Petiscos inesquecíveis
Não quero! Não como! Comi e bem.
Ainda não tinha cinco anos quando começaram as estadias em férias no Verão, que creio devem ter sido as melhores da minha vida, porque no meio de tanto lugar que visitei e tanta coisa que fiz muito depois de Nandufe, muitas outras lembranças estão meio esbatidas na minha memória, mas estes dias não. Lembro-me de tudo como se tivesse acabado de acontecer. O verde, as sombras, os cheiros silvestres, o tanque, o cheiro do sabão, o rio, a balsa... A diversidade da vida local e a morte também.
Os ratinhos, os passarinhos, os gatos, os lagartos, as osgas... morriam? Eram mortos? Apareciam esborrachados ou inchados e cheios de larvas gordas e nojentas.
É por aqui que começa a minha relutância em comer caracóis. C-A-R-A-C-Ó-I-S. Que nojo. Lesmias, como lá chamavam. Vermes como as larvas gordas que se alimentavam de animaizinhos mortos. Não quero. Não como. Não provo. Não!
Uma bela tarde de um domingo, o bando dos familiares que tínhamos e dos que escolhemos ter e que se dedicava quase sempre a aventuras malucas aos fins de semana com finais gastronómicos, depois de uma manhã na Figueirinha, resolveu ir ao Manel das Andorinhas. Grandes caracoladas, pipis, bifanas, tudo bem confeccionado e regado com muita cerveja. Era um mimo. Tinham um creme de camarão de estalar a língua, feito com os camarões miúdos de mar e com croutons bem torradinhos que eu adorava e pelo qual ansiava. Mas não. Um grupo de folgazões tinha esgotado quase tudo, excepto os caracóis e umas entradas de enchidos. Amuei. Tinha fome. A minha mãe disse-me que mais logo comia em casa, mas tinha fome agora, não logo. "Então comes caracóis." Não! Que horror, só a ideia me dava náuseas. Confesso que fui bastante espalhafatosa, o que para os meus pais era tolerância zero, quando quase em vias de correctivo se aproximou a Isaura, a cozinheira, linda, simpática e cor de rosa. Veio à minha beira com meia dúzia de pequenos camarões descascados numa tijela e disse-me para provar um caracol primeiro e que podia comer os camarões depois. Decisão difícil, mas aqueles camarõezinhos... A minha mãe tirou o bicho da casca e deu-me para a mão. De facto não parecia nada com um morcão. Provei. Era bom. Era muito bom mesmo! Pedi mais e acabei por me esquecer dos camarões da Isaura.
A partir daí, quando eu entrava com o grupo, o Ti Manel gritava "atenção que vem aí a comilona de caracóis." O Manel das Andorinhas fazia uns caracóis formidáveis, com o courato e os ossos do presunto das sandes. Caracóis com molhinho, entendem?
Só comi parecidos em dois ou três lugares. Um deles foi em Cacela Velha. Ultimamente deixei-me disso, porque comer comida que não tem sabor, como é naqueles dias em que por a + b tenho de estar sem comer. Comida sem sabor é o mesmo do que comer nada.