Faz agora dez anos, José Sócrates era detido por sérios indícios de ter cometido ilícitos criminais diversos. Passado todo este tempo, continua sem ser julgado: estendeu ao limite toda a panóplia de garantias que o sistema legal português lhe concede e suscitou numerosos incidentes processuais com a suposta intenção de ver anuladas, por prescrição, as acusações formais que enfrenta desde Outubro de 2017. No início de 2024, tinha já apresentado 52 recursos e reclamações - mais de 80% chumbados, incluindo todos os que submeteu ao Supremo Tribunal de Justiça.
Eram inicialmente 31 crimes de corrupção passiva de titular de cargo político, branqueamento de capitais, falsificação de documento e fraude fiscal qualificada. O Tribunal da Relação viria a reduzir de 31 para 28 o número de crimes: três de corrupção, 13 de branqueamento de capitais, seis de fraude fiscal, três de lavagem de dinheiro e três de falsificação de documento.
Sete anos volvidos, o antigo primeiro-ministro continua a desfrutar de uma espécie de férias vitalícias na Ericeira, uma das mais belas e acolhedoras vilas balneárias do País. Em casa de empréstimo, para se manter fiel aos seus hábitos. E em persistente anomia moral, como se lhe fosse indiferente o facto de sabermos que viveu à custa de um empresário com quem o Estado teve negócios de milhões.
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Em Novembro de 2014, dezenas de políticos, jornalistas e comentadores saíram de imediato em defesa e louvor de Sócrates. Num ruidoso movimento de solidariedade colectiva, sem questionar os actos e as motivações do homem que durante seis anos, entre 2005 e 2011, esteve à frente do Governo de Portugal.
Vale a pena lembrar o que alguns disseram naqueles dias de febril exaltação socrática. Porque a memória não prescreve.
Manuel Magalhães e Silva: «A democracia está em perigo.» (SIC Notícias, 22 de Novembro)
Clara Ferreira Alves: «Esta Justiça de terceiro mundo aterroriza-me. Isto não acontece num país civilizado com jornais civilizados.» (Expresso, 22 de Novembro)
Pedro Adão e Silva: «Devemos questionar tudo sobre a justiça em Portugal.» (SIC Notícias, 22 de Novembro)
Edite Estrela: «Qual a melhor forma de desviar as atenções do escândalo dos vistos gold?» (Facebook, 22 de Novembro)
Pedro Marques Lopes: «A minha confiança no sistema judicial deste país está pelas ruas da amargura.» (SIC Notícias, 23 de Novembro)
Fernando Pinto Monteiro: «[Está a haver] uma promiscuidade entre política e justiça.» (RTP, 24 de Novembro)
Proença de Carvalho: «[O juiz Carlos Alexandre] é o herói dos tablóides.» (TSF, 26 de Novembro)
Mário Soares: «Estes malandros estão a combater um homem que foi um primeiro-ministro exemplar!» (RTP, 26 de Novembro)
Fernando Rosas: «Estamos a entrar num sistema, promovido de facto pelos media em grande parte, de mediatização dos juízes. Queremos uma república de juízes?» (TVI24, 27 de Novembro)
Pedro Bacelar de Vasconcelos: «Subsistem dúvidas legítimas quanto à real motivação do tribunal.» (Jornal de Notícias, 28 de Novembro)