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Delito de Opinião

Um escândalo

Pedro Correia, 21.11.24

Dez anos depois, após um sem-fim de manobras dilatórias, ainda não há data para o julgamento de José Sócrates e 21 outros arguidos na chamada Operação Marquês. Entretanto, dezenas de supostos crimes já prescreveram. E o antigo primeiro-ministro lá vai recorrendo a todos os expedientes que os alçapões legais lhe facultam, evitando comparecer em tribunal para ser julgado.

São factos que falam por si.

Que isto não provoque uma vaga de indignação colectiva diz tudo sobre a "brandura dos nossos costumes" - expressão que, não por acaso, tem como autor António de Oliveira Salazar.

O que eles disseram faz agora dez anos

Quando Sócrates foi detido, muita gente correu logo a defendê-lo

Pedro Correia, 21.11.24

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Faz agora dez anos, José Sócrates era detido por sérios indícios de ter cometido ilícitos criminais diversos. Passado todo este tempo, continua sem ser julgado: estendeu ao limite toda a panóplia de garantias que o sistema legal português lhe concede e suscitou numerosos incidentes processuais com a suposta intenção de ver anuladas, por prescrição, as acusações formais que enfrenta desde Outubro de 2017. No início de 2024, tinha já apresentado 52 recursos e reclamações - mais de 80% chumbados, incluindo todos os que submeteu ao Supremo Tribunal de Justiça.

Eram inicialmente 31 crimes de corrupção passiva de titular de cargo político, branqueamento de capitais, falsificação de documento e fraude fiscal qualificada. O Tribunal da Relação viria a reduzir de 31 para 28 o número de crimes: três de corrupção, 13 de branqueamento de capitais, seis de fraude fiscal, três de lavagem de dinheiro e três de falsificação de documento.

Sete anos volvidos, o antigo primeiro-ministro continua a desfrutar de uma espécie de férias vitalícias na Ericeira, uma das mais belas e acolhedoras vilas balneárias do País. Em casa de empréstimo, para se manter fiel aos seus hábitos. E em persistente anomia moral, como se lhe fosse indiferente o facto de sabermos que viveu à custa de um empresário com quem o Estado teve negócios de milhões

 

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Em Novembro de 2014, dezenas de políticos, jornalistas e comentadores saíram de imediato em defesa e louvor de Sócrates. Num ruidoso movimento de solidariedade colectiva, sem questionar os actos e as motivações do homem que durante seis anos, entre 2005 e 2011, esteve à frente do Governo de Portugal.

Vale a pena lembrar o que alguns disseram naqueles dias de febril exaltação socrática. Porque a memória não prescreve.

 

Manuel Magalhães e Silva: «A democracia está em perigo.» (SIC Notícias, 22 de Novembro)

Clara Ferreira Alves: «Esta Justiça de terceiro mundo aterroriza-me. Isto não acontece num país civilizado com jornais civilizados.» (Expresso, 22 de Novembro)

Pedro Adão e Silva: «Devemos questionar tudo sobre a justiça em Portugal.» (SIC Notícias, 22 de Novembro)

Edite Estrela: «Qual a melhor forma de desviar as atenções do escândalo dos vistos gold?» (Facebook, 22 de Novembro)

Pedro Marques Lopes: «A minha confiança no sistema judicial deste país está pelas ruas da amargura.» (SIC Notícias, 23 de Novembro)

Fernando Pinto Monteiro: «[Está a haver] uma promiscuidade entre política e justiça.» (RTP, 24 de Novembro)

Proença de Carvalho: «[O juiz Carlos Alexandre] é o herói dos tablóides.» (TSF, 26 de Novembro)

Mário Soares: «Estes malandros estão a combater um homem que foi um primeiro-ministro exemplar!» (RTP, 26 de Novembro)

Fernando Rosas: «Estamos a entrar num sistema, promovido de facto pelos media em grande parte, de mediatização dos juízes. Queremos uma república de juízes?» (TVI24, 27 de Novembro)

Pedro Bacelar de Vasconcelos: «Subsistem dúvidas legítimas quanto à real motivação do tribunal.» (Jornal de Notícias, 28 de Novembro)

Um problema de cultura

Sérgio de Almeida Correia, 25.09.15

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Nunca gostei do fulano e também já critiquei, há alguns anos, quando amiúde ainda acompanhava processos de natureza penal, o papel desempenhado por muitos juízes de instrução, o que me dá mais liberdade para escrevê-lo. E o homem, como muitos dirão, até pode ter todos os defeitos do mundo e ser um estafermo da pior espécie, mas é inaceitável que tenha chegado até aqui, como agora se vê, com menores garantias de defesa do que qualquer outro arguido, sendo prejudicado pelo facto de ser quem é ou por mero capricho daqueles a quem o processo está confiado.

Um atropelo de garantias de defesa é sempre um assunto grave em qualquer instância e qualquer que seja a identidade do arguido ou o crime que lhe seja imputado. O facto dos crimes em causa serem graves, e são, não justifica todos os atropelos. Mais grave ainda quando todo o sistema de justiça necessita urgentemente de se prestigiar aos olhos dos seus destinatários e isso acontece num Estado que se reclama de direito democrático.     

Quando um acórdão, que nuns pontos dá razão ao Ministério Público e noutros à defesa, vem dizer, por unanimidade dos senhores desembargadores, que "toda esta auto-estrada do segredo, sem regras, passou sem qualquer censura pelo juiz de instrução, desprotegendo de forma grave os interesses e garantias da defesa do arguido, que volvido tanto tempo de investigação, continua a não ser confrontado, como devia, com os factos e as provas que existem contra si", a única coisa que posso pensar é que a justiça continua doente, muito doente, e que se isto acontece uma vez deve acontecer duas, três, muitas vezes, com outros que não têm os mesmos meios para se defenderem, nem gozam de igual projecção pública.

É isso que me preocupa. É muito mau que um tribunal superior, qualquer que seja a imagem que cada um de nós tem do arguido, tenha necessidade de escrever o que escreveu, volto a frisar, por unanimidade, para repor a igualdade de armas entre o Ministério Público e a defesa do arguido.

Há qualquer coisa que está muito mal. E não é nas leis.

Legislativas (3)

Pedro Correia, 05.09.15

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Foto Sapo Notícias

 

E de repente o País mediático suspende a campanha eleitoral. A eleição legislativa decorrerá daqui a menos de um mês, mas a notícia dominante - direi: quase exclusiva - gira em torno da "libertação" de José Sócrates. No momento em que escrevo, os seus advogados falam em directo em todos os canais informativos e prometem desde já que o seu cliente não irá ficar calado. E a casa onde agora habita não tardará a ser destino de inúmeras romagens de desagravo, oriundas das fileiras socialistas.

Tudo isto constitui um pesadelo acrescido para António Costa. Quanto mais esforços ele faz para retirar Sócrates do horizonte, sublinhando que a justiça e a política não devem confundir-se e que o período governativo que conduziu Portugal ao terceiro resgate financeiro de emergência não está desta vez sob escrutínio, mais o ex-primeiro-ministro impõe a sua presença.

 

"Em questões de ilegalidade absoluta, como é o caso, não há vitórias relativas, mas há derrotas absolutas. E neste caso houve uma derrota absoluta da acusação, do Ministério Público, que finalmente começa a mostrar aquilo que sempre dissemos: este processo não tem sentido, não tem razões sérias, não há factos, não há provas, e ao fim de nove meses não há acusação." Palavras de um dos advogados do antigo chefe do Governo, proferidas enquanto redijo estas linhas.

Este megaprotagonismo mediático, sendo útil ao cidadão José Sócrates Pinto de Sousa, é péssimo para Costa - desde logo por subalternizar a mensagem de alternativa política que o líder do PS pretende levar aos eleitores. Mas também por deixar evidente que nesta corrida às urnas não será feito apenas o balanço da legislatura 2011-15: as duas anteriores, que decorreram entre 2005 e 2011, virão fatalmente a debate pelo simples facto de Sócrates persistir em "andar por aí", como dizia o outro. No critério de avaliação dos eleitores pesará não apenas o confronto entre Costa e Passos Coelho mas uma comparação subliminar entre o ainda primeiro-ministro e o seu imediato antecessor.

Como dizia Lenine, os factos são teimosos. Não adianta iludi-los, por mais forte que seja essa a tentação.

Reflexão do dia

Pedro Correia, 03.02.15

«A esmagadora maioria dos portugueses está indignada com a situação infame e intolerável em que se encontra José Sócrates. Nunca tantos portugueses se manifestaram em favor de José Sócrates, estando ao mesmo tempo indignados pelo que lhe aconteceu. Sintomaticamente, o Presidente Cavaco Silva não tem tido a coragem de dizer uma palavra sobre o assunto. É espantoso.

Nesta fase final de um governo incapaz e de um Presidente da República que nunca se dignou dizer uma palavra acerca de um ex-primeiro-ministro, com o qual durante tantos anos dialogou, a indignação e a solidariedade dos portugueses para com Sócrates não podia ser maior. Como se tem visto em inúmeras visitas que, de norte a sul, lhe têm feito, com enorme carinho. Valha-nos isso. E o juiz Carlos Alexandre que se cuide…»

Mário Soares, no Diário de Notícias

Reflexão do dia

Pedro Correia, 05.01.15

«A "narrativa" em construção faz de Sócrates uma espécie de preso político: a troca epistolar do cárcere com Mário Soares é, a esse respeito, notável. Tudo serve de pretexto: a entrevista que não pôde dar, as encomendas que não pôde receber, a "defesa da imagem" das visitas que recebeu ou não recebeu. Tudo é um escândalo. Mas depois, vai-se a ver, e está tudo na lei. Inúmeras pessoas passaram pelas mesmas situações, sem que se desse idêntico rebentamento de indignação.

O problema deste comportamento de fidalgote mimado é a degradação daquilo por que os próprios socialistas lutaram. Estabelecer paralelos entre o Ministério Público e a PIDE e comparar Sócrates com quem foi preso no salazarismo é brincar com quem teve efectivamente de lidar com a PIDE e o salazarismo.»

Luciano Amaral, no Correio da Manhã

Fassistas!

Rui Rocha, 27.12.14

A angústia e a perplexidade

Rui Rocha, 07.12.14

A angústia que perpassa por estes nossos dias não é a da Liberdade, como nos diria Sartre. É a da prisão. Ou melhor, a da viagem até à prisão. Costa vai a Évora? Esta é a pergunta que atormenta o jornalista. Esta é a inquietação que acorda a meio da noite o cidadão. Costa, o filósofo da acção que tem todas as respostas para o crescimento, o homem-solução, o positivo-humanista do progresso cientificamente provado dirigido às pessoas, já respondeu. Que sim, que vai. Mas, pergunta-se o tal cidadão acordado a meio da noite, entre suores frios, que tipo de viagem é esta? Uma daquelas ao jeito de Kerouac, de ruptura, de fuga ao sistema e às convenções, uma daquelas em que vamos e não queremos voltar? Parece que não. Perguntado pelo Expresso, Costa diz que vai. Mas afirma e interroga: “Só me ficaria mal se não fosse. Você não faria o mesmo se um amigo seu fosse preso? Isto é, Costa vai mas quer voltar. E quando voltar da viagem quer que nada de essencial se tenha alterado. Como cada um de nós, quando faz férias de duas semanas.  Vamos. Mas quando regressamos queremos ver a nossa casa no mesmo sítio onde a deixamos. O mesmo cão de louça no parapeito de sempre. A mesma toalha de renda no tampo da mesa. E o mesmo resultado nas sondagens. A viagem de Costa a Évora é mais do imperativo categórico do que da liberdade de ir ou não ir. Ao que parece, tem fundamento nas obrigações sinalagmáticas que decorrem de uma certa solidariedade com os amigos. No fundo, dessa solidariedade que o eminente jurista Calvão da Silva refere no parecer que justifica a oferta de 14 mihões de certo construtor a Ricardo Salgado: o bom princípio geral de uma sociedade que quer ser uma comunidade – comum unidade –, com espírito de entreajuda e solidariedade. Mas o ponto é exactamente este. Supondo que sim, que qualquer um de nós, jornalista ou cidadão acordado a meio da noite em suores frios perante a angústia da viagem, iria ver um amigo à prisão, qual de nós esperaria pelas férias do Natal para fazer os cem quilómetros que separam Lisboa de Évora? É provável que Sócrates, por ter amigos, não morra na cadeia. Mas, a julgar pelo tempo que terá de esperar pela visita do amigo Costa, pode muito bem sair do presídio bastante mais envelhecido. Se virmos bem, o tempo de pouco mais de uma hora de viagem entre Évora e Lisboa é o mesmo que demora a fazer o caminho entre a angústia e a perplexidade.

Não há lei da rolha que resista

Pedro Correia, 06.12.14

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Bem pode António Costa tentar impor a lei da rolha no PS quanto ao caso Sócrates. Do estabelecimento prisional onde se encontra, o ex-primeiro-ministro tudo faz para contrariar este desígnio. Assumindo o máximo protagonismo de que há memória entre nós num cidadão em regime de prisão preventiva, insiste em captar para si próprio a luz dos holofotes. Não para se defender das acusações que lhe são imputadas - e em parte tornadas públicas no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que sustenta a legalidade da sua detenção - mas para acusar indiscriminadamente tudo e todos. Ministério Público, jornalistas, polícia, professores e o juiz Carlos Alexandre. Para apontar o dedo acusador ao Estado de Direito.

 

Imaginando-se na condição de preso político em ditadura - ele que tem todas as garantias processuais conferidas pela legislação produzida durante o seu mandato como chefe do Governo, ao contrário do que sucede com os opositores políticos na Venezuela, onde vigora um regime que ele tanto admira. Opositores como Leopoldo López, sujeito desde Fevereiro a um duríssimo regime de prisão preventiva, impedido de receber visitas dos próprios familiares e sem data marcada para julgamento num país onde a magistratura funciona hoje como mero braço punitivo do poder político.

Como escreve o Luís Rosa, em editorial no jornal i, «José Sócrates quase que se deve ver como um Nelson Mandela - ou tantos outros homens políticos que afrontaram verdadeiras ditaduras totalitárias em nome da liberdade, da igualdade de direitos e de uma sociedade próspera e justa. Não cabe na cabeça de um mitómano como Sócrates que esse tipo de comparação seja insultuosa para a memória dos verdadeiros combatentes contra todas as ditaduras que existiram e continuam a existir por esse mundo fora».

 

Segundo o princípio dos vasos comunicantes, quanto mais Sócrates se esforça por preencher as atenções mediáticas mais se esvazia o capital político de António Costa potenciado pela sua recente eleição como secretário-geral do PS. Imaginar, neste contexto, que as duas realidades funcionarão daqui por diante em compartimentos estanques é pura estultícia.

Razão tem pois Sérgio Sousa Pinto, um dos novos membros do Secretariado socialista, em declarar hoje sem rodeios em entrevista ao i: «Caso Sócrates prejudica objectivamente o PS.»

Como um eucalipto voraz que seca tudo à sua volta.

Linha directa

Sérgio de Almeida Correia, 01.12.14

Vicki_Michelle_2979705b.jpgAo ler esta notícia do Sol um tipo fica com a convicção de que os responsáveis pela investigação têm uma linha directa com o jornal. E confirma-se que as saídas do aeroporto estavam "bloqueadas" pelos jornalistas. Para evitar estas situações desconfortáveis, tanto para o convidado como para os convivas que o aguardam, o melhor seria o MP criar um cartão VIP para a malta do Sol, da SIC e do Correio da Manhã. Ou então terão de começar a mandar menos convites para estas recepções.