Fiasco global
(créditos: Palácio do Planalto/Ricardo Stuckert)
Se outras razões não houvesse, para além da ausência de Vladimir Putin, a cimeira dos BRICS que está a decorrer na África do Sul está a revelar-se um verdadeiro fiasco.
A ausência de Putin indicava, desde logo, que a bazófia do cobardolas russo não era suficiente para que pudesse confiar nas autoridades sul-africanas. Sem garantias de que poderia exibir-se em segurança e sem ser detido, o carniceiro do Kremlin enviou Lavrov, o seu amestrado serventuário, cão de fila para todo o serviço, optando por discursar em modo de pré-gravação e retransmissão audiovisual no habitual registo distópico sobre a comunidade internacional, fazendo eco de lamúrias e lamentações pelas consequências de uma catástrofe provocada ao seu povo e à Ucrânia por si próprio.
A África do Sul, integrando o Tribunal Penal Internacional, com as linhas da sua política externa claramente definidas, e objecto de reajustamento pelo presidente Cyril Ramaphosa, após o afastamento de Zuma, não poderia dar-se ao luxo de condescender com a Rússia, não cumprindo um mandado de detenção internacional para satisfação do senhor Putin, o que traria problemas acrescidos a quem já tem muitos para resolver, colocaria em causa o desenvolvimento do país e em risco a sua respeitabilidade internacional.
Por outro lado, se é verdade que o presidente chinês se deslocou à cimeira, o facto de não ter discursado, estando previsto que o fizesse, entregando o seu discurso a um subalterno, suscitou de imediato muitas dúvidas e questões, designadamente em Hong Kong, as quais ainda aguardam esclarecimento.
Atendendo à posição proeminente da China nesse fórum e no mundo actual não é normal que fosse o ministro do Comércio chinês, Wang Wentao, a ler o discurso do presidente Xi, pelo que algo de muito grave deve ter acontecido para que a substituição tivesse ocorrido e ninguém apresentasse justificação para ela. De tal forma foi inesperado que, embora o presidente Xi não discursasse, uma porta-voz do MNE chinês, Hua Chunying, divulgou na rede Twitter que o presidente tinha discursado, assim contribuindo para a disseminação de "fake news" à escala global e com chancela oficial.
A situação económica do país e a crise de confiança instalada na China, seja por razões atinentes ao colapso do sector imobiliário ou à gigantesca dívida dos governos locais e das empresas estatais, não pode ser razão suficiente para a mudança. Daí, também, as palavras do antigo embaixador do México na China quando escreveu na mesma rede social que "[u]ma ausência sem aviso prévio, especialmente num fórum multilateral (ao qual a RPC raramente falta), depois de todo o trabalho de base com a Índia, é verdadeiramente digna de notícia. A ser verdade, algo está certamente errado".
As dezenas de países que pelas mais variadas razões gostariam de se associar aos BRICS – Arábia Saudita, Argélia, Argentina, Indonésia, Irão, México, Emirados Árabes Unidos, Congo, Comores, Cazaquistão ou Nigéria, por exemplo – mostra como será difícil um novo alargamento. E que a ocorrer bloqueará de vez qualquer hipótese de sucesso do grupo. Por agora, depois de muitas promessas, os BRICS navegam entre a simples propaganda, as declarações de intenções grandiloquentes, as peregrinas propostas de Lula e Dilma e muita incerteza.
A disparidade de interesses políticos, económicos e ideológicos entre os actuais membros – China vs Índia, Índia vs. Rússia, África do Sul vs. Rússia – e os que ali pretendem entrar, mostra com toda a evidência que embora o grupo tenha muitas hipóteses de vir a ser uma verdadeira plataforma comercial alternativa e um dinamizador de relações bilaterais entre os seus membros, tudo o mais que anseie corresponder a uma acção concertada e de carácter mais global estará condenado ao fracasso.