Uma anedota
Um tipo chamado Cabrita preocupado com o nome do Cartão de Cidadão é um bocado como aquela anedota do Manuel Merdas que quis mudar para João Merdas.
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Um tipo chamado Cabrita preocupado com o nome do Cartão de Cidadão é um bocado como aquela anedota do Manuel Merdas que quis mudar para João Merdas.
Os portugueses não só continuam a empobrecer e a pagar mais pelo que tinham, como vêem regredir diariamente a qualidade dos serviços que um Estado cada vez mais mínimo presta aos seus cidadãos, incluindo em coisas tão básicas como o cartão de cidadão. Era esta a reforma que prometiam.
Dizem-me que o Governo quer fazer constar a profissão do Cartão de Cidadão. No caso de Sócrates continuar muito mais tempo no Governo não é preciso cansarem-se muito. Basta preverem as situações de boy e de desempregado.
No que diz respeito ao caos eleitoral de 23 de Janeiro de 2011, pretendo apenas acrescentar que este post não foi escrito nos termos do novo acordo ortográfico. O resto, fala por si.
Em 23 de Janeiro de 2011 o cartão de cidadão sofreu uma derrota de proporções bíblicas. Perante esta evidência, sobra a discussão sobre o alcance da responsabilidade. Exclusivamente técnica, diz ainda hoje o Ministro Silva Pereira. Política, clamamos muitos outros. Isto leva-nos a questionar o próprio conceito de responsabilidade. Num primeiro sentido, este pode ser entendido como compromisso com as obrigações. A questão a colocar neste domínio é saber se Rui Pereira investiu os meios necessários (o esforço, a orientação, o acompanhamento) adequados a garantir um certo resultado. É, provavelmente, algo que nunca saberemos. Podemos até presumir que sim. Por isso, nunca estaremos em condições de julgar o comportamento do Ministro com base neste critério. A segunda acepção apela já não aos meios, mas aos resultados considerados enquanto tais. Aquilo que os anglo-saxões referem como accountability. Os resultados, em si mesmos, são péssimos. É óbvio que o sistema não funcionou. A questão é que, quando medimos os resultados propriamente ditos, estamos na verdade a colocar a questão técnica. Isto é, permanece a possibilidade de o Ministro ter dedicado o seu esforço na coordenação do processo (meios) e de ter fixado correctamente os objectivos (resultados). E que a equipa tenha montado uma operação tecnicamente inadequada, sendo que o Ministro não tem obrigação de possuir os conhecimentos que lhe permitam aferir a validade do modelo adoptado. Até aqui, portanto, não se encontram fundamentos sólidos para defender uma responsabilidade directa de Rui Pereira. Todavia, a análise não se pode ficar pela questão dos meios e dos resultados. Existe um terceiro vector que deve ser considerado. O das consequências. E estas são gravíssimas. Milhares e milhares de eleitores foram perturbados ou irremediavelmente impedidos de exerecer o direito mais básico de cidadania democrática. A democracia não é o governo (em sentido lato) pelo povo. É governo pelos representantes do povo. E o voto, para além de uma escolha aberta entre os candidatos, encerra ainda o profundo valor de permitir aos cidadãos substituir os anteriores representantes sem terem que recorrer a uma guerra ou a uma revolução. Perturbar o exercício básico da cidadania, ainda que de forma involuntária, é converter, temporariamente, os eleitores afectados em não-cidadãos. Por outro lado, a legitimidade da actuação política tem como fundamento originário o voto. Mas, a cada decisão, essa legitimidade originária vai-se renovando através de um mecanismo de confiança. Neste caso concreto, a gravidade das consequências tem o potencial de afectar, de forma objectiva, a confiança dos cidadãos nos mecanismos eleitorais e nas Instituições (imagine-se que as eleições tinham sido decididas por umas centenas de votos...). A perda potencial de confiança no processo básico da democracia (a eleição) afecta de forma irremediável a própria confiança política no Ministro que tutela o processo. Até ao momento, percorremos algumas das etapas de responsabilização. Da fase 'a culpa morre solteira' avançámos para a do 'quem se lixa é o mexilhão técnico'. Em paralelo, corre o indispensável 'rigoroso processo de inquérito'. Todavia, a confiança não se mede por inquérito. Tem-se. Ou não. E Rui Pereira perdeu-a. Neste contexto, a demissão impõe-se como forma de restaurar a confiança dos cidadãos no sistema democrático e nas instituições. E isso deve ser feito, em nome do interesse comum, ainda que implique um sacrifício individual, porventura injusto do ponto de vista estrito da apreciação da culpa. Esta é matéria de avaliação de consequências, confiança e legitimidade. E não de medida da culpa ou de aplicação de justiça.
Apesar de tudo, não deve deitar fora o seu cartão de cidadão. Este pode ainda ser muito útil. Deixo aqui algumas funcionalidades que não deve desprezar:
1 - raspar cartões de 'raspadinhas'
2 - raspar calos
3 - substituir uma régua
4 - coçar as costas (sim, naquele ponto a que não chega com a unha)
5 - palitar os dentes
6 - remover o cotão das meias depositado entre os dedos dos pés
7 - abrir portas fechadas no trinco com a chave por dentro
8 - servir de calçadeira (ao fim de umas mil utilizações verá que o cartão assume a forma anatómica do calcanhar)
9 - substituir cartões de visita pessoais (sim, afinal de contas tem indicação do nome e morada e não incorpora nenhuma outra informação útil ou confidencial)
10 - testar o seu velho furador ou agrafador
11 - barrar a manteiga ou o queijo-creme no pão (ou mesmo o tulicreme)
12 - substituir a colher de pedreiro em alvenaria, muros e demais serviços da obra
13 - identificar como suas as capas de arquivo em que os colegas de trabalho insistem em mexer sem autorização (coloque na lombada, em local próprio ou, na falta deste, cole com SuperCola3)
14 - ensinar os seus filhos a utilizar máquinas Multibanco (se, por acaso, o cartão for engolido pela máquina não se perde nada, não é?)
15 - substituir uma espátula em actividade de laboratório (deve ser lavado e enxugado depois de cada transferência de matéria sólida)
Como se vê, o cartão de cidadão é muito porreiro, pá. Entretanto, se lhe ocorrer alguma outra utilidade, não deixe de partilhar, tá?