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Delito de Opinião

Extremismo contra os «ricos» e o «lucro»

Pedro Correia, 22.10.24

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Vejo Mariana Mortágua sempre de ar carrancudo, como se tivesse eternas contas a ajustar com o mundo. Brada agora contra o «discurso extremista» de Luís Montenegro. Imputação patética, quando da banda oposta há quem acuse o primeiro-ministro de «vender-se ao PS».

É extraordinário que pretenda dar lições de anti-extremismo, a pretexto do recente congresso do PSD. Sendo coordenadora do Bloco de Esquerda, precisamente o único partido parlamentar que recusou fazer-se representar na reunião magna dos sociais-democratas. Gesto extremista. Como se sentisse asco em imaginar-se ali. Sem cumprir regras de elementar cortesia democrática. Ao contrário do que fizeram PS, Chega, IL, PCP, Livre, CDS e PAN. 

Nada mais natural nela, aliás, do que a exibição do extremismo. Quando dispara contra os «ricos», quase cuspindo tal palavra. Quando diaboliza o «lucro», palavra interdita no léxico bloquista - como se preferissem o seu antónimo, prejuízo. Quando menciona a «direita» com desprezo visceral que lhe franze ainda mais o cenho.

Comparada com ela, Catarina Martins tornou-se modelo de moderação: não por acaso, a actual eurodeputada chegou em tempos a aludir ao suposto carácter «social-democrata» do programa do Bloco. Frase que jamais imaginaríamos proferida pela sua sucessora na sede da Rua da Palma.

 

Mas afinal o que propõe o «extremista» Montenegro?

Acordo imediato com Madrid para o pagamento da utilização da albufeira de Alqueva por agricultores espanhóis e a garantia de caudais mínimos no Tejo - bandeiras ambientalistas. Reforçar o policiamento de proximidade e ampliar o recurso a sistemas de videovigilância no combate ao crime - medidas que o trabalhista Keir Starmer pôs em vigor no Reino Unido. Lançar um projecto de reabilitação da Área Metropolitana de Lisboa que tem como primeiro pólo um denominado Parque Humberto Delgado - o mais célebre dissidente do salazarismo. Conceder a 150 mil doentes o acesso aos medicamentos hospitalares em farmácias de proximidade - promessa da defunta geringonça que ficou por cumprir. Garantir a universalidade do acesso ao ensino pré-escolar - antiga reivindicação da esquerda parlamentar. Duplicar as verbas de apoio às vítimas de violência doméstica - causa que o próprio BE abraça.

Conclusão: fez bem Mortágua em ordenar aos seus camaradas para nenhum deles comparecer em visita ao congresso laranja. Podiam ficar contaminados pelo «extremismo». E sair de lá tão «sociais-democratas» como Catarina Martins.

Um governo em desagregação

«Ser casada com alguém que foi acusado põe em causa a ética?»

Pedro Correia, 06.01.23

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Ana Catarina, António Costa e Mariana Vieira da Silva ontem na AR: linguagem facial expressiva

 

Catarina Martins, ontem (16.02), na Assembleia da República:

«A cada caso que é encerrado, a cada nomeação que é feita, abre-se um novo caso. Não é pelo menos absolutamente imprudente a forma como o Governo tem lidado com as nomeações e as responsabilidades dos seus membros? Não é absolutamente imprudente que depois de demissões com base em perguntas com tanto por explicar a primeira coisa que o Governo faça é mais uma nomeação em que precisa de explicar o que na verdade parece tão inexplicável à maioria dos cidadãos deste país? Como é que se pode explicar esta displicência da maioria absoluta, esta displicência do PS para com a coisa pública, para com a democracia, para as suas instituições?»

 

António Costa, ontem (16.10), na Assembleia da República:

«Supreende-me muito que seja uma deputada do Bloco de Esquerda a colocar a questão sobre a necessidade de demitir uma mulher do Governo porque o marido é acusado num processo-crime. Este caso é particularmente claro. É um caso concreto onde o Ministério Público já investigou tudo e acusou só uma pessoa. Então vou ser eu a substituir-me ao Ministério Público e vou demitir a mulher de alguém porque o marido é acusado? A secretária de Estado não foi acusada de nada. Ser casada com alguém que foi acusado põe em causa a ética? Senhora deputada: acho muito triste ser necessário, no século XXI, ter de recordar à líder do Bloco de Esquerda algo que é uma conquista civilizacional.»

 

Catarina Martins, ontem (16.15), na Assembleia da República:

«Respondeu-me com matéria criminal quando eu lhe falei em ética republicana. Esse é um erro preocupante. Este Governo acha sempre que tudo pode acontecer desde que não seja crime, ainda que ponha em causa o interesse público e a confiança da população nas instituições.»

 

António Costa, ontem (17.10), na Assembleia da República:

«Irei propor ao senhor Presidente da República que consigamos estabelecer um circuito, entre a minha proposta e a nomeação dos membros do Governo, que permita evitar desconhecer factos que não estamos em condições de conhecer e garantir maior transparência e confiança de todos no momento da nomeação. Falarei primeiro com o Presidente da República e depois direi o que tenho a propor

 

Marcelo Rebelo de Sousa, ontem (18.52), falando aos jornalistas em Lisboa:

«Do ponto de vista do Direito, [a secretária de Estado Carla Alves] não é arguida, não é acusada, não há neste momento, com os factos conhecidos, nenhum caso de ilegalidade. Outra coisa é a questão política. E naturalmente, a questão é a seguinte: alguém que tem uma ligação familiar próxima com alguém que é acusado num processo de determinada natureza criminal, tem à partida uma limitação política. É um ónus político. Não é um problema jurídico nem - para já - ético. Politicamente, é evidente que é um peso político negativo. É uma realidade que constitui uma limitação política, à partida, para o exercício da função.»

«A haver uma intervenção para apurar problemas de legalidade ou impedimentos relativamente a quem vai ser nomeado para determinados casos, deve ser antes de o Governo apresentar a proposta. (...) O Presidente não se pode substituir ao primeiro-ministro. Se for o Presidente a formar os governos, o sistema passa a ser presidencialista.»

 

Comunicado do gabinete da ministra da Agricultura, ontem (19.58):

«A secretária de Estado da Agricultura, Carla Alves, apresentou esta tarde a sua demissão por entender não dispor de condições políticas e pessoais para iniciar funções no cargo. A demissão foi prontamente aceite [26 horas após a tomada de posse].»

 

Mensagem do primeiro-ministro no twitter, ontem (21.40):

«O Governo mantém-se firme na execução das suas políticas, cumprindo e honrando os compromissos com os portugueses [após 12 demissões em nove meses].» 

Alta pressão em maré baixa para o Bloco

Catarina Martins

Pedro Correia, 18.11.21

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Ela começa agora a experimentar na pele o que é a artilharia socialista em campanha. Ainda os motores mal aqueceram rumo às legislativas. Em ocasiões como esta, os socialistas apresentam-se «unidos como os dedos da mão», para citar um verso de José Gomes Ferreira cantado com música de Fernando Lopes Graça antes de haver democracia em Portugal.

O primeiro a desembainhar a espada foi alguém insuspeito de antipatia por frentismos de esquerda: Manuel Alegre, em entrevista à TSF. «O PS não pode ser barriga de aluguer de partidos com menos votos que procuram impor os seus programas à custa do mais votado», declamou o poeta, em prosa inequívoca.

Depois surgiu António Costa. Na RTP, dando o mote à campanha eleitoral. Sem contemplações para a coordenadora nacional do Bloco de Esquerda, por quem não nutre qualquer carinho. O primeiro-ministro sabe que Catarina Martins, se tivesse voto na matéria, elegeria Pedro Nuno Santos como líder socialista. As palavras mais cáusticas, na longa entrevista à televisão pública, tiveram-na como alvo: «A Catarina Martins diz todos os dias que é preciso tirar António Costa da liderança do PS para haver entendimento à esquerda. Apesar de tudo, quem manda ainda no PS são os militantes, não é a Catarina Martins.»

É raro ouvirmos Costa falar assim – muito menos visando uma antiga companheira de viagem. Mas o percurso agora é outro: o PS anseia a maioria absoluta e acelera nessa direcção. «Depois das eleições, é com António Costa que espero negociar soluções», reagiu ela timidamente, no Twitter. Já na defensiva.

Dias antes, falando aos camaradas no Coliseu do Porto, acusara o chefe do Governo de «quebrar pontes com a esquerda» e o Presidente da República de provocar «esta crise artificial e desnecessária». Como se as regras do jogo, ditadas com antecedência em Belém, não tivessem sido claras: ou haveria Orçamento do Estado para 2022 – que o Bloco chumbou – ou eleições antecipadas. Num país com dois milhões de pobres, mais de um milhão sem médico de família, 23% de desemprego jovem e a terceira maior dívida da União Europeia. Com o Serviço Nacional de Saúde em risco de colapso, o salário médio cada vez mais colado ao salário mínimo e a inflação ameaçando depreciar ainda mais o poder de compra.

Catarina Soares Martins, 48 anos, tem motivos para recear a campanha eleitoral, onde o capital de queixa do PS contra o BE será exibido sem pudor. A porta-voz bloquista, há nove anos nestas funções, enfrentará dura prova a 30 de Janeiro. Em maré baixa para o seu partido, que perdeu 34 mil votos e dois terços dos escassos vereadores nas autárquicas de Setembro.

Já tinha visto fugir 50 mil votos nas legislativas de 2019 e cerca de 300 mil nas presidenciais de Janeiro. Incapaz de definir um rumo estratégico, angustiada perante a dúvida hamletiana de ser voz de protesto como o PCP ou peça de governo enquanto parceiro menor dos socialistas. O eleitorado decidirá por ela. Faltam sete semanas.

 

Texto publicado no semanário Novo

Gente sem condições

João Pedro Pimenta, 19.05.21

Hoje, depois de se saber que Rui Moreira ia a julgamento por causa do caso Selminho (oportuníssimo ser a cinco meses das eleições, mas adiante), dizia que não faltariam os oportunistas a tentar tirar proveito da situação.

Eles aí estão: Catarina Martins veio logo afirmar que "Rui Moreira não tem condições para continuar na câmara". Isto dito pela líder (ou "coordenadora") de uma formação que em cinco eleições possíveis NUNCA conseguiu elegeu um único vereador para a CM do Porto - talvez pelo Bloco portuense ser exclusivamente composto por sociólogos ou actores, como a própria Catarina - e que noutras autárquicas já apresentou candidatos que estiveram nas FP-25. Um deles apareceu mesmo no outro dia a escrever (entre outros textos com imensos erros) que não se arrependia de nada e que os assassínios cometidos "tinham mesmo de ser", antes de apagar a mensagem

Quem é que não tem condições mesmo?

O estado da arte

jpt, 25.10.20

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Raramente leio o "Expresso". E nunca leio Clara Ferreira Alves. Ontem uma amiga convocou-me: "Lê a crónica da CFA". Li. E recomendo-a, pois é uma boa descrição do actual "estado da arte" português. Trata-se de "O Torso Dispensável".

(Como o texto tem acesso reservado a assinantes poder-se-á ler uma transcrição parcial, mas quase completa, aqui.)

O Padre Vieira e a Coordenadora Martins

jpt, 14.06.20

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(Catarina Martins) diz que pichagem na estátua do padre António Vieira visou descredibilizar movimento anti-racista.

Podemos concordar ou discordar dos conteúdos intelectuais e políticos do movimento anti-racista, ou das suas expressões públicas. Mas isso não nos impedirá de concordarmos no desagrado com os políticos que mentem. 

Ora estas afirmações da coordenadora Martins são uma óbvia mentira, e ela sabe-o. A alusão a conspirações e a agentes infiltrados, "provocatórios", foi retórica constante no movimento comunista internacional. E se há proclamação que demonstra a continuidade da filiação daquela coligação no ideário comunista é esta falsária atoarda. Apesar de Martins andar por aí a apresentar-se como de "programa social-democrata".

O escárnio gráfico (facilmente reparável) em peças de escasso valor patrimonial não é grave, apenas irritante. E os jovens que meio-militam neste meio-movimento dentro de 10 anos serão doutores, muitos dos quais trabalhando em organismos públicos e nisso ciosos do "seu" património, estatutário no funcionalismo, e o material-simbólico que esteja sob a tutela dos seus chefes. E, pois se agora já algo politizados, logo se inscreverão no PS do momento. Alguns, mais abonados, ainda andarão pelos movimentos que são BE até poderem ambicionar o posto de chefe de secção, e então passarão definitivamente à casa-mãe. Tudo isto sem ondas. Pois não há nada de novo sob este Sol, está escrito num texto que é património.

Mas o agora relevante é a aldrabice da coordenadora comunista, a demonstrar-lhe o âmago. De facto, as pirraças gráficas são um mimetismo do que vem sendo feito noutros países. Mas são também uma tradição portuguesa. E no caso deste movimento dito anti-racista, e que recentemente foi muito propagandeado pela coligação entre secessionistas do BE e plumitivos socratistas, é uma actividade consagrada, e até recomendada, como meio de afirmação. Não é, e Martins sabe-o, obra de "agentes provocadores".

Exemplifico essa consagração deste meio de afirmação. Na imprensa nacional o jornal que mais tem acarinhado este movimento político é o "Público". Em 2 de Fevereiro publicou um longo texto de autoria de 4 académicos "O Padre Vieira no país dos cordiais", no qual, entre outras matérias, é zurzida a nova (e tão pobre) estátua. O artigo é interessante e levanta pontos de forma competente. Acima de tudo, para meu gosto, refere que as críticas ao "anacronismo" destes juízes da História estão também elas pejadas de anacronismos. E nisso têm razão os autores. Ainda que não consigam chegar à conclusão óbvia: as causas exacerbadas conduzem ao estupor argumentativo. Mas porventura nunca poderão aí chegar, devido a limites próprios.

Nesse artigo foi, implicita e intrinsecamente, louvada a acção de "recontextualização" das estátuas (a de Vieira e outras), "intervencionadas" pois "pichadas" com "mensagem (...) firme". E foi refutada a acusação de "vandalismo" a tais práticas pois tratam-se de "dissidência cívica": "Porém, trata-se daquilo a que Frédéric Gros chamou dissidência cívica (Désobéir, 2018). Aquilo que os pichadores fazem não é mais do que se reconhecerem a si mesmos como sujeitos políticos, no quadro da reinvenção de uma democracia que se quer crítica e interrogativa. A “merda” que os pichadores do Porto incordialmente demandam que seja retirada é uma estátua mas é também, e sobretudo, a materialidade dos consensos impostos no espaço público; o fim da hegemonia narrativa imposta pelos seus guardiães."

Não estou a dizer que os 4 autores do artigo são instigadores ou responsáveis, ou vândalos. O que digo é que estes urros gráficos são uma constante neste movimento (e noutros) e que são uma expressão consagrada e louvada pelos intelectuais integrantes, esses com estatuto académico e militância política suficientes para acederem ao "Público". E que, em assim sendo, é óbvio que as invectivas gráficas não são obras dos tais imaginários "agentes provocadores" que a coordenadora Martins vem brandir.

Uns rabiscos e uns palavrões numa estátuas a que poucos ligam não são relevantes - mostra-o o estado "grafitado" das cidades portuguesas. O relevante é termos dirigentes políticos que mentem com toda a desfaçatez. Isso é que é importante. E Martins está aqui a mentir com a boca toda, apesar da máscara que usa. E eu troco a patética estátua do Vieira, e mais algumas, por um dirigente, ou mesmo mais alguns, que não minta(m) com tamanha impudicícia. Este movimento, se não fosse apenas meio-movimento de jovens esparvoados e de académicos demagogos, poderia pensar nisso.

Fora da caixa (11)

Pedro Correia, 19.09.19

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«O crime da violação do segredo de justiça dá-se por diversas vias

Rui Rio, ontem, no debate radiofónico

 

Inútil pensar que ele muda: este homem não tem emenda. Embalado com a sua prestação relativamente positiva no debate televisivo com António Costa, para o qual partiu com expectativas muito baixas e em que o líder socialista tudo fez para nunca o hostilizar, Rui Rio voltou a mostrar-se impreparado e errático no debate radiofónico que ontem reuniu os seis principais dirigentes partidários. Com palco simultâneo na Antena 1, Renascença e TSF.

A despesa da crítica ao Governo - repetindo, aliás, o que sucedeu na metade final desta legislatura - esteve a cargo de Assunção Cristas: só ela é capaz de arrancar Costa àquela espécie de letargia que o envolve nas recentes aparições públicas. Rio, sem mostrar a menor sintonia com a líder do CDS, não ousou beliscar a "geringonça", preferindo fixar a pontaria em dois dos seus alvos de estimação: juízes e jornalistas. No dia em que um secretário de Estado era forçado a abandonar o Governo - onde já se contabilizam 25 demissões - por suspeitas de corrupção, participação económica em negócio e fraude na obtenção de subsídio - o presidente do PSD aproveitou para fazer a apologia do combate à promiscuidade entre negócios e política? Nem pensar: disparou antes contra as «fugas de informação» alegadamente promovidas pelo Ministério Público e sobretudo contra os meios de comunicação social graças aos quais os portugueses se apercebem de que há políticos suspeitos de práticas delituosas.

Nunca vemos Rio tão arrebatado como nestas ocasiões em que declara guerra aos órgãos informativos: «O crime da violação do segredo de justiça tem que ser aplicado a todos os portugueses!», bradou o sucessor de Passos Coelho no comando do partido laranja. Precisamente quando a imprensa noticiava a realização de «buscas em oito habitações e 46 locais, incluindo o Ministério da Administração Interna e a sede da Protecção Civil no âmbito do caso da compra das golas anti-fumo». Com Rio a mandar, tais notícias seriam substituídas por um ordeiro, respeitoso e monacal silêncio. Jornalista que cumprisse o seu dever, publicando notícias, iria parar à cadeia.

Felizmente alguém lhe deu o merecido troco neste debate. Foi Catarina Martins, dizendo estas palavras simples e claras: «Limitar a liberdade de imprensa e perseguir jornalistas para resolver um problema do Ministério Público, é atacar a democracia. Não podemos permitir isso porque não há democracia sem imprensa livre. Os jornalistas têm o direito de fazer o seu trabalho, têm o direito de proteger as suas fontes, e nós dependemos também do trabalho da imprensa para combater a corrupção.»

Assim vai a política portuguesa: o BE dá lições de moderação e bom senso ao PSD.

 

ADENDA: Presidente da Protecção Civil, no cargo desde 2017, também é arguido. Rio não comenta, certamente exasperado com tanta «violação do segredo de justiça».

Fora da caixa (5)

Pedro Correia, 09.09.19

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«O programa do Bloco é social-democrata.»

Catarina Martins, em entrevista ao Observador (2 de Setembro)

 

Não sei o que terá acontecido a ambas. Tão duras, enérgicas e rebarbativas na campanha para as eleições europeias, tão doces, etéreas e cândidas nesta caminhada para as legislativas.

Convenço-me de que as duas se abastecem de sabedoria junto do mesmo tipo de guru. Alguém que lhes sussurra: limem arestas, falem com voz pausada, sorriam muito na pantalha. Mesmo que Rio vos mire com desprezo, mesmo que Costa vos triture com metralhas verbais.

E elas assim fazem: Assunção Cristas, outrora émula da brava Padeira de Aljubarrota, surge-nos com maviosos trinados de rouxinol; Catarina Martins, que já se assemelhou à indomável Maria da Fonte, parece agora estagiar para Madre Teresa de Calcutá.

Os gurus pós-modernos recomendam-lhes: não caiam na tentação do azedume, que provoca inúteis rugas de expressão e afugenta a clientela eleitoral. Pratiquem a castidade ideológica, previnam-se contra tentações radicais. 

Serão conselhos presumivelmente sábios. Mas receio que a coordenadora do BE ande a exagerar nas práticas revisionistas que a tornam quase irreconhecível. Confessar-se «social-democrata», nesta altura do campeonato, pode tresandar a eleitoralismo desbragado junto das pituitárias mais sensíveis.

E que diria o velho Trotsky, mentor da primeira geração de dirigentes do Bloco? «Ao prolongar a agonia do regime capitalista, a social-democracia conduz somente à decadência ulterior da economia, à desintegração do proletariado, à gangrena social», uivava o velho áugure num dos seus textos doutrinários que moldaram o pensamento do doutor Louçã.

Os resíduos trotsquistas são hoje uma curiosidade arqueológica no BE. Não me admirava que o neoguru de Catarina lhe recomendasse ao ouvido, insuflado de espírito feelgood: «Na próxima entrevista diga que o seu autor de cabeceira é Paulo Coelho.»

Fora da caixa (3)

Pedro Correia, 07.09.19

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«Um programa de Governo não pode ser uma lista de prendas de Natal.»

António Costa para Catarina Martins (ontem, na RTP)

 

Os eleitores de centro-direita, que andavam desconcertados por falta de representação política nesta campanha legislativa, encontraram enfim alguém que fala para eles: António Costa. O secretário-geral do PS, depois de ter feito um nó cego ao PSD e ao CDS na campanha europeia a propósito da questão da contagem do tempo de serviço dos professores, em nome do rigor das contas públicas, adopta agora idêntica estratégia para estancar as perspectivas de crescimento do Bloco de Esquerda. Tarefa que parece exercer sem rebates de consciência, indiferente ao facto de os bloquistas lhe terem estendido a passadeira vermelha ao longo da legislatura.

O outro, comportando-se com a inconsciência narcísica dos adolescentes, proclamava-se "animal feroz". Mas a ferocidade mais temível, como os livros ensinam, é a dos que aparentam placidez. Catarina Martins que o diga: foi ontem arrasada sem contemplações, num frente-a-frente na RTP, pelo mesmo político que recebeu o seu abraço efusivo em forma de voto legitimador de quatro orçamentos do Estado. Em louvor à memória da defunta geringonça, subsistiam sorrisos naquele estúdio - mas o de Costa era de aço. O sorriso gélido de quem marcha para a guerra disposto a não fazer prisioneiros.

Andava a doce Catarina a colher papoilas nesse jardim das delícias que é o programa eleitoral do BE quando Costa, mirando com enfado o mesmo documento, a alvejou com fogo verbal: «Isto é absolutamente irrealizável.»

O advérbio de modo, certamente não escolhido por acaso, sugeria sem ambiguidades o que figura no topo da lista das prendas de Natal do primeiro-ministro: governar sem a muleta bloquista. Mas para que isto se tornasse ainda mais evidente Costa aplicou a Martins um gancho de direita: «O BE propõe-se contrair dívida para nacionalizar um conjunto de empresas. Gastar 10 mil milhões de euros a nacionalizar a Galp significa o mesmo montante da despesa corrente do Serviço Nacional de Saúde. Qual é o sentido desta despesa?»

Aberta a época da caça ao voto da direita, que Rui Rio deixou em estado de orfandade, o líder do PS supera a concorrência com larga vantagem: estrangulou o défice e bate-se contra as nacionalizações, fazendo das regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento as suas tábuas da lei.

O centro-direita tem motivos para celebrar: volta a ter um líder em Portugal.

As "folhas secas" de Caracas

Pedro Correia, 01.05.19

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É, desde já, uma das imagens do ano. E também uma das mais chocantes. Um blindado antimotim da Guarda Nacional Bolivariana salta um separador numa larga via circular de Caracas e arremete a toda a velocidade rumo à faixa contrária, onde se agrupam largas dezenas de manifestantes desarmados, atropelando-os sem piedade, como quem esmaga folhas secas no alcatrão. Logo alguns ficam estendidos no solo, ignorando-se o que lhes sucedeu.

O mundo inteiro viu: esta é a verdadeira face da ditadura de Nicolás Maduro. Um regime que apregoa o socialismo revolucionário enquanto reprime, esmaga e tortura os humildes que ousam contestá-lo. Um regime que encerra órgãos de informação, censura vozes livres, aprisiona deputados e autarcas, silencia cadeias de televisão internacionais e suprime comunicações telefónicas, asfixiando a liberdade. Um regime que condena a população à penúria, à desnutrição e ao desabastecimento dos bens essenciais. Nos últimos oito anos, os venezuelanos perderam em média oito quilos por efeito da fome endémica e da falta de proteínas. Enquanto o ditador, encerrado no palácio, vai engordando.

 

Falta tudo em Caracas: luz, água, alimentos e medicamentos. Só não faltam os crimes: é a capital onde se regista a maior taxa de homicídios do planeta, quase todos permanecendo impunes, grande parte deles cometidos pelos chamados "colectivos", gangues armados até aos dentes por Maduro para esmagar focos oposicionistas nos bairros populares, funcionando como a face mais negra e sangrenta do regime.

A Venezuela é também o país com a maior taxa de inflação a nível mundial: 10.000.000% ao ano, algo impensável para os nossos padrões europeus. Nada se consegue pagar com o dinheiro da treta, que não vale sequer o papel em que é impresso, no país que possui as maiores reservas de petróleo do hemisfério ocidental. Enquanto o caudilho se entrincheira num bunker palaciano, vigiado a todo o momento pela guarda pretoriana que Cuba lhe forneceu, totalmente isolado do povo, há largos meses sem descer à rua. Transformado num títere de Havana.

 

O mundo inteiro viu o Golias blindado, ao serviço da revolução falhada, esmagar os Davids civis que se atreveram a protestar contra a tirania. O mundo inteiro indignou-se. Todo? Não, todo não. Para Catarina Martins, coordenadora do BE, a culpa da fome, da miséria e da repressão armada na Venezuela socialista resulta da «ingerência máxima» dos Estados Unidos. Debitando a vulgata pró-soviética dos tempos da Guerra Fria. Evitando cuidadosamente pronunciar uma só palavra de crítica a Maduro.

Como se não tivesse observado as imagens de Caracas. Ou - pior ainda - como se as tivesse visto e ficasse indiferente a elas.

Trumps nacionais

José António Abreu, 27.03.17

Catarina Martins propõe saída do euro.

Evidentemente, e não obstante a demagogia com que abordam estes assuntos ser igualzinha à do presidente norte-americano ou de Marine Le Pen (podiam ou não ser declarações de Catarina Martins?), ninguém os classifica como tal - afinal são simpáticos para os imigrantes e nem chamam terroristas aos terroristas. Por cá, raros se atrevem sequer a afirmar serem precisamente as políticas da Geringonça a empurrar o país para uma situação de insustentabilidade - e os que o fazem são corridos a acusações de ressabiamento e derrotismo. Todos sabem, porém, que ao nível da dívida pública e respectivas taxas de juro o último ano e meio poderia ter sido muito diferente, abrindo perspectivas mais optimistas para um futuro sem (tanta) ajuda por parte do BCE. António Costa, por exemplo, sabe-o perfeitamente. Os pedidos, cada vez menos subtis, para mudanças de política ao nível da União Europeia (o que representa a sanha contra Dijsselbloem senão uma tentativa para facilitar a abordagem de pontos como a mutualização e a renegociação?) constituem reconhecimento cabal de que também ele acha a dívida insustentável - sem que isso o impeça de continuar alegremente a aumentá-la (perdido por cem, dir-se-á...). Talvez um dia fique demonstrado que Costa, a mais frontal Catarina (e o mais «ortodoxo» Jerónimo) estavam certos. Mas quando alguém tem o poder para fazer cumprir uma profecia, e faz quase tudo nesse sentido, não admira que ela se concretize. Infelizmente, esse dia, como é habitual nas vitórias do populismo, não ficará para a história como um dia feliz.

Nada de extraordinário, aliás: a Austrália também concorre ao Festival da Eurovisão

Rui Rocha, 15.01.17

Pelo visto, a DBRS, por casualidade a única agência de rating que ainda resiste a colocar a credibilidade da dívida portuguesa abaixo de lixo três furos e permite, por consequência, que o Dr. Costa e os seus apaniguados entretenham os dias a amestrar vacas que juram poder fazer voar, fez saber que teme não poder continuar a dar asas à maluqueira se o Banco Novo for nacionalizado. Perguntada sobre o tema, a arguta Catarina Martins declarou, sem contemplações, que esta posição da DBRS (da DBRS, coitada, que nos tem aturado) sobre o Novo Banco é "uma chantagem europeia". O facto de a DBRS (a DBRS, coitada) ser uma agência sedeada em Toronto, no Ontário, em pleno Canadá, não deve, obviamente, ser suficiente para Catarina Martins se desviar um milímetro da teia bem urdida de interesses inconfessáveis e diabólicos que engendrou na sua notável cabecinha. Mas lá que adiciona uma nota picaresca a esta bem esgalhada teoria da conspiração, colocando-a ao nível daquela outra que sublinha que a pizza é redonda, parte-se em triângulos e é transportada em caixas quadradas, lá isso adiciona. Resta esperar, portanto, que o Dr. Louçã, essa espécie de Jorge Mendes da política que se dedica a identificar os talentos que integram o plantel do Bloco de Esquerda, esteja atento. E se o Dr. Louçã não tem dúvidas que Mariana Mortágua está destinada a ser Ministra das Finanças (tivesse a História algum sentido da ironia e caber-lhe-ia juntar os cacos deixados pela bancarrota a que o Dr. Costa alegremente nos conduz) pode bem ser que um dia venha revelar-nos que a lúcida Catarina Martins terá à sua espera, mais cedo ou mais tarde, um lugar de Presidente da Sociedade de Geografia.

 

Descubra as diferenças

Pedro Correia, 30.01.16

«O Governo quer melhorar a situação das pessoas que têm salário, melhorar os direitos laborais, melhorar as reformas, e subitamente este Governo surge aos olhos dos burocratas de Bruxelas como inteiramente subversivo. E estão a pô-lo na ordem. (...) Portugal não é uma colónia dos burocratas de Bruxelas.»

Pacheco Pereira, 28 de Janeiro

 

«A Comissão Europeia está a assaltar o nosso país.»

Catarina Martins, 29 de Janeiro

Notas políticas (7)

Pedro Correia, 17.11.15

Falando com uma franqueza a todos os títulos notável, Catarina Martins deixa bem evidente, numa entrevista publicada sábado no El País, a fragilidade das folhas de papel assinadas à porta fechada entre o PS e três partidos à sua esquerda.

São palavras que merecem ser destacadas por nelas se vislumbrar a velha semente do divisionismo identitário que impediu durante décadas entendimentos duradouros à esquerda. Superado o obstáculo que congregava pela negativa, neste caso o Executivo PSD-CDS entretanto derrubado na Assembleia da República, logo emergem as dificuldades de sempre em construir alternativas de governo.

Repare-se no argumento invocado ao jornal espanhol pela porta-voz do BE, justificando assim o facto de o seu partido ter recusado participar no elenco ministerial: "A convergência permite um apoio parlamentar, mas não a [nossa] entrada no Governo, devido às profundas divergências que mantemos, por exemplo, quando ao Tratado Orçamental ou à reestruturação da dívida, que continuamos a defender." (Tradução minha, sublinhados também meus).

 

Noutro trecho da entrevista, Catarina Martins faz questão de acentuar que existe "uma grande divergência entre nós [BE] e o PS sobre a dívida", confessando "não gostar do cenário macroeconómico" dos socialistas. "Não será um Governo de ruptura com os compromissos europeus. O Bloco está contra eles, mas o PS exigiu mantê-los."

Deixa ainda uma palavra nada amena contra o programa eleitoral de António Costa, que "descapitalizava a segurança social", e o lamento pelo travão socialista ao aumento imediato do salário mínimo para 600 euros.

Talvez pelo entusiasmo proporcionado pela "histórica" assinatura das folhas de papel que menciono no parágrafo de abertura deste texto, Catarina Martins insiste em falar não só pelo BE mas também pelo PCP: "El Bloco y el PC nunca respaldarán a un Gobierno que corte los rendimientos del trabajo. Nuestra matriz ideológica es la reposición de rendimientos y derechos de trabajo, la salvaguarda  del Estado Social y parar las privatizaciones." (Desta vez mantenho o castelhano, que tem mais salero.)

 

Não admira que os comunistas se distanciem do voluntarismo desta "actriz profissional" (assim é apresentada pelo El País). Ao ponto de a Comissão Política do Comité Central do PCP ter sentido a necessidade de sublinhar isto: "Face ao muito que tem sido dito neste período e ao muito que se continuará a ouvir e a ler, quase sempre sem fundamento, reafirma-se que pelo PCP fala o PCP, pela sua própria voz e palavras, com as suas posições e o rigor das suas formulações."

A coisa promete.