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Delito de Opinião

Da revisão e da denotação

jpt, 26.08.24

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(Fotografia minha - apesar de andar disseminada pela internet -, julgo que feita em Sofala ou na Zambézia)

Os livros são revistos antes da sua publicação, os artigos de cariz técnico-científico também. Há revisores profissionais, conheço alguns. E conheço-os bem. Até amei uma revisora. As teses académicas também o são - algumas são mesmo revistas por profissionais, mas a maioria não o é desse modo remunerado, dadas as condições de produção habituais desse tipo de textos.

Ao longo dos anos revi inúmeros textos: de amigos, de colegas, de antigos alunos já colegas. Se em textos literários após um "o que é que achas?" vindo de amigos que me sabem sem rodeios, capaz de chegar até ao "não publiques isto", se julgo necessário... Se em textos técnico-científicos após um pedido de opinião, de modo mais formal. Para essas últimas há matérias que a tecnologia foi simplificando: mesmo não sendo infalíveis são preciosos os correctores ortográficos - e sintácticos -, os dicionários digitais, e estes crescentemente competentes sistemas de tradução. Mas ainda assim subsistem máculas em textos que se querem límpidos: erros, alguns sendo meras "gralhas", sintaxe atrapalhada, distracções. 

E, principalmente - mas não só - nos trabalhos de "humanidades"  levantam-se outros problemas. Pois, e não  por defeito - por retórica vácua -, mas por características da investigação e da explanação, os textos são mais longos. Isso levanta à revisão assuntos a que se deve estar atento: hipotéticas redundâncias argumentativas e/ou descontinuidades lógicas. Ou mesmo meras construções frásicas desnecessariamente prolongadas - algo mais relevante quando os textos, como os académicos, têm limites quantitativos explícitos (palavras, caracteres, páginas) ou quase implícitos (tempo de apresentação oral).  E quem na vida tenha escrito alguma coisa - um rol de compras, um postal ilustrado que seja - sabe que um olhar alheio detecta muito mais facilmente, e até de modo imediato, essas "desnecessidades" ou "ausências" ("não puseste o papel higiénico!", "esqueceste-te de mandar um beijo meu à tua mãe", dirá o cônjuge veraneante...).

Em trabalhos académico-científicos há ainda outro aspecto crucial: a bibliografia. Pois os textos são um interpretação dialogante com uma realidade, e desta fazem parte os trabalhos anteriores que sobre ela foram feitos. Ao elaborar-se sobre um fenómeno refere-se o que já foi dito (é uma espécie de "experiência laboratorial", passe a fraca analogia), forma de comprovar a justeza do raciocínio - mas não da sua conclusão, claro. Esse diálogo é também forma de evitar que a reflexão em curso se restrinja a especulações não abdutivas. Ou seja, reflecte-se de determinada forma face ao que outros disseram. E sobre esse terreno tem o autor o seu argumento, seguindo de forma fiel essas prévias elaborações, matizando-as, ou opondo-se-lhes radicalmente. Inovando, se lhe for possível.

Quem já tenha escrito um trabalho académico - em particular nas "humanidades" mas não só - sabe que a construção do texto implica colocações argumentativas, amputações, recolocações, até ao produto final. Isso implica - sempre - que as notações bibliográficas devem ser revistas. Não só vasculhando a pertinência da sua colocação - algo sobre o qual o autor deve ser soberano - mas também a sua completude. No rol final não devem ser surgir textos apenas referidos em trechos que foram entretanto retirados do trabalho final. E devem ser apostos todos os que neste foram colocados. Mais ainda, há um formato de apresentação das notações bibliográficas - há vários dominantes, cada instituição científico-académica opta por um. E um trabalho deve apresentá-las de forma homogénea. Por exemplo, se coloco Correia, P., Tudo é Tabu. Lisboa: Guerra & Paz, 2024, terei de o fazer para todos os livros do mesmo modo. E tenho de constatar se no meio do texto não me enganei e coloquei (Correia 2023). É um trabalho de minúcia, até obsessiva. E nisso eu sou bom.

A maioria daqueles que já tenham tido de entregar num prazo apertado um longo, profundo e trabalhoso texto, saberá que os últimos dias são de pressão, de revisão e até reconstrução das argumentações (e/ou das provas, consoante o teor), de elaboração de conclusões definitivas. De uma - exausta, quantas vezes - releitura do global. Nesse entretanto, as questões de minúcia, trabalhosa e demorada, essa das vírgulas, das figuras de estilo demoradas, até da repetição de formulações, da correcção de datas, editores, nome de revistas, etc., são o inverso do imperativo urgente naqueles momentos. Até porque esse esmiuçar não é trabalho que se faça sob a normal pressão ("nervoseira") e nunca em "directa", pois exige mesmo "cabeça fresca". Como o sabe, repito, a maioria esmagadora dos que já tiveram de fazer este tipo de trabalhos. Como também essa maioria esmagadora sabe que nenhum destes trabalhos de rodapé significa o escorar de um trabalho. Ou seja, em nada apoucam a autonomia intelectual do seu autor. Não maculam a sua deontologia.

Eu tenho o blog Nenhures. Por  vezes lá deixo textos mais pessoais, não intimistas mas de cariz mais diarístico. Sempre hesito em colocá-los também neste colectivo Delito de Opinião. Hesitação devida ao incómodo sentido diante de alguns comentadores abrasivos, esses que surgem em militante contraposição a tudo, e nisso fico-me "para que é que me vou chatear com estes gajos...!". É certo que, e apesar do actual crescendo de leitores no Delito de Opinião, pelo menos nos meus postais felizmente esse ulular tem-se reduzido. Também por isso ontem deixei aqui um postal feliz, "uma semana jubilosa". No qual entre aprazíveis minudências referi, orgulhoso, ter estado a rever a tese de mestrado da minha filha.

Luis Balio Lavoura, um comentador folclórico do bloguismo português, e que tem como pegada digital ser investigador profissional de um renomado instituto superior português, de imediato surgiu em comentário - que eu apaguei - colocando em causa a honorabilidade académica da minha filha, devido a ter ela tido a tese revista por outrem. Claro que me posso perguntar como é possível que o célebre Instituto Superior Técnico acolha um investigador que tem este tipo de percepção do trabalho intelectual. Mas mais do que isso, aqui entre nós in-blog, refiro como este esparvoado comentário denota o conteúdo absurdo da atitude dos resmungões militantes, esses que a quase tudo o que aqui surge querem apupar. Até este paternal postal...

Acontece que neste disparate comigo Luís Balio Lavoura cruzou o Rubicão. E em assim sendo é-me indiferente que sofra de uma qualquer condição patológica.

O meu livro Torna-Viagem

jpt, 01.04.24

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Torna-Viagem, de José Pimentel Teixeira (ligação com acesso ao livro no "sítio" de aquisição)
 

Escrevo em blogs há 20 anos - antes no ma-schamba e no Olivesaria, este um colectivo dedicado ao historial do meu bairro Olivais, depois também no sportinguista És a Nossa Fé. E agora no meu Nenhures e no colectivo Delito de Opinião. A um passo dos 60 anos, decidi publicar umas "memórias". "Presunção e água benta, cada um toma a que quer", e eu tomei a da ideia de talvez interessar a outros o que escrevi sobre o que vivi.

Retoquei uma centena de crónicas (de viagens e paragens), dois terços delas escritas em Moçambique, algumas sobre outros países onde trabalhei, o restante em Portugal no meu retorno após duas décadas de ausência. É uma espécie de "prova de vida"... Ao volume chamei-lhe "Torna-Viagem" e (auto)publico-o agora através da plataforma editorial Bookmundo. 

A impressão do livro é feita apenas por encomenda, tal como a sua venda. A quem tenha interesse bastar-lhe-á "clicar" nesta ligação directa ao livro, colocada no nome, e encomendar o Torna-Viagem

Os que quiserem "folhear" o livro poderão fazê-lo na minha conta na rede Academia.edu:  aqui, onde deixei capa, índice e os três primeiros textos.

Depois, como será óbvio, seguir-se-á o envio postal do(s) exemplar(es) comprado(s), processo que demorará alguns, poucos, dias. Ou seja, o livro não estará disponível nas livrarias físicas. Nem haverá futuros monos, sobras destinadas à célebre guilhotina de livros.

Finalmente, aqui replico a sinopse que apus no livro: Chegando agora aos sessenta anos deixo neste "Torna-Viagem" algo como se uma autobiografia. Faço-o através de uma centena de crónicas escritas durante as duas últimas décadas. Sessenta dessas agreguei-as na primeira parte do livro, à qual chamei "A Oeste do Canal", pois escritas sobre Moçambique, nelas ecoando viagens por aquele país afora, alguns pequenos episódios — trechos do real — que senti denotativos das transformações ali acontecidas, e memórias de personalidades que conheci durante os meus dezoito anos de permanência. Em algumas outras recordo momentos vividos em países onde trabalhei. E as restantes três dezenas formam a segunda parte do livro, na qual deixo excertos deste "Ocaso Boreal", a minha actual aventura de retornado pós-colonial defronte à "pátria amada".

Até os cães conseguem entrar

Paulo Sousa, 16.12.23

Na senda dos postais anteriores do Luís Naves e do jpt avanço aqui com o que acho sobre essa temática.

Escrever num blog é fácil, sendo que o único custo suportado se resume ao tempo que a isso dedicamos. Ter leitores é uma outra camada, que se consegue, ou não, acrescentar ao acto de escrever. Sem leitores, sinto que escreveria apenas para mim, para registar um ponto de vista, uma opinião, uma memória ou um acontecimento, pensando que talvez um dia alguém achasse interessante e viesse a dedicar-lhe alguma atenção. É muito melhor ter leitores.

O Delito de Opinião, como se diz na minha terra, é como a porta da Igreja quando está aberta, que até os cães conseguem entrar. Peço aos leitores que não entendam esta expressão como sendo de menosprezo: eu aprecio, e muito, a sua diversidade.

A estatística do tráfego disponibilizada mensalmente pela plataforma Sapo diz-nos que apenas uma pequena minoria dos leitores atravessa a barreira do comentário. Dos que comentam, alguns fazem-no com uma frequência que já nos permite ir conhecendo, uns mostram concordância, outros replicam olhe que não, mas todos confirmam a regra geral de que as pessoas dizem coisas. Confesso que alguns, não muitos infelizmente, acrescentam por vezes informação que me leva a outras consultas e a mais conhecimento. Outros, reagem com o imediatismo previsível e característico da classe, categoria, prateleira em que se arrumam neste nosso rectângulo. Desses, há uns muito empenhados na hercúlea tarefa de querer que o resto do mundo concorde com eles, nem que, à falta de um segundo argumento, insistam em repetir ad nauseam aquilo que já disseram antes.

Numa conversa de café trocam-se argumentos, como se de um imaginário jogo de ténis se tratasse. Nem toda a gente aceita ser contraditada e por isso só vale a pena entrar num debate se do outro lado estiver alguém que mereça esse esforço. Contrapor numa conversa é para mim como que uma forma de reconhecimento de capacidade. Perante alguém que não conhecemos, aceitar debater pode ser um acto arriscado. Mas pode ser também uma forma de passar uns belos longos minutos a esgrimir argumentos, sendo que, invariavelmente, se acaba sempre por aprender qualquer coisa. Já me aconteceu avançar com uma contraposição com um desconhecido e rapidamente sentir que dali não se leva nada, pois a reacção não passa de uma sequência de chavões ouvidos, de lugares-comuns repetidos por associação descombinada, que obrigam a uma retirada rápida até porque o tempo é um bem escasso e as pérolas são mal empregues quando dadas a porcos.

Aqui no blogue, às vezes surgem palermas dessa estirpe. Ou porque descarregam reportórios que copiaram num qualquer recanto mal frequentado, ou porque escrevem em maiúsculas como quem grita, ou porque querem promover um canal do Youtube de terraplanistas ou de achaques análogos, ou porque estão mesmo convictos de uma qualquer teoria da conspiração e acham que têm de evangelizar o mundo antes do Apocalipse ou porque entram logo a destratar quem lhe terá de aprovar a missiva. Recordo-me que por ocasião da invasão russa à Ucrânia fomos aqui quase agredidos por uns empenhados prosélitos que descarregavam repetidamente longos textos, talvez julgando que alguém achasse que os ali tinham escrito com a dedicação necessária para tão extensa tarefa e que mais não eram do que copy paste largado em tudo o que mexia na blogosfera. Clicar no “apagar” exige ainda menos esforço do que o trabalho que tiveram a seleccionar um excerto de texto e depois combinar a pressão em duas teclas.

Como já disse noutros textos e em comentários, é para mim um gosto debater com quem o merece. Trolles, idiotas, grunhos em geral, trato-os todos da mesma maneira. O baldinho do lixo está sempre ali ao lado.

Sobre Israel aqui

jpt, 15.12.23

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Nunca me dediquei a leituras detalhadas sobre a temática Israel, pois nunca me foi assunto prioritário. Nem mesmo apenas relevante. Nunca visitei a região - o mais perto que cheguei foi Chipre... A minha atenção sobre temas internacionais, que não é profissional, ancorou-se noutros sítios, noutros continentes. Pouco sei sobre a história daquela área, e pouco sei sobre as últimas décadas, as do pós-II Guerra Mundial, as do estabelecimento do país Israel, e de vários outros vizinhos... E o estado crónico daquele conflito - do qual fui vendo notícias desde a mais tenra idade, pois lembro-me de estar perto do meu avô materno, que morreu aos meus 8 anos, assistindo a Moshe Dayan e Arafat no telejornal - também me convocou a um fastio sobre tudo aquilo.

Escrevo em blogs. É uma escrita amadora. Ou seja, não é remunerada, economica ou estatutariamente. E não tem agenda, nem própria nem, muito menos, encomendada. É diarística, sem intimismos. Escrevo sobre os temas que me interessam, muitas vezes reactivamente, outras vezes radicado nos meus gostos ou no meu quotidiano. Assim sendo é uma escrita irresponsável - ainda que às vezes possa procurar um objectivo (como hoje, no meu blog pessoal proponho aos leitores uma boa prenda natalícia, um recente livro de um bom amigo meu). Mas é irresponsável pois não tem a tal "agenda" - não é militante (ou "activista", como agora se diz) -, não é lucrativa - ninguém me arranja trabalho remunerado através desta verborreia -, e, acima de tudo, porque não é editada. Ou seja, não é publicada num órgão de comunicação social, assim difusamente subordinada a algum tipo de responsabilidade social, de cariz noticioso por exemplo. Em suma, escrevo em blogs sobre o que me apetece. E ninguém tem rigorosamente nada a ver com isso, com o meu cardápio.

Dito tudo isto, é totalmente absurdo que os leitores me venham a cobrar (e a outrem) o não ter escrito sobre um qualquer assunto. Sim, é normal, e até simpático, que os leitores do meu blog, ou do colectivo no  qual participo, proponham temas. E/ou perguntem a opinião do bloguista sobre algum assunto. Mas é anormal, e até grotesco, que reclamem que não se escreva sobre determinada matéria. E isso por defeito, entenda-se: por característica essencial... pois trata-se de um blog.

Pior ainda, mais grotesco, quando se invectiva um silêncio quando  este inexiste. Nos meus últimos postais - e não só nos meus - há comentários (normalmente anónimos) reclamando, como se defeito digno de opróbrio, o meu silêncio sobre a questão de Israel e Gaza. E fazem-no com acinte. Tendo eu ontem publicado um postal comovido, dado o assassínio de alguém que conheci pessoalmente, amigo de amigos, meu editor durante anos num jornal em Moçambique, recebi comentários desse tipo - até mesmo num postal com esse conteúdo, caramba! Um energúmeno  anónimo atreve-se mesmo a dizer que "me fica mal" escrever sobre o assassínio de um conhecido, companheiro, dado que não falo sobre Gaza e suas cercanias. Outros comentadores habituais vão no mesmo rosário.

Ora, e mesmo para além de tudo o que já avancei, desde o vil ataque terrorista do partido fascista Hamas eu deixei aqui quatro postais sobre o assunto: recomendei um excelente e assisado documentário sobre a história da região, transmitido na SIC Notícias, o "A Origem de um Conflito", relevante para evitar interpretações acaloradas sobre tudo aquilo; recomendei a leitura dos livros de Joe Sacco sobre a história e actualidade de Gaza, de indiscutível denúncia daquela situação (e lembrei que até escrevera um texto longo sobre essa abordagem de Sacco); referi a necessidade de tino na tomada de posições favoráveis à causa palestina; e explicitei o meu estupor diante da reacção militar israelita. Ainda assim, no país onde vivi 18 anos, espancam até à morte o meu antigo editor, isto enquanto a polícia abate jovens manifestantes na sequência de umas eleições reconhecidamente aldrabadas, e há aqui energúmenos, vis anónimos, que se atrevem a colocar em causa a decência e a legitimidade do que coloco. Devido a não escrever sobre o que eles querem, a não dizer o que eles querem...

Avanço então duas ideias: a primeira é sobre que penso sobre a actual situação em Israel, não para julgar a história mas para pensar presente e futuro. Está explícito nas declarações do vice-chanceler alemão Robert Habeck e do primeiro-ministro britânico Rishi Sunak (no seu segundo filme a partir dos 4 minutos...)

Vinte anos a blogar

jpt, 07.12.23

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No dia exacto não me lembrei disto, assim falhando a efeméride pessoal, mas notei-o agora. A 3 de Dezembro fez exactamente 20 anos que comecei a blogar, lá de Moçambique integrando-me naquela vaga blogal que cá aconteceu em 2003. Primeiro no ma-schamba, que alguns anos depois se tornou colectivo. Depois, já em Portugal, no Courelas (o mesmo que ma-schamba...). Depois, sozinho, no O Flávio e agora no Nenhures. Entretanto também estive no colectivo sportinguista És a Nossa Fé. E, claro, estou aqui no Delito de Opinião.

Ou seja, isto de blogar tornou-se-me uma mania. 20 anos de verborreia - durante longos períodos até diária - deu para escrever muita tralha, inútil, às vezes até injusta, imensas vezes injustificada. Mas outras vezes acertei, releio e canto "rio-me de me ver tão bela nesta espelho". Por isso recolhi textos que estão esquecidos nos blogs - os quais não apago, até porque o tema dos arquivos dos blogs sempre me foi importante, ainda que me pareça ter isso sido descurado pelas instâncias arquivísticas nacionais. E dessa amálgama fiz este ano dois volumes que gostaria de tornar livros (vanitas vanitatum et omnia vanitas), um de crónicas de viagens e memórias, que seria (ou será, se vier a acontecer) um "Torna-Viagem", um outro de resmungos que julgo terem sido certeiros, a ser um "O Podcast Mudo". A ver se arranjarei editora para tais coisas, desde que não as pague eu, pois não tenho paciência para esse negócio - hoje em dia viçoso ao que parece - de cobrar ao autor para lhe publicar o futuro mono e depois ainda o obrigar a impingir os exemplares aos desgraçados amigos, pobre gente que se deixa ir nisso.

Mas para relembrar o meu início blogal aqui repito o meu primeiro postal, este "Lavoura". Faço-o, por saudosismo. Mas também para convidar à leitura do grande Ruy Duarte de Carvalho, magnífico escritor, antropólogo e também cineasta.

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"...a lances de catana e de machado desfaz a rama e a trama dos espaços virgens. Prepara um espaço para a nova lavra, esgotado o humus de uma lavra antiga. Alarga a circunferência de chão raso. Devolve o sol à terra e dá-lhe a mansa forma de um corpo fecundável e passivo. O tronco nu progride mata a dentro. Governa os braços firmes e velozes, confere exactidão ao gesto azado. E os fustes, gemem, fendidos pelo golpe. Martela, vigoroso, a rijeza maior de alguns dos paus, depois transforma em lenha as copas derrubadas..."

(Ruy Duarte de Carvalho, Como se o Mundo Não Tivesse Leste, Cotovia, p. 117 )

Têm os anónimos mães?

jpt, 02.05.22

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Por motivos comensais tornei a cruzar o rio, assomando à capital. Encetei o roteiro num jantar de "até já", congregado ali um grupo de amizades feitas em Maputo pois o casal anfitrião, meus compadres direi, que assim nos viemos a fazer, e também uma bela e muito querida amiga estão mais uma vez de partida, para longas missões em diferentes continentes, rumo que lhes é vida. O que deixa este vizinho um pouco mais sozinho do que aquilo de que vou fazendo alarde, e tartamudeando promessas que nunca cumprirei de futuras visitas a essas paragens americanas e africanas. Enfim, sufragados foram os nossos votos de felicidades e sucessos para os que agora partem. E afiançadas as juras de que aqui estaremos nos seus regressos, acolhendo-os como se nunca se tivessem ausentado, naquilo do que é a amizade, o recomeçar a conversa como se a tivessemos interrompido na véspera.

 

 

Uma colecção de postais

jpt, 16.11.21

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(cerca de Matola-Rio, 2000, reprodução de fotografia de Luís Abélard)

Os textos de blog são de ocasião. Mesmo assim vou seleccionando alguns aos quais ainda encontro sentido. Para uma memória do que fui pensando e vivendo. E que colijo, acima de tudo para que a minha filha um dia os possa “folhear” (em scroll down, claro) para saber o que o velho pai ia resmungando. Mas se em alguns destes textos outrem neles ainda encontrar motivos de interesse isso será um prazer para mim.

Aos meus 50 anos, e após duas décadas em Moçambique, inesperadas razões pessoais fizeram-me regressar a Portugal. Por um lado, quase nem notei que havia estado ausente, pois logo fui abarcado com veemência pelo velho núcleo de amigos. Mas, por outro lado menos pessoal, após os primeiros tempos de estada - e apesar de sempre ter mantido o contacto com o país - fui ficando espantado com o ambiente geral, com a discussão pública, numa sensação de irrealidade. Levei algum tempo a recentrar-me, a olhar para o que os outros olham, essa que é a melhor forma do mortal comum viver em algum sítio. Nesse período de aclimatação fui blogando. Juntei agora um conjunto de 38 postais a recordar essa quase reaprendizagem do país, e chamei-lhe o meu "Ocaso Boreal" - quem tiver paciência e interesse bastar-lhe-á "clicar" no título e gravar o pdf. Na capa coloquei-lhe esta fotografia, feita pelo meu amigo Luís Abélard, de quem tenho saudades.

(E para quem tiver curiosidade sobre outras colecções que já fiz sobre o que venho perorando em blogs desde 2003, elas estão arroladas aqui.)

 

A vender o meu peixe

jpt, 07.03.21

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(Em Inhambane, há já alguns anos)

Blogo desde 2003. Há alguns anos um comentador, desagradado com algo que eu escrevera, deixou-me: “cada um diz o que lhe apetece. Poucos lêem, quem lê esquece e o autor fez o gosto ao dedo e divertiu-se". A intenção era de crítica até malévola mas nisso falhou, pois é mesmo esse o espírito da escrita blogal. Assim desinteressada. Fútil e catártica.
 
Desse rol de postais nestes confinamentos do Covidoceno já organizei 4 grupos. Agora fiz mais um, o "Um Imigrante Português em Moçambique". São textos opinativos, de blog e jornal. São sobre ser imigrante naquele país durante o início de XXI. E, porque fui um dos últimos "cooperantes" portugueses, agreguei também algo sobre "Cooperação" (Ajuda Pública ao Desenvolvimento). Claro que nesse âmbito juntei resmungos sobre a incompetente "Lusofonia" e seu insuportável sucedâneo Acordo Ortográfico.
 
Sobre estes temas fui deixando ao longo dos anos vários postais. Guardo agora na minha conta da rede Academia.edu este conjunto composto pelos que serão menos abrasivos. Com excepção de um todos são breves, e com nenhum quis mais do que ilustrar o que ia vivendo. Se alguém neles encontrar algo que lhe for interessante para mim será um prazer. Enfim, quem quiser gravar o documento pdf bastar-lhe-á "clicar" neste título: "Um Imigrante Português em Moçambique".
 
Já agora, e para quem tenha alguma curiosidade sobre os outros conjuntos, aqui deixo as ligações para o acesso: 1) Ao Balcão da Cantina (50 crónicas sobre vivências e viagens em Moçambique); 2) A Oeste do Canal (41 textos sobre temáticas culturais moçambicanas); 3) Torna-Viagem (35 textos de memórias); 4) Leituras Sem Consequências (32 textos sobre livros e artistas).
 
Finalmente, sobre a fotografia que encima o postal: "Vasco da Gama" é um termo usualmente atribuído, por moçambicanos e por portugueses residentes (às vezes há bem pouco tempo) para nomear os portugueses que chegam a Moçambique. Sobre esta minha utilização que cada um faça a interpretação que lhe aprouver.

 

A história do bloguismo em Portugal

jpt, 06.03.21

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Atento amigo avisou-me da publicação deste "A Blogosfera Portuguesa: Da Coluna Infame ao ocaso de uma era", de Sérgio Barreto Costa, publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, sob o aprazível preço de 3,15 euros. E convocou-me para a conversa promocional, anunciada com o (desagradável) título "Os blogues morreram. E ninguém os avisou?". Muito me interessou a publicação.  E também a sessão pública, a qual encetei, um debate telemático com a presença do autor, de Araújo Pereira e de Vasco M. Barreto, o qual ostenta o oficioso e prestigiado título de Bloguista-Mor olivalense (distinção que aqui explicito pois ciente da prévia permissão concordante do ínclito Apenas Mais Um). 

Se parti com interesse devido ao tema do livro, mais rápido ele floresceu dado que a moderadora, Catarina Carvalho, apresentou a obra como uma "antropologia moderna" sobre o bloguismo. Como  bem compreenderão os amistosos leitores - e mesmo os alguns caústicos comentadores - sendo bloguista veterano, assim um verdadeiro zombie à luz do ali anunciado, e antropólogo (outro avatar de zombie, diga-se, ainda que este académico), não pude resistir e decidi adquirir a obra.

Assim, e desenfiando-me da querida comunidade co-confinada, numa alvorada escapei-me do intra-muros militante que nos vem protegendo das intempéries virais. E avancei até ao Pingo Doce vizinho deste ermo Nenhures em que me acoito, convicto de que ali se vendem os livros publicados pela fundação da empresa. A diligente, simpática (e bem apessoada) funcionária com a qual me lamentei da minha incapacidade senil de encontrar o adequado escaparate logo se dirigiu ao armazém. Do qual regressou abraçando uma caixa de livros, lamentando-se pois "não há nada novo", "não temos recebido nenhuns..." e até desculpando-se "os livros estavam ali desde que foi proibido vendê-los". E assim continuou, demonstrando até agrado com este belo geronte (eu mesmo, jpt) que perguntava por tais produtos, mania aparentemente inédita na clientela regular. Enfim, não só compreendi como bem aceitei a situação, consciente da distância que aparta este Nenhures da capital dos ex-bloguistas cultos e leitores - para cima de uns árduos 40 kms de alcatrão liso... e plano.

Regressei ao cercado, resignado a que lerei o livro quando as restrições vigentes forem amansadas e então me for possível, mesmo exigível, avançar até à capital - urbe onde é até aceitável encontrar livros à venda. E assim, neste por enquanto, fiquei restrito a esta introdução do livro sobre o bloguismo luso. Enfim, "a ler vamos", com toda a certeza. E desejo que os afortunados da "cidade grande" possam comprar e, até, ler o livro (mas não o esgotem antes do desconfinamento, por favor).

Entretanto, pois impregnado de presunção e água-benta, e porque a obra aborda a história do bloguismo em Portugal, lembrei-me do meu primeiro texto no Delito de Opinião. O qual foi um voo de pássaro sobre este assunto, escrito em 2010 (!) quando vivia em Moçambique e de lá algo estupefacto olhava para este tudo isto pátrio - e assim continuo, afianço. E que aqui botei como convidado, numa bela série de convites a bloguistas que o Pedro Correia animou. Repito-o, até porque é fim-de-semana (ainda de confinamento):

The Clash

Agradecer ao Pedro Correia este convite para escrever para o Delito de Opinião não é protocolo. É contexto do que se segue. Pois mesmo que blogo-veterano isto de meter algo num grão-blog, como o DO se tornou - o único dessa mole que consumo diariamente -, levanta logo aquela velha questão, até de algum stress, do "o que dizer a estes tipos?" - os muitos, e nisso louváveis, aqui leitores.

Pois nisto do blogar, botar algo de modo quase quotidiano, treme o emigrado. Deverei procurar um requebro semitropical?, uma ponte intercontinental?, um daqui "estamos juntos"? um voo rasante sobre o onde vivo? Ou restrinjo-me à parca política lusa? E nesta hesitação, até pobreza, pessoal e mental, é o cidadão que vou convocando, sai-me texto sobre o aí Portugal, o aí da política, tanta “espuma dos dias”, tanta mera baba, espúria, na volúpia do opinar. Esse aí de que há anos vou sabendo, maioritariamente, por via dos blogs - se exceptuando a fértil actividade futebolística. Por isso boto hoje sobre blogs, esse "espelho da nação", pelo menos para alguns.

Longe vão os anos 2003-4, quando a gente apareceu desatinada a botar opiniões, frenética nas teclas, cada um pontapeando ou beijando o que lhe ia na alma, tempos de afirmação de alguns manitus da opinião livre, desassombrada - idólatra que sou fiquei-me romeiro do jaquinzinho jcd, Lucky Luke do bloguismo, genial na demonstração dos tiques do então emergente Bloco de Esquerda. Os tempos vêm passando e o colectivismo impôs-se no bloguismo, pois as grandes congregações bloguistas, com plantéis, targets e até missais, tornaram-se um must, na dita "esquerda" e na agora (re)dita "direita".

Mas nesse já recuado antes o motor dessa congregação blogal chamava-se blogómetro, pois os sonhos de teclistas lisboetas - e, vá lá, também portuenses - eram os de destronar, abruptamente, José Pacheco Pereira (jpp) do papado bloguista, ferreamente exercido com a sobranceria da crença da sua infalibilidade no loquaz Abrupto. Nisso se formaram e reformaram ene blogs evangelistas, de porta em porta, arengando no proselitismo dos respectivos profetas. E quantos deles clamando Anticristo esse demoníaco Papa.

Tudo isso era engraçado, e mais ainda pois visto de longe. E naveguei então nesse encapelado mar de links, sentindo-me em casa. Entenda-se, vivo em Moçambique, cuja grande revolução actual é a monoteísta, são omnipresentes os profetas e profetismos, as igrejas e correntes "africanas", a evangelização e a coranização - coisas de que não se fala na RTP-África, mas do que se poderia esperar daquela modorra de funcionalismo público? Assim, logo que chegado a casa, no remanso do escritório, já in-blogs, era quase como estar na rua, nos distritos daqui (“no mato”, dizem os de fora), ouvindo o "alá é grande" "deus nosso senhor tudo pode" e essas coisas. Algo diferente, claro, pois no luso blogal eram Zizek ou Hayek os profetas ministrados, ainda que uma minoria - os congéneres desta burguesia de cá que vive nas vilórias, libertada do jugo das machambas e já em casas de alvenaria -, arengasse sobre Blair como reencarnação do Bem.

Entretanto o Paulo Querido vendeu a plataforma bloguística weblog.com.pt e o blogómetro perdeu algum panache. Pior ainda, ninguém - nem mesmo os jornalistas lisboetas, frutos do caldeirão Frágil-Jamaica/Tokyo  - conseguia deitar abaixo o jpp do pedestal quantitativo, do ambicionado topo do blogómetro. Adivinhava-se a crise, um desgaste do ânimo. Mas alguma blogo-esperança renasceu quando Vasco Pulido Valente e Constança Cunha e Sá irromperam, imperiais até, no bloguismo, através do seu O Espectro. Para se retirarem, desistindo de blogar - num dos mais (ou mesmo "o mais"?) ridículos episódios dos anos 00 lusos, uma pequenez medonha -, no dia seguinte a terem ultrapassado o sitemeter abruptal. Mas, pelo menos, teve esse feito o efeito de apear o “top blogal” como meta-mor dos grão-bloguistas.

A partir daí, e enquanto o próprio país ia deslizando, e talvez também por isso, algo foi mudando.  Alguns raros individuais encanecidos continuaram, adaptando-se ao tom da época, cada vez mais beligerantes ao serviço da "sua majestade" de cada qual. Os super-blogs mantiveram-se, algo voláteis pois mutantes de nome, com transferências até sonantes qual mundo da bola e, amiúde, entre-zangas prenhes de inter-links, cheias de subtextos e private angers, discerníveis por quem fosse do(s) meio(s), aqueles “lisboa” e “porto”, tudo isso em crescendo de alinhamento pois no meio cada vez mais soava e suava o agendismo.

O bloguismo-punk morrera há muito, o blogo-rock envelhecia em espasmos e fomos nós, incautos (?!) leitores, sendo encerrados no top of the pops. Com os ciclos eleitorais a indústria desceu à rua e tomou, definitivamente, conta do assunto e no pacote de gabinetes do pró e do contra se foi formando um regime profissionalizado, penteado, no qual ao clic-clic de entrada já se sabe o que esperar, se vai à missa in-blog para se reafirmar as certezas, os blogs tornados quais escalfetas. O actual Festival da Eurovisão blogal parece não perder audiências - fui ver o velho blogómetro antes de botar isto, confere, as audiências aguentam-se e até crescem... - mas é óbvio que os maestros, cantores e jurados despercebem que a obesidade, os números de leitores, advém via google search: pois quanto mais "arquivos" têm os blogs mais leitores incautos lhes chegam ao engano, na demanda de outras coisas, e é este o verdadeiro teorema bloguístico.

E assim ficou um mundo de gente trabalhando in-blog, uns de cara destapada outros nem tanto, não lhes vão cair os patrões na lama, tão rasteiras as coisas que vão botando. Dos pacotes de assessores ou não, proto ou ex, brotaram alguns. Assim feitos "lisboa" muitos discutem, veementes, quem é quem, de onde vêm, com quem jantam - "eu jantei com A, ele existe" "eu ensinei X a blogar, e em minha casa" e, um must, "eu tirei esta foto a Y, o qual por acaso mal se percebe na foto, mas - estão a ver? - ele existe", como gozam connosco os jornalistas e académicos do Jugular socratista, quando o povo se questiona sobre um blog anónimo ao serviço do governo.

Trata-se de um "quem" "são" "esses" "alguns" que é forma, ladainha, de ir tentando comprovar que o tudo isso, a tal "lisboa", sempre vai existindo. No fundo, no debate pró ou contra a nomeação, a assinatura dos textos, julgam-se nomenclatura. Entretanto, lá longe, a gente da internet, essa que em tempos alimentou via clic-clic a quantidade de blogs que foram florindo, já lá não está. Pois encontra-se, noite fora, nestes nossos pós-bloguismos do youtube e facebook, gente com nome e de fotografia espetada no "perfil". Enquanto o tal pacote "convicto" não imigra para cá, trazendo o "remoquismo" que lhe é alma, andamos noutra, a "gostarmos" uns dos outros,  Uns a ler. A ver. A ouvir. Outros a botar.

The Clash, hoje:

 

(London Calling, The Clash; Capitol Theater New Jersey 1980: um filme precioso dedicado aos premiados dos prémios Gandula Blog 2004 e 2005)

José Pimentel Teixeira

Blogue da semana

jpt, 20.07.20

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O Abencerragem. Um veterano, sobrevivente daqueles tempos que foram ditos de "blogosfera" e que muito nos faz lembrar a essência do que ela foi. Um verdadeiro diário de interesses e opiniões que segue numa rotina desde 2005, no mesmo formato ("template") e no mesmo sistema (o velho blogspot, mais do que suficiente), no mesmo tom, culto sem ademanes nem bramidos. Ao longo desta década e meia todos os dias "o RAA" - ou seja, Ricardo António Alves - partilha algo que nos pode iluminar ou acalentar: o postal diário poderá conter música (erudita ou moderna popular), citações que considera significantes, fotografias, reproduções de obras de artes plásticas, retratos de artistas, etc. A tudo isto junta as ligações para os seus textos no jornal "i" sobre banda desenhada, a coluna "Leitor de BD". E, de vez em quando, ainda coloca as suas opiniões sobre "a espuma dos dias", as quais vêm sempre concisas e sem quaisquer grandiloquências histriónicas. Trazendo, ainda por cima, lucidez. Como aqui exemplifico: "Touradas. Um espectáculo soberbo, o motivo é fútil. Confine-se. Mas antes, a caça e a pesca desportiva. Tiros só em batidas às pragas."

O Delito de Opinião

jpt, 07.06.20

Na semana passada acompanhei um amigo a uma consulta médica num hospital privado. O médico recomendou-lhe exames imediatos, que precisaram de preparativos. Escrevi um breve resmungo e publiquei-o no meu mural de FB e no meu blog. O que me levou a isso foi ter esperado uma longa tarde à porta do hospital pois o acesso às instalações está vedado a acompanhantes. Não contesto a decisão sanitária. Mas não creio ser impossível ou custoso deixar algumas cadeiras à sombra e borrifá-las periodicamente com algum desinfectante, para sossegar os mais temerosos com o contágio de covid-19. E mais me irritou, como disse no postalito, que ao mesmo tempo que há estas regras sanitárias emitidas pela DGS haja também um conjunto de acções e proclamações estatais, e da própria DGS, que vão em sentido contrário a estas preocupações sanitárias. Isso é incoerência estatal. E falta de simpatia, para não dizer outra coisa, da administração daquele hospital privado pelos acompanhantes dos seus clientes.

Dois dias depois fui com uma familiar muitíssimo próxima a um hospital público no distrito onde estamos a residir durante esta era de Covid. Dei conta disso neste postal (que coloquei também no meu mural FB). Que disse eu? Que na triagem o incómodo fora classificado como pouco grave (ainda bem), que uma médica amiga conhecedora do hospital me informou do previsível tempo de espera, o qual até acabou por ser um pouco menor do que a previsão. E de que eu, estoicamente, aceitei a previsão dessa demora (um "grande seca" pouco sonoro pois acima de tudo a preocupação, ainda que não exagerada, com a "carne da minha carne", como a descrevi). E de que tudo acabou bem, a familiar bem tratada do seu incómodo.

Mas juntei-lhe o meu resmungo. Este das condições votadas aos acompanhantes, sem um mínimo de comodidade. Insisto, 20 ou 30 cadeiras de plástico espalhadas por um parque de estacionamento fronteiro à porta, para que não nos sentemos no chão. Borrifados periodicamente por algum "segurança". Mas juntei-lhe o meu resmungo-mor, pois lá dentro, onde visitei (de facto fui entregar água e comida) o meu "ai-jesus", os doentes não estavam minimamente apartados, em função de qualquer perigo de contágio. A tal incoerência estatal no exercício dessas regras sanitárias que vêm sendo propaladas.

Juntei as experiências narradas por essa minha familiar, explicitando que eu as relativizara, contextualizara, com a voz da minha experiência. Mas que lhe eram motivo de espanto, pois é uma jovem sem experiências hospitalares, porque cresceu em Moçambique (onde nunca foi aos hospitais públicos, que são desgraçados), na Bélgica e vive agora no Reino Unido. Países nos quais também não tem, e felizmente, experiência de hospitais. Pois é jovem e saudável. E no meio de tudo isto resmunguei que o funcionalismo público se apartou do SNS - através de convénios estatais com a medicina privada, adianto agora - o que significa que se aparta, sociologica e politicamente, da urgência sobre a melhoria das condições desse sistema nacional de saúde. Esse que é o meu, que não tenho seguro de saúde (não é uma obrigação legal) nem dinheiro para ir para privados. Um SNS que sofre pressões que aludi num outro texto que publiquei há pouco, e onde ecoei o que me disse um profissional que muito respeito: "estamos a seguir um rumo como o britânico, um duplo sistema, o privado dos ricos e um pior, para os pobres" (quem quiser a parte sobre o SNS nesse texto, está nas páginas 8-10).

É possível que eu esteja errado, é possível que a minha mediocridade me impeça de sentir, analisar e escrever com alguma pertinência. Mas olho para o teor de vários comentários ao meu "hospital de aquém-Tejo". Oriundos de vários que nem olham os textos, apenas botam fel. Não é a discordância ou desapreço pelo que escrevi. É mesmo a atitude, que é recorrente e constante. Alguns são "alcunhas" residentes, outros só anónimos. Não compreendo este afã, em alguns casos de anos, em visitar um sítio para botar comentários quase sempre sob esse espírito. E esse é o ambiente dos comentários, o ambiente da interlocução aqui no DO. Não é o único, mas é constante. Composto de fel. Isso é doentio. Contagioso. Desinteressante. 

No DO aceitam-se comentários, é uma regra. E eu cumpro-a. Mas a partir de hoje não dialogo mais com comentários, independentemente da sua autoria e do seu teor. Perdi, definitivamente, a paciência.

O ambiente de comentário nos blogs

jpt, 27.03.20

Deixei um postal, meio esparvoado, sobre comentadores televisivos. Um desses azedos comentadores anónimos, aqui habituais, que se saracoteia na internet como "makiavel", pergunta qual o assunto do postal - precisamos de ter assunto numa actividade gratuita como é blogar? Continuo a perguntar-me, qual a pertinência do azedume espetado nos comentários de um blog, gratuito, sem agenda e até algo heterogéneo em termos intelectuais e ideológicos? Discordar de textos sim, mas há um punhado de anónimos que aqui vem constantemente deixar fel (até agora, neste terrível momento nacional e internacional, de congregação moral, caramba). Eu não falo de "Lavoura", que é - cônscia ou inconscientemente - algo pitoresco nas suas constantes picardias. Falo de outros, sob alcunhas, que os leitores habituais do blog já conhecerão. 

Para sublinhar a sua reacção ao postal sem assunto deixa o tal makiavel esta adenda: "“(...) livros e vêm utilidade em lê-los.” Não será ‘veêm’?". O autor do postal, eu-mesmo, deixou um erro ortográfico e o acidozinho logo se solta. Impante.

Cometi eu um erro ortográfico? Foi uma "gralha"? É isso denotativo da falta de assunto do postal, de défice intelectual do bloguista? É isso suficiente para ir comentar com o "leve toque de azedo"?

Foi um erro? Eu reproduzo um velho postal, escrito quando era professor. E sim, o que quis escrever foi "vêem".  E não vejo, continuo a não ver, qualquer interesse em acumular comentários deste tipo de comentadores anónimos.

(Postal no blog ma-schamba de 7 de Agosto de 2014)

 (Matola-rio, Junho 2014)

Houve uma avaliação aos professores em Portugal. Não faço a mínima ideia do seu conteúdo ou qualidade. Apenas leio uma notícia com o título "Maioria dos professores deu erros [porventura o jornal quereria dizer "errou"] de português na prova da avaliação", "ortográficos [de ortografia?], de pontuação [pontuativos?], de sintaxe [sintácticos?]". O breve título é repetido no DN, no JN e no Público, deixando adivinhar alguma origem que lhes é estranha, talvez até oficial. Enfim, bastará o seu coloquialismo e a ilógica presente nas poucas cinco palavras que descrevem os erros acontecidos para provar que isto de escrever português é um martírio. Infelizmente não há notícias sobre hipotéticos erros em matemática, química, desenho, história ou outras quejandas coisas.

Como os visitantes do blog bem sabem cometo falhas ortográficas. Não muitas, mas algumas: ainda há pouco foi um "insonso" que me valeu insultos de visita discordante, ... E esforço-me, sempre atrapalhado com isto dos hífens, e agora ainda mais devido à tralha ortográfica, sempre entre o dicionário e o google. Quanto à sintaxe e à pontuação é melhor nem falar, uma constante trapalhada - esta tendência de virgular cada arquejo, para travessar cada meneio. Por isso estou solidário com os colegas erradores.

E espero que não levem purrada.

Enfiando a carapuça

jpt, 14.09.18

(inquisição)O tribunal da Inquisição, num óle

Ontem botei este texto aludindo à Hungria. O que conheço da actualidade húngara, de uma forma muito flanante, vem-me da imprensa internacional (aproveito, lateralmente, para recomendar uma preciosa aplicação, a paper.li, que permite que cada faça o seu "jornal", escolhendo as fontes - até 10 na versão gratuita, até 25 se pagando - e as temáticas: há anos que assim recebo o meu jornal "Courelas", que podem ver, até para aquilatarem do interesse de constituirem o vosso próprio).

De seguida o Luís Naves botou este texto, criticando o que havia eu colocado, juntando-lhe esclarecimentos sobre o país e a sua opinião sobre a interacção húngara com a UE, assentes num conhecimento vasto. Não vou assumir como letra de lei estas considerações, continuarei a olhar de soslaio para Orban, mas (ainda mais) estúpido seria se não as usasse, de agora em diante, para pensar sobre a Hungria actual.

Mas disto retiro duas ideias: a primeira é a de recordar o molde padronizador da padronizada imprensa global. É possível que haja textos mais compreensivos sobre a Hungria, que bastará aos interessados procurá-los. Mas o leitor mediano, relativamente desinteressado, constrói uma imagem na mescla de fragmentos, quantas vezes lidos/ouvidos na diagonal. E eles reproduzem-se, sedimentam-se, descomplexificam, facilitam e assim nos facilitam a vida. Ou seja, um tipo lê "umas coisas" (para não falar de outra, e rústica, maneira) e sente-se informado, segue todo pimpão.

A segunda ideia que retiro é pessoal. Blogo há 15 anos, 11 dos quais vivendo em Moçambique. Durante os quais tantas vezes me irritei com patetices, assertivas e convictas, vindas na comunicação social, nos blogs e, depois, nas "redes sociais" sobre aquele país. Gente, profissionais e amadores, a botarem com evidente prosápia um feixe de lugares-comuns, descabidos, desconhecendo a realidade moçambicana. E ontem à noite, ao ler o Luís Naves, o que logo me ocorreu foi um "olha eu, a fazer e-xac-ta-men-te o que aqueles patetas todos fazem", nesta mania, volúpia até, de se (me) fazer ouvir, a vã vacuidade.

Está enfiada a carapuça.

Uma longa apologia da apolitização pessoal

João André, 02.04.14

Ultimamente tenho tido trabalho em excesso e pouco tempo para escrever. Confesso: costumo escrever em pausas do trabalho, quando preciso de me desligar das minhas tarefas por uns minutos mas manter o cérebro a funcionar. Chegando a noite tento desligar-me completamente do trabalho. Leio, vejo um filme ou outro, faço desporto, leio umas notícias, ouço música, brinco no computador, passo tempo com amigos... Tenho também os meus momentos em que prefiro desligar o cérebro. Escolho livros muito simples, vejo (ou leio sobre) desporto, escolho filmes ou séries intelectualmente pouco estimulantes. E, peça essencial, evito ler jornais - especialmente a opinião - e blogues portugueses sobre política.

 

A razão é simples: Portugal vive neste momento um debate excessivamente carregado e ideologicamente marcado, mas pouco inteligente. Os debates são marcados por exercícios retóricos mas pouca reflexão. Há lugar para os mortais à rectaguarda e piruetas argumentativas. O spin de tudo o que se diz está na ordem do dia. Nesse aspecto Sócrates seria refrescante se não fosse o facto de eu ter pouca paciência para ele.

 

Os debates vivem um momento em que tudo o que for arma de arremesso é imediatamente utilizado. No passado a pessoa defendeu outra coisa, não importa se noutras circunstâncias ou se mudou de ideia?, usemos de imediato estas contradições ou flip-flop. A pessoa poderá ter um interesse pessoal, mesmo que apenas de passagem, na posição que defende? Sai um ataque ad hominem para a mesa dois. A pessoa defende uma posição de centro-(escrever aqui direita ou esquerda)? Ai Jesus que é um extremista.

 

Basicamente, a retórica portuguesa vive da lógica do espantalho: usa-se uma posição da pessoa a atacar para extremar o ponto de vista e agitar os medos de quem leia. Pessoalmente vejo isto como mais marcante na direita - liderada por um governo que aponta qualquer opção por abrandar a austeridade como convite ao despesismo - mas não faltam arautos na esquerda. Num lado ou noutro falta quem pense a política num contexto moderno e dê opções ideológicas aos (e)leitores.

 

Isto não é fenómeno português. Nos EUA terá começado com iniciativas concertadas por parte da direita conservadora, que apontou baterias à esquerda americana (que eu vejo como ideologicamente semelhante ao centro-direita europeu) numa acção concertada para extremar debates e atiçar paixões. A esquerda americana tentou seguir-lhe o caminho mas, coo sempre, de forma desastrada, extremando o discurso mas sem lhe emprestar valores ideológicos que o sustentem. Este caminho terá ajudado fortemente ao crescimento do fenómeno do Tea Party, o qual acabou a prejudicar mais a direita do que a ajudar. Na Europa a Economist comparou recentemente o PVV holandês, a FN francesa e o UKIP britânico ao Tea Party,  mostrando como um discurso simples, populista (embora extremista) e com bases ideológicas simples (mesmo que pouco convictas) pode ir destruindo a base de apoio dos partidos tradicionais.

 

Em Portugal, à falta de partidos semelhantes (o mais próximo seria o BE, mas que tem tentado ser sério, mesmo que pouco interessado no governo), o PSD e o PS têm acabado por assumir esses papéis. No PSD a facção coelhista (à falta de melhor termo) tomou o partido contra os poderes tradicionais. Baseou-se num apoio online que foi produzindo campanhas difamatórias constantes contra opositores internos e externos. Os seus apoiantes (ou funcionários, nos casos em que são pagos - a dinheiro ou em favores) foram abrindo fogo contra tudo o que se foi mexendo, argumentando que as posições atacadas são de extremistas ou de partes interessadas, ao mesmo tempo que defendiam posições elas próprias extremas.

 

O PS, por seu lado, reservou para si o papel do copiador desastrado, de quem não percebe toda a organização por trás dos ataques e copia-lhes apenas a forma, sem perceber os objectivos. Escolheu uma cabeça oca para líder, colocou uns quantos personagens a escrever em blogues e assim avança, sem qualquer estratégia. Com um CDS/PP cuja única estratégia é a da lapa sem ideologia agarrada ao poder, e uma esquerda que por um lado quer ser poder mas não mobiliza e por outro só quer o poder por via revolucionária, o resultado é um país de eleitores sem escolha e sem força. Apolitizado e anti-política que vai votando pouco e por inércia naqueles que soam mais barulhentos e sólidos.

 

Quando leio posts como o do Rui, tenho que discordar. Penso que ele não entendeu realmente as críticas a Hollande. A subida da FN deve-se de facto ao PSF ter deixado de ser de esquerda. Mais, deve-se ao total esvaziamento ideológico do PSF. Quando um partido de centro-esquerda abandona as suas bandeiras, o vácuo que se gera será ocupado por outros. No passado era-o por outros partidos socialistas ou comunistas. Hoje, com o trabalho de fundo que tem feito, a insistência numa mensagem simples e sólida mesmo que falsa, o FN é o partido que preenche o espaço deixado vazio.

 

Compreendo no entanto a argumentação do Rui. A confusão que este novo mundo do combate político sem ideologia tem provocado ao PS (e ao centro-esquerda pela Europa em geral) faz-nos pensar que é por causa do extremismo do discurso que a esquerda tem perdido o rumo. Não o é. O extremismo é apenas forma, não é conteúdo e, os eleitores quando informados devidamente, optam sempre pelo conteúdo. Num mundo que tem sido sistematicamente esvaziado de ideologia por uma direita tecnocrática (foi pelo lado da direita, mas pdoeria perfeitamente ter sido pelo lado da esquerda), a falta de conteúdo da esquerda perde perante o baixo conteúdo da direita.

 

Tal esvaziamento tira entusiasmo ao discurso e combate políticos. Deixa de ser um frente a frente entre opositores ideológicos mas simplesmente um combate de histrionismos onde o mínimo de bases sólidas vence. A população em geral, exausta pelas dificuldades financeiras - vindas de trás ou causadas por este governo - e pelo barulho de fundo desliga. Vai depois à urna - se não chover ou não estiver sol - e vota na mensagem que soar mais lógica. Depois volta ao sofá e liga a sua telenovela ou jogo de futebol, espera pelo beijo de Mauro a Márcia ou pelo golo de Ronaldo aos boches e reza para que o dinheiro chegue ao fim do mês.

 

E agora, após esta longa reflexão (que vale o que vale) tento fechar o círculo. Este cansaço extravaza fronteiras e atinge até aqueles que, não expostos ao ruído de fundo nem à (mesma) austeridade, tentam seguir o que se passa no país. É o meu caso. O cansaço começa a sobrecarregar-me e a impedir-me de seguir os desenvolvimentos. Com umas eleições aproximar-se, o barulho só terá tendência a aumentar. Por isso aviso que escreverei, sempre que o puder evitar, sobre outros assuntos que não política nacional. É uma demissão consciente das responsabilidades que sobre mim pesam enquanto cidadão (ou bloguer, se quisermos assim argumentar). Escreverei talvez sobre vida, viagens, desporto, televisão, cinema ou outros. Sobre política não. Os ataques que sofro nas caixas de comentários são também a mais. Não tenho a válvula de escape da discussão entre amigos com uma cerveja à frente. Não mata, mas mói.

 

Fica então a minha declaração de intenções: tentarei sempre que possível não escrever sobre política nacional. Se ceder à tentação, peço que me desculpem. Se a argumentação falhar será sempre porque a frustração se me terá sobreposto à lógica e à reflexão cuidada. Pelo meio tentarei compensar isso com mais posts sobre futebol. Afinal de contas aproxima-se um mundial e o ópio, se não resolve os problemas do povo, pelo menos ajuda a esquecê-los por um pouco.

Esmiuçando

jpt, 15.11.13

Está o Pedro Correia muito  incomodado, sinto que até ofendido, com a minha reacção à entrevista à "Visão" de Fernando Moreira de Sá. Paralelamente, e até reforçando a pertinência do seu incómodo, alguns comentários ao meu postal demonstram-me que as minhas razões (e as irrazões) não foram ali competentemente explicitadas. São estes os dois motivos para que regresse às desagradáveis declarações (que o entrevistado já referiu como correctamente editadas):

 

a) Moreira de Sá lembra que vários blogs se empenharam nas campanhas de Passos Coelho, algo que vários comentadores aqui referem. O que deixa entender que depreenderam do que eu escrevi que essa actividade política no bloguismo me é uma questão a refutar ou a injuriar. Penso exactamente o contrário: a democracia faz-se com partidos e com políticos, neles não se esgota mas não os pode repudiar. Como tal é perfeitamente legítimo e absolutamente desejável que se tomem posições públicas, em favor ou desfavor de políticos e/ou partidos. In-blog ou fora dos blogs [Já agora nas últimas eleições também eu anunciei o meu sentido de voto, primeiro aqui, depois aqui. E se então optei pelo tom jocoso isso em nada diminuia a minha vontade eleitoral]. Prefiro que essas opiniões sejam assinadas, frontais e muito me desagrada o anonimato. Em particular o bloguista, seja nos comentários como, e muito em especial, em postais. Por isso, por exemplo, nos blogs muito lidos de pendor socratista tanto distingo entre o esconso Câmara Corporativa ou o democrático Jugular. Pois numa sociedade democrática não deve haver motivos para o anonimato da expressão política. E se os houver então que se combatam.

 

Face a isto o facto de se referir que houve um conjunto de blogs (entre os quais o Delito de Opinião também é citado) que se juntaram ao esforço eleitoral de Passos Coelho não me é problema, é ou foi característica. Saudável. E para mais porque foi tudo explícito, qualquer leitor o compreenderia.

 

b) Foi neste âmbito de esforço bloguista que o Pedro Correia foi referido na desengraçada entrevista, explicitamente afirmado como presente de "cara descoberta". Algo que não é surpresa para quem, como eu, o lê há anos. E leio-o com tamanho agrado que me desvaneci com os convites que me fez para participar nos blogs que coordena. Ou seja, nem considero o bloguismo politicamente empenhado como algo negativo nem considero que as referências que ali foram feitas ao Pedro Correia o possam beliscar, minimamente que seja.

 

Mas esta é a minha ideia e a minha sensação. Que posso defender ou explicar, mas não  posso impor. Assim sendo se o Pedro Correia se sentiu melindrado com a minha formulação só o posso constatar, e aceitar como legítima a sua recepção do texto. Como é ela inversa à minha ideia tenho que admitir que deriva da incompetência com que expus, de uma verve poluída pelo que costumamos referir, pejorativamente, como o "indignismo de sofá", a irreflexão que faz brotar textos desarranjados, e tantas vezes descabidos. E dizer que lamento a mágoa causada, refuto qualquer hipotética mácula que possa ter provocado, e que lhe (te) peço que esqueça(s) a culpa do autor do texto.

 

c) A verdadeira questão, isso que me indignou e me indigna, é completamente outra. E que julguei tão óbvia, descaradamente óbvia, que desnecessária de sublinhar, meu erro. É o facto, risonhamente anunciado por Moreira de Sá, de um conjunto de bloguistas terem associado a esse esforço de apoio eleitoral público um conjunto de más práticas, falsificação de identidades, manipulação de informações, poluição do debate público, factos ocorridos, diz ele, fundamentalmente no seio das redes sociais. E isso não é o bloguismo politicamente empenhado, é aldrabice, desonestidade. Se todo esse processo teve real influência eleitoral, como julga Moreira de Sá, ou se não o teve, é-me indiferente. Como me são indiferentes as causas que o levam a, agora, vir anunciar tais derivas. O que me choca, indigna, é a total desonestidade dessas práticas. Que eram políticas. 

 

O facto é que sobre essa trapalhada nem me passou pela cabeça que o Pedro Correia estivesse envolvido. Nem vale a pena explicar porquê, basta conhecê-lo. Por isso a total acrimónia que usei sobre o assunto no próprio Delito, que ele coordena. Pois o caso não tem a ver com ele. Repito, lamento que isso não tivesse ficado totalmente explícito no(s) texto(s) que dediquei ao assunto.

 

d) Sobre as assessorias governamentais. Sou adverso à partidarização da administração pública. Mas uma coisa é defender a autonomia do serviço público face ao poder político. Já outra coisa, diversa, é negar que os serviços governativos exigem o trabalho de gente de confiança política (e, também, pessoal). Ou seja, os gabinetes de incidência política exigem a cooptação de pessoal específico, que pode vir da função pública ou não. Fazendo essa cooptação com normalidade, sem despesismos ou nepotismos, mas também sem cedências à demagogia que refuta essa necessidade, no fundo uma deriva anti-democrática que refuta a legitimidade da actividade política e a sua especificidade.

 

Dito isto nada me choca, nada tenho contra, o facto de bloguistas (jornalistas ou outros) que trabalharam politicamente para a ascensão do novo governo tenham sido cooptados para o trabalho político desse mesmo governo. É normal, é democrático. O que me choca, radicalmente, é que aqueles que foram flibusteiros das redes sociais tenham sido cooptados para esse trabalho político. E isso é uma coisa completamente diferente. Foi contra isso que desembestei. E que desembestarei.

 

e) Finalmente, e apesar de julgar ter agora explicitado, até demoradamente, o que quis significar anteriormente, não posso apagar a ideia da mágoa causada no Pedro Correia pelo meu pouco burilado texto. Julgo que essa poluirá a convivência intra-bloguística, tão simpática ela é aqui no Delito de Opinião, de que ele é maestro. Assim sendo penso ser melhor, espero que sem zangas legadas, retirar-me do painel, mantendo-me adepto, leitor e comentador. A todos agradecendo  pelo convívio. Em particular ao Pedro Correia.

O aldrabismo no poder

jpt, 14.11.13

A entrevista de Fernando Moreira de Sá à revista "Visão" (quem tiver interesse saiba que a reproduzi aqui) é um retrato nojento do país, do PSD, da escumalha que governa o país e dos jornalistas e/ou bloguistas que por aí andam e que se prestam a isso. Agora tantos deles identificados, e que entretanto ascenderam ao poder como assessores ou mesmo detentores de cargos governativos.

 

Mas ao mesmo tempo é uma benesse. Alegra-me por estar imigrado.