péssimo exemplo para os jovens. Refiro-me aos dirigentes da CGTP, que - num claro incumprimento das normas sanitárias e do próprio estado de emergência então em vigor, que interditava a circulação interconcelhia - juntaram cerca de mil pessoas na Alameda D. Afonso Henriques, em Lisboa, num verdadeiro comício. Mobilizando para o efeito sindicalistas de concelhos limítrofes - incluindo Loures, Amadora e Seixal, que se encontram entre as áreas agora mais fustigadas pela progressão do Covid-19.

As fotografias na altura publicadas, também aqui, não deixaram lugar a dúvidas: foi um acto de inadmissível irresponsabilidade da central sindical. À qual o Presidente e a directora-geral da Saúde assistiram num respeitoso e resignado silêncio.

Esse mesmo mês de Maio chegou ao fim com números preocupantes: centenas de novas infecções diárias; a maioria dos novos casos ocorre na densa periferia de Lisboa, entre pessoas cujas idades oscilam entre os 20 e os 29 anos; e registamos pela primeira vez mais óbitos do que Espanha.

 

Agora, enquanto sustenta (e bem) que não faz sentido algum os jovens andarem por aí a organizar festas em tempo de pandemia, o Chefe do Estado mantém uma posição dúbia e timorata sobre a Festa do Avante!, que continua marcada para um dos epicentros do contágio - o concelho do Seixal.

Concedendo assim ao PCP o mesmo estatuto de inaceitável privilégio que já havia concedido à CGTP no decreto presidencial. Isto quando o PSD e o Bloco de Esquerda, responsavelmente, já cancelaram eventos similares. Isto quando o próprio partido do Governo tomou a iniciativa de adiar o congresso nacional e o processo de eleição do secretário-geral.

 

Marcelo, que muito antes de ser Presidente já era um académico de mérito reconhecido, é o primeiro a saber que a melhor pedagogia não se faz pela palavra, mas pelo exemplo. 

Menos falatório e melhores exemplos: só assim os jovens levarão a sério as gerações dos seus pais e seus avós.

Tapetes e cascas de banana

Pedro Correia, 05.05.20

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O reitor do Santuário de Fátima acaba de dar uma lição de exemplar civismo à CGTP, que - com o suave beneplácito do Governo e do Presidente da República - juntou no primeiro dia do mês centenas de pessoas na Alameda D. Afonso Henriques, em Lisboa, transportando muitas delas em autocarros a partir de outros concelhos. Num momento em que eram proibidos os ajuntamentos públicos, a circulação interconcelhia era expressamente interditada e o País permanecia sob estado de emergência pela primeira vez na sua história constitucional. Uma escandalosa e vergonhosa excepção ao dever geral de recolhimento domiciliário imposto pelas supremas autoridades do Estado. Como se houvesse regras que se aplicassem apenas à central sindical de maioria comunista e outras destinadas aos restantes cidadãos.

Fez bem a Igreja Católica, pela voz do reitor Carlos Cabecinhas, em reiterar a decisão assumida anteriormente de organizar as celebrações do 13 de Maio este ano sem a presença de peregrinos. As instituições têm de adaptar-se aos contextos - e não são estes que devem moldar-se a elas, nestes dias de pandemia. Se até os Jogos Olímpicos - expressão máxima de convivência e fraternidade a nível mundial - foram anulados este ano, algo que só tinha acontecido durante as guerras mundiais, a "nova normalidade" de que tanto se fala (eufemismo para evitar a palavra anormalidade) deve seguir este padrão. Só a CGTP, na sua cega e obstinada intransigência, parece não ter percebido.

 

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Mas a confirmação de que não haverá peregrinos católicos neste 13 de Maio é também uma resposta firme à titubeante ministra da Saúde, que contradizendo o que o Governo dissera antes - e o que a Igreja Católica já deixara claro - meteu os pés pelas mãos na mais recente entrevista à SIC, ao ser confrontada com o precedente estabelecido para a CGTP.

«Se essa for a opção de quem organiza as celebrações, de organizar uma celebração do 13 de Maio onde possam estar várias pessoas, desde que sejam respeitadas as regras sanitárias, isso é uma possibilidade», declarou Marta Temido. Estabelecendo tal confusão que, certamente por imposição do primeiro-ministro, se viu forçada a fazer no dia seguinte a hermenêutica das suas próprias declarações, estabelecendo «uma diferença entre peregrinos e celebrantes». Como se estivesse a falar para meninos muito pequeninos ou para gente com manifestas dificuldades cognitivas.

 

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Se era uma casca de banana, para a pôr no mesmo patamar de irresponsabilidade da central sindical, a Igreja teve sabedoria suficiente para não escorregar nela. O que só pode justificar elogio nestes dias em que a calamidade sucede à emergência. Numa altura em que até o Presidente da República faz questão em demarcar-se da forma como a central pró-comunista assinalou o 1.º de Maio.

«A minha ideia era mais simbólica e restritiva», declarou ontem Marcelo Rebelo de Sousa aos jornalistas. Como se não soubesse que aquele chocante ajuntamento da Alameda foi propiciado pelo artigo 5.º, alínea t, do decreto de execução do estado de emergência, que ele próprio assinou. «Participação em actividades relativas às celebrações oficiais do Dia do Trabalhador, mediante a observação das recomendações das autoridades de saúde, designadamente em matéria de distanciamento social», era uma das excepções previstas ao dever geral de recolhimento.

Que a CGTP tenha transformado o genérico e vago substantivo "actividades" num comício, parece ter sido novidade absoluta para o nosso supremo magistrado, que se mantém fiel ao seu estilo muito peculiar de comunicar. Neste teatro de sombras da política, enquanto uns estendem cascas de banana, outros vão tirando o tapete. O coronavírus lá vai servindo de desculpa para tudo.

 

Leitura complementar:

O que o Presidente não deve fazer: sacudir a água do capote. De Vital Moreira, na Causa Nossa.

Um novo erro não apaga um erro anterior

Rui Rocha, 02.05.20

Sejamos claros. Mantendo-se as circunstâncias, foi tão vergonhosa a comemoração do 1º de Maio em Estado de Emergência como será uma celebração de 13 de Maio em Fátima em termos semelhantes (autocarros, ajuntamentos, etc.) durante a Calamidade. Permitir a uns o que não se admite a outros está sempre errado. O que a CGTP não provou (e a ICAR também não conseguiria demonstrar para o 13 de Maio do ponto de vista de fé que professa) é que uma celebração dentro do quadro do EE prejudicaria de forma irrecuperável direitos que representa. Sem essa demonstração, o 1 de Maio foi uma excepção injustificável e um exercício arrogante de falta de solidariedade. Um erro grave não se apaga com outro. Neste caso, como (quase) sempre, a lei das compensações só aprofunda a dimensão dos erros, não os repara.

Os inimputáveis

Pedro Correia, 02.05.20

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Ridicularizando o "estado de emergência" que só deixa de vigorar a partir da meia-noite de hoje, a CGTP afrontou ontem a legalidade democrática e as severas normas sanitárias em vigor ao organizar um comício na Alameda D. Afonso Henriques, em Lisboa, com a participação de cerca de um milhar de pessoas, para assinalar o 1.º de Maio.

Isto numa altura em que são expressamente proibidos os ajuntamentos com mais de cinco pessoas. Isto numa altura em que foi suspensa a liberdade de culto, estando os membros das confissões religiosas impedidos de se deslocarem aos respectivos templos. Isto numa altura em que os espectáculos de índole cultural ou desportiva permanecem interditados. Isto numa altura em que subsistem fortes restrições à participação em funerais, impedindo-se familiares e amigos de se despedirem de entes queridos entretanto falecidos. Isto quando foram canceladas as peregrinações do 13 de Maio em Fátima.

 

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A CGTP não se limitou a mobilizar militantes, em claro desafio ao Estado de Direito. Fez deslocar muitos deles em autocarros fretados para o efeito, vários dos quais oriundos de outros municípios, quando o Governo anunciara a proibição expressa de circulação interconcelhia neste fim de semana alargado salvo em casos de absoluta necessidade, e milhares de efectivos policiais patrulham estradas zelando pelo cumprimento destas normas. Numa altura em que se contam já por centenas as detenções por alegado "crime de desobediência" que determinam o pagamento de duras sanções pecuniárias.

Comportando-se como uma espécie de estado dentro do Estado, a CGTP assume-se como aquilo que diz combater: como uma força detentora de privilégios, que manda às urtigas o dever geral de confinamento imposto à generalidade dos cidadãos e menospreza o direito à igualdade que lhe serve de bandeira. Como noutros tempos e noutros locais, confirma-se que também aqui há uns mais iguais que outros. 

 

Estes membros da elite sindical agem como inimputáveis perante o silêncio cúmplice, conformista e resignado das mais elevadas patentes deste Estado que dentro de poucas horas nos fará transitar da emergência para a calamidade. Ridicularizam a ministra da Saúde, que ontem mesmo proferiu estas palavras graves: «Não se espera que os portugueses saiam à rua na segunda-feira como se não estivéssemos debaixo de uma situação epidémica que temos de continuar a manter contida.» E ignoram olimpicamente o comandante das operações da GNR, que também ontem comunicava ao País: «As regras têm, mais que nunca, que ser cumpridas por nós.»

Depois querem que levemos toda esta gente a sério. Mas como?

O "desvio de direita" do PCP

Pedro Correia, 20.08.19

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Esta é, de um ponto de vista do que se convencionou chamar "esquerda", a pior herança da Geringonça: a rendição dos comunistas aos socialistas.

Aquilo a que Álvaro Cunhal sempre denominou "desvio de direita". Chegando ao ponto de fazer expulsar dos órgãos dirigentes do partido - o Secretariado e a Comissão Política - honestos e valorosos militantes que defendiam teses menos aproximadas ao PS do que as hoje vigentes.

Nunca tive uma sensação tão forte de que o PCP está em derrocada - agora no campo sindical, após ter sido derrubado nos seus principais bastiões autárquicos - como no passado dia 15, quando ouvi Jerónimo de Sousa apontar o dedo acusador aos camionistas em greve por melhores salários e maiores direitos.

Disse ele:

«[Esta é] uma greve decretada por tempo indeterminado, com uma argumentação que instrumentaliza reais problemas e o descontentamento dos motoristas, cujos promotores não se importam de dar pretexto à limitação do direito à greve, como se está a verificar.»

 

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O secretário-geral do PCP assume-se assim como fiel aliado do Governo no ataque a sindicalistas que reivindicam salários reais decentes, menos tempo de laboração fora do quadro legal previsto para o horário de trabalho e a justa adequação das remunerações que recebem aos descontos para a Autoridade Tributária e a Segurança Social.

Funcionando, na prática, como ponta-de-lança do Governo PS já na corrida rumo à tão ansiada maioria absoluta.

 

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O líder comunista chegou ao ponto de insinuar que a culpa da inaceitável instrumentalização das forças armadas e das forças policiais contra os grevistas era... dos próprios grevistas

Chegou ao ponto de insinuar que a culpa do desvirtuamento do enquadramento legal dos "serviços mínimos", transformados neste caso afinal em serviços máximos, era... dos grevistas.

Chegou ao ponto de insinuar que o descarado abuso da lei que regulamenta os mecanismos da requisição civil era... dos camionistas em greve.

Que diferença em relação ao comportamento do PCP quando os socialistas estiveram anteriormente no Governo. Num documento que aprovou a 12 de Fevereiro de 2011 definindo as principais linhas de intervenção política do partido nessa recta final do Executivo Sócrates, o Comité Central comunista sublinhava: «As acções de luta realizadas recentemente, como são exemplo as greves e paralisações num conjunto de empresas no sector dos transportes e comunicações (Metro, Carris, Transtejo, Soflusa, CP, EMEF, CP-Carga, REFER, STCP, RBL), nos CTT, INCM, Município de Loures (...) constituem uma importante resposta à ofensiva desencadeada pelo Governo do PS.»

 

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Nunca imaginei ver o PCP alinhado de forma tão despudorada com uma entidade patronal - neste caso, a ANTRAM - para defender o Governo que vem patrocinando há quatro legislaturas e o sindicalismo que lhe está subordinado.

Nunca imaginei ver em sucessivos debates televisivos o representante da CGTP para os transportes alinhado com os patrões contra os seus camaradas no exacto momento em que estes desenvolviam uma «acção de luta».

Nem supus alguma vez que a Fectrans - braço da CGTP para os transportes - assinasse acordos de capitulação com os patrões no preciso momento em que outros sindicatos do sector se encontravam em greve. Assumindo-se assim como uma central sindical "amarela" e "colaboracionista" - acusações que noutros tempos a própria CGTP fazia à UGT.

Não por acaso, todos os comentadores da chamada "direita" se apressaram a enaltecer a «atitude respnsável» do sindicalismo orgânico ligado umbilicalmente aos comunistas. Diz-me quem te elogia, dir-te-ei quem és.

Nestes dias ficou evidente, aos olhos dos portugueses, que o PCP é hoje um partido anti-revolucionário, reformista e conformista. Que não hesita em contemporizar com quem paga salários de miséria para favorecer os lucros milionários das petrolíferas, que não hesita em demarcar-se daqueles que reivindicam melhores condições de vida recorrendo a um instrumento legal e constitucional.

 

5

Conheço Jerónimo de Sousa e respeito o seu percurso.

Mas não consigo acompanhá-lo neste "desvio de direita" que ameaça descaracterizar de vez o PCP como partido que se afirma representante dos trabalhadores por conta de outrem.

Pelo contrário: a cúpula comunista tornou-se, por estes dias, cúmplice do maior atentado ao direito à greve ocorrido em Portugal desde a instauração do regime constitucional de 1976.

Há vinte anos, isto geraria um intenso debate interno no PCP - sei bem do que falo, pois acompanhei em pormenor a vida interna do partido enquanto jornalista. Que neste momento isto só ocorra em franjas marginais da estrutura partidária, com pequenos reflexos nas redes sociais, revela bem até que ponto o partido de Bento Gonçalves e Cunhal se tornou irrelevante. Não apenas no conjunto da sociedade portuguesa mas os olhos dos próprios militantes.

 

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Adenda: É inaceitável que o PCP continue a não ser escrutinado, como se impunha, pelo jornalismo político português. O mesmo que se intromete até na cama dos restantes partidos, se for preciso, mas se mantém respeitosamente do lado de fora da porta da sede central dos comunistas.

Fim do bar aberto?

Diogo Noivo, 30.01.17

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 Carlos Silva tenta explicar a Arménio Carlos o que é um papel assinado

 

Por dever de um ofício que tive em tempos, participei em várias reuniões com centrais sindicais ou com sindicatos a elas associados. Recordo-me que negociar com a UGT e com os seus afiliados era muito duro, tanto do ponto de vista técnico como do ponto de vista político. Não era fácil chegar a acordos, mas era possível. Já com a CGTP o processo era substancialmente mais fácil: raramente se negociava. A central liderada por Arménio Carlos entrava nas negociações dizendo que não ia negociar – porque era contra o sistema capitalista de mercado, porque considerava a austeridade um crime comparável ao Holocausto, ou por qualquer outra razão que não admitia excepções ou cedências. No entanto, exigia sempre permanecer à mesa. Ficava calada, ou a colocar cascas de banana com o intuito de descarrilar o processo negocial. Em resumo, a UGT cedia em troca de cedências dos seus interlocutores; a CGTP queria obter cedências, mas nunca estava preparada para abdicar de uma vírgula.
Outra grande diferença entre as duas centrais sindicais está nos limites. Para a CGTP vale tudo. Em 2013, participei numa negociação com sindicatos afectos à UGT e à CGTP. Foi um processo moroso, difícil, mas lá chegámos a uma base comum de entendimento. Quando nos preparávamos para assinar o acordo, um dos sindicatos próximos da CGTP aparece com uma nova reivindicação: queriam que os trabalhadores em apreço deixassem de pagar a parte correspondente ao subsídio de desemprego na contribuição para a Segurança Social. O argumento? Simples: somos funcionários públicos, nunca seremos despedidos, logo não faz sentido estarmos a contribuir para o subsídio de desemprego dos outros. Importa ter em mente que 2013 foi o annus horribilis do desemprego na Europa. Neste ano os portugueses mostram ter uma solidariedade à prova de bala, mas para este sindicato qualquer argumento – mesmo que eticamente abjecto – valia para dinamitar o acordo.


A única central que obrigou os sucessivos Governos a ceder foi a UGT. Se tivermos presente que os ganhos reais para os trabalhadores se obtêm por via de negociações ou de acordos entre sindicatos, patronato e Governo, uma parte muito importante dos ganhos laborais em Portugal deve-se à UGT. O que tem um custo para esta central sindical. Ao assinarem os acordos são de imediato acusados de traição pela CGTP. Na psique do sindicalismo radical, apostada numa luta que os levará à vitória final, os Governos são por definição entidades mefistofélicas. Como tal, um acordo, mesmo que vantajoso, funda-se num pecado capital inaceitável. No fundo, para a CGTP, entrar num acordo substantivo com um Governo implica mutilar a sua identidade política e ideológica. Por essa razão, em 2006, a única vez em que a CGTP aceitou subscrever um acordo a sério (um momento tão inédito que é considerado um marco histórico), não houve cerimónia de assinatura. A central sindical, liderada na altura pelo inefável Carvalho da Silva, assinava com vergonha, ainda que do acordo resultasse um aumento do salário mínimo. E, claro, foi uma questão de tempo até que a CGTP imputasse os aspectos negativos do documento à UGT.
Carlos Silva, Secretário Geral da UGT, terá chegado ao seu limite. Se a CGTP quer uma adenda ao último acordo de concertação social, então que o assine primeiro. É um mínimo olímpico. Veremos se a CGTP se qualifica. Para a central sindical de Arménio Carlos, a relação com os sucessivos Governos tem sido uma espécie de bar aberto: entram, servem-se, fazem a festa, e alguém que pague a conta. Esperemos que Carlos Silva seja bem-sucedido na missão de trazer um módico de decência ao estabelecimento.

Quem os viu e quem os vê (2)

Pedro Correia, 19.10.16

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Em Agosto de 2011, com o País submetido ao resgate financeiro de emergência, sob a tutela simultânea de três organismos internacionais, a CGTP vinha para a rua, reivindicando a plenos pulmões o "aumento extraordinário de 25 euros para as pensões mínimas".

Cinco anos depois, saudando o Orçamento do Estado tripartido - com o carimbo simultâneo do PS, BE e PCP - a mesma CGTP deixou cair aquela reivindicação, aceitando pelo contrário que os beneficiários das pensões mínimas, que auferem entre 202,34 euros e 380,56 euros, sejam  expressamente marginalizados no Orçamento do Estado para 2017.

Arménio Carlos, que acumula a liderança da central sindical com um assento no Comité Central do PCP, acolhe o OE de polegar levantado para cima, com uma resignação inédita: "Roma e Pavia não se fizeram num dia." Aguardo que algum jornalista lhe pergunte pela antiga reivindicação do "aumento extraordinário das pensões mínimas", aparentemente tornada obsoleta com a mudança de governo. Seja qual for a resposta, sei de antemão que o polegar não se virará para baixo.

Hoc est enim corpus meum

Pedro Correia, 06.04.12

Meio século depois, Cuba volta a celebrar a Sexta-Feira Santa como feriado nacional. As autoridades comunistas corresponderam assim a um pedido expresso do Papa Bento XVI na sua recente deslocação ao país. Foi preciso outro chefe da Igreja Católica visitar Havana - João Paulo II, em 1998 - para os trabalhadores cubanos poderem assinalar o Natal como dia festivo após quase três décadas de proibição: Fidel Castro havia cancelado em 1969 o feriado natalício com o argumento de que "interferia nos trabalhos da colheita do açúcar". Se não fosse "socialista", certamente não faltaria quem o acusasse de tenebrosas tendências neoliberais...

Em Portugal, a CGTP defende a manutenção dos feriados religiosos dizendo - e com razão - que devem merecer tanto respeito como o 1º de Maio ou o 25 de Abril. Algo que os sindicalistas portugueses terão certamente transmitido aos seus camaradas cubanos quando lá se deslocaram, vai fazer em breve um ano, para assistirem à comemoração do Dia do Trabalhador. Ou quando lá estiveram, no ano anterior. Acredito que o ex-secretário-geral da CGTP, Manuel Carvalho da Silva, tenha defendido algo semelhante durante a sua visita a Havana em Julho de 2009.

A fé move montanhas. Até num país governado desde 1959 por um partido que só em 1991, durante o seu quarto congresso, começou a tolerar militantes com assumida crença religiosa. "Paris vaut bien une messe", proclamou Henrique IV em 1593 ao converter-se ao catolicismo. Porque não há-de o general Raúl Castro pensar o mesmo nesta quadra pascal?

O homem duplicado

Pedro Correia, 30.01.12

 

Há oito anos, escrevi no Diário de Notícias que Arménio Carlos seria o sucessor de Manuel Carvalho da Silva na CGTP. Lembro-me de que na altura não foi fácil encontrar fotografia do obscuro coordenador da União dos Sindicatos de Lisboa, então totalmente desconhecido da opinião pública. Sabia-se, isso sim, que a cúpula comunista estava irritada com as contínuas fugas à ortodoxia de Carvalho da Silva e pretendia substituí-lo por um homem aparentemente mais duro mas afinal muito mais dócil no cumprimento das directivas partidárias. Por um motivo fácil de explicar: a CGTP é o mais poderoso instrumento de acção estratégica do Partido Comunista, que após ter perdido os seus bastiões operários e autárquicos recuou com a tenacidade de sempre -- um passo atrás, dois passos à frente, recomendava Lenine -- para o seu derradeiro reduto, o do sindicalismo nas áreas da administração pública e das empresas públicas, designadamente na área dos transportes. Quanto mais Estado, tanto mais a CGTP se robustece. E quem diz CGTP diz PCP. Não faz qualquer sentido a actual correlação de forças -- firmada durante os anos do "processo revolucionário" -- na cúpula da central sindical onde os comunistas estão em larga maioria, remetendo independentes, socialistas, católicos e bloquistas para posições minoritárias. Algo sem paralelo na sociedade portuguesa.

Essa foi talvez a cacha mais fácil da minha carreira jornalística, à semelhança de outra -- que escrevi com meses de antecedência -- em que garantia, também no DN, que Jerónimo de Sousa seria o sucessor de Carlos Carvalhas como secretário-geral dos comunistas. Porque não há nada mais previsível do que o ritmo "lento" e "vertical" -- sem qualquer traço revolucionário -- em que ocorre o processo de tomada de decisão no PCP. E se a ascensão de Arménio Carlos acabou por ficar quase uma década no congelador isso deveu-se apenas à fortíssima popularidade de Carvalho da Silva na sociedade portuguesa, alcançada não por causa da sua ligação enquanto militante de base aos comunistas mas apesar dela.

 

Virada a página, reforça-se a ligação orgânica da central ao partido com a promoção a dirigente máximo de um membro (desde 1988) do Comité Central do PCP, vinculado às rígidas normas de disciplina interna impostas pelo "centralismo democrático". Esta subordinação -- que Carvalho da Silva nunca aceitou na integridade -- torna agora mais nítido o controlo comunista da CGTP, onde o direito de tendência é rigorosamente interdito e as "minorias" (largamente maioritárias na sociedade) servem apenas para conferir um vago verniz pluralista a uma organização que o PCP passa a tutelar de forma ainda mais inflexível.

Era isto que eu gostaria de ter visto dissecado e debatido nos dias que precederam a entronização de Arménio Carlos, o homem que se prepara para duplicar sem deslizes o discurso sindical de Jerónimo de Sousa em todos os telejornais, tal como o PEV duplica a retórica comunista na frente parlamentar. Mas isso seria talvez exigir demasiado de um certo jornalismo e de uma certa "opinião" que se esgotam na poeira do instantâneo sem repararem no essencial.

Publicado também aqui

E o reaccionário sou eu?

Ana Margarida Craveiro, 20.06.11

Há coisas que nunca mudam. Ontem a Sic passou uma Grande Reportagem sobre gente que tinha dado a volta ao desemprego. Basicamente, apresentava casos de sucesso de gente que se recusou a desistir face à perda de emprego: um casal montou uma carrinha de lavagem de cães e gatos, outro montou uma empresa de limpezas, três ex-operários compraram as máquinas da fábrica fechada e são agora exportadores, e por aí fora. Nenhum omitiu a dificuldade da nova situação, nenhum falou em mares de rosas. Trabalham agora sete dias por semana, com uma responsabilidade enorme em cima dos ombros, mas trabalham. E levam dinheiro para casa. A jornalista resolveu perguntar então a um líder ou porta-voz da CGTP o que pensava do assunto. A resposta foi alucinante: do alto de um paternalismo inenarrável, o tal sindicalista (com emprego certo, pois então) dizia que nem todos podem ser empreendedores, e que criar empresas é muito complicado, porque estes trabalhadores ganham esperanças e depois podem perder tudo de novo. Terminava dizendo que ainda é mais difícil dado que passam à condição de patronato, e toda a gente sabe o que isso quer dizer. Eu juro que não entendo. O reaccionarismo daquela cabeça bolorenta é tanto que prefere o desemprego ao sucesso. Pobrezinhos, mas honrados, que isso de ser patrão é coisa para cair no inferno. E pobrezinhos, mas honrados, porque ninguém deve sair do seu cantinho de operário ou de empregado. A ordem social existe por algum motivo, não é para ser alterada. Já agora, a taxa de insucesso destes novos empreendedores é de 7% ao final de dois anos. Quer isto dizer que 93% garantem o seu próprio emprego, quando não criam até emprego para outros. Mas para os nossos sindicatos são uns traidores da sua situação de pobrezinhos. Ah, Salazar, Salazar, ainda estás em tanto lado.