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Delito de Opinião

Moedas e Paulinho

jpt, 20.05.25

Ontem foi a já tradicional (mas um pouco despropositada) recepção na Câmara Municipal ao campeão nacional de futebol. Os lisboetas (e vizinhos) que encheram a praça do Município brindaram o presidente da câmara com uma enorme e prolongada vaia. É certo que depois o presidente do clube, Frederico Varandas, no seu discurso foi institucional, conciliador, e dourou a pílula - agradecendo a Moedas a colaboração e oferecendo-lhe uma placa celebratória. Mas também exigiu das instituições estatais (polícia et al) mais respeito pela população, menos sobranceria, menos arrogância. No fundo, traduzo eu, que os seus agentes - civis, policiais ou militares - se entendam como “servidores públicos” e não como “funcionários públicos”…

O episódio que causou tudo isto é conhecido (e já a ele aludi): a câmara mandou encerrar os restaurantes e cafés em torno do estádio de Alvalade no dia do último jogo do campeonato, quando se perspectivava a festa do título, o ambicionado bicampeonato que escapava ao clube há 71 anos!

A isto aduzo uma ressalva: cruzei as zonas vizinhas do estádio durante a tarde, antes do jogo, depois deste percorri as “avenidas novas” onde jantei. E segui para o Marquês de Pombal, onde fiquei durante horas, misturado com uma gigantesca mole humana. Num ambiente de enorme, jubilosa, alegria - aquela que o futebol por vezes permite - e totalmente pacífico…

O encerramento dos redutos comensais junto a Alvalade foi um acto que denotou a arrogância das instâncias estatais, e é isso o grave. Mas mostrou também a incompetência dos seus serviços: como disse aqui o jornalista Bernardo Ribeiro, encerraram-se os imediatamente adjacentes ao estádio enquanto, paredes-meia, as célebres roulottes sob a 2ª Circular fervilhavam de clientela e as mercearias da zona vendiam bebidas alcoólicas - e em vasilhame de vidro. Tudo isto também convocando os estudantes universitários que, nas redondezas, tinham uma cerimónia de graduação.

Ou seja, se a intenção policial e camarária era a de dispersar os adeptos e condicionar o consumo de bebidas espirituosas, a altaneira medida foi incompetente. E decerto que foi decidida (pelo menos caucionada) não só pela hierarquia policial como também pelo pessoal sito na câmara. E neste caso não tanto por meros “funcionários” mas decerto que pela assessoria política que secunda Moedas. Assim sendo foi um erro político, com origem atitudinal: um fastio pelo povo (sportinguista ou outro) a comandar a acção dos eleitos e seus avençados.

Mas retiro uma dimensão extraordinária do episódio. O presidente Moedas encetou o seu discurso e sofreu um continuado apupo. A seu lado, na varanda, estava o célebre Paulinho, o simbólico roupeiro do Sporting. É conhecida a história de Paulo Gama, de denodada superação individual e de afronta aos estigmas. Mas também demonstrativa dos préstimos das associações acolhedoras dos necessitados: nascido com défices psicomotores, abandonado pela família, cresceu num instituição solidária e ao atingir a maioridade foi integrado e formado num clube desportivo, o SCP. Tornando-se um símbolo, de excelência profissional e pessoal. Acarinhado por todos, sportinguistas e outros - decerto porque face a ele sentimos o respeito pela sua grandeza pessoal, mas também porque através dele percebemos a relevância da solidariedade. Social. Paulinho, Paulo Gama, é uma luz.

Mas Paulinho é também o roupeiro (no linguajar gentrificado de agora diz-se “técnico de equipamentos” mas isso é pouco relevante). Ou seja, é tradicionalmente a figura mais humilde do mundo do futebol - “do presidente ao roupeiro…” era uma expressão usada para definir a transversalidade do esforço colectivo num clube.

Ora o que aconteceu ontem foi extraordinário, um magnífico exemplo de democracia: o presidente da câmara assomou à varanda para discursar e foi apupado pelos seus munícipes. Mal conseguia proferir o seu discurso protocolar. E a seu lado o tal “humilde” roupeiro, o grande Paulinho, repetidamente acenou aos do seu povo, instando-os para que deixassem falar a presidencial figura. A este caucionando, no fundo. Foi um momento épico de democracia. E de constatação do desajuste altaneiro.

Espero que tenha servido de lição: a políticos. E ao cortejo, sempre fiel, de assessores.

(O episódio a que aludo está à 1h 04mm 45 segundos)

Araújo Pereira & Leitão

jpt, 27.01.25
"Se quer estragar a noite a estas pessoas..." — Ricardo Araújo Pereira  "aborrecido" com Alexandra Leitão
 
Dada a ridícula bronca do deputado das malas, deixei-me ontem (após o resumo do interessante jogo Porto-Santa Clara) ver o programa de Ricardo Araújo Pereira, humorista que às vezes tem piada. Na segunda parte do programa foi entrevistada a nova candidata a presidente da Câmara de Lisboa, eleições que decorrerão em Setembro ou Outubro deste ano... Adianto que muito me irritam estas entrevistas mansas - até carinhosas - do humorista aos políticos, "humanizando-os" através do sorriso ligeiro. (E até porque me lembro dele a fazer isso com José Sócrates, mesmo até quando bem se sabia quem o homem era, é!).
 
Mas a entrevista a Alexandra Leitão foi interessante, pelo que anunciou sobre a entrevistada e interroga sobre o entrevistador. Foram dois pormaiores: 1) Leitão tem uma postura corporal controlada, decerto que por treino, patente no seu entrelaçar das mãos. Mas, ocasionalmente, ainda é mais forte do que esse treino, e nota-se-lhe a tendência para falar - mesmo naquele registo plácido - de indicador em riste. Algo muito denotativo do tipo de personalidade e atitude intelectual. 2) Araújo Pereira gozou, explicitamente, com o timbre vocal de Carlos Moedas. Leitão não se coibiu, riu-se e entrou na piadola sobre as características físicas do seu principal oponente nesta candidatura.
 
Quanto a Araújo Pereira, o cómico do regime, fica-me esta dúvida: será que daqui a uns tempos ele irá gozar com as características físicas de Leitão? E, já agora, será que Moedas - se confrontado com tal aleivosia - entrará "no jogo"?

O Cinema "Império"

jpt, 10.12.24

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Numa peculiar decisão a Câmara Municipal de Lisboa ("tu não votaste Moedas, Zé? E não dizias que o tipo devia era ser o primeiro-ministro, han...?!!!", dirão alguns amigos, diante do meu esgar atrapalhado, enquanto sorvo o chá de limão no nosso recanto do bairro, não lhes dizendo o óbvio "se o arrependimento matasse", que isso só murmuro no mictório, a que tanta chazada me convoca) permitiu que a IURD rebente com o que resta do cinema Império.

Os mais antigos lembramo-nos da bronca que foi quando, um bocado à sorrelfa, os mariolas da IURD - sim, nós também temos os nossos "evangélicos" - compraram o Império. E depois também quiseram comprar o Coliseu do Porto, mas então os da Invicta acorrentaram-se às grades, resmungaram imenso, fizeram-se SuperDragões daquilo. E impediram a transacção. Ao que julgo recordar então o poder atrapalhou-se e saiu da sua inacção habitual, mudando a lei, nisso impedindo a transformação de "equipamentos culturais" em templos - coisa que terá sido facilitada numa época em que os católicos andariam mais preocupados em dessacralizar igrejas do que em construí-las...

Enfim, sobre o assunto eu tenho uma opinião esclarecida. O "Cinema Império" deveria ter sido expropriado, e ainda o deverá ser. O Estado atribuiria uma utilidade social ao grande edifício: um hotel, ou mesmo um complexo de alojamento local, um xópingue, uma central de informações turísticas, um condomínio para classe média alta - estrangeira de preferência (que português endinheirado quererá viver na Almirante Reis?) -, um centro de acolhimento para imigrantes (i)legais, etc.

Entretanto a empresa IURD será compensada a preços de Estado ("então, afinal não votas na IL, não és um neoliberal, até fascista?", perguntam-me no tal recanto de bairro, enquanto eu já me empertigo, de meio Famous na mão). E a sua bispalhada vasculhada, em busca de desmandos fiscais, residências ilegais, assédios morais ou até sexuais, qualquer coisa, faróis fundidos que seja. Bem como os crentes, decerto que passíveis de coimas, revistas constantes, até detenções, num contributo activo e decisivo para a indústria de martirologia iurdesca, arrastando o mais possível dessa gente para a Portela ou Pedras Rubras, com bilhete de ida e de sem retorno ("então, agora é xenófobo?! desnuda-se...", murmuram os vizinhos, na mesa do lado, pois até já levanto a voz, entusiasmado, "E a laicidade do Estado, pá? e essas proclamações democráticas com que enches os blogs, f...-se?", atiram os da minha velha guarda. "Mate-se, esfole-se!", respondo, pronto a ingressar nas brigadas ateias, de ancinho e foice armado).

Dito tudo isto, estou a divertir-me com as reacções do espectro "esquerdista" diante do episódio. Como é que a rapaziada - a cinéfila, a da "cultura", e os seus "consumidores", os do jornal "Público" e tudo -, sempre tão atreita a contestar uns arranjos florais "colonialistas", uns vis trechos "racistas" dos oitocentistas, agora a toponímia "africanista" olisiponense, a estatueta do Vieira, até as maminhas da musa encostada ao novelista, como é que, dizia eu, essa rapaziada se arregimenta em defesa de um edifício de 1952 chamado ... "Império"?

Mais depressa se apanha um pateta do que um paraplégico.

O grotesco municipal

jpt, 19.09.24

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Atentei ontem que diante da escola C+S da minha rua os serviços públicos, sob tutela do município, colocaram este sinal de trânsito dedicado aos petizes e seus "encarregados de educação", dizendo em língua estrangeira "Kiss and Ride". Em 2024, não em 1924 nos alvores da condução automobilística, quando tamanha excentricidade apelava aos anglicismos para a sinalética universal.

Actualmente os estrangeirismos espúrios, em particular os anglicismos, são uma praga, pandémica até, entre a ralé vigente. Mas que o Estado se dedique a isso é grotesco. E é uma miséria intelectual que a câmara municipal de Lisboa adopte esta via. É uma "road to nowhere", e digo-o assim para tentar fazer-me entender pelas mentes apoucadas apoiantes ou coligadas ao pobre Nuno Melo.

A recepção camarária ao Benfica

jpt, 30.05.23

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(Fotografia de Miguel A. Lopes/Lusa)
 
Terminou o campeonato nacional de futebol e seguiram-se os festejos. Há quem lamente a alienação popular, essa que conduz milhares (milhões) ao êxtase por causa dos sucessos de uns tipos (endinheirados) que dão uns pontapés na bola. Tudo isso em detrimento de uma verdadeira cultura - esta normalmente sinalizada por livros, os produtos mais associados a essa tal cultura, pois raros são os que para afirmarem a sua pertença à "Alta Cultura" mostram os seus arquivos digitais epub ou pdf, o rol de música gravada ou mesmo os velhos cds/vinis, ou a arte, original ou replicada que afixaram em casa própria, ou quaisquer outros itens patrimoniais.
 
Há dois anos o meu Sporting foi campeão, quebrando um longo jejum que durava desde bem antes de sofrer eu da maldita radiculite que me triturou nos últimos dias. E lá fui eu, proto-sexagenário, rumo ao Marquês, adornado e eufórico, em companhia amiga para comemorar a vitória dos tais (nossos) pontapeadores da bola. Grande alegria, grande festa (o futebol é festa - e não devia ser pancadaria, mas isso é outro assunto). E aviso os mais renitentes - há tempo na vida para um tipo puxar pela cabeça o mais que pode (com os resultados dependentes das capacidades de cada um) e também se deliciar com as futeboladas. E com as futebolices (entre as quais a mais deliciosa é gozar os outros, nas derrotas e nos triunfos, claro está).
 
Ontem, dois dias depois do triunfo benfiquista e do subsequente arraial dos adeptos na Marquês de Pombal - e não anteontem, domingo, como seria mais normal e até adequado ao ritmo urbano - o presidente da Câmara da sede do clube campeão cumpriu a (recente?) tradição de receber a equipa campeã nacional. E nisso o povo adepto acorreu a saudar os jogadores - um post-scriptum da festa. Julgo esta recepção autárquica exagerada - não se cumpre para todos os desportos existentes - mas é apenas um ademane populista dos autarcas. Não é por isso que cairão os vizinhos "Carmo e Trindade".
 
Na televisão ouvi um pouco do discurso do presidente Moedas. Texto talvez da sua lavra, porventura de um qualquer assessor mais benfiquista... Achei-lhe eu, sportinguista, um tom demasiado enfático. E àquilo de "Cosme Damião e mais 24" terem criado o "sonho de Lisboa" resmunguei um "nunca mais voto neste tipo" e mudei de canal - desiludindo-me com alguém que até gostaria que estivesse num lugar mais importante, rumo a São Bento. Enfim, talvez não venha a cumprir esta minha imprecação, mas senti o autarca por demais lampião para momentos oficiais...
 
Mas enfim, azia futebolística à parte, o que é mesmo criticável - verdadeiro sinal de alienação -, e agora sem qualquer ironia, é que essa recepção aos jogadores de futebol tivesse sido acompanhada em directo por 7 canais televisivos. Sete. Mais o canal Benfica, mas esse é evidente que cumpria a sua função nesta transmissão.
 
Sete (+ um) canais televisivos a transmitirem o percurso do autocarro pelas ruas de Lisboa e a ascensão dos jogadores à varanda da câmara. É totalmente demencial. E um sintoma do boçalismo das direcções editoriais. E não me venham dizer que isto que resmungo é antibenfiquismo.

As homenagens da Câmara Municipal de Lisboa

jpt, 02.10.21

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Na recente morte de Jorge Sampaio a Câmara de Lisboa tratou de o homenagear, utilizando espaços comerciais disponíveis, forma ágil de trazer essa evocação até ao quotidiano dos munícipes. Julgo muito curial que a Câmara homenageie deste modo, sentido e bastante visível, um seu antigo presidente, na hora do seu falecimento. Presumo que tal não tenha acontecido na morte de Nuno Krus Abecasis (1999) e de Aquilino Ribeiro Machado (2012) - não encontro registos fotográficos disso -, mas nada obsta a que se encete agora uma simpática e honrosa prática.

Mas o contrário pensarei se esta acção for dedicada a homenagear o antigo Presidente da República, como julgo ter sido o caso pois esta acção vem na sequência do realizado aquando da morte de Mário Soares. Pois se esta for uma prática a dedicar a todos os presidentes da República que venham a falecer isso será um  mimetismo das práticas simbólicas do Estado central, e assim uma intrusão nas funções que a este competem. O que transporta uma implícita reclamação de um estatuto especial da câmara da capital, um "centralismo municipal" lisboeta. O que se torna mais visível neste contrafactual: face ao registo relativamente contido do cerimonial do nosso Estado democrático muito nos impressionaria, até desagradavelmente, se todas as centenas de câmaras existentes inundassem os seus territórios com homenagens pictóricas por ocasião da morte de um antigo presidente da república. Estou crente que produziria até um travo autocrático, como se de tempero norte-coreano ou afim. Porquê então aceitá-lo na câmara da capital?

É certo que estas homenagens poderão ser justificadas por se terem dedicado a cidadãos naturais do concelho (Soares e Sampaio nasceram em Lisboa) que ascenderam ao mais alto cargo do Estado. Se assim for então serão totalmente curiais. Deixando assim espaço para que na ocorrência de futuros falecimentos de antigos presidentes (longe vá o agoiro) sejam as câmaras respectivas a homenagearem esses seus ilustres naturais. Mas se for esse o vector que imprime esta homenagem póstuma então tem que ser explicitado. E não o é.

Os grafitos no Padrão dos Descobrimentos

jpt, 11.08.21

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Alguém foi-se ao Padrão dos Descobrimentos e escreveu uma qualquer tralha. Caiu "o Carmo e a Trindade". Gente "saiu à rua" (hoje em dia é "aos teclados") arrepenhando os cabelos, rasgando as vestes, acorrendo à honra pátria, a Câmara aprestou-se a limpar a ofensa aos ancestrais, a célere Polícia Judiciária pôs-se em campo e logo desvendou ser o crime uma agressão estrangeira, assim sossegando-nos por não se tratar de uma sempre temível traição.
 
Todo este disparate dá-me vontade de... também bramir. Desde há imensos anos que está Lisboa (e não só) carregada dos tais grafitos. Boçais e imundos. Dizeres estapafúrdios, desenhos indigentes, rabiscos, miríades de "bastos" de todos os tamanhos e posições. Toda essa tralha amadora e morcona de facto legitimada e potenciada pela consagração - pela academia, pelas instituições estatais, pelo "gosto informado", agora até pelos construtores civis - da "street art" (de facto, uma mera "street curio"), que nada mais é do que o piroso desta era - a patética Pasionaria da Graça, os "Pierrot com lágrima" a louvar os profissionais de saúde ditos a "linha da frente" contra o Covid, etc. No fundo, tudo isto seguindo a coberto pelo culto da "intervenção".
 
E agora todo este "ó da Guarda!", "Aqui-d'el-rei!"? Recordo que há uns tempos o jornal "Público" (claro) publicou um artigo de 4 universitários sitos em universidades americanas. Portugueses, brancos, de meia-idade, e de nome compósito. Defendiam a prática espontânea da "intervenção" "decolonial" sobre os monumentos. E desvalorizavam os críticos dessa festança como meros "homens, velhos, brancos e de certa classe social" [burgueses, entenda-se. Ou seja, os que tendem a assinar com nomes compósitos, para quem não perceba]. Alguém deu porrada nesse "paper curio"? Nada, que ninguém se vira a esta gente dos ademanes.
 
Enfim, vai um ror de disparates. E nisso lembrei-me de um texto que escrevi há sete anos quando encontrei uma "intervenção" "decolonial" no ex-libris colonial em Bruxelas. Para quem tiver paciência aqui deixo a ligação.

A Câmara Municipal de São Francisco

jpt, 15.07.21

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A Câmara Municipal de Lisboa é um enorme empregador, em modo desproporcionado com os restantes municípios. E um enorme contratante, também. O resultado desse regime omnívoro é mau. E também ridículo, como aqui se vê - a CML patrocina um festival musical e publicita-o com uma imagem de São Francisco.

Decerto que o guardião disto tudo, Medina, se apressará a despedir algum funcionário expiatório... Mas este é mesmo o diagnóstico do "estado destes artistas".

 

Lido por aí

João Sousa, 18.06.21

"Quase no mesmo momento em que Fernando Medina trespassava todas as responsabilidades aos funcionários camarários, o cardeal Reinhard Marx demitia-se por causa do escândalo da pedofilia na igreja católica. O Cardeal não esteve envolvido em qualquer caso. Mas entendeu que a hierarquia da igreja tinha de “partilhar a responsabilidade” dos abusos e do encobrimento. Porquê? Porque não derivavam de um lapso ou de um erro ocasional, mas haviam sido “sistemáticos”. Tinham, portanto, uma dimensão institucional."

Rui Ramos no Observador

O sexo e a EMEL

jpt, 09.04.21

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Descubro este "Inquérito aos Hábitos de Mobilidade em Lisboa". Presumo que tenha algo a ver com isto das bicicletas, e é feito pela EMEL, aquela empresa predatória dos rendimentos dos cidadãos. Leio esta pergunta sobre se "o sexo [dos hipotéticos ciclistas lisboetas] atribuído à nascença coincide ou não com a identidade de género" e, para além de outras questões menores, surge-me uma memória recente.
 
Na quinta onde estava, há algumas semanas acolhi uma jovem gatinha, algo desamparada, miando naqueles hectares pejados de simpáticos mastins. Acolhi-a, resguardei-a. E dada a sua atitude lânguida e mimosa, nomeei-a - inscrevendo-a sob os meus ancestrais - com a graça de Flávia. No que foi um evidente reflexo de "machismo estrutural", como fui recentemente denunciado por uma bloguista sportinguista. E logo a anunciei aos vizinhos - e, depois, nas "redes sociais", o que foi modo de lhe arranjar lar apropriado (aqui narrei o caso). Lá na quinta a primeira pergunta que os vizinhos me fizeram foi "é gato ou gata?". Ao que eu respondi "sei lá!". Então o dono da quinta, meu amigo, que é professor (e nisso excelente) foi até ela, pegou-lhe, virou-a e disse "é gata". E explicou-me que há diferenças entre gatos e gatas, e quais são elas e como se detectam. E eu aprendi. As tais diferenças de sexo.
 
Agora o meu problema é ideológico. Pois há uma empresa municipal (o Estado) que nos pergunta "se o sexo que foi atribuído à nascença corresponde...". Ora, que pergunta é esta? O sexo foi "atribuído" por quem? Que entidade atribui sexo? Entenda-se bem, Portugal é um Estado laico. Não é um Estado secular, nem confessional, é laico. E como tal não é legítimo que uma empresa pública (sob Medina ou qualquer outro) ande, de modo vicioso, a aludir a entidades metafísicas. A liberdade de culto é um bem fundamental, um direito inalienável. Mas o proselitismo metafísico, uni ou multilateral, está vedado aos órgãos estatais.
 
Ou seja, isto tem que ser já retirado. E algum responsável, seja lá de que género for, tem que ser demitido.

A Câmara de Lisboa e o país

jpt, 03.07.19

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Fernando Nunes da Silva. ‘Manuel Salgado é o verdadeiro presidente da CML’. (I, 12 de Setembro de 2018)

Fernando Nunes da Silva, "Os negócios imobiliários vão ganhar milhares de milhões com a expansão do metro". (II, 19 de Setembro de 2018)

Ontem foi o meu aniversário, o 55º. E o Facebook deu-me uma prenda. Melhor dizendo, algumas das minhas ligações-FB ("amigos" diz-se, sobre pessoas que não se conhecem, uma aberração linguística) deram-me uma prenda: chamaram-me a atenção para esta entrevista. Trata-se de um verdadeiro documento, um "corte geológico" da Câmara de Lisboa. Mas também, se extrapolando, do poder municipal. E, mais do que tudo, sobre o que é o Partido Socialista.

Vem num discurso claro, com conhecimento interno do que se vem passando. Dizendo coisas "incríveis" ainda que credíveis. Demonstrando o "estado da arte" do que é o PS. É a isto, à rejeição deste descalabro anti-democrático, que Inês Pedrosa, Miguel Sousa Tavares, Fernando Rosas, Seixas da Costa e outros painelistas chamam "populismo" (já ninguém diz pujadismo), o antes dito "neoliberalismo" ou mesmo "fascismo". No que são secundados por inúmeros menos-conhecidos, funcionários públicos professores, jornalistas avençados ou mesmo meros facebuquistas/bloguistas mui ciosos deles mesmos. A cortina que impõem é tão grande que esta entrevista - com tudo o que poderia ser letal para uma clique no poder - passa praticamente despercebida (é de Setembro de 2018) e dela saem incólumes os dirigentes partidários.

As pessoas, estas tantas que apoiam esta tralha toda, não prestam. Nada prestam.

Câmara Municipal de Lisboa e o Dia D

jpt, 07.06.19

— Lisboa (@CamaraLisboa) June 6, 2019

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Um comentário no postal "Heróis" do Pedro Correia deu-me a conhecer esta colocação no sítio da Câmara Municipal de Lisboa no twitter. Não sei qual é o estatuto jurídico de uma conta nas redes sociais de uma autarquia ou de qualquer organismo estatal. Mas, de facto, essas contas assumem o papel de representação. Nem sei quem faz a sua gestão - um funcionário autárquico, um avençado sub-remunerado familiar de alguém do "partido", um (ex-)"jotinha", um jornalista anónimo amigo dos bloguistas do "Jugular", um avatar do deputado Carlos César, sei lá que mais ... Mas sei que esta é a forma como a câmara da minha cidade comemora os 75 anos do Dia D. Não é particularmente relevante, dos tuítes não reza a história, e esta falará da era Medina pelas aventuras do arquitecto Salgado e quejandos, não por minudências destas. Ainda assim, e porque me irritou a infra-cultura PS remunerada pelo Estado deixei lá, na referida conta, o meu contributo etnográfico, proveniente da mais pura cultura alfacinha: um curto "foda-se", mais do que merecido (que me perdoem os olhos mais sensíveis que por aqui passem).

Respondeu-me o Estado, na versão autárquica, bloqueando-me o acesso ao seu guichet no twitter. Repito, não conheço o estatuto jurídico das contas nas redes sociais das autarquias e doutros organismos estatais. Mas sorrio ao ver o tal Estado, medinesco, a abandalhar a memória dos Aliados (será a actual edilidade germanófila?) e a barrar quem se irrita com isso. "Sorrio" é como quem diz, repito os palavrões. Os devidos a este "comboio descendente", ali de Queluz à Cruz Quebrada, todos à gargalhada, uns por verem rir os outros, e os outros sem ser por nada, ou apenas por um tweet ou outro. Deste calibre.

Transparência na gestão autárquica.

Luís Menezes Leitão, 02.07.18

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Acho que é sempre um modelo de transparência uma autarquia que arrenda por tuta e meio um terreno de um palácio municipal de grande valor histórico e a seguir exibe publicamente um contrato de onde risca o nome do outro outorgante. E, já agora, a Madonna entende o suficiente de português para ter assinado este contrato? Se fosse em qualquer outro país civilizado, o Presidente da Câmara de Lisboa já estaria na rua. Mas como em Portugal não há capacidade de indignação, continuaremos sempre na nossa apagada e vil tristeza.

Branco-cru

João Campos, 30.03.12

Para travar a "desqualificação do espaço público" da Baixa, os vereadores definiram um conjunto de "critérios orientadores", segundo os quais as esplanadas devem ter toalhas de mesa "de cor única", chapéus de sol "em lona na cor branco-cru", menus que "não ultrapassem o formato A4" e porta-guardanapos "em aço inox".

 

Pois eu cá mandaria pintar o país todo de branco-cru. Ficava mais bonito. E uniformizado.

 

No entanto, fica a pergunta: quais foram os critérios orientadores que os iluminados vereadores da CML definiram para a indumentária dos traficantes vendedores ambulantes de droga da Rua Augusta? Também será "de cor única"? "Branco-cru", querem ver? E a droga, vai ser devidamente acondicionada em "aço-inox" ou pode continuar a ser traficada vendida enrolada em celofane de qualidade duvidosa?