1. Hoje começa o 22.º Campeonato do Mundo de Futebol. Aquele que é, de longe, o mais caro de sempre - num mundo devastado por guerras várias, inflação galopante e uma crise energética e alimentar sem precedentes neste século.
Tendo como país anfitrião o Catar, monarquia do Golfo Pérsico onde são violados elementares direitos humanos.
2. Os sete estádios construídos de propósito para o certame nasceram em condições tão indignas que, segundo revelou o diário britânico The Guardian, terão causado cerca de 6500 mortos entre 2010 e 2020.
De acordo com a Organização Internacional do Trabalho, só em 2020 foram ali registados 50 mortos e 506 feridos graves, todos imigrantes de países pobres: Índia, Nepal, Sri Lanca, Bangladeche e Paquistão. Vítimas de condições laborais inaceitáveis em qualquer parcela do mundo civilizado, trabalhando entre 14 e 18 horas diárias sem folgas, com temperaturas superiores a 40 graus, sujeitos a alimentação e alojamento inadequados, vendo os seus documentos de identificação confiscados por empreiteiros subcontratados, impossibilitados de procurarem tarefas alternativas, num cenário equivalente à escravatura.
3. Também os valores ambientais estão em causa. Porque a pegada ecológica destes 28 dias de campeonato no Golfo Pérsico é alarmante. Com emissões de dióxido de carbono que poderão duplicar as do Mundial do Brasil, há oito anos. Na climatização dos recintos desportivos e nos 160 voos diários das mais diversas partes do globo para o pequeno emirado, com superfície inferior à do Alentejo e que não reúne condições hoteleiras para alojar tantos visitantes, tendo de recorrer para o efeito a países vizinhos.
Tristemente irónico, quando a Cimeira do Clima da ONU, no Egipto, faz apelos insistentes à «neutralidade carbónica».
4. Questiono-me como os futebolistas encararão este Mundial. Os políticos de todas as tendências, já sei: irão lá em excursão, para se exibirem num palco com transmissão global, indiferentes aos alertas de organizações como a Amnistia Internacional e o Observatório dos Direitos Humanos.
Vou acompanhar? O menos possível, confesso. Não deixando de ver, em directo ou em diferido, os três jogos da selecção portuguesa - contra o Gana (24 de Novembro), o Uruguai (28 de Novembro) e a Coreia do Sul (2 de Dezembro).
Mas sempre com a noção clara de que nada disto devia realizar-se ali.