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Delito de Opinião

De S. João do Peso a S. João de Brito

Pedro Correia, 26.06.21

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Em boa hora as biografias voltaram a ser aposta decisiva no nosso mercado editorial. Esta é uma forma de tirar do esquecimento figuras relevantes da cultura portuguesa - e também, através delas, de conhecermos melhor a época em que viveram.

Objectivos plenamente conseguidos no caso deste Integrado Marginal, extensa digressão pela vida e obra de José Cardoso Pires (1925-1998), que chegou a ser enaltecido como um dos melhores escritores portugueses do século XX pela qualidade do seu inconfundível fraseado e pela densidade dos temas que aborda - inscritos na legenda "geração falhada", como o biógrafo, Bruno Vieira Amaral, tão bem ressalta.

Falhada porquê? Por ter sonhado muito e concretizado pouco. Por integrar aqueles que tinham 20 anos quando terminou uma guerra que Portugal não ganhou nem perdeu - uma guerra que nos passou ao lado.

Aqui desenrolavam-se outros combates: contra a tirania, contra a censura, contra o atraso atávico do País, contra o fatalismo periférico que nos punha à margem do destino europeu. Este era o contexto em que Cardoso Pires viria a forjar uma obra edificada em prosa tensa, sólida, macerada pela insatisfação permanente de alguém que ia experimentando vários ofícios sem se fixar em nenhum.

Foi aprendiz de piloto da marinha mercante, tradutor, consultor literário, jornalista, professor. Avesso a prazos e horários, frequentador imoderado de bares, fiel às amizades, alérgico ao salazarismo e à sua base social burguesa e provinciana (da qual provinha a sua própria família), intransigente com princípios éticos, incoerente em facetas diversas da sua vida privada, fiel a ódios e desamores. Faltou-lhe método e disciplina para ampliar um legado de meio século de labor na escrita.

De tudo isto nos fala Integrado Marginal, estranho título, difícil de memorizar, mas que resume o percurso deste autor irregular que «punha o mesmo rigor obsessivo, quase doentio» em todos os textos, chegou a estar 14 anos sem publicar um romance e negava prosseguir uma «carreira literária» apesar de ter recebido alguns dos mais cobiçados prémios em Portugal (Camilo Castelo Branco por O Hóspede de Job, 1964: Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores por Balada da Praia dos Cães, 1983; Prémio Pessoa, 1997) e alcançado pelo menos três grandes sucessos de vendas: O Delfim (1968), Balada da Praia dos Cães (1982) e o breve livro-testamento, de género indefinido, a que chamou De Profundis - Valsa Lenta (1997), com 25 mil exemplares vendidos em poucas semanas.

 

Antítese de Saramago

 

«Não tenho paciência para a vida literária, nunca tive», confessava o escritor (citado nesta biografia, p. 535). Incapaz de produzir romances a um ritmo pendular, antítese da espartana disciplina de confrades como António Lobo Antunes (de quem se tornou amigo), José Saramago (de quem nunca se sentiu próximo), Agustina Bessa-Luís (que detestava) ou Vergílio Ferreira. Já para não falar de mais antigos, mas igualmente seus contemporâneos, como Aquilino Ribeiro ou Alves Redol. «Precisava de uma grande anarquia para escrever e a anarquia requeria tempo.» (p.436) 

Legou-nos quatro romances, duas novelas e quatro livros de contos - além de duas peças teatrais e alguns volumes de crónicas e ensaios. Pouco para quem tanto prometia ao estrear-se como autor, tendo apenas 24 anos, com o magnífico Os Caminheiros e Outros Contos (1949), que cedo vincou a sua mais autêntica vocação - a de contista, muito por influência das leituras juvenis que lhe consolidaram o estilo e lhe moldaram uma voz muito própria no panorama literário português do pós-guerra, ainda marcado por rendilhados francófonos e heróis campesinos.

Assumia sem complexos a veia anglófila e o imaginário urbano povoado de rufias alfacinhas que tanto influenciaria obras como A Noite e o Riso (1969), de Nuno Bragança, e O Que Diz Molero (1977), de Dinis Machado. Mesmo tendo nascido, por acidente biográfico, em meio rural (na aldeia de S. João do Peso, concelho de Vila de Rei). 

 

Terra de ninguém

 

Ao centrar-se neste escritor, com minúcia que o desvenda como admirador do essencial da sua obra, Bruno Vieira Amaral fornece também ao leitor de 2021 um retrato de geração - a dos intelectuais da oposição que passaram grande parte da vida adulta em abortados combates a uma ditadura que parecia interminável. Para muitos, a democracia chegou tarde de mais: acabaram afinal por permanecer ancorados numa espécie de terra de ninguém. Sentindo-se estranhos num país que pouco lhes prestava atenção, encontrando refúgio afectivo em afinidades tribais propiciadas pela endogamia lisboeta, na retórica política e na turbação alcoólica. 

Se o homem é produto da sua circunstância, esta geração (que incluiu Alexandre O'Neill, Mário Cesariny, Urbano Tavares Rodrigues, Luiz Pacheco, Sttau Monteiro, Augusto Abelaira, David Mourão-Ferreira, Nuno Bragança, Dinis Machado e Baptista-Bastos) ficou a meio caminho também pelos horizontes em que se encerrou. Vários destes escritores poderiam ter rumado ao estrangeiro (e alguns fizeram-no, como Jorge de Sena), mas a grande maioria não ousou trilhar a aventura da emigração. Acabaram enclausurados num exílio interior.

Disto nos falam, em larga medida, os livros de Cardoso Pires, cuja obra está «intimamente ligada à atmosfera social do salazarismo» (p. 408). E disto nos fala também - com rara sensibilidade e notável argúcia - o seu biógrafo. Que não se limita a enunciar factos, a partir das mais diversas fontes orais e escritas: vai-nos traçando igualmente uma perspectiva crítica e analítica do autor de Jogos de Azar, cultor por excelência da ficção em formato curto - à semelhança de Ernest Hemingway, seu herói literário.

 

Luzes e sombras

 

Bruno Vieira Amaral - romancista, crítico e jornalista - assinala os traços de modernidade n' O Anjo Ancorado, a sábia caracterização das personagens d' O Hóspede de Job, a original construção romanesca d' O Delfim, o cruzamento da realidade com a ficção nas páginas da Balada da Praia dos Cães, o manifesto desequilibrio de Alexandra Alpha. Sem ceder à tentação tão portuguesa do elogio a metro, da louvaminha, da hagiografia.

Não nos narra uma história exemplar: elabora um retrato com luzes e sombras de um homem sociável mas solitário, generoso mas quezilento, pai distante mas avô meigo, cáustico demolidor do marialvismo mas machista funcional a tempo inteiro. Um homem que fazia vida de solteiro estando casado. Que militou no PCP clandestino (onde tinha o pseudónimo "Nunes") mas logo se desfiliou em 1974. Que alternava picos de criatividade com longos períodos em que se sentia incapaz de escrever uma linha. 

Eis-nos, portanto, perante uma verdadeira biografia. Que nuns pontos iguala e noutros até supera a que em 2007 Maria Antónia Oliveira dedicou a O'Neill.

Sente-se aqui a falta de fotografias que ilustrem o percurso de Cardoso Pires - com o pai marinheiro, a mãe beirã desterrada em Arroios, a escola primária no Largo do Leão, a infância feita de «janelas e solidão», o tio da América que o fascinou ao ponto de ter iniciado mais de uma vez um romance que o imortalizaria, a sua passagem pelos escritórios da Ulisseia, pela redacção do histórico Almanaque, pelo gabinete no Diário de Lisboa (onde foi director-adjunto nos febris anos revolucionários de 1974-1976 e era lentíssimo a escrever editoriais, ao ponto de lhe chamarem «a vírgula mais cara da imprensa»), as passagens pelo Brasil, as aulas que deu no King's College de Londres, os encontros com Elio Vittorini, Roger Vailland, Julio Cortázar, Norman Mailer, Vargas Llosa. No apartamento da Caparica, onde se refugiava para escrever. Na casa de Alvalade, onde morou nas últimas quatro décadas de vida, entre queixas reiteradas à atmosfera burguesa do bairro e à presença tutelar da igreja de S. João de Brito, a poucos metros da sua varanda: parecia punição divina a quem sempre se proclamou anticlerical.

Ao contrário do que sucede com outros escritores (José Rodrigues Miguéis, por exemplo), o espólio de Cardoso Pires tem sido bem preservado pelas herdeiras. No final de Integrado Marginal, Bruno Vieira Amaral exprime o desejo de trazer «novos leitores» para o autor de Lavagante. Acaba de dar um excelente contributo ao escrever esta biografia.

 

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Integrado Marginal, de Bruno Vieira Amaral (Contraponto, 2021)
599 páginas.
Classificação: *****

Um homem comum na Casa Branca

Pedro Correia, 18.11.20

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Harry Truman com Franklin Roosevelt (Julho de 1944)

 

Naquela quinta-feira, dia 12 de Abril de 1945, havia chuva em Washington. Às 19.09, um homem de 60 anos, natural do Missouri, de óculos com lentes grossas e estatura acima da média, tomava posse como 33.º Presidente dos Estados Unidos. Finda a cerimónia, que durou menos de um minuto, o empossado beijou a Bíblia sobre a qual prestara julgamento.

Esse homem fora vice-presidente apenas 82 dias por escolha de Franklin Delano Roosevelt, falecido duas horas e 24 minutos antes da singela cerimónia de posse na Casa Branca. A um gigante da política norte-americana, que conduzira com sucesso o país no combate à Grande Depressão e nas encruzilhadas da II Guerra Mundial, sucedia «o típico americano médio», como assinalou o jornalista Roy Roberts, no Kansas City Star, acrescentando: «Que teste à democracia se funcionar!»

Nessa noite, Harry Skipp Truman deitou-se um pouco mais tarde do que era costume, depois de comer uma sanduíche de peru e beber um copo de leite. Terminava o dia mais longo da sua vida, em que certamente rememorou as críticas recebidas na imprensa oito meses antes, quando Roosevelt surpreendeu tudo e todos ao escolher para vice-presidente, no seu último e brevíssimo mandato, este senador que nunca frequentara a universidade, passara a infância e a juventude numa humilde zona rural e viajara apenas uma vez na vida – em 1918, como capitão de artilharia, quando chegou a França para combater na I Guerra Mundial.

Truman terá certamente recordado também os editoriais demolidores com que a imprensa o brindara no Verão anterior. A Time chamara-lhe «medíocre», o Post-Gazette, de Pittsburgh, garantira que era «um dos mais fracos vice-presidentes» de sempre. Richard Strout, no New Republic, desabafara: «Pobre Truman. E pobre povo americano.»

 

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No momento em que tomou posse, Harry Truman tornou-se o comandante supremo das forças armadas norte-americanas, com 16 milhões de efectivos em guerra. O 9.º Exército encontrava-se às portas de Berlim, a última ilha das Filipinas fora reconquistada aos japoneses, 400 superfortalezas despejavam bombas diárias sobre Tóquio. A guerra custara já 196.999 vidas americanas. Mesmo assim, o estado-maior, em Washington, previa que durasse mais seis meses na Europa e ano e meio no Pacífico.

Logo na primeira conferência de imprensa, no dia a seguir à posse, Truman exibiu o estilo franco e directo que o celebrizou. «Rapazes, se souberem rezar, rezem por mim. Quando ontem me contaram o que acontecera, foi como se a lua, as estrelas e todos os planetas caíssem em cima de mim», disse aos jornalistas. Dez anos depois, escreveria nas suas memórias: «Quando Roosevelt morreu, senti que havia um milhão de homens mais qualificados que eu para lhe suceder. Mas a tarefa estava a meu cargo – e tinha de ser feita.»

 

«Nenhum outro Presidente americano tomou decisões tão difíceis nos primeiros quatro meses de mandato, relacionadas com a criação da ONU, a presença ameaçadora do Exército Vermelho na Europa de Leste, a bancarrota britânica, o horror do Holocausto e o advento da era nuclear no Novo México, Hiroxima e Nagasáqui», escreveu David McCullough na sua monumental biografia Truman (1992), que lhe valeu o Prémio Pulitzer. Um livro fundamental para viajarmos aos 2841 dias da presidência deste homem que jogava póquer, tocava piano e bebia bourbon, chamava “aquário” à Casa Branca e não ligava nada às sondagens. «Até onde chegaria Moisés se tivesse encomendado uma sondagem no Egipto?», costumava dizer Truman.

Roosevelt, com quem reuniu apenas duas vezes enquanto vice-presidente, jamais o pusera a par dos assuntos da guerra. E nem o informara da sua ida à cimeira de Ialta. Mas ele tinha «uma imensa determinação», como dizia Churchill. Conseguiu defraudar as piores expectativas a seu respeito. A três meses das presidenciais de 1948, a Newsweek pediu a 50 analistas um vaticínio eleitoral: todos apostaram na vitória do republicano Thomas Dewey contra o democrata Truman. A Life fez uma capa com Dewey, chamando-lhe «o próximo Presidente». E o Baltimore Sun concluiu: «Votar nele seria uma tragédia para o país e o mundo.»

 

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Contra ventos e marés, Truman venceu. E convenceu. Ao cessar funções, em Janeiro de 1953, apresentava uma excelente folha de serviços: a reconstrução da Alemanha e do Japão, o lançamento das Nações Unidas, a criação da NATO, o Plano Marshall, a inédita ponte aérea que permitiu salvar Berlim em 1949. Na frente interna, também tinha motivos para orgulhar-se: criou 11 milhões de postos de trabalho, reduziu a dívida pública, evitou o colapso económico que todos anteviam e jamais aconteceu.

Na última das suas 324 conferências de imprensa como Presidente, a 15 de Janeiro de 1953, sublinhou: «Quando a história disser que o meu mandato assistiu ao início da Guerra Fria, dirá também que nestes oito anos iniciámos o caminho para a vencer.» Acertou em cheio.

Na hora da partida, a mesma imprensa que lhe lançara pedras ovacionava-o em editoriais. «É um homem com muitos opositores e poucos inimigos, e com muitos mais que o apoiam e gostam dele», escreveu o insuspeito Walter Lippmann.

«Dever cumprido», disse Truman ao deixar a Casa Branca. Poucos presidentes tiveram tantos motivos como ele para pensar assim.

Churchill, da juventude ao primeiro cargo governamental

Alexandre Guerra, 11.12.19

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"Churchill - Caminhando com o Destino" é a mais recente biografia do líder conservador, da autoria de Andew Roberts, tendo sindo  lançada em Portugal no mês de Outubro pela Texto Editores.

 

Sobre ele, diz-se, foram escritas mais de mil biografias. Winston Leonard Spencer-Churchill, uma das grandes figuras políticas do século XX e a grande referência do conservadorismo político britânico – que, curiosamente, se iniciou nas lides governamentais ainda jovem enquanto membro do Partido Liberal – continua a merecer toda a atenção dos investigadores. Andrew Roberts, historiador, escritor e comentador na imprensa inglesa, dedica-se há muito ao estudo de Churchill, de quem é admirador assumido, tendo-lhe agora dedicado uma obra biográfica com mais de 800 páginas. Lançada este ano no Reino Unido e no passado mês de Outubro em Portugal pela Texto Editores, a edição de “Churchill – Caminhando com o Destino” foi assumida por Duarte Bárbara, com quem já tive o privilégio de trabalhar na edição de um livro no âmbito da política/ciência política.

A obra está impecavelmente editada em português, porém, a questão pertinente que o leitor eventualmente colocará é se este novo trabalho acrescentará algo de novo à imensidão de conhecimento produzido sobre o antigo primeiro-ministro britânico ao longo de décadas. A resposta é positiva, uma vez que Roberts teve acesso a novas fontes de informação, nomeadamente arquivos oficiais, e a vários diários do período da II GM, como os da filha de Churchill, Mary Soames, do embaixador da União Soviética em Londres, e, muito importante, do Rei Jorge VI, com quem o líder conservador reunia semanalmente.

Não desvalorizando a importância destes novos elementos, a obra deverá ser sobretudo vista no seu todo, na forma como o autor enquadra e interpreta esses factos na vida de Churchill. Muitas vezes é no tom e no estilo que reside a fórmula para uma boa biografia – veja-se, por exemplo, a entusiasmante obra de Boris Johnson, “O Factor Churchill” (Dom Quixote, 2015). Também o livro de Roberts entusiasma o leitor (não necessariamente desde o início), contando a história de um miúdo aristocrata, dotado de uma certa esperteza, mas mais traquinas do que propriamente arrojado ou corajoso. Na verdade, a juventude aristocrata de Churchill pouco tem de cativante, quanto muito, alimenta o seu espírito de grandeza e indicia pistas para determinados comportamentos que viria a ter no futuro (nem todos virtuosos).

À medida que os anos vão passando, Churchill deixa de ser uma “criança maçadora” e vai-se tornando um personagem muito mais interessante. Entra na academia de Sandhurst em 1893, iniciando assim o seu percurso militar que o levaria a vários cenários de guerra, não tanto como soldado, mas mais como repórter de guerra (um dos primeiros dignos desse nome). Estreou-se em Cuba, em 1895, na guerra que opunha os espanhóis aos rebeldes cubanos, com quem Churchill simpatizava. Foi aí que ganhou a sua primeira das 37 condecorações, numa campanha de apenas 18 dias que mais se parecia com “turismo militar”, nas palavras de Andrew Roberts.

Diga-se em abono da verdade que Churchill encarou sempre estas “campanhas” mais como uma aventura e uma forma de ganhar dinheiro como repórter de guerra do que propriamente como soldado. “Era o correspondente de guerra mais bem pago do mundo. Com esses proventos, mais dos livros e palestras correspondentes, em 1901 já tinha amealhado uma fortuna correspondente a um milhão de libras de hoje.” Havia ainda um outro atractivo para Churchill nestas suas incursões bélicas: as condecorações. Quase que era obcecado pelas medalhas, como se delas precisasse para legitimar a sua bravura em combate junto das elites britânicas. Alguns episódios chegam a ser cómicos e rocambolescos, como aquele ocorrido na guerra anglo-boer na África do Sul, onde escapou da prisão, numa “sensacional evasão”, que Roberts classificou como “o único momento animador num período em tudo o mais desastroso para o império”.

Mas a questão da guerra com os boers realçou umas das características que iriam acompanhar Churchill ao longo da sua vida: magnanimidade após a vitória. Churchill apelou a um tratamento leniente para os boers, argumentando que a vingança era um erro, “acima de tudo porque é moralmente perverso e em segundo lugar porque é insensato em termos práticas”. Além disso, Churchill tinha a noção de que era dever dos vencedores tornar mais fácil a aceitação derrota aos seus inimigos.

Tinha uma admiração imensa por dois homens: Napoleão, a referência de liderança de Estado, aquele tipo de homem que “resplandece e medalha, mas com isso projecta uma sombra”; Randolph, seu pai, com quem teve uma relação distante a austera, mas que via nele um farol de ideologia – “A minha posição política, herdei-a dele praticamente sem reservas”, disse um dia Churchill a um repórter parlamentar. O seu fascínio pela figura paterna era de tal forma intensa que moldará o juízo de Churchill sobre a grandeza que via nele, mas que não era reconhecida pelos pares, incluindo pelo Rei, que chegou a expulsar Lord Randolph do “reino”. Churchill dedicou uma biografia ao pai um pouco romanceada e que suscitará críticas. “Em nenhuma parte do livro procurou Churchill explicar a antipatia e a desconfiança que o seu pai suscitara, nem o facto de este não ter consciência delas, embora não fossem coisa de somenos entre as características que pai e filho partilhava”, escreve Roberts. “O livro lê-se bem, mas, como livro histórico, não sobreviveu ao teste do tempo, devido à falta de objectividade, bem como à vontade do autor, aliás, à sua ânsia, de ignorar todos os factos que pudessem minar a sua tese”, acrescentou o biógrafo. Seja como for, subjectividade à parte, reconheça-se alguma honestidade a Churchill quando, a propósito do seu trabalho jornalístico, disse: “É muito comum ceder à tentação de adaptar os factos às minhas frases.”

A estreia de Churchill na Câmara dos Comuns, na fileira do Partido Conservador, dá-se a 14 de Fevereiro de 1901, tendo feito a primeira intervenção quatro dias depois, sem rasgo nem qualquer apontamento digno de brilhantismo, embora os seus pares tenham tomado nota de que talvez o novo parlamentar “fosse alguém divertido e que valesse a pena ouvir”. O seu segundo discurso só foi proferido três meses depois, tempo suficiente para trabalhar e corrigir tudo o que falhara no primeiro. “Aprendi-o tão bem de cor que quase não interessava por onde começava ou que página virava”, confessou Churchill. Dava assim início à sua longa carreira de orador brilhante, que se iria notabilizar nos anos da II Guerra Mundial e perpetuar-se pela História. Esse atributo foi seguramente trabalhado ao longo dos anos, com método e persistência, tendo identificado cinco "elementos" basilares na arte do seu discurso: "a escolha certeira das palavras; as frases cuidadosamente tecidas; a acumulação dos argumentos; o recurso à analogia; o recurso às extravagâncias".

Churchill sempre se assumiu como um conservador e dizia que as “reformas sociais não eram um exclusivo dos liberais”. No entanto, o seu perfil conflituoso e desafiante e as várias guerras em que se envolveu com os seus correligionários levou-o a mudar-se para o Partido Liberal, tendo pouco tempo depois, na sequência da demissão de Lord Balfour da chefia do Governo conservador, vindo a ocupar o seu primeiro cargo governamental como vice-ministro de Estado para as Colónias. “Era uma jogada astuta que permitia a Churchill representar esse importante departamento nos Comuns, porque o ministro de Estado, o conde de Elgin, antigo vice-rei da Índia estava na Câmara dos Lordes.” Antes, Churchill tinha recusado o cargo de secretário financeiro para o Tesouro, que, sendo politicamente mais relevante, não despertou o seu interesse pela razão apontada por Roberts acima citada.

Patrocínios

Sérgio de Almeida Correia, 26.03.17

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Vasco Pulido Valente (VPV) escreveu, e eu não tenho razões para duvidar, pois que ainda nem sequer tive acesso à obra, que o 2.º volume do livro contendo a biografia de Jorge Sampaio, um ex-Presidente da República, tem entre os seus patrocinadores empresas privadas e fundações cujo nascimento, pelo menos num caso, e cujas acções, em ambos e também em relação a PT e à Mota-Engil, têm gerado controvérsia e crítica em vários sectores da sociedade portuguesa.

No entanto, creio que VPV falha clamorosamente num ponto. Vendo o nome do autor do livro que surge na lombada, verifica-se que não foi Jorge Sampaio quem o escreveu, mas sim José Pedro Castanheira. Tratar-se-á, é certo, de uma biografia autorizada pelo próprio, só que isso não faz de Sampaio o autor do livro. E o autor certamente que não estava inibido de procurar obter os patrocínios que entendesse necessários à publicação, nada havendo que o impedisse de assim proceder. A não ser, talvez, ter avisado o biografado sobre os patrocínios que angariou, coisa que não sei se fez. Nem se o biografado, tendo sido informado, os aprovou. 

De qualquer modo, ao dizer que Sampaio é o autor do livro, VPV enganou os seus leitores. E isso é feio.

Em todo o caso, confesso que não esperava ver Jorge Sampaio, pessoa por quem tenho apreço e admiração pela sua acção como cidadão e político, metido nessa embrulhada do livro e dos patrocínios. Depois de o ter mantido e de ter sido enganado pelo último governador de Macau, já era tempo para Jorge Sampaio deixar de ser ingénuo.

A vingança serve-se fria.

Luís Menezes Leitão, 05.05.15

Sempre achei que era útil para o PSD uma coligação com o CDS, a qual no curto prazo é também boa para o CDS, que teria dificuldade em justificar ao seu eleitorado não só a quebra das suas promessas tradicionais, mas especialmente o que Portas tinha feito no Verão de 2013. A longo prazo, no entanto, essa coligação é apenas boa para o PSD, sendo péssima para o CDS. Este vai perder um eleitorado próprio, diluindo-se no PSD, e em breve não será mais do que um simples PEV da direita, que só será conservado enquanto tiver utilidade.

 

Parece, porém, que Passos Coelho, habitualmente tão cerebral, quer antecipar-se a esse desfecho.  Achou que chegou a hora de ajustar contas com Paulo Portas e decidiu servir-lhe a frio a vingança que acha que ainda lhe deve desde 2013, quando foi obrigado a sacrificar Vítor Gaspar e a dar a Portas o título de Vice Primeiro-Ministro. É assim que na sua biografia autorizada vai surgir um rol de queixas contra Portas, fazendo parecer ainda mais ao eleitorado como mero favor do PSD o acordo de coligação.

 

A única dúvida que tenho é se Paulo Portas se vai ficar. Nos velhos tempos, perante uma manobra semelhante de Marcelo Rebelo de Sousa, foi à televisão e partiu a loiça toda. Mas os tempos são outros, pelo que provavelmente lá iremos assistir a um constante engolir de sapos por parte do CDS. Tudo depende da quantidade de biografias autorizadas que ainda venha a surgir até às eleições.

Luís Menezes Leitão lança hoje biografia de Marcello Caetano

Pedro Correia, 09.12.14

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O nosso colega de blogue Luís Menezes Leitão lança hoje, na Faculdade de Direito de Lisboa, a sua obra Marcello Caetano - Um Destino, biografia do último chefe do Governo do Estado Novo que já se encontra à venda nas livrarias.

«O consulado de Marcello Caetano é infelizmente desvalorizado na história do século XX, sendo apresentado quase como um parêntese entre o regime salazarista e o regime democrático que se seguiu à Revolução de 25 de Abril de 1974. Tal constitui uma perspectiva extremamente injusta, pois esquece a extraordinária obra do governo de Marcello Caetano, especialmente nos planos económico, social e laboral. Na verdade, Marcello Caetano deve ser considerado como o verdadeiro fundador do Estado Social em Portugal, que o regime democrático veio a desenvolver. Precisamente por isso, quando, passados 40 anos após a Revolução de 25 de Abril, se assiste ao desmantelamento progressivo do Estado Social, convém que a História preste alguma atenção à vida do homem que o iniciou no nosso país.» Palavras do autor que justificam a elaboração desta extensa biografia, muito documentada.

Fica o convite a todos quantos queiram comparecer na sessão de lançamento, que se inicia às 18 horas e terá apresentação do professor Sérvulo Correia.

Lá estarei também, com todo o gosto.

...

Patrícia Reis, 09.10.13

 

Aqui está o regresso ao jornalismo, ou a uma forma de jornalismo: biografia de Simone de Oliveira que escrevi com imenso gosto, por ser ela, por ser um convite da Matéria-Prima, por saber que uma das melhoras coisas do mundo é uma boa conversa. A partir de dia 17 estará nas lojas, acho eu, lançamento na Fnac do Chiado dia 31. Espero que gostem, eu ri, chorei e aprendi muito. Aprende-se a ouvir os outros.

biografias

Patrícia Reis, 30.06.13

Dizem - aqueles que acham que o mercado guarda segredos para uns eleitos - que as biografias não vendem.

O mercado português - seja isso o que for - não gosta (para quem estiver interessado, O Inferno de Dan Brown sai dia 10 de Julho).

Pois, eu sempre gostei e há uma em especial que acarinho. Minto. Duas. Não, há mais, pronto, não vou fazer a lista. Mas para quem precisar de dicas para as férias leiam a biografia de Benjamin Moser sobre Clarice Lispector, leiam a biografia de Ruy de Carvalho ou a biografia ficcionada - brilhantemente - por David Lodge de um dos meus autores de sempre, Henry James, chama-se Autor, Autor. Tendo-lhe tomado o gosto escreveu recentemente uma outra sobre H.G.Welles e quem lê só pode suspirar de admiração.