Escrevo em blogs há 20 anos - antes no ma-schamba e no Olivesaria, este um colectivo dedicado ao historial do meu bairro Olivais, depois também no sportinguista És a Nossa Fé. E agora no meu Nenhures e no colectivo Delito de Opinião.A um passo dos 60 anos, decidi publicar umas "memórias". "Presunção e água benta, cada um toma a que quer", e eu tomei a da ideia de talvez interessar a outros o que escrevi sobre o que vivi.
Retoquei uma centena de crónicas (de viagens e paragens), dois terços delas escritas em Moçambique, algumas sobre outros países onde trabalhei, o restante em Portugal no meu retorno após duas décadas de ausência. É uma espécie de "prova de vida"... Ao volume chamei-lhe "Torna-Viagem" e (auto)publico-o agora através da plataforma editorial Bookmundo.
A impressão do livro é feita apenas por encomenda, tal como a sua venda. A quem tenha interesse bastar-lhe-á "clicar" nesta ligação directa ao livro, colocada no nome, e encomendar o Torna-Viagem.
Depois, como será óbvio, seguir-se-á o envio postal do(s) exemplar(es) comprado(s), processo que demorará alguns, poucos, dias. Ou seja, o livro não estará disponível nas livrarias físicas. Nem haverá futuros monos, sobras destinadas à célebre guilhotina de livros.
Finalmente, aqui replico a sinopse que apus no livro: Chegando agora aos sessenta anos deixo neste "Torna-Viagem" algo como se uma autobiografia. Faço-o através de uma centena de crónicas escritas durante as duas últimas décadas. Sessenta dessas agreguei-as na primeira parte do livro, à qual chamei "A Oeste do Canal", pois escritas sobre Moçambique, nelas ecoando viagens por aquele país afora, alguns pequenos episódios — trechos do real — que senti denotativos das transformações ali acontecidas, e memórias de personalidades que conheci durante os meus dezoito anos de permanência. Em algumas outras recordo momentos vividos em países onde trabalhei. E as restantes três dezenas formam a segunda parte do livro, na qual deixo excertos deste "Ocaso Boreal", a minha actual aventura de retornado pós-colonial defronte à "pátria amada".
Morreu ontem Eduardo Pitta, poeta, ficcionista, crítico literário. E também bloguista. Encetado em 2005 o seu Da Literatura era um dos blogs relevantes na época vibrante da "blogosfera" e Pitta manteve-o activo até recentemente - infelizmente retirou dos arquivos a primeira década do blog. Nele compôs uma mescla de atenção a factos culturais com uma intervenção política. Nascido em 1949 na então Lourenço Marques, Pitta tinha interesse pelos processos moçambicanos. Foi isso que o fez conhecer o meu ma-schamba, que fora o primeiro blog em português escrito no país e que quando ele começou a blogar era ainda um dos poucos ali existentes. Foi afável comigo, num companheirismo bloguístico então comum, e estabeleceu até uma correspondência - lembro que teve a gentileza de me enviar por via postal o seu ensaio "Fractura : a condição homossexual na literatura portuguesa contemporânea". E explicou-me também as razões, mais do que curiais e sem qualquer acinte, que o haviam conduzido a recusar a proposta feita por intelectuais moçambicanos para o inserir no cânone do historial da literatura daquele país - não estou a ser indiscreto, desvendando correspondência privada, pois lembro-me de ter lido declarações suas sobre o assunto. Era essa, apesar do prazer havido com a atenção recebida, uma opção que fundava em termos de identidade pessoal e não de postura político-ideológica.
Depois vieram os anos da crescente degenerescência socratista. No seu blog Pitta foi um dos muitos que manteve não só o proselitismo socialista como a defesa arreigada do então primeiro-ministro. O Da Literatura continuava interessante, elegante e informativo - principalmente para quem estava fora do país. Mas, exasperado com o "estado da nação" e com a cumplicidade de um largo sector da intelectualidade portuguesa com aqueles desmandos antidesenvolvimentistas - a qual raiava o absurdo na "blogosfera" -, deixei de acompanhar a sua actividade. Como a de vários outros desse eixo político, habitualmente bem menos interessantes.
As notícias de ontem e hoje sobre a morte de Pitta sublinham a sua importância no âmbito de uma literatura homossexual portuguesa - estatuto que ele próprio acarinhava, explicitando a necessidade de afirmação literária dessa temática. Eu sou pouco sensível a essa catalogação. E insisto naquilo que lhe disse e escrevi em pequeno postal, em texto que julgo lhe terá agradado, ainda que seja uma leitura arredia dessa peculiar atenção identitária que lhe dão: o seu breve "Persona" é o grande texto literário português sobre o final do regime colonial em Moçambique - e se calhar até mais do que isso (o meu texto sobre o "Persona" está aqui). E, mais uma vez, proponho a leitura desse belo livro.
Mas é uma minudência este meu resmungo. O relevante é que o Blasfémias foi um palco importante, agregando uma "nova direita" liberal que surgira desde o início do bloguismo - gente que estava arredada da então "imprensa de referência", como sempre se chama a tudo o que não é "Correio da Manhã" -, parte da qual se veio a alcandorar numa orgânica Iniciativa Liberal. Atentei mais quando se lhe juntou um dos meus bloguistas preferidos, o jcd que animava o Jaquinzinhos (blog que está sem acesso, o que é algo lamentável). Foi implacável com o socratismo, foi ferino com o costismo. E não terá feito fretes ao passismo. Mas acima de tudo foi um dos blogs políticos mais importantes de Portugal - e a história do bloguismo está ainda por fazer.
Nos últimos dias do ano entretive-me com este pequeno livro, da colecção Francisco Manuel dos Santos, que resume a história da blogosfera portuguesa. Trouxe-me à memória anos (sobretudo entre 2003 e 2011) de posts, leituras, discussões e personagens até então desconhecidas, muitas das quais chegaram a postos de grande visibilidade, seja nos jornais, na TV ou até no governo, como Ricardo Araújo Pereira, Pedro Mexia, Rui Tavares, João Galamba, Daniel Oliveira, Luís Aguiar Conraria, além dos já consagrados Pacheco Pereira e Vasco Pulido Valente, entre outros que se dignaram a blogar. Os blogues serviram para que quem tivesse alguém coisa a dizer, nem que fosse pela arte de bem escrever e não tinha acesso aos meios tradicionais, o pudesse fazer, com grande ganho de causa. Não vou agora enumerar nem "linkar" exemplos da blogosfera, que de resto o livro cumpre, mas para quem está dentro do meio é uma visita gratificante e um pouco nostálgica, além da escrita bem humorada do autor nos permitir alguns sorrisos e mesmo algumas gargalhadas.
Infelizmente as redes sociais tiraram muita da riqueza discursiva e um certo jargãoque existia na "comunidade blogosférica".Em todo o caso, recordei pessoas e discussões que há muito não me vinha à memória. O livro não é exaustivo mas é completo. O meu nome não consta da extensa lista de bloguistas enumerados, nem a minha vetusta A Ágora, quase a chegar à maioridade, mas o Delito de Opinião sim, na pág. 85, sendo classificado como "um excelente blogue colectivo (ou hipercolectivo)", com referência à "dedicação" do Pedro Correia e ao "sentido de humor" de Rui Rocha (que anda algo desaparecido, infelizmente para o Delito). Posso dizer que é um livro que gostaria de ter escrito, mas que o autor, Sérgio Barreto Costa, cumpre muito bem.
Posto etas memórias blogosféricas, um 2022 melhor que 2021 (e 2020) e que os blogues, mesmo que com menor importância que outrora, continuem a dar-nos textos de interesse.
PS: só depois é que vi esta recensão do JPT sobre o dito livro, logo que ele saiu, que vos aconselho até por ser bem mais completa do que este post.
Desde ontem o 4 de Outubro passará a ser o Dia Mundial Sem Redes Sociais, leio num risonho postal de facebook. O apagão universal durante horas da teia do Facebook (FB, Instagram, Messenger, Whatsapp) - causando seis mil milhões de dólares de prejuízo, (quase) lamenta a imprensa - foi tonitruante. Claro que outras redes sociais continuaram, desde logo o gutural Twitter ou a "alt-network" Telegram, ou as laborais Linkedin, Academia.edu e ResearchGate, pelas quais passei brevemente. E visitei as minhas contas na Goodreads e na Babelio, e enquanto fumava perdi mais 2 ou 3 jogos na Chess.com (estou com o pior ranking de sempre, num ciclo catastrófico que insisti em pensar momentâneo mas que deverá ser já a degenerescência intelectual). Como neste nenhures não tenho televisão nenhum filme vi nem qualquer opção fílmica se me impôs e assim não visitei a IMDB. E como não tenho tido grande actividade nas minhas contas do DailyMotion e do Youtube também por lá não passei, tendo apenas deixado a tocar a Spotify. Nesse quase remanso também não fui à adorável Pinterest, pois é sítio mesmo de passatempo relaxado, nem à Geni, pois nesta precisarei de muito trabalho dedicado, e não é o momento de a isso me abalançar.
Enfim, mesmo se embrenhado neste redemoinho segui como tantos outros, algo desamparado com a inacessibilidade da minha conta do Facebook e com o silêncio do WhatsApp. É certo que uso estas macro-redes fundamentalmente para divulgar os postais de blog (tal como o Twitter, no qual não tujo nem mujo para além das ligações aos postais). Mas, ainda assim, e apesar desta profusão de outras contas noutras redes, fiquei-me algo combalido.
Valeu-me, vá lá, uma outra rede social, a blogal. Tal como quase todos os dias entrei na minha conta do Feedly, um excelente agregador de blogs. Onde, desde há muito, sigo um largo punhado de blogs - muitos dos quais entretanto encerraram enquanto outros seguem veteranos já algo relapsos, apenas balbuciando em raros postais. Mas há os que continuam viçosos, constituindo uma verdadeira rede social de gente que tem algo a dizer. E que para isso usa palavras, associando-as em formatos sintácticos aceitáveis. Algo óptimo, refrescante, neste mundo das redes sociais. E como tal, no meu caso, digo que o 4 de Outubro é o Dia Mundial das Redes Sociais.
Atento amigo avisou-me da publicação deste "A Blogosfera Portuguesa: Da Coluna Infame ao ocaso de uma era", de Sérgio Barreto Costa, publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, sob o aprazível preço de 3,15 euros. E convocou-me para a conversa promocional, anunciada com o (desagradável) título "Os blogues morreram. E ninguém os avisou?". Muito me interessou a publicação. E também a sessão pública, a qual encetei, um debate telemático com a presença do autor, de Araújo Pereira e de Vasco M. Barreto, o qual ostenta o oficioso e prestigiado título de Bloguista-Mor olivalense (distinção que aqui explicito pois ciente da prévia permissão concordante do ínclito Apenas Mais Um).
Se parti com interesse devido ao tema do livro, mais rápido ele floresceu dado que a moderadora, Catarina Carvalho, apresentou a obra como uma "antropologia moderna" sobre o bloguismo. Como bem compreenderão os amistosos leitores - e mesmo os alguns caústicos comentadores - sendo bloguista veterano, assim um verdadeiro zombie à luz do ali anunciado, e antropólogo (outro avatar de zombie, diga-se, ainda que este académico), não pude resistir e decidi adquirir a obra.
Assim, e desenfiando-me da querida comunidade co-confinada, numa alvorada escapei-me do intra-muros militante que nos vem protegendo das intempéries virais. E avancei até ao Pingo Doce vizinho deste ermo Nenhures em que me acoito, convicto de que ali se vendem os livros publicados pela fundação da empresa. A diligente, simpática (e bem apessoada) funcionária com a qual me lamentei da minha incapacidade senil de encontrar o adequado escaparate logo se dirigiu ao armazém. Do qual regressou abraçando uma caixa de livros, lamentando-se pois "não há nada novo", "não temos recebido nenhuns..." e até desculpando-se "os livros estavam ali desde que foi proibido vendê-los". E assim continuou, demonstrando até agrado com este belo geronte (eu mesmo, jpt) que perguntava por tais produtos, mania aparentemente inédita na clientela regular. Enfim, não só compreendi como bem aceitei a situação, consciente da distância que aparta este Nenhures da capital dos ex-bloguistas cultos e leitores - para cima de uns árduos 40 kms de alcatrão liso... e plano.
Regressei ao cercado, resignado a que lerei o livro quando as restrições vigentes forem amansadas e então me for possível, mesmo exigível, avançar até à capital - urbe onde é até aceitável encontrar livros à venda. E assim, neste por enquanto, fiquei restrito a esta introdução do livro sobre o bloguismo luso. Enfim, "a ler vamos", com toda a certeza. E desejo que os afortunados da "cidade grande" possam comprar e, até, ler o livro (mas não o esgotem antes do desconfinamento, por favor).
Entretanto, pois impregnado de presunção e água-benta, e porque a obra aborda a história do bloguismo em Portugal, lembrei-me do meu primeiro texto no Delito de Opinião. O qual foi um voo de pássaro sobre este assunto, escrito em 2010 (!) quando vivia em Moçambique e de lá algo estupefacto olhava para este tudo isto pátrio - e assim continuo, afianço. E que aqui botei como convidado, numa bela série de convites a bloguistas que o Pedro Correia animou. Repito-o, até porque é fim-de-semana (ainda de confinamento):
Agradecer ao Pedro Correia este convite para escrever para o Delito de Opinião não é protocolo. É contexto do que se segue. Pois mesmo que blogo-veterano isto de meter algo num grão-blog, como o DO se tornou - o único dessa mole que consumo diariamente -, levanta logo aquela velha questão, até de algum stress, do "o que dizer a estes tipos?" - os muitos, e nisso louváveis, aqui leitores.
Pois nisto do blogar, botar algo de modo quase quotidiano, treme o emigrado. Deverei procurar um requebro semitropical?, uma ponte intercontinental?, um daqui "estamos juntos"? um voo rasante sobre o onde vivo? Ou restrinjo-me à parca política lusa? E nesta hesitação, até pobreza, pessoal e mental, é o cidadão que vou convocando, sai-me texto sobre o aí Portugal, o aí da política, tanta “espuma dos dias”, tanta mera baba, espúria, na volúpia do opinar. Esse aí de que há anos vou sabendo, maioritariamente, por via dos blogs - se exceptuando a fértil actividade futebolística. Por isso boto hoje sobre blogs, esse "espelho da nação", pelo menos para alguns.
Longe vão os anos 2003-4, quando a gente apareceu desatinada a botar opiniões, frenética nas teclas, cada um pontapeando ou beijando o que lhe ia na alma, tempos de afirmação de alguns manitus da opinião livre, desassombrada - idólatra que sou fiquei-me romeiro do jaquinzinho jcd, Lucky Luke do bloguismo, genial na demonstração dos tiques do então emergente Bloco de Esquerda. Os tempos vêm passando e o colectivismo impôs-se no bloguismo, pois as grandes congregações bloguistas, com plantéis, targets e até missais, tornaram-se um must, na dita "esquerda" e na agora (re)dita "direita".
Mas nesse já recuado antes o motor dessa congregação blogal chamava-se blogómetro, pois os sonhos de teclistas lisboetas - e, vá lá, também portuenses - eram os de destronar, abruptamente, José Pacheco Pereira (jpp) do papado bloguista, ferreamente exercido com a sobranceria da crença da sua infalibilidade no loquaz Abrupto. Nisso se formaram e reformaram ene blogs evangelistas, de porta em porta, arengando no proselitismo dos respectivos profetas. E quantos deles clamando Anticristo esse demoníaco Papa.
Tudo isso era engraçado, e mais ainda pois visto de longe. E naveguei então nesse encapelado mar de links, sentindo-me em casa. Entenda-se, vivo em Moçambique, cuja grande revolução actual é a monoteísta, são omnipresentes os profetas e profetismos, as igrejas e correntes "africanas", a evangelização e a coranização - coisas de que não se fala na RTP-África, mas do que se poderia esperar daquela modorra de funcionalismo público? Assim, logo que chegado a casa, no remanso do escritório, já in-blogs, era quase como estar na rua, nos distritos daqui (“no mato”, dizem os de fora), ouvindo o "alá é grande" "deus nosso senhor tudo pode" e essas coisas. Algo diferente, claro, pois no luso blogal eram Zizek ou Hayek os profetas ministrados, ainda que uma minoria - os congéneres desta burguesia de cá que vive nas vilórias, libertada do jugo das machambas e já em casas de alvenaria -, arengasse sobre Blair como reencarnação do Bem.
Entretanto o Paulo Querido vendeu a plataforma bloguística weblog.com.pt e o blogómetro perdeu algum panache. Pior ainda, ninguém - nem mesmo os jornalistas lisboetas, frutos do caldeirão Frágil-Jamaica/Tokyo - conseguia deitar abaixo o jpp do pedestal quantitativo, do ambicionado topo do blogómetro. Adivinhava-se a crise, um desgaste do ânimo. Mas alguma blogo-esperança renasceu quando Vasco Pulido Valente e Constança Cunha e Sá irromperam, imperiais até, no bloguismo, através do seu O Espectro. Para se retirarem, desistindo de blogar - num dos mais (ou mesmo "o mais"?) ridículos episódios dos anos 00 lusos, uma pequenez medonha -, no dia seguinte a terem ultrapassado o sitemeter abruptal. Mas, pelo menos, teve esse feito o efeito de apear o “top blogal” como meta-mor dos grão-bloguistas.
A partir daí, e enquanto o próprio país ia deslizando, e talvez também por isso, algo foi mudando. Alguns raros individuais encanecidos continuaram, adaptando-se ao tom da época, cada vez mais beligerantes ao serviço da "sua majestade" de cada qual. Os super-blogs mantiveram-se, algo voláteis pois mutantes de nome, com transferências até sonantes qual mundo da bola e, amiúde, entre-zangas prenhes de inter-links, cheias de subtextos e private angers, discerníveis por quem fosse do(s) meio(s), aqueles “lisboa” e “porto”, tudo isso em crescendo de alinhamento pois no meio cada vez mais soava e suava o agendismo.
O bloguismo-punk morrera há muito, o blogo-rock envelhecia em espasmos e fomos nós, incautos (?!) leitores, sendo encerrados no top of the pops. Com os ciclos eleitorais a indústria desceu à rua e tomou, definitivamente, conta do assunto e no pacote de gabinetes do pró e do contra se foi formando um regime profissionalizado, penteado, no qual ao clic-clic de entrada já se sabe o que esperar, se vai à missa in-blog para se reafirmar as certezas, os blogs tornados quais escalfetas. O actual Festival da Eurovisão blogal parece não perder audiências - fui ver o velho blogómetro antes de botar isto, confere, as audiências aguentam-se e até crescem... - mas é óbvio que os maestros, cantores e jurados despercebem que a obesidade, os números de leitores, advém via google search: pois quanto mais "arquivos" têm os blogs mais leitores incautos lhes chegam ao engano, na demanda de outras coisas, e é este o verdadeiro teorema bloguístico.
E assim ficou um mundo de gente trabalhando in-blog, uns de cara destapada outros nem tanto, não lhes vão cair os patrões na lama, tão rasteiras as coisas que vão botando. Dos pacotes de assessores ou não, proto ou ex, brotaram alguns. Assim feitos "lisboa" muitos discutem, veementes, quem é quem, de onde vêm, com quem jantam - "eu jantei com A, ele existe" "eu ensinei X a blogar, e em minha casa" e, um must, "eu tirei esta foto a Y, o qual por acaso mal se percebe na foto, mas - estão a ver? - ele existe", como gozam connosco os jornalistas e académicos do Jugular socratista, quando o povo se questiona sobre um blog anónimo ao serviço do governo.
Trata-se de um "quem" "são" "esses" "alguns" que é forma, ladainha, de ir tentando comprovar que o tudo isso, a tal "lisboa", sempre vai existindo. No fundo, no debate pró ou contra a nomeação, a assinatura dos textos, julgam-se nomenclatura. Entretanto, lá longe, a gente da internet, essa que em tempos alimentou via clic-clic a quantidade de blogs que foram florindo, já lá não está. Pois encontra-se, noite fora, nestes nossos pós-bloguismos do youtube e facebook, gente com nome e de fotografia espetada no "perfil". Enquanto o tal pacote "convicto" não imigra para cá, trazendo o "remoquismo" que lhe é alma, andamos noutra, a "gostarmos" uns dos outros, Uns a ler. A ver. A ouvir. Outros a botar.
The Clash, hoje:
(London Calling, The Clash; Capitol Theater New Jersey 1980: um filme precioso dedicado aos premiados dos prémios Gandula Blog 2004 e 2005)
O Abencerragem. Um veterano, sobrevivente daqueles tempos que foram ditos de "blogosfera" e que muito nos faz lembrar a essência do que ela foi. Um verdadeiro diário de interesses e opiniões que segue numa rotina desde 2005, no mesmo formato ("template") e no mesmo sistema (o velho blogspot, mais do que suficiente), no mesmo tom, culto sem ademanes nem bramidos. Ao longo desta década e meia todos os dias "o RAA" - ou seja, Ricardo António Alves - partilha algo que nos pode iluminar ou acalentar: o postal diário poderá conter música (erudita ou moderna popular), citações que considera significantes, fotografias, reproduções de obras de artes plásticas, retratos de artistas, etc. A tudo isto junta as ligações para os seus textos no jornal "i" sobre banda desenhada, a coluna "Leitor de BD". E, de vez em quando, ainda coloca as suas opiniões sobre "a espuma dos dias", as quais vêm sempre concisas e sem quaisquer grandiloquências histriónicas. Trazendo, ainda por cima, lucidez. Como aqui exemplifico: "Touradas. Um espectáculo soberbo, o motivo é fútil. Confine-se. Mas antes, a caça e a pesca desportiva. Tiros só em batidas às pragas."
Corre a notícia de que as ligações ao blog "Do Portugal Profundo" estão proibidas no Facebook, tal como é vedado citá-lo. Surpreso, ainda que não espantado, fui confirmar. Confere, a minha tentativa de partilhar uma ligação ao seu último postal (que denuncia a censura de que é alvo nesta rede social) foi negada, e fui informado de que o referido blog "viola os princípios da comunidade".
Estas coisas são simples, e sabe-se a metodologia (o processo geral já foi publicada em jornais portugueses, e decerto que é esse o que agora acontece): o blog é vetado no FB devido a denúncias várias às quais se segue uma série de tarefeiros que decide "na hora" se deve ou não vedar acesso ou apagar conteúdos. Há recurso, para "superiores hierárquicos" que mantêm ou não a decisão. Ou seja, e para além do falível funcionamento da empresa - a notícia que li há tempos falava de impreparação dos jovens funcionários temporários e da extrema rapidez exigida aos processos - surge aqui um perverso sistema de censura rizomática, uma espécie de "delação premiada": se um conjunto de pessoas denunciarem um conteúdo porque os "ofende" este é retirado.
Ou seja, se alguém escrever que o Benfica é beneficiado pela arbitragem (19 000 "gostos"-FB no postal de ontem no nosso És a Nossa Fé que isso afirma) um conjunto alargado de membros das claques internéticas benfiquistas pode denunciar o conteúdo: bastará apanhar um jovem tarefeiro inseguro (ou benfiquista) para que as ligações (e citações) sejam retiradas das partilhas no FB.
É óbvio o que aconteceu: António Balbino Caldeira escreveu um texto avesso à exploração política que o populismo racialista (LIVRE/BE) está a fazer do horrível assassinato (não é uma redundância) do estudante cabo-verdiano Giovani Rodrigues, acontecido em Bragança. Concorde-se ou não com a sua argumentação, os termos em que ela é apresentada são - em texto e em putativo sub-texto - eticamente (os tais "princípios da comunidade", por fluidos que sejam) inatacáveis. São até - mas essa é a minha opinião - muito certeiros, por desagradáveis que possam ser aos populistas (facilitadores) das aparentes "boas causas".
Não sou leitor habitual de Balbino Caldeira. Mas claro que o li, veterano e célebre bloguista que é. Convirá lembrar os candidatos e os efectivos delatores, que o bloguista batalhou contra José Sócrates dizendo muito do que agora qualquer cidadão pode saber. Que foi processado pelo famigerado então primeiro-ministro e foi inocentado. E que isso lhe dá mais crédito como cidadão - ainda que não o iniba de cometer erros e de convocar discordâncias - do que os "intelectuais orgânicos" deste movimento populista racialista, então apoiantes dessa cleptocracia socialista. Gente comentadora televisiva, colunista de "jornais de referência", até deputada, e ombreadores do bloguismo remunerado anónimo de contra-informação (fake newsavant la lettre). A esses funcionários públicos, ou avençados do Estado, apoiantes dos desmandos na banca pública, do combate à liberdade de imprensa, de afronta à separação dos poderes, do nepotismo e vera criminalização do Estado, e até académicos adeptos da efectiva falsificação de títulos universitários, ninguém persegue com o recurso a estas manobras da tal censura rizomática. Por demagogos que surjam, abjectos falsificadores do real. E essa diferença permite bem perceber onde estão os democratas.
Já para Balbino Caldeira, porque é de uma "direita profunda", como tantos destes "intelectuais orgânicos" são de uma "esquerda profunda" (que nunca, para eles, "extrema"), se organiza (eles organizam, sem rebuço) a censura.
Enfim, ao ser confrontado com a impossibilidade de partilhar no Facebook uma ligação ao "Do Portugal Profundo" deixei esta mensagem ao sistema daquela empresa: "Nada há nos postais do veterano blog Do Portugal Profundo, o qual, como bloguista que sou, leio há cerca de 15 anos, que seja considerável como calúnia ou violentador do espírito de cidadania. As ideias que o autor do blog defende são absolutamente legítimas, concordemos ou não com elas. A proibição da sua divulgação no Facebook é um acto inaceitável. E muito duvido que seja legítimo."
É muito engraçada a indignação do Daniel Oliveira ao ser equiparado à extrema direita por Joacine Katar Moreira (a zaragata já passou do lamaçal do twitter para a imprensa). E tem ainda mais graça quando, se me permitem o momento de arqueologia blogosférica, nos lembramos do motivo que precipitou o fim da Coluna Infame.
«"Conheci uma pessoa." Eis uma expressão que nalguns casos implica dois evidentes exageros.»
Pedro Mexia, Prova de Vida
Sinto por vezes algumas saudades do tempo de maior pujança da blogosfera, em que o debate de ideias se impunha sem o colete-de-forças compressor do Twitter nem o umbiguismo grupal do Facebook. Um tempo em que era possível dialogar com quem pensava de forma muito diferente, até antagónica, sem reduzir o pensamento a legendas, sem coleccionar bonequinhos de polegar levantado, sem confundir afectos e cumplicidades com a carneirada dos clubes de fãs, sem esse anátema sempre implícito no ridículo verbo "desamigar".
Fui coleccionando livros que resultaram da escrita blogosférica - e eles cá continuam, na minha biblioteca doméstica, como memórias vivas desse tempo que já passou. Livros com nomes de blogues, como O Acidental (que reunia o Paulo Pinto Mascarenhas, o Rodrigo Moita de Deus, o Vítor Cunha, o Luciano Amaral, o Vasco Rato e o Bernardo Pires de Lima, entre outros), Portugal dos Pequeninos (feliz título com a marca inconfundível do João Gonçalves antes da sua irreversível migração para o FB), Prova de Vida (diário do Pedro Mexia nascido como blogue e polvilhado de argutos aforismos, como aquele que serve de epígrafe a estas linhas) e Jaquinzinhos (onde o João Caetano Dias deixou um pioneiro rasto liberal antes da sua irreversível migração para o Twitter).
A escrita blogosférica tornou-se residual, quase anacrónica: é precisamente por isto que eu insisto nela. Quando a prosa de Facebook originar livros, agradeço que me avisem.
Vale a pena ler o que se vai escrevendo pela blogosfera que resiste em dissolver-se nessa nebulosa informe das "redes sociais".
Seguem-se alguns exemplos.
Eugénia de Vasconcellos: «De cada vez que uma mulher grita discriminação de género como Pedro gritava lobo sem que lobo houvesse até que lobo houve e ninguém acreditou, presta um deserviço à mulher.» (Cabeça de Cão)
Maria João Caetano: «Ainda somos tantas vezes mulheres caladas, escondidas, envergonhadas.» (A Gata Christie)
Manuel Vilarinho Pires: «São as dúvidas dos lúcidos, e não as certezas dos idiotas, que fazem avançar o mundo.» (Gremlin Literário)
Carlos Natálio: «Quem não aprecia um bom sorriso sádico, desde que no conforto de seu lar? Atire a primeira pedra, vá.» (Ordet)
João Tiago Gaspar: «A vilanagem dá trabalho. Ele há vilões profissionais – cruéis, metódicos e implacáveis – e depois há vilões amadores.» (Malomil)
Cristina Nobre Soares: «Nada tenho contra as imagens, muito pelo contrário, mas talvez tivéssemos a ganhar alguma coisa com a maior lentidão das palavras.» (Em Linha Recta)
M.ª Rosário Pedreira: «Os Fios, romance de estreia de Sandra Catarino, lindo e imperdível, combina a crueza do meio rural com um lirismo inesperado que torna esta narrativa mágica e poderosamente empática.» (Horas Extraordinárias)
F. Penim Redondo: «Se a história da humanidade fosse o equivalente de 100 anos, esta fase em que estamos corresponderia aos últimos dez segundos.» (Dote Come)
Paulo Prudêncio: «A quarta revolução industrial em curso, e a generalização do uso das tecnologias, afirma uma certeza: são as pessoas que vão fazer a diferença.» (Correntes)
João Sousa: «Descobri agora, enquanto espero que o catamarã saia de Lisboa, não ser a última pessoa em Portugal a usar um telemóvel com Windows Phone.» (Ainda Há Bilhetes)
Alexandra G.: «E tu, já foste verificar se estás, finalmente, a salvo da universidade?» (Imprecisões)
ADENDA: Aproveito este quadro de honra para três singelas linhas de elegia pela morte prematura de um dos meus blogues favoritos: o inesquecível Escrever é Triste, de que me despeço, leitor antes movido e agora comovido.
Sigo a Ana no twitter há vários anos, já lhe pedi uma outra opinião, e recebi até umas simpáticas amostras para aferir o que me tinha sido dito. O blog: The skin game
Pragmática e descomplicada, a Ana fala clara e abertamente no que a sua formação em Farmácia, atrevo-me a dizer paixão, lhe ensinou e vai ensinando diariamente. Percebe-se o empenho e entusiasmo na aprendizagem constante. Para conhecer um pouco mais da Ana é ler aqui.
Desta vez a Ana põe o dedo na ferida. Perante um disparate de alguém com 40k seguidores, a Ana avançou e desmistifica os medos sobre protectores solares.
Deixo a parte técnica para a Ana. Mas além desse lado, é importante salientar uma vez mais a irresponsabilidade com que se fala para 40k pessoas. Dir-me-ão que se seguem merecem, mas infelizmente não me parece assim tão simples. Nem todo o influenciador é uma boa influência. O sentido crítico está adormecido em muita gente, e isso é assustador.
Saibamos seguir, ouvir e tirar as nossas conclusões. E já não é pouco.
Hoje deu-me para ver "às quantas" ando. Ou melhor, "às quantas andei" neste último quarto de século. Não foi pouco o trabalho desenvolvido, sobretudo quando se olha para grande parte das mulheres da minha geração...
De facto, no Fio de Prumo, em oito anos e meio - 3102 dias -, publiquei 2753 post´s, o significa quer terei escrito quase todos os dias. No último quarto de século, os livros publicados foram 27. Radio e televisão já nem consigo contar, porque foram vários anos. No ensino universitário terão sido perto de uns milhares de aulas a tentar partilhar o que sabia.
E, se a isto juntar mais os 25 anos anteriores, em que apenas fui economista, confesso, creio ter dado à sociedade uma boa parte daquilo que dela recebi.
Além disso fui, cumulativamente, mulher e mãe, ao longo dos últimos sessenta anos. Como fui filha e sou avó, tentando dar o melhor de mim.
Se pensar nas oito décadas que levo de vida, talvez seja chegada a altura de começar a arrumar os equipamentos tecnológicos e passar a uma nova etapa, em que possa aproveitar melhor as companhias que me foram proporcionadas. Começou, acredito, o tempo de "savoir se retirer", como diria Aznavour. Ou seja, é chegada a hora de pensar em sair! Sem tristeza e com a plena sensação de um certo dever cumprido.
Se a esquerda quer mesmo perceber como raio é possível alguém inteligente apoiar Trump, pode começar por perguntar a muita malta inteligente de esquerda por que raio gostava tanto de Hugo Chávez.
Permitam-me a nota pessoal: faz hoje dez anos que me estreei na blogosfera. No blogue Corta-Fitas, de que fui um dos quatro fundadores. Lá permaneci entre 2006 e 2009, quando decidi criar este DELITO DE OPINIÃO. Passei também pelas equipas fundadoras do Albergue Espanhol (no biénio 2010-11) e do Forte Apache, além de ter escrito no PiaR. Em 2012 fui ainda membro do trio responsável pelo pontapé de saída do És a Nossa Fé, que segue pujante.
Como diz o ditado, quem corre por gosto não cansa. Ao longo desta década não houve praticamente um dia sem um texto meu em qualquer dos blogues - integrando a larga maioria dessas prosas o espólio do DELITO. Registo a efeméride não como um ciclo que se fecha mas como um percurso que prossegue, com novas e promissoras etapas.
Um percurso de convívio permanente com milhares e milhares de leitores. Confesso: nada me orgulha tanto como isso.
Num dia de péssimas notícias para a economia portuguesa (que, por ser dela que extraio o salário, me interessa bastante mais do que os jogos políticos), gostaria de salientar o regresso à actividade blogosférica regular do MacGuffin Carlos do Carmo Carapinha, em nome individual e como colaborador d'O Insurgente. Faço-o não apenas por, grosso modo, partilharmos a mesma linha política (algo mais difícil para ele, se ainda residir nessa pachorrenta região-vanguarda do marxismo, o Alentejo) mas, acima de tudo, por partilharmos a admiração pelos filmes Os 39 Degraus, obra-prima do período inglês de Hitchcock (MacGuffin não permite grandes dúvidas sobre a afinidade dele com o mestre) e História de Gangsters, uma filigrana dos irmãos Coen escrita em modo Dashiell Hammett (que sempre preferi a Raymond Chandler, sem saber bem porquê até James Ellroy mo explicar.)
Morreu o João José Cardoso. Não o conhecia pessoalmente, mas pelo que lhe li e pelo que li aos que nas últimas horas falaram dele, devia ter um feitio do caraças. Muito para lá da diferança óbvia de opiniões, e sem nunca termos falado, sei que nos tínhamos o respeito que é natural entre os que falam fiéis ao que pensam e ao que sentem. Lá onde estiver, já deve estar a armar barulho. E é bom que seja assim. Porque a alguém como o JJC jamais se deseja, em vida ou depois dela, que descanse em paz.
Um dia hei-de escrever algo mais profundo e consistente sobre a blogosfera. A possibilidade de trocarmos ideias, experiências e contactos -- mesmo com gente que pensa de maneira muito diferente -- é absolutamente inestimável. Isto só é possível quando escrevemos num meio em que aquilo que mais importa é comunicar. Não para convencer ninguém, mas para persuadir. Não para exibir códigos tribais, mas para captar sinais de outras "tribos". Nada a ver, portanto, com os eflúvios narcisistas agora tão em voga com a febre das "redes sociais" onde apenas uma palavra importa. A palavra eu. No DELITO DE OPINIÃO, de algum modo, as coisas aconteceram à revelia dos estereótipos. Pensamos de forma muito diferente nas mais variadas matérias -- da política ao futebol. Mas conseguimos, apesar de tudo, manter pontos/pontes de contacto. E descobrir, a partir daí, interesses comuns. Sem prejuízo de continuarmos a cultivar e a esgrimir as nossas divergências. Se há coisas que para mim valem a pena, esta é uma delas.