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Delito de Opinião

Catar, catariano ou catarense

Pedro Correia, 09.12.22

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Parece haver ainda dúvidas sobre a grafia no nosso idioma da palavra Catar, aludindo ao Estado anfitrião do Campeonato do Mundo de Futebol. O melhor é desfazê-las junto de quem sabe. Para o efeito, consultemos o Ciberdúvidas.

Catar - transliteração da fonética árabe - é topónimo já consagrado em dicionários e prontuários. Rejeitando-se a aberrante transliteração inglesa Qatar, «impossível à luz da tradição ortográfica portuguesa», como assinala o José Mário Costa. E muito bem: cada língua com a sua norma.

Convém acrescentar que os respectivos gentílicos podem ser catarianos ou catarenses. Qualquer das fórmulas é aceitável.

Alguns dirão que isto interessa pouco ou nada: o que importa é o desporto. A esses direi que nunca devemos desligar o desporto da cultura. E a quem argumentar que só os direitos humanos são tema relevante, responderei que a valorização da língua portuguesa, património da Humanidade, é igualmente um direito. Para nós, é um dever também.

Doze mil quilómetros já em pré-campanha

Pedro Correia, 29.11.22

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A próxima eleição presidencial será só em 2026. Mas há um candidato já em pré-campanha que não perde uma oportunidade para se exibir nas pantalhas em busca da notoriedade que ainda lhe falta junto de muitos portugueses.

De cachecol ao pescoço, como se houvesse frio nos quase 30 graus de ontem no Catar, o presidente da Assembleia da República não perdeu a oportunidade de perorar sobre a selecção nacional de futebol, dando a entender que a evental ausência dele em Doha seria um delito de lesa-pátria. Por isso decidiu voar cerca de 12 mil quilómetros, ida e volta, fomentando as emissões de dióxido de carbono: segundo os activistas do ambiente, as viagens aéreas contribuem para 5% do aquecimento global.

 

Seria interessante saber quantos presidentes de parlamentos europeus já lá foram em romagem por estes dias. Muito poucos, sou capaz de apostar. Também teria interesse indagar se Augusto Santos Silva aproveitou a ocasião para conferenciar com o seu homólogo catariano - se é que podemos chamar parlamento à denominada Assembleia Consultiva do Catar, com 45 membros mas apenas 30 eleitos por sufrágio popular. Os restantes são escolhidos pelo Emir. Nenhum deles pode questionar o primeiro-ministro excepto com aprovação prévia de dois terços dos supostos deputados, o que raras vezes - ou nunca - ocorre.

Sobre os direitos humanos que ali são violados de diversas formas, o presidente da AR chutou para canto: nem ousou um sopro de indignação. E até nos equiparou ao Catar numa frase capciosa em que compara o incomparável: «Todos temos de avançar muito nessa e noutras matérias [direitos], temos muito de melhorar. Isso aplica-se a todos os países, incluindo a Portugal.» 

Vai longe o tempo em que Santos Silva gostava de «malhar na direita». A não ser que o Emirado do Catar agora seja de esquerda, hipótese a considerar.

 

ADENDA. Espantosa ironia: o putativo candidato presidencial do PS faz-se fotografar e filmar defronte dos logótipos da Coca-Cola, do Visa e da corrupta FIFA. Nem sei que legenda hei-de pôr nesta foto.

Vão jogar onde tanta gente morreu

Pedro Correia, 20.11.22

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1. Hoje começa o 22.º Campeonato do Mundo de Futebol. Aquele que é, de longe, o mais caro de sempre - num mundo devastado por guerras várias, inflação galopante e uma crise energética e alimentar sem precedentes neste século.

Tendo como país anfitrião o Catar, monarquia do Golfo Pérsico onde são violados elementares direitos humanos.

 

2. Os sete estádios construídos de propósito para o certame nasceram em condições tão indignas que, segundo revelou o diário britânico The Guardian, terão causado cerca de 6500 mortos entre 2010 e 2020.

De acordo com a Organização Internacional do Trabalho, só em 2020 foram ali registados 50 mortos e 506 feridos graves, todos imigrantes de países pobres: Índia, Nepal, Sri Lanca, Bangladeche e Paquistão. Vítimas de condições laborais inaceitáveis em qualquer parcela do mundo civilizado, trabalhando entre 14 e 18 horas diárias sem folgas, com temperaturas superiores a 40 graus, sujeitos a alimentação e alojamento inadequados, vendo os seus documentos de identificação confiscados por empreiteiros subcontratados, impossibilitados de procurarem tarefas alternativas, num cenário equivalente à escravatura.

 

3. Também os valores ambientais estão em causa. Porque a pegada ecológica destes 28 dias de campeonato no Golfo Pérsico é alarmante. Com emissões de dióxido de carbono que poderão duplicar as do Mundial do Brasil, há oito anos. Na climatização dos recintos desportivos e nos 160 voos diários das mais diversas partes do globo para o pequeno emirado, com superfície inferior à do Alentejo e que não reúne condições hoteleiras para alojar tantos visitantes, tendo de recorrer para o efeito a países vizinhos.

Tristemente irónico, quando a Cimeira do Clima da ONU, no Egipto, faz apelos insistentes à «neutralidade carbónica».

 

4. Questiono-me como os futebolistas encararão este Mundial. Os políticos de todas as tendências, já sei: irão lá em excursão, para se exibirem num palco com transmissão global, indiferentes aos alertas de organizações como a Amnistia Internacional e o Observatório dos Direitos Humanos

Vou acompanhar? O menos possível, confesso. Não deixando de ver, em directo ou em diferido, os três jogos da selecção portuguesa - contra o Gana (24 de Novembro), o Uruguai (28 de Novembro) e a Coreia do Sul (2 de Dezembro). 

Mas sempre com a noção clara de que nada disto devia realizar-se ali.