Extremismo contra os «ricos» e o «lucro»
Vejo Mariana Mortágua sempre de ar carrancudo, como se tivesse eternas contas a ajustar com o mundo. Brada agora contra o «discurso extremista» de Luís Montenegro. Imputação patética, quando da banda oposta há quem acuse o primeiro-ministro de «vender-se ao PS».
É extraordinário que pretenda dar lições de anti-extremismo, a pretexto do recente congresso do PSD. Sendo coordenadora do Bloco de Esquerda, precisamente o único partido parlamentar que recusou fazer-se representar na reunião magna dos sociais-democratas. Gesto extremista. Como se sentisse asco em imaginar-se ali. Sem cumprir regras de elementar cortesia democrática. Ao contrário do que fizeram PS, Chega, IL, PCP, Livre, CDS e PAN.
Nada mais natural nela, aliás, do que a exibição do extremismo. Quando dispara contra os «ricos», quase cuspindo tal palavra. Quando diaboliza o «lucro», palavra interdita no léxico bloquista - como se preferissem o seu antónimo, prejuízo. Quando menciona a «direita» com desprezo visceral que lhe franze ainda mais o cenho.
Comparada com ela, Catarina Martins tornou-se modelo de moderação: não por acaso, a actual eurodeputada chegou em tempos a aludir ao suposto carácter «social-democrata» do programa do Bloco. Frase que jamais imaginaríamos proferida pela sua sucessora na sede da Rua da Palma.
Mas afinal o que propõe o «extremista» Montenegro?
Acordo imediato com Madrid para o pagamento da utilização da albufeira de Alqueva por agricultores espanhóis e a garantia de caudais mínimos no Tejo - bandeiras ambientalistas. Reforçar o policiamento de proximidade e ampliar o recurso a sistemas de videovigilância no combate ao crime - medidas que o trabalhista Keir Starmer pôs em vigor no Reino Unido. Lançar um projecto de reabilitação da Área Metropolitana de Lisboa que tem como primeiro pólo um denominado Parque Humberto Delgado - o mais célebre dissidente do salazarismo. Conceder a 150 mil doentes o acesso aos medicamentos hospitalares em farmácias de proximidade - promessa da defunta geringonça que ficou por cumprir. Garantir a universalidade do acesso ao ensino pré-escolar - antiga reivindicação da esquerda parlamentar. Duplicar as verbas de apoio às vítimas de violência doméstica - causa que o próprio BE abraça.
Conclusão: fez bem Mortágua em ordenar aos seus camaradas para nenhum deles comparecer em visita ao congresso laranja. Podiam ficar contaminados pelo «extremismo». E sair de lá tão «sociais-democratas» como Catarina Martins.