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Delito de Opinião

O debate impossível

Luís Naves, 13.01.25

Ao equipararem a racismo qualquer opinião negativa sobre o estado da imigração, os partidos de esquerda matam à nascença um debate urgente. A mentalidade portuguesa tem destas coisas: por não poderem ser discutidos, os problemas arrastam-se e agravam-se. Durante alguns anos, houve uma situação de bar aberto e entraram no país centenas de milhares de imigrantes. Muitos não falam português, alguns nem sequer entendem inglês. O anterior governo piorou a situação, ao extinguir o serviço que tratava do tema, o SEF. Quando as reformas são difíceis, desfaz-se o que está feito e inventa-se a pólvora.

Os números oficiais sobre imigração sugerem um fenómeno fora de controlo. Em 2018, havia 480 mil estrangeiros residentes, em 2023 já tinham passado o milhão (1,044), ou seja, mais do dobro em apenas cinco anos. Existe porventura uma explicação económica para a aceleração abrupta, pois nos últimos dez anos foram criados 800 mil empregos em Portugal. Infelizmente, há muito emprego precário, que pode não durar, sobretudo com os efeitos da estagnação alemã. A comunidade imigrante que aproveitou a oportunidade é explorada até ao osso, tem baixos salários e vive em condições precárias (um terço em risco de pobreza e exclusão, também números oficiais).

Os partidos da esquerda aplaudem este fluxo de carne para canhão, que contribui para manter os salários baixos nos empregos de baixas qualificações. As multinacionais ficam contentes e o centro de Lisboa transforma-se progressivamente num enclave de kitsch multicultural. Portugal fez numa década os mesmos erros que a Suécia levou meio século a cometer. Não existe ligação entre criminalidade e imigração, diz o coro da esquerda. Por enquanto, não existe, mas temos de olhar para as sociedades onde a proporção de imigrantes ultrapassou a barreira dos 10% da população e onde esta afirmação não é verdadeira. Os benefícios do curto prazo pagam-se um pouco mais à frente, mas a duplicação em tão pouco tempo significa que o fenómeno é demasiado rápido para que a sociedade portuguesa o consiga absorver.

Ordem defunta

Luís Naves, 12.01.25

É possível argumentar que a ordem liberal agora defunta foi fantástica, mas a realidade parece ser mais sombria. Essa época nunca foi pacífica, pelo contrário, houve conflitos violentos no Iraque, Afeganistão, Gaza, Síria, Ucrânia, entre outros que não despertaram a curiosidade mediática, como a guerra civil do Sudão, exemplo mortífero de descida aos infernos. Exércitos poderosíssimos fizeram mais ou menos o que queriam a bombardear camponeses rebeldes mal armados.

O resultado em matéria de liberdades é duvidoso: o novo governo francês, por exemplo, rejeita à partida a opinião de 70% dos eleitores; um ex-comissário europeu disse anteontem que Bruxelas tinha contribuído para anular as eleições presidenciais na Roménia e que, se for necessário, fará o mesmo nas legislativas alemãs; um pouco por todo o ocidente industrializado há um ataque objetivo à liberdade de expressão. As redes sociais foram controladas por algoritmos que impediam a circulação de certas ideias, tudo em nome da democracia. As desigualdades económicas criadas nas últimas três décadas são tremendas e a oligarquia que nos governa acumulou uma riqueza absurda. Há imensa literatura sobre isto, é comum a quase todos os países. Na realidade esta ordem nunca foi liberal, mas instável e controlada por privilegiados, agora contestada pela população, que considera tudo isto um fracasso.

A ordem liberal a que me refiro começou em 1991, quando a URSS perdeu a Guerra Fria e o acordo de Ialta ficou desatualizado. O breve período histórico de hegemonia americana terminou com o conflito na Ucrânia, onde a Rússia está a alcançar uma vitória militar contra um exército treinado, armado e financiado pela NATO. A eleição de Trump torna menos provável a guerra generalizada entre potências nucleares e mais provável o novo acordo global, que exigirá um encontro semelhante ao de Ialta, em 1945, entre Estaline, Roosevelt e Churchill. A nova ordem internacional será provavelmente definida numa cimeira entre Trump, Putin e Xi, em 2025.

Portugal foi um ator menor na chamada ordem liberal, mas o facto é que depois do estoiro nos anos Sócrates não conseguiu sair da cepa torta. A crise financeira foi para nós a crise das dívidas soberanas, uma humilhação coletiva que nos condenou ao pelotão traseiro da UE. O país está desindustrializado e vive de rendas e turismo, as desigualdades aumentaram e a rede social tem buracos por todo o lado. A Europa gastou em três anos 140 mil milhões de euros na guerra da Ucrânia, o dobro do que emprestou a Portugal no período da troika, com imensas restrições, dinheiro que pagámos. O da Ucrânia foi para um buraco negro de corrupção e derrota, para pagar salários e manter uma ficção militar. Isto é liberalismo?

Com os olhos no Ártico

Luís Naves, 11.01.25

Imagem satélite.jpg

A Imprensa tem apresentado a questão da compra da Gronelândia pelos EUA como um capricho alucinado de um presidente eleito, a concretizar com uso da força. Basta olhar para um mapa e escavar a informação para perceber que o caso tem explicação racional. Durante a II Guerra Mundial, quando a Dinamarca foi ocupada pelos nazis, os americanos controlaram completamente o território. Depois da guerra houve uma tentativa de compra, recusada pela Dinamarca, mas os EUA ficaram com uma base que ainda hoje existe e pela qual não pagam direitos. Trump quer comprar a ilha, fala em novo Estado americano e a Dinamarca recusa vender. No entanto, o território é uma região autónoma e os partidos independentistas representam 80% dos 50 mil nativos, sobretudo Inuit. A independência será um processo provável e natural, concretizado por referendo. Segue-se uma fase de associação, que dará maior influência aos americanos. A imagem de satélite esclarece o que está em causa: o controlo do Oceano Ártico e a rivalidade com a Rússia, o que implica acesso a matérias-primas não exploradas e controlo de potenciais rotas marítimas que resultam do degelo e que podem encurtar as viagens entre Europa e Ásia.

A imagem tem dez anos e mostra a placa de gelo mínima e máxima (linha amarela), no inverno e verão. A Gronelândia, à direita, adiciona os direitos americanos à plataforma continental. Os EUA têm acesso ao Ártico pelo Alasca, território comprado à Rússia no Séc. XIX por 7,2 milhões de dólares.

Trump

Luís Naves, 10.01.25

Muito do que se escreve sobre Donald Trump concentra-se no folclore, em frases fora do contexto ou ideias feitas que não procuram entender as intenções deste movimento político. Alguns comentadores usam o sorriso condescendente da superioridade intelectual. Outros não duvidam de que o fenómeno é fascista e não parecem compreender que esta afirmação é negacionista ao extremo, pois se Trump é fascista, então o fascismo nunca aconteceu como consta nos livros de História. Trump poderá concluir uma viragem na América, tornando a república imperial mais oligárquica, libertária e nacionalista. Os três elementos são contraditórios, como é a tensão entre república e império que tem dilacerado os EUA. Trump terá de respeitar os interesses dos trabalhadores que o elegeram, mas também dos interesses oligárquicos dominantes. Terá de preservar a hegemonia americana deixando de intervir em todos os conflitos. Fará talvez uma partilha do mundo com a China e a Rússia, procurando demolir o estado profundo das burocracias não eleitas que em Washington controlam a diplomacia, a segurança e a regulação estatal. Trump também vai desprezar os europeus que não o acompanharem, sobretudo Bruxelas.

O enigma da estagnação das artes

Luís Naves, 08.01.25

Um dos enigmas contemporâneos é a estagnação secular das artes no planalto pós-moderno. Da era clássica ao modernismo, sucederam-se movimentos e ruturas. Cada geração inventava uma nova maneira de escrever, de pintar ou de fazer música. A partir da II Guerra Mundial, as mudanças estéticas foram absorvidas num vasto bolo de gelatina. Há uma estimativa credível segundo a qual se publicam por ano mais de 2 milhões de novos livros, número de obras que inclui autopublicação, publicação digital, volumes anónimos, diferentes traduções. Desde a invenção da Imprensa, a contagem vai em 160 milhões de títulos, mas a aceleração na nossa época está a produzir quantidades que ninguém consegue absorver. A leitura é hoje para todos, mas a literatura continua a ser um interesse de minorias. As salas de concertos de música antiga estão cheias, não há falta de público, mas como se explica o marasmo na música popular nos últimos 50 anos? Aliás, podemos ouvir milhares de vezes uma obra que alguém do século XIX ouvia uma vez na vida, mas a música contemporânea não produziu nenhuma vanguarda escandalosa desde meados do século passado. Talvez isto seja também uma crise de espiritualidade, da nossa vida materialista e sem tempo para pensar.

Imprevisibilidade

Luís Naves, 07.01.25

Os comentadores políticos vão dizendo nas televisões que não se pode mexer na ordem internacional existente e parece escapar-lhes a constatação do óbvio, que estamos a assistir a uma crescente desordem e que os grandes atores tentam alterar a realidade a seu favor. A Rússia foi subestimada, a China procura assumir um papel mais relevante, há até conflitos pequenos que mostram a imprevisibilidade da turbulência, como é exemplo a revolta no Iémen que alterou os cálculos de bloqueios navais, dando nova importância aos pontos de estrangulamento do comércio, como Mar Vermelho, Estreito de Ormuz ou Canal do Panamá. Foi demonstrado que um poder menor consegue perturbar o fluxo de mercadorias e de energia para as indústrias do mundo. A corrida aos armamentos, a fragilidade dos governos democráticos, a discussão sobre "desinformação", maneira de dizer que não se controla a opinião pública, tudo isto são indícios da perturbação antes da nova ordem que será negociada entre os impérios, como tantas vezes aconteceu na História. Haverá estadistas à altura do momento? Essa é a grande incógnita. Em alguns países parece estar a ocorrer uma substituição veloz de elites fracas.

 

A estranha crise europeia

Luís Naves, 06.01.25

Há profundas crises políticas nos principais países europeus. No Reino Unido começa a borbulhar um escândalo capaz de derrubar o governo, na Alemanha teremos eleições que podem ser inconclusivas e, em França, 37% dos eleitores dizem ser "muito favoráveis" à demissão do Presidente Macron, enquanto 24% são bastante favoráveis. Podia adicionar outros países à lista, Espanha, Polónia, Áustria, Roménia. Não existe memória recente de tantas crises simultâneas. O que se passa? A guerra da Ucrânia teve efeitos económicos devastadores e prolongou-se além do previsto; os países industrializados têm dificuldade em manter a sua competitividade; alguns estão endividados até ao osso; as mudanças tecnológicas foram demasiado velozes; Bruxelas cometeu erros graves na transição energética, na alimentação da corrupção em Kiev, na legislação sobre automóveis com motores de combustão. Mesmo assim, com tudo somado, a explicação ainda é insuficiente. Muitos europeus estão a compreender que foram enganados pelas suas fracas elites, na crise financeira, na pandemia, nas políticas migratórias. Há setores da sociedade zangados e demasiada gente a votar sob o efeito hipnótico dessa emoção.

Viragem

Luís Naves, 04.01.25

Os progressistas recuam em todo o lado e vamos assistir a viragens políticas a favor dos chamados populistas, que no fundo respondem à revolta eleitoral dos perdedores da globalização. Os trabalhadores cansaram-se da arrogância elitista, das mentiras mediáticas e da hipocrisia das migrações. As políticas de fronteiras abertas trouxeram para o interior das sociedades industrializadas os quase-escravos que tudo aceitavam e cuja exploração desenfreada colocou o prego definitivo no caixão da influência sindical. Os progressistas abraçaram guerras culturais estéreis e passaram a ver os trabalhadores como reacionários, quando estes protestavam contra os efeitos das migrações em larga escala. Neoliberais e globalistas defenderam a desindustrialização ocidental e impediram medidas de compensação para os perdedores. Orçamentos equilibrados implicaram menos rede social e menos impostos para os ricos. Vinte anos de políticas progressistas deram nisto: diferenças sociais gritantes, metade da classe média a deslizar para a pobreza, estagnação económica, líderes alheados da realidade e uma comunicação social domesticada e conivente.

Tudo mudou

Luís Naves, 03.01.25

O New York Times publicou no dia de Natal um artigo de Nate Cohn (disponível para assinantes) onde se argumenta que a América está desde 2016 a viver uma nova era política, na qual os papéis tradicionais dos dois partidos se inverteram. O movimento populista e conservador de Donald Trump quer defender as classes trabalhadoras e ataca as elites, nomeadamente o anterior consenso sobre intervenções externas, que ficou uma das bandeiras dos democratas, que assumiram o sistema e as causas progressistas. O texto analisa as diferentes coligações eleitorais e termina com a ideia de que os temas do debate americano serão segurança, energia, migrações, comércio com China e redução da regulação económica. Em resumo, tudo mudou. Trump não é um revolucionário, mas já rompeu com a era de Reagan. O seu mandato de quatro anos pode durar apenas dois, pois o Senado deve virar nas intercalares e haverá uma luta pela sucessão entre os republicanos. Até 2026, teremos duas questões centrais: até que ponto o presidente cumpre a promessa de desmantelar o Estado dentro do Estado (a poderosa burocracia que verdadeira manda) e a que velocidade este fogo na pradaria do novo conservadorismo vai conquistar a Europa.

Tsunami

Luís Naves, 02.01.25

As discussões políticas do futuro vão convergir na questão do trabalho, que a inteligência artificial mudará de forma ainda difícil de compreender. Será provavelmente necessário repensar o sistema de pensões, os impostos, as migrações e a distribuição da riqueza. A inteligência artificial deve destruir milhões de empregos a médio prazo, talvez em apenas dez anos. A vaga de desemprego promete ser inimaginável. Com menos impostos pagos, imagine-se o que sucede ao Estado Providência e ao sistema de pensões. As sociedades terão multiculturalismo ou vão ser mais fechadas? É bem provável que, antes de 2035, sejam redundantes os novos escravos sem qualificações importados do sul global. Os imigrantes ficam a cargo do Estado ou são devolvidos aos países de origem? Também sabemos que as novas tecnologias exigem grande número de engenheiros, mas a juventude sonha com trabalhos de glamour e haverá poucos empregos desses. As empresas industriais vão robotizar e despedir, os serviços podem ser automatizados e dispensar pessoas. Teremos populações desocupadas, pensões reduzidas, alta produtividade, lucros mais altos para as empresas. Vem aí um tsunami social.

Feliz Ano Novo

Luís Naves, 01.01.25

O ano de 2024 foi um momento de transição e segue-se a aceleração da mudança. A Guerra da Ucrânia deverá terminar nos próximos meses e será difícil ocultar a derrota estratégica do Ocidente, sobretudo de uma Europa abalada pela constatação da sua fraqueza. A Ucrânia é a perdedora, com uma geração inteira sacrificada no altar das ambições dos impérios. O país está destruído e mutilado, tem um quinto da população no exterior e levará mais de 30 anos a recuperar. A Europa vai pagar a conta, mas já foi vítima de uma profunda modificação, pois perdeu acesso à energia barata e aos minerais abundantes da Rússia. Por quanto tempo? Não sabemos, mas deve ser pelo menos uma década.

Kiev cortou hoje o gás natural russo que ainda passava pela Ucrânia. A Rússia é vendedora de 17% do gás natural que os europeus consomem, vendia 45% antes da invasão. O produto vem agora liquefeito e muito mais caro, com origem sobretudo nos EUA, Noruega e Argélia. O suicídio ao vivo e a cores da UE, que aceita pagar a sua energia ao triplo do preço. As sanções viraram-se contra quem prometia submeter a Rússia em duas semanas.

O resto são incógnitas. O Médio Oriente é uma zona de alta instabilidade. Damasco ou Bagdade, cidades outrora civilizadas, mergulharam na anarquia. Iraque e Síria, que foram potências regionais, ficam fora de jogo. Os Estados falhados serão um dos elementos centrais deste mundo em mudança. Com Donald Trump, a América vai certamente mudar de política externa, concentrada na China e menos interessada em conflitos secundários ou em manter a NATO. A Rússia recuperou o seu lugar entre os impérios dominantes, enquanto os chineses querem ter um papel mais ativo na divisão do mundo.

O massacre de Gaza, essa vergonha da humanidade, deve também continuar. Não se pode viver naquele território, vamos talvez assistir à limpeza étnica dos sobreviventes.