Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Delito de Opinião

A Paixão segundo Francisco

Rui Rocha, 21.01.15

Naquele tempo, enquanto os soldados romanos o crucificavam, Jesus olhou os Céus e disse:

Pai, perdoa-lhes; pois não sabem o que fazem.

Mas logo ali continuou:

Agora, em verdade Te digo; se estes cabrões dos romanos abrirem o bico para dizer uma palavra que seja sobre minha Mãe, estrelinha que os guie, que deslargo-me da cruz e acerto-lhes um arraial de porrada naquelas trombas que ainda ficam todos roídinhos de saudades do Obelix.

 

(Os mais atentos constatarão que o post é repetido. Pois é. O ponto é que o Papa Francisco também veio dizer outra vez o que já antes tinha dito. Apesar de alguns lhe chamarem esclarecimento. Na verdade, nem sequer é bem a mesma coisa. É pior. Porque na versão inicial sempre estava em causa, em sentido figurado, a senhora sua mãe. E agora, se virmos bem, o que está em causa é uma formulação geral dirigida a qualquer tipo de sátira ou provocação. Perante a carnificina de inocentes, o Papa, em lugar de dedicar o seu tempo e o seu verbo a condenar radicalmente a bárbarie, prefere teorizar sobre a liberdade de expressão. Este relativismo moral de quem professa a crença no absoluto é francamente inadmissível. A insistência na ideia de provocação, num contexto destes é, ela sim, uma verdadeira blasfémia contra o valor sagrado da vida humana. Que cresce com a reiteração intencional do que já tinha sido dito. Perante inocentes trucidados, o Papa opta pela via corporativa de defesa do edifício intocável das religiões e investe na elaboração de uma tese que, queira ou não, acaba sempre na cedência à ideia da responsabilidade da vítima. Perante a bárbarie só pode existir condenação sem mas nem meios mas. Se virmos bem, a repetição do post é coisa bem pouca perante uma posição que é, falando sem rodeios, uma vergonha).

Blasfémia e liberdade

Rui Rocha, 10.01.15

Quando a carnificina do Charlie Hebdo já não for mais do que uma vaga memória, há uma questão que importará resolver. Há lugar, ou não, para a blasfémia numa sociedade civilizada? É, ou não, desejável que a crítica, a oposição, a discussão de ideias, se faça de forma polida, sem intenção ou necessidade de ofender as opiniões e os credos dos demais? A minha liberdade acaba, ou não, quando começa a liberdade do outro? De momento, é tudo muito claro. Somos ou dizemos (quase) todos que somos "Charlie". A blasfémia proclama-se, de forma mais ou menos autêntica, como direito irrenunciável. Mas depois, quando o distanciamento trouxer outra calma, em que ficamos? De momento, à falta de uma visão mais lúcida dos acontecimentos e de uma reflexão mais abrangente, há uma linha que me parece clara. Sempre que uma acção blasfema ou uma prática ofensiva tiverem a ameaça ou a concretização da morte ou de qualquer tipo de violência por parte de poderes ou grupos mais ou menos organizados como reacção provável ou real, precisaremos sempre de mais e mais blasfémia. Cada nova ofensa constitui, nesse caso, a ampliação do espaço de liberdade.