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Delito de Opinião

Defraudado e desapontado

Paulo Sousa, 13.12.21

As horas de transmissão da série televisiva Covid-19, vamos agora na temporada Ómicron, foram ontem de manhã seriamente abaladas.

O ex-banqueiro foragido à justiça João Rendeiro foi apanhado pela polícia sul-africana num resort de luxo.

A história tinha ingredientes de natureza diversa que lhe asseguravam espessura para estarmos perante um bom romance. Começando pela ascensão social e financeira da figura, até à sua fuga planeada com o rigor que se encontra apenas nos filmes mais realistas, passando claro pela implosão do seu banco, a revelação das suas burlas artísticas e sem faltarem as contradições entre a frieza do crime financeiro e a melosa paixão pelas três cadelas deixadas para trás a tomar conta da esposa. Tinha quase tudo para ser uma boa história. Claro que se dispensava bem o longo compasso de espera provocado pela sempre demorada e aborrecida justiça portuguesa, mas tudo o resto era muito bom.

Ficamos a saber que afinal, tal como nos filmes, a polícia consegue mesmo seguir o rasto dos pagamentos feitos com meios electrónicos. Se Rendeiro dedicasse algum tempo à filmografia de acção já saberia que devia ter outros cuidados e mais imaginação.

Num filme razoavelmente verosímil o ex-banqueiro agora fugitivo nunca teria sido apanhado sem primeiro obrigar a polícia sul-africana a uma perseguição automóvel pela baixa de Durban, com direito a carros destruídos às voltas pelos ares.

Mas para desmentir definitivamente a teoria da treta que afirma que a realidade ultrapassa a ficção, soubemos que a personagem principal da história foi apanhada de pijama e que se mostrou surpreendido.

Estes últimos detalhes revelam um deprimente desmazelo do romancista. O guião, que chegara a ser promissor, neste ponto já estava a caminho de ser arrastado para aquele cesto dos papéis no canto do écran. O que é que que podia ser mais infantil do que isto?

Mas para arrematar o afundanço, ainda faltava a cereja no topo do bolo. Então não é que o João de Portugal, viajante individual, logo depois de torrar uma boa maquia num programa de encriptação topo de gama, não resistiu em avaliar a sua experiência no Forest Manor Boutique Guesthouse?

Que saudades do Duarte e Companhia. Aquilo é que eram histórias bem apanhadas.

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Ilunga

Rui Rocha, 08.08.14

De acordo com vários estudos linguísticos internacionais, Ilunga, palavra do dialecto Tshiluba falado no sul da República Democrática do Congo, é uma das mais difíceis de traduzir. Pelo visto, Ilunga descreve a situação de uma pessoa que aceita um abuso uma primeira vez, tolera esse abuso uma segunda vez, mas está completamente indisponível para aceitar ou perdoar um terceiro abuso. Pois assim estamos. Pelo caminho que as coisas tomam, em breve precisaremos de uma palavra ainda mais complicada para a língua portuguesa. Aquela que, depois dos escândalos do BPP, do BPN e do BES, traduza a nossa incapacidade de tolerar um abuso mais que seja. E temo que depois precisemos ainda de outras palavras complicadíssimas de traduzir, à medida que forem abusando mais e mais.

As Necessidades e a porcaria

Rui Rocha, 21.09.13

Rui Machete reagiu, no dia em que tomou posse como Ministro do Estado dos Negócios Estrangeiros, às críticas dos que sublinhavam as suas ligações ao BPP e ao BPN. Nessa oportunidade referiu que tais críticas eram “reflexo da podridão dos hábitos políticos”. Machete não podia estar mais certo no diagnóstico que fez. Há, de facto, hábitos podres na política portuguesa. Há por exemplo quem tenha escrito e enviado uma carta em 2008 onde garantia o seguinte: "Não sou nem nunca fui gestor/administrador do BPN ou membro do seu Conselho Fiscal ou sequer acionista ou depositante da mesma instituição bancária". Sabe-se hoje que as primeiras acções da SLN contabilizadas na carteira de investimentos de Machete foram subscritas, em 2001, no aumento de capital da holding para 350 milhões de euros. E que nos anos seguintes, voltou a investir na SLN e, no final de 2005, detinha 25.496 títulos. E que as acções foram vendidas com uma mais-valia de 150%. Agora, o Bloco de Esquerda trouxe à praça pública a contradição entre o que foi dito e a realidade dos factos. Se não existissem hábitos podres na política portuguesa, Machete teria apresentado, perante tudo isto, um pedido de desculpas e a sua demissão. Tal não apagaria a vergonha de ser apanhado a mentir aos setenta e tal anos. Mas daria pelo menos aos cidadãos um sinal de que sobra um módico de decência no sistema político: quem mente sai do governo, quem é “esquecido”, para além de ter de tomar Memofante, também não pode lá ficar. Todavia, como há podridão, Machete achou que podia introduzir um momento humorístico. Em comunicado hoje cometido, refere-se a imprecisão factual. E acrescenta:“No momento em que escrevi esta carta, em 5 de novembro de 2008, não tinha quaisquer ações ligadas ao Banco Português de Negócios (BPN). Aliás nunca tive, em qualquer momento, ações do BPN. Equivocadamente escrevi então que nunca tinha tido ações da Sociedade Lusa de Negócios (SLN)”. Como se alguém como Machete, metidinho até ao pescoço em todo o lodaçal desse escabroso negócio, não soubesse que, para o que está em causa, a SLN e o BPN eram uma e a mesma coisa. É preciso que esta gente saiba que há limites. E que, desta vez, um mínimo de salubridade impõe que as Necessidades não permaneçam envolvidas nesta porcaria.

Million dollars, baby...

Laura Ramos, 22.09.11

A Irlanda, através da NAMA (Agência de Gestão de Activos) está a resolver os problemas financeiros da sua banca recorrendo à venda de obras de arte e de outros bens penhorados durante a crise do sector imobiliário.

Naturalmente, o filão não se alimenta exactamente do património do cidadão comum, mas sim dos valores acumulados pelos especuladores, a quem fugiu o pé quando a receita da fortuna fácil se converteu na fórmula da bancarrota, arrastando vítimas.

Entre os bens colocados à venda, encontram-se helicópteros, jactos privados e hotéis de cinco estrelas.

 

E que tal lembrarem-se do mesmo por cá, nos casos do BPN e do BPP?
O que foi feito deste património bancário?

E deste aqui?

E deste?

 

Vão-se os anéis, está bem.

Mas ide aos deles, primeiro.

Da parte fraca

Jorge Assunção, 03.06.09

O porta-voz dos clientes do BPP, Durval Padrão, disse à Lusa que os clientes apoiam a solução defendida pelo presidente do BPI, Fernando Ulrich, que apontou para a necessidade de ser o Estado a gerir o "mega-fundo". O presidente executivo do BPI defendeu na terça-feira que o Estado deve comprar os títulos dos clientes do Banco Privado Português (BPP) considerados de retorno absoluto e apelou às autoridades para que resolvam depressa a situação. E eu, simples contribuinte português, defendo que o presidente do BPI antes de defender o que o Estado deve ou não deve fazer, deve ser o primeiro a chegar-se à frente. Quanto à questão de fundo, compreendo perfeitamente a revolta dos clientes do BPP, mais ainda quando são discriminados face aos clientes do BPN, mas o essencial aqui é que se perceba que o contribuinte português não pode ir a todas e os clientes devem responsabilizar aqueles que são os verdadeiros culpados pela situação em que se encontram: os gestores privados da instituição em causa. Espero, portanto, que o governo português saiba dizer não aos clientes do BPP, evitando ceder à pressão a que está a ser sujeito.

Rendido repentinamente

João Carvalho, 21.05.09

O BPP constitui um quebra-cabeças que anda a tirar o sono a muita gente, quer a depositantes que lhe confiaram poupanças, quer ao governo, que não sabe como descalçar a bota que enfiou com a calçadeira que já perdeu.

No meio de todo o imbróglio, lembrei-me do antigo presidente do banco: João Rendeiro garantiu que ia fazer pagar caro aos que se atreveram a apontar o dedo à sua gestão. Entretanto, passou-se a falar claramente das fortes suspeitas de grandes irregularidades em operações da sua lavra. E o que é que tem acontecido? Rendeiro rendeu-se ao silêncio. Acho que faz bem.

Obviamente, comunico-o

João Carvalho, 23.02.09

O Ministério das Finanças divulgou um comunicado para dizer que o aval prestado para socorrer o Banco Privado Português serve para assegurar os depósitos comuns, mas que o Estado não irá responsabilizar-se pelos resultados mal sucedidos da 'gestão de fortunas' (as carteiras de investimentos), por serem operações privadas de reconhecido risco contratadas entre o banco e os investidores de património; por isso, não cabe ao Governo garantir estas. Pudera! Alguém tinha dúvidas? Chama-se a isto um comunicado sobre o óbvio.

Mudam-se os tempos

J.M. Coutinho Ribeiro, 20.02.09

Os clientes do BPP, que ontem ocuparam a sede daquele banco no Porto, vão ser recebidos por um dos administradores em Lisboa, na próxima semana. Estranho! Até para tentarem receber o que é seu têm que se deslocar a Lisboa? Aposto que quando se tratou de depositar o dinheiro, foram-lho buscar a casa, cheios de mesuras.