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Delito de Opinião

Segunda de manhã

Paulo Sousa, 06.06.23

Comecei a manhã de ontem antes das 8.

As encostas mais próximas do Parque Natural de Serra d’Aire e Candeeiros (PNSAC) são íngremes, especialmente para serem subidas de bicicleta. Ali, os nevoeiros são frequentes. O manto branco que ontem se abatia sobre o seu relevo, criava uma penumbra que abafava quase tudo. Quase tudo, excepto o grasnar dos corvos, que embora invisíveis, continuavam a ouvir-se. É um ambiente estranho, que não deixa de surpreender.

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Naquela sequência de trajecto, as antenas da Protecção Civil e o Arco da Memória são os pontos de passagem que se seguem. À memória vem a proverbial pergunta que já alguém colocou durante uma outra subida, porque é que raio não colocaram as antenas lá em baixo no vale?… visitávamo-las mais vezes.

Mais à frente fica o Arco da Memória, outrora marco divisório entre o termo de Porto de Mós e os Coutos de Alcobaça, já foi um distinto monumento feito num calcário branco que contrastava com a escura vegetação que o rodeia. Agora, não passa de um anão rodeado de gigantescas torres eólicas, que com elas trouxeram um largo estradão que quase o atropelou.

Arco da Memória.jpeg

Uns quilómetros mais adiante, começa a longa descida até aos Moleanos, povoação que vive entalada entre as gruas que retiram pedra, com o mesmo nome, do interior da serra e os camiões do IC2. Estes, que como formigas gigantes em fila, transportam várias vezes o seu peso em mercadorias, seguem em direcção às prateleiras onde nos abastecemos.

De seguida, já a acusar falta de combustível, parei no Restaurante “A Dulce”. O corpo aspirava pelo maior bolo de pastelaria da casa e por uma cafezada. Ali servem-se refeições, bifanas e demais acepipes. O dia gastronómico de quem trabalha por ali perto funciona à volta daquele espaço. A meio da manhã pára-se, para queimar um cigarro, beber uma bica e encher uma garrafa de água (a que vi era das pequenas) com um palmo de tinto, que segue dali para fora disfarçada dentro de uma algibeira. O conceito da economia circular já chegou aos recantos mais improváveis.

Folheei o Correio da Manhã que descansava no balcão. A secção de crimes nunca desilude. “Traficante em cadeira de rodas mata pianista por herança”. Bastava acrescentar-lhe um detective que fosse anão e celíaco e teria tudo para inspirar uma série vencedora na Netflix.

CM crime.jpeg

De regresso à berma da estrada, comecei por procurar o cruzamento para a Ataíja, que fica junto ao antigo lagar de azeite dos Coutos de Alcobaça. Pelo caminho, lá estavam as senhoras que vêm cedo de Lisboa para ali pendurarem roupa colorida a secar. Já me disseram que, tal como nas praias com vigilância, há para ali uns códigos de cores, mas são reservados a entendidos.

Já com a chaminé de casa quase à vista, cruzei-me com um amigo que não via há uns anos. Falamos uns minutos. Disse-me que mudou de vida. Constituiu família e desfez-se de um negócio que tinha. Explicou-se que decidiu fazê-lo quando reparou que se tinham invertido os papéis. Era o negócio que o tinha a ele e esgotava-se a trabalhar só para o conseguir manter. Está feliz com a decisão.

Com esta volta terminada, depois de enxaguados os suores e da farda mudada, segui para um almoço marcado há bastante tempo com um grupo de amigos. A data foi escolhida com detalhe. Os 12 anos que nos distanciam da derrota eleitoral que livrou o país de Sócrates merecem sempre um dúzia de brindes. Um balão de CRF depois de almoço ajuda a distrair do facto dos portugueses não terem mandado os seus correligionários para um aterro sanitário. Raios partam a economia circular.

Deslocar-se de forma mais sustentável

Cristina Torrão, 30.07.20

2019-02-23 E-Bike (5).jpg

Completei os primeiros 1000 Km com a minha eBike, quinze meses depois de a ter adquirido.

Primeiro, uma pequena explicação sobre o modo de funcionamento da bicicleta. Não anda sozinha, isto é, sem pedalar, não saio do sítio (a não ser num declive). O motor eléctrico acciona por iniciativa própria e só em caso de necessidade, ou seja, numa descida, ele desliga sempre e, numa rua plana, raramente se acciona. Tudo depende do nível de ajuda que escolho. Tenho quatro níveis à disposição e ando 90% do tempo no nível mais baixo, o eco, conseguindo, por cada carregamento de bateria, cobrir distâncias de até 120 Km. Em qualquer dos níveis, o motor só me ajuda até aos 25 Km/h (já atingi velocidades de 30 Km/h, mas em descidas, quando o motor desliga).

A bateria é uma Bosch Power Pack 500. A energia necessária para um carregamento, e que me permite andar os tais 120 Km, é a equivalente à usada para ferver cinco litros de água. Não sei dizer quantas vezes pode ser recarregada, mas, segundo o fabricante, chega para dar volta e meia ao planeta. Além disso é susceptível de ser reciclada, tendo eu, para isso, de a entregar numa loja de bicicletas.

Trata-se de uma bateria de lítio, cuja extracção acontece, muitas vezes, em condições catastróficas. Além disso, implica emissões de CO2, tanto na fabricação, como nos carregamentos. Por outro lado, e incluindo coisas tão necessárias como a alimentação e o vestuário, não conseguimos viver sem poluir. E, neste nosso mundo globalizado, fugir a produtos conseguidos através de trabalho em condições de escravidão é praticamente impossível. Seria necessária muita vontade política e o ser humano teria de controlar a sua ganância, o que, pelos vistos, representa um sacrifício incomportável.

Enfim, importante, para mim, é tentar poluir o menos possível. Segundo dados do Ministério do Ambiente alemão, andar de automóvel implica ser responsável por emissões 40 vezes superiores às de uma eBike. Estes dados baseiam-se em cálculos de que metade das deslocações de automóvel, neste país, ficam aquém dos 5 Km. Os custos são igualmente muito inferiores. Para um automóvel ligeiro, incluindo combustível, seguro, impostos e parqueamento, eles comportam uma média de 12 € por 100 Km; com a eBike são 0,25 € - estes dados constam da brochura “Bosch eBike Systems / DE”. Nunca me debrucei sobre o assunto, mas alguém me poderá dizer se a indústria do petróleo não implica trabalho infantil e/ou escravo?

Uma bicicleta destas é, assim, uma óptima alternativa ao carro, em deslocações citadinas. Não se pode comparar o número de decibéis causados pelo meu motor eléctrico com o de um motor de combustão. Além disso, não empesto o ar nas minhas deslocações. Não sei se haverá alguém que goste do cheiro dos escapes e das fumarolas por eles libertados. Eu detesto e já constatei que o uso da máscara em parques de estacionamento cobertos, por exemplo, não é apenas útil para minimizar o contágio do Coronavírus. Claro que também ando de carro, mas, para fazer compras pequenas (que caibam no cesto da bicicleta), para ir ao café, ao médico, ou nos tempos livres, nem hesito em usar a bicicleta. Enfim, em pouco mais de um ano, já evitei 1000 Km de carro, dentro da minha cidade.

E porque tem de ser eléctrica? Tive sempre bicicletas normais, até comprar esta, em Abril do ano passado. Já sentia bastantes dificuldades em vencer subidas, o que me tirava a vontade de usar este meio de locomoção. Quem já não tem a força da juventude, usa, muitas vezes, este argumento para não andar de bicicleta. E que dizer de pessoas com certas doenças ou outras incapacidades? Ora, uma eBike permite a pessoas com limitações de vários tipos uma forma de deslocação saudável e mais sustentável. Para todos os outros aconselho as bicicletas normais.