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Delito de Opinião

Dois textos

Pedro Correia, 08.04.24

Por vezes acontece-me isto. Vou lendo blogues assinalados na barra lateral do DELITO, uns puxam-me para outros e acabo por me demorar mais tempo do que o previsto. Bom sinal. E um desmentido vivo de que «a escrita blogosférica não interessa, é chata, maçadora, ninguém quer saber», como argumentam alguns viciados em certas redes onde o que mais importa é disparar primeiro e pensar depois.

Contra esta corrente, recomendo dois textos blogosféricos de recente data.

 

O primeiro, no Duas ou Três Coisas, intitula-se "Saudades do tio Filipe" - talvez paráfrase de "Saudades para Dona Genciana", um dos melhores contos desse extraordinário escritor que foi José Rodrigues Miguéis. É prosa de blogue, sim, mas também texto literário. Em estrito rigor, será crónica. Bastariam no entanto uns toques estilísticos para se situar no inequívoco patamar do conto. E dos bons.

Aliás muitos textos de Francisco Seixas da Costa são já contos, sem necessidade de aval académico. Assim li este, assim o recomendo. Com os seus laivos de romance oitocentista, centrado na família - o mais fascinante dos temas. 

 

O segundo vem no blogue Causa Nossa. Vital Moreira evoca um seu ilustre contemporâneo como estudante na Universidade de Coimbra: Francisco Lucas Pires (1944-1998). Navegavam já em campos políticos opostos nessa década que antecedeu o 25 de Abril: um seria deputado comunista e voltaria a São Bento integrado na bancada do PS, embora não como militante inscrito; o outro chegaria a presidente do CDS, partido de que se desligou anos antes de ingressar no PSD. Mas mantiveram laços do antigo companheirismo coimbrão.

O constitucionalista é pouco dado a notas de pendor confessional. Daí o redobrado interesse deste apontamento memorialístico, surgido a propósito da novíssima biografia de Lucas Pires, escrita por Nuno Gonçalo Poças. «Tive a sorte de o acompanhar não poucas vezes, depois do quartel, à casa que Teresa, sua mulher, tinha arrendado em Óbidos, em longos repastos e fértil discussão política», lembra Vital Moreira, sob o título "Um singular serviço militar".

 

Dois textos muito diferentes, mas ambos merecem leitura. Aproveitamos bem o tempo, aprendemos alguma coisa com os autores, abrimos horizontes temporais. E também por isto: escutamos vozes singulares, que não se dissolvem no anonimato nem gravitam na nebulosa amálgama do "colectivo". Enorme diferença em relação a tantos outros.

Ler os outros

Paulo Sousa, 15.11.23

"É o maior desbaratamento da história da democracia portuguesa. O governo tinha tudo o que era preciso. Um Primeiro-ministro hábil e habilidoso. Uma maioria absoluta. Um partido de governo coeso e unido. Um Presidente da República cooperante e colaborador como nunca se tinha visto. As esquerdas destroçadas. O Chega a subir, não de mais, mas o suficiente para diminuir o PSD. Uma oposição tépida e desorientada. Um Programa de financiamento europeu de montante inimaginável. Uma situação económica e financeira melhor do que se esperava ainda há pouco tempo. O erário público com uma folga confortável. A admiração, o respeito, a necessidade e a dependência das academias, da administração, das instituições e da imprensa. A colaboração do capital internacional. A atenção dos empresários. E os autarcas em fila de peditório.

(...)

A causa da crise não foi social, nem económica, muito menos internacional. Foi o mau governo. O bem e o mal andam de braço dado! O que parecia um bom governo era feito de maus ministros. Em certos casos, gente vaidosa e prepotente. Noutros, medíocres fantasmas."

 

Já aqui falei várias vezes da clareza com que António Barreto nos consegue observar. Vale a pena lê-lo. Provavelmente o texto completo está no Público, mas pode ser lido na integra aqui.

Ler os outros

Paulo Sousa, 02.05.23

António Barreto regressa ao espaço público com regularidade, onde acrescenta uma clareza de pensamento que aprecio escutar. No seu último artigo de opinião no Público, fala sobre várias aspectos da actualidade de que aqui partilho um excerto.

"Entre as fraquezas da democracia está a mais citada: é o regime de todos, incluindo os não democratas e os antidemocratas. Além desta, outras fragilidades mostram bem como, mais do que imperfeita, a democracia tem vícios, alimenta vícios e premeia vícios. O regime democrático inclui corruptos, mentirosos, exploradores, ladrões e os representantes das várias cáfilas conhecidas. A democracia coexiste ainda com cunhas, droga, machismo, assédio sexual e tráfico de influências. Muitos destes vícios e defeitos têm de ser tratados com civilização. Outros, com a Justiça e o Estado de direito. Quando estes últimos falham, perde a democracia.

Os últimos episódios “mediáticos” revelaram o papel crescente do partido Chega e os receios, igualmente crescentes, dos que se dizem defensores da democracia. E que talvez sejam, em título, pelo menos. Mas convém olhar melhor para este confronto que parece simples, mas não é. Na verdade, os provocadores do Chega, ridículos, mas eficazes, são tão perigosos quanto os prevaricadores do PS e do PSD. Os oportunistas do Chega são tão ameaçadores quanto os que não são capazes de gerir a democracia. Sem falar naqueles que se querem aproveitar da democracia."

O artigo na sua totalidade pode ser lido também no seu blog.

Sapo: 18 anos a blogar

Pedro Correia, 04.11.21

Dezoito anos: atingiu a maturidade. Em aniversário do Sapo Blogs, plataforma em que o DELITO está alojado desde o primeiro dia, toda a equipa que a concebeu, a dirigiu, a orienta e produz agora está de parabéns. Por cumprir algo a que podemos chamar serviço público sem favor algum. 

Desde 3 de Novembro de 2003, como lembra aqui o Pedro Neves, mais de 600 mil blogues foram criados com aquela chancela. Muitos desapareceram - incluindo alguns emblemáticos. Mas vários outros vão sendo criados, expressando novas tendências e novas maneiras de abordar este fenómeno que introduziu entre nós o verbo blogar.

São também 18 anos de histórias que aqui ficam documentados para investigadores futuros. E de História, com letra maiúscula. Património inestimável, pois. Desejo e espero que seja preservado: eis o voto que formulo e associo ao meu abraço de parabéns.

Vale a pena ler (17)

Pedro Correia, 06.06.21

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«Os autores norte-americanos são hoje obrigados a assinar cláusulas de moralidade muito abrangentes nos contratos com as editoras que (...) lhes limitam enormemente a liberdade de expressão e implicam até a devolução dos adiantamentos se o escritor for acusado de algum comportamento indigno nas redes sociais, mesmo que por uma única pessoa, pois isso basta para o livro deixar de se vender e causar um enorme prejuízo à editora. Mesmo nos países moralistas, é sempre o dinheiro a mandar..»

Maria do Rosário Pedreira, Horas Extraordinárias

 

«Só quem for cego, ou não frequentar balcões de cafés ou tabacaria, é que não vê que as raspadinhas são um flagelo que explora a ilusão dos mais pobres. A mesma lógica que vai levar ao fim das chamadas de valor acrescentado, no serviço público que é a RTP, devia impedir eticamente o Estado de criar novas raspadinhas.»

Francisco Seixas da Costa, Duas ou Três Coisas

 

«Imaginem construir um circuito pedonal desde Coimbra até à Figueira da Foz, ao longo do rio Mondego. É mais ou menos isso que estão a fazer em Memphis, mas esta coisa de circuitos pedonais que atravessam a cidade encontra-se em muitos sítios nos EUA. Denver, no Colorado, foi uma das primeiras cidades a investir nessa infraestrutura e depois a ideia foi copiada em outros sítios; quando eu vivi em Fayetteville, no Arkansas, há 15 anos, estavam a construir um.»

Rita Carreira, A Destreza das Dúvidas

 

«Foi em África que a hominização começou e a humanidade nunca parou de aqui regressar. Talvez no fundo seja na África sub-sahariana que se encontre o cerne do homem, com o que tem de pior e de melhor. A essência do homem, como diria um filósofo alemão.»

Luís Serpa, Don Vivo

Vale a pena ler (16)

Pedro Correia, 11.04.21

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«Do lado da ciência, também existem aqueles que se furtam ao debate, desde logo quando chamam negacionista a alguém que quer discutir a questão - uma maneira de subtrair a pessoa do debate, depreciando-o ao nível do ignorante - e usam essa classificação como substituto de uma argumentação válida da sua posição.»

Beatriz Alcobia, IP Azul

 

«Sobre as folhas de alface tenras e lavadas, salpicadas já de transparentes meias luas de cebola, cortei finamente um pequeno ramo de coentros. Cortei também meia dúzia de folhas de hortelã, enroladas umas nas outras como quem pica caldo verde. Depois veio o sal, o fio de azeite num breve rodopio e sumo de meio limão. Assim, perfumada a rigor, se aprontou a salada que havia de acompanhar o assado de Páscoa.»

Luísa, À Esquina da Tecla

 

«Quando alguém se escandaliza, desconfio. Durante anos, usar camisolas poveiras era sinónimo de provincianismo e piroseira. Parte dos que se escandalizaram agora também se escandalizaram quando o ministro Álvaro Santos Pereira propôs a internacionalização do pastel de nata. Em vez de se escandalizarem, mexam-se como deve ser.»

Francisco José Viegas, A Origem das Espécies

 

«Comprei uma camisola de linho e algodão, muito à moda do que se veste pelos lados de Nova Inglaterra. As camisolas são como os chapéus--ele há muitos. Tem âncoras, barcos à vela, conchinhas, e custou $128, quer dizer, depois dos portes e dos impostos ficou em quase $150. E é fabricada na China. Não pica e é muito confortável, ao contrário da camisola poveira de Portugal. Até me serve lindamente. Agora tenho de arranjar maneira de ir passar uns dias a uma praia onde faça frio para a poder usar.»

Rita Carreira, A Destreza das Dúvidas

Vale a pena ler (15)

Pedro Correia, 14.03.21

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«Julgo que a pandemia e a crise económica e social que lhe vem associada não justificam que o Presidente da República assuma poderes que constitucionalmente não tem, e que são do Governo, como o de fixar critérios de desconfinamento e de - no discurso de tomada de posse - estabelecer as prioridades políticas da governação nos próximos anos.»

Vital Moreira, Causa Nossa

 

«Quando alguém me diz “vi no Facebook” (não tenho) não ligo importância ao que vem a seguir; não por preconceito – só por sanidade; é um albergue de loucos. Acontece que boa parte dos alertas “para o perigo das redes sociais” são, no entanto, duvidosos. Muita gente ganhou “nome e fama” nesse albergue – e estava tudo bem enquanto eram só beijinhos e retratos com gatinhos. Mas o género humano não engana; o que sobe, há de descer; o que é bom, há de ser atacado com inveja e despeito; por isso, quando alguém alerta “para o perigo das redes sociais”, limito-me a sorrir.»

Francisco José Viegas, A Origem das Espécies

 

«Sem querer tirar qualquer mérito a Saramago ou a Lobo Antunes, Aquilino, Vergílio e Cardoso Pires são os meus escritores do século XX.»

Luís Millheiro, Largo da Memória

Vale a pena ler (14)

Pedro Correia, 07.03.21

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«Com uma infância tão solitária [Jorge de] Sena acabou por não resistir ao fascínio dos livros. A leitura chegou pelas mãos da mãe e da avó, as mulheres que o incentivaram a amar a leitura e a literatura. Especialmente a avó Isabel que adorava literatura policial e fazer palavras cruzadas, gostos que acabaram por contagiar o neto. Quero crer que foi este amor pela leitura que provocou o seu acto de escrita e, por extensão, o amor à literatura que o fizeram dedicar-se ao seu estudo. E talvez aquele gesto especial por parte da avó, a oferta de um caderno que lhe serviu de diário durante a viagem de cadete da Marinha, tenha sido o gesto que terá despertado a sua genialidade.»

Miss X, Livrologia

 

«Obras, remodelações e mudanças dão cabo de mim. Nunca me apetece arrumar nada. Descobrem-se coisas que pensávamos perdidas, perdem-se outras que achávamos a salvo. A minha mesa de cabeceira, que não foi substituída, contém uns porta-retratos de há séculos que não consigo guardar. Vão ali ficando e pegando de estaca. Mas a verdade é que, por muito que pense que é desleixo, se calhar é o meu subconsciente a implorar-me para que alguma coisa faça a ponte entre o que era e o que agora é.»

Sofia Loureiro dos Santos, Defender o Quadrado

 

«Estão de volta as borboletas brancas, as abelhas estão mais activas, por vezes ameaçando um favo no canto da varanda. Só falta o regresso das andorinhas. O arrulhar dos pombos, o canto dos melros, dos pintassilgos e afins serve de fundo às conversas entre vizinhos, que falam de janela para janela ou em encontros fugazes na rua. Ao longe o mar, a lembrar que continua à minha espera. Não fossem as fitas em torno do escorrega e baloiços do jardim infantil e até esquecia esta maldita pandemia.»

MgA, Entre Ser e Estar

Vale a pena ler (13)

Pedro Correia, 28.02.21

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«Não concordando com o que sucede na Holanda, porque me parece que a "artilharia" está mal apontada, penso nesta maneira de ser, de estar, tão diferente, da nossa. Nós, os portugueses, escolhemos protestar difamando todas as mães, exceptuando a nossa, uma santinha, esbracejamos um "isto não pode ser", cerramos os punhos ao ritmo de um "quem é que eles julgam que são?" e terminamos, mansamente, perguntando "o que é o almoço?". Talvez por isso tenhamos aguentado, impávidos e serenos, 40 anos de nostálgica ditadura.»

Vorph Valknut, B(V)logue de Alterne

 

«Está tudo maluco, enfim. Uma vez disseram-me que uma livraria portuguesa punha no Top da loja os livros que não se estavam a vender para ver se as pessoas assim lhes davam atenção e os levavam. É o marketing, senhores, ou seja, não nos podemos fiar nele...»

Maria do Rosário Pedreira, Horas Extraordinárias

 

«Ao fim de uma mão cheia de meses com a minha neta tomei consciência de duas situações:

- A primeira, já o havia referido no outro postal, prende-se com a minha maior paciência;

- A segunda é que a miúda leva-me a fazer coisas impensáveis tais como brincar com bonecas, imaginem;

Depois os ritmos de vida cá em casa dependem exclusivamente dela. Mas sabe tãããããããããããaõ bem esta mudança.»

José da Xã, Lados AB

Vale a pena ler (12)

Pedro Correia, 21.02.21

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«Lia hoje numa rede social a alusão irónica da venda de um livro juntamente com um bife num qualquer talho. De facto, não percebo. Se posso comprar online e ir buscar um livro a um cacifo de uma grande livraria, por que motivo não posso ir a um postigo de uma pequena ou média livraria? O livro é para mim e muitos um bem essencial e deve sê-lo para uma sociedade, para um país democrático, para um país do século XXI.»

Marina Malheiro, Horas Extra

 

«Estar a ter aulas em casa não é o mesmo que estar em férias, portanto existem regras básicas que devem ser seguidas, como vestir roupa adequada, ter a webcam ligada e o microfone desligado, mantendo sempre a máxima atenção. O lugar de aprendizagem deve estar bem definido, de preferência deve ser um espaço que permaneça em silêncio e sem acesso a outras formas de comunicação, como por exemplo a tv.»

Maribel Maia, Educar (com) Vida

 

«Cheia de ânimo, sentei-me à mesinha da sala pronta a passar a pente fino todos os afazeres anotados no meu post it amarelo. Que se mantenham as tradições de quando éramos gente de contacto e afectos sem barreiras nas faces e munidos de álcool gel que nos secam as mãos. Mas aí, ah, aí eu andava de bota pelas ruas de Lisboa! A pantufa no soalho de casa, não é bem a mesma coisa. 

Carolina Novo, Vem à Janela

Vale a pena ler (11)

Pedro Correia, 14.02.21

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«O avião é um dos maiores produtores de poluição. A deslocação de pessoas por avião devia acabar nas viagens curtas e nas médias. Um comboio transporta muita mais pessoas que um avião. Um comboio polui muito menos que um avião. E se a viagem demora mais tempo, talvez seja tempo de nos adaptarmos a esse novo tempo. A um tempo onde o tempo conta menos que agora. É tudo uma questão de hábito e de programação de vidas.»

Folhas de Luar

 

«Costumas voar peregrino por descampados, onde a erva solta agarra geadas intemporais que o sol há-de capturar a si. Deixas cair de ti, cá em baixo, a tua vaga sombra, quando voas lá no alto, onde ventos frescos e sólidos sopram nomes que não conheces. É quando planas livre sem horas, nas horas azuis de um imenso céu, que te sentes maior que o tempo e o silêncio que ainda existe.»

Sandra, Mão à Noite

 

«Cansado, desgostado, furioso, impotente na raiva mas não no desprezo das camarilhas que me tiram a liberdade, desdenhoso dos que se vendem e dos que os compram, espécies tão baixas que nem aos vermes que se arrastam na lama os quero comparar. Nunca foi por aí além a minha capacidade de julgá-los com alguma desculpa, mas agora que mostram a verdadeira natureza que os move a proibir e a impor, tudo pelo "carinho e o cuidado" de salvar a plebe, só asco me merecem.»

J. Rentes de Carvalho, Tempo Contado

Vale a pena ler (10)

Pedro Correia, 07.02.21

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«Já posso olhar para trás e enfrentar aquilo que senti quando vi o positivo no teste rápido. O primeiro sentimento foi medo. Antes eu dizia que não tinha medo de apanhar Covid-19 porque achava que teria sintomas leves já que não tenho factores de risco (um resfriadinho, como dizia o Bolsonaro). Mas quando me vi naquela situação receei que a doença evoluisse para uma situação grave quando já era patente que o SNS estava a chegar ao colapso.»

O Voo da Garça

 

«Um sentimento de tristeza e desolação emerge dos olhares de quem vende, mas também de quem compra. Para muitos a feira [da Malveira] também servia de motivo para simplesmente dar um passeio, isso agora não é possível, compra-se o que se tem de comprar e vai-se embora, as caras das pessoas nem as vemos, dois dedos de conversa com alguém conhecido não se dá, até porque não encontramos lá essas pessoas.  »

Maria, Abrigo das Letras

 

«Haverá sempre gente pior. Há pessoas a viver debaixo de explosões de morteiro no exacto momento em que escrevo este texto. Ainda assim, os nossos dramas são os nossos. Ninguém saberá nunca que estilhaços estão a deixar dentro de nós. Por isso, tenhamos todos um pouco mais de empatia. Se não temos nada para dizer, calemo-nos. Por vezes, basta escutar.»

Sónia Morais Santos, Cocó na Fralda

Vale a pena ler (9)

Pedro Correia, 30.01.21

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«Causa-me alguma angústia pensar que muitos jovens não sabem o que foi o Holocausto nazi. Causa-me também igual angústia imaginar que um número ainda maior nem sabe o que foi a União Soviética, o que não é de estranhar tendo em conta os adeptos que esta ainda vai tendo, sobretudo em Portugal onde, neste campo, se tenta reescrever a História.»

Robinson Kanes, Não É que Não Houvesse...

 

«Foi difícil ler as últimas páginas deste livro [A Peste, de Albert Camus], foi doloroso perceber as conclusões e a maneira como foi encarado o fim daquela epidemia. Provavelmente por estarmos a viver toda esta situação, ficamos mais sensiveis a algo que noutro momento seria lido como pura ficção.»

I.M. Silva, Livros Que São Amigos

 

«Alguém fuma muito, e dentro de casa. O cheiro sobe pela ventilação, invade a casa de banho. Deve ser a vizinha do primeiro andar, que vive sozinha e nestes anos nunca largou um "bom dia" ou um sorriso. Nunca vi a vizinha do terceiro. Tem uma empregada interna com uma farda verde e azul turquesa. Que tem medo de andar de elevador, sobe as escadas carregada de compras. Nunca vi a vizinha, mas deve ser uma pessoa alegre. Ninguém sorumbático escolheria aquelas cores para uma vestimenta.»

Concha, Crónicas do Chão Salgado

Vale a pena ler (8)

Pedro Correia, 24.01.21

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«Ao começo do dia, tinha uma videoconferência internacional. Eu era o único português nos ecrãs. Antes de se entrar no assunto da conferência, a primeira pergunta vinda de outros mundos foi para expressar preocupação pelas notícias que estão a chegar, relativas ao Portugal da pandemia. Perguntaram-me se estava resguardado. E um participante disse-me que em Bruxelas muitos não entendem a razão que levou o primeiro-ministro português a insistir, nesta passada sexta-feira, numa reunião presencial, em Lisboa, no Centro Cultural de Belém, com a presidente e vários comissários europeus. O PM sabia, já nessa altura, que o risco de contágio era elevadíssimo.»

Victor Ângelo, Vistas Largas

 

«Decidi antecipar o meu voto. (...) Foram filas intermináveis, mas acima de tudo a sensação de falta de organização tão necessária em um momento de pandemia como este. (...) Na mesa 1 ficaram despachados em 1 hora, na mesa 3 em 30 minutos e eu em 3 horas. Sim, leram bem: em 3 horas.»

Lavanda

 

«Tal como nas noites anteriores, nestas peregrinações solitárias a que já me habituei, cruzo-me com muito pouca gente, mesmo muito pouca. Quase todas essas pessoas trazem cães pela trela. Ora eu nem gato tenho, mas, se tivesse, numa interpretação extensiva da lei (como parece que está na moda incívica fazer, durante a pandemia), poderia passeá-lo? Creio que não. Pensando bem, não me lembro de ter visto alguém passear um gato, alguma vez, pelas noites de Lisboa.»

F. Seixas da Costa, Duas ou Três Coisas

 

«Escrever é um trabalho solitário. No limite, a escrita só gera amizades postumamente. Ironicamente, o escritor morto é uma criatura estupidamente sociável.»

Roberto Gamito, Fino Recorte

 

Vale a pena ler (7)

Pedro Correia, 16.01.21

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«A essência de escrever não é ser descoberta. A essência de escrever é descobrir a minha verdadeira voz interior. A essência de escrever é descobrir o mais profundo do meu ser em cada letra, em cada palavra.»

Cátia Santos, Escrita de Alma

 

«Filipa Leal tão depressa nos mostra aquilo que sente no momento, numa antecipação em relação ao futuro, como nos leva até à infância e às memórias das férias passadas em Vigo – as idas ao El Corte Inglés e tudo o que lá comprava em pequena. A leitura deste livro [Fósforos e Metal Sobre Imitação de Ser Humano] foi uma experiência muito intimista, quase como se estivesse a conversar com alguém que conheço bem..»

Rita da Nova, Rita da Nova

 

«Que frio que está. Dou por mim a cruzá-los e a soprá-los como o meu pai fazia nos dias de Inverno em que se lembrava de Moçambique, esta terra é um gelo, dizia ele e a minha mãe troçava dele, isto é Lisboa, sabes lá tu o que é frio, homem. Facilmente nos tornamos na ausência dos nossos pais. Mas o meu pai, ao contrário de mim, tinha uma caligrafia elegante, dava um balanço teatral com a mão antes de começar a escrever e concedia uma rara paciência à lentidão da sua própria mão, sabes lá tu o que é frio, homem e as pontas de dos dedos também a gelarem-se-me agora, por cima do teclado, essa bênção sem rasuras dos impacientes que escrevem, esta terra é um gelo, Lá, agora, seria Verão.»

Cristina Nobre Soares, Em Linha Recta

Vale a pena ler (6)

Pedro Correia, 09.01.21

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«Alguém deveria ter explicado à chorosa menina do "We're storming the Capitol, it's a revolution" (3'48") que, numa revolução (até numa "revolução" do Trampas), é de esperar que haja, pelo menos, gás lacrimogénio, e que encontrar caves repletas dos melhores vinhos não é para quaisquer revolucionários/reaccionários em part time (explicação, aliás, indispensável, da esquerda à direita).»

João Lisboa, Provas de Contacto

 

«Chama-se O Infinito num Junco – A Invenção do Livro na Antiguidade e o Nascer da Sede de Leitura e assina-o Irene Vallejo, uma leitora apaixonada, doutorada em Estudos Clássicos em Saragoça e Florença e com uma ampla cultura sobre a história do livro. Trata-se de um ensaio que se lê como ficção; e, entre as dezenas de passagens que fui sublinhando (...), está uma pequena história muito bonita sobre o amor que uniu Marco António e Cleópatra.»

Maria do Rosário Pedreira, Horas Extraordinárias

 

«Podia ser uma qualquer vila desertificada do interior do país. Mas não. Estou em Sintra. O relógio diz-me que são 10h. Vazia de gente. Sem carros. Os autocarros para a Pena sem passageiros. (...) Respirar o verde de nariz a descoberto. Sem praticamente ninguém nesses passeios. Sem me cruzar com conversas faladas noutra línguas. Quietude inquietante.»

Ana Cristina Gomes, O Sopro Mágico das Palavras

 

Vale a pena ler (5)

Pedro Correia, 03.01.21

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«Nunca conseguiremos pagar a Carlos do Carmo todos os arrepios na pele e de todas as lágrimas que caíram pelos nossos rostos, quando a sua voz nos invadia por dentro com a força das palavras dos Poetas que nos assaltam a alma. Agradecer é pouco e por isso vou continuar a ouvir Estrela da Tarde e Uma flor de verde pinho até saber tudo isto de cor.»

Sérgio Guerreiro, Melhor Política

 

«2020 ficará, certamente, marcado nos nossos corações pelas piores razões. Mas não será por mudarmos de ano que tudo se tornará melhor como num passe de mágica. Nada se alterará e vamos ter que manter uma vida estranha, sem festas, reuniões, almoços ou jantares numerosos.»

José da Xã, Lados AB

 

«É um dia importante pelo significado que tem o início da vacinação contra o vírus da COVID-19. Pelo que significa do esforço concertado de toda a comunidade científica e dos decisores políticos, investindo a sério no estudo, desenvolvimento e distribuição da vacina. Não é o fim, mas o princípio do fim. Risco zero não há em coisa nenhuma. As cautelas existem e ainda bem. Só assim aprendemos e avançamos. O ano novo parece um pouco mais risonho.»

Sofia Loureiro dos Santos, Defender o Quadrado

 

«Embora ache que nunca se falou tanto de saúde mental, com tantas campanhas e divulgação, e sobretudo num ano que mudou todas as regras do jogo e nos obrigou a olhar para dentro de nós próprios e levantar tantas questões, mais uma vez deixo um apelo. Falem destes asssuntos, deixem-se a vocês próprios e aos que vos rodeiam suficientemente à vontade para não se sentirem julgados por precisarem de ajuda e terapia.»

Filipe B, O Blog do Fi

Vale a pena ler (4)

Pedro Correia, 27.12.20

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«Finalmente li este clássico da literatura norte-americana [Mataram a Cotovia, de Harper Lee]. Conta a história de um advogado que, durante a década de 30 no Alabama, defende um homem negro que é acusado injustamente de violar uma mulher. A história é contada do ponto de vista de Scout, uma criança. Um clássico que deve ser lido por todos.»

Inês, Mar de Maio

 

«No Barrocal Algarvio, as laranjas, colocadas no presépio, não eram apenas para ornamento. Possuir laranjas era sinal de distinção. Quando um afilhado ou pessoa amiga fazia uma visita na quadra natalícia, dava-se uma laranja que estava no Presépio. Se vinha o médico ou o prior a casa, as famílias ficavam muito felizes e sentiam-se honradas se eles retirassem uma peça de fruta do seu Presépio.»

Maria José, Liberdade aos 42

 

«Eu gosto muito de silêncio. Tenho dificuldade em pensar se houver pessoas por perto a conversar, seja ao vivo, seja na rádio e na televisão. Penso menos mal, é certo, se for num sítio em que muita gente fala ao mesmo tempo e indistintamente, como num aeroporto, por exemplo, em que as falas se tornam uma espécie de ruído de fundo que não me incomoda. No entanto, o silêncio das igrejas e das bibliotecas é de ouro, ambas são templos sagrados onde se pode pensar sem interferências. Borges dizia que o mais parecido que havia com o Paraíso eram as bibliotecas, e talvez não andasse longe da verdade.»

Maria do Rosário Pedreira, Horas Extraordinárias

Vale a pena ler (3)

Pedro Correia, 20.12.20

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O célebre escritor, possivelmente o grande responsável pela redefinição do policial do século XX, encontrou no cinema, não a sua derradeira imortalização, mas um cúmplice para os seus "crimes". A imaginação de [John le] Carré aliou-se às imagens e nesse bando geraram filmes... e muitos deles, que filmes! O autor deixou-nos... maldito 2020 que não termina de jeito nenhum... mas as suas histórias, essas, persistem nos diferentes formatos.»

Hugo Gomes, Cinematograficamente Falando

 

«Dir-se-ia que a esquerda se deveria unir à volta da candidata Ana Gomes (se outras razões não houvesse até para desmascarar André Ventura), e que o PCP e o Bloco deveriam abdicar das suas candidaturas. Não creio que haja grandes condições para isso. A figura de Ana Gomes, o seu populismo, o seu discurso, e a sua imagem pouco institucional, por uma lado, e a forma desastrada como está a conduzir a campanha, por outro, tornam muito difícil a marcha-atrás dos dois partidos.»

Eduardo Louro, Quinta Emenda

 

«Nos últimos anos, houve dois momentos em que senti vergonha pelo meu país: na palhaçada de Tancos e no assassinato de um imigrante ucraniano por membros do SEF.»

Francisco Seixas da Costa, Duas ou Três Coisas

 

«Aguardo a minha vez para o exame ecográfico e reparo na sinalética por cima da porta que dá acesso a uma das salas de TAC: extinção em curso. Quando me chamam para o vestiário, antecâmara da sala onde vou ser observada, vejo outro sinal idêntico. Pergunto à assistente que me encaminha a razão daquele aviso. Não sabe. Que até já se tem questionado sobre isso, mas não sabe. Intrigada com o que se estará a extinguir, tento manter a calma e acreditar que não, não estou numa sucursal do fim do mundo.»

Luísa, À Esquina da Tecla