O valor dos livros
Existem maneiras diferentes de avaliar livros. Algumas pessoas apreciam sobretudo o valor do objecto (capa dura, papel de qualidade, tipo de letra, ilustrações, etc.), outras interessam-se apenas pelo texto. Há edições especiais que são autênticas obras de arte, mas, a mim, bastam-me as palavras. Um livro de Eça de Queirós, Jane Austen ou Thomas Mann será sempre uma obra de arte, mesmo tratando-se de uma edição barata, impressa em papel pardo. Claro que aprecio edições especiais, principalmente, tratando-se de colectâneas fotográficas, ou fac-similes de códices medievais. Mas raramente gasto dinheiro num livro desses, costumo apreciá-los em exposições ou bibliotecas.
Os livros podem tornar-se, aliás, peças de colecção, à semelhança de selos e moedas, atingindo valores astronómicos, em caso de edições raras, independentemente da qualidade da sua edição. Um livro antigo e publicado sem grandes cuidados pode possuir um valor incalculável. Por exemplo? O primeiro livro de Franz Kafka, de 1912, com o título Betrachtung (desconheço a tradução portuguesa). A tiragem ficou-se pelos trezentos exemplares.
Dessa primeira edição, apenas se sabe da existência do exemplar guardado na sua editora, a Rowohlt, uma das mais conhecidas na Alemanha. Na altura, a Rowohlt não fazia ainda ideia que aquele jovem e desconhecido autor se tornaria num ícone da literatura mundial. Porque guardou então um exemplar do livro? Porque o fazia com todos os livros por si publicados. E chego assim ao verdadeiro tema deste meu postal: 35.000 exemplares, tudo primeiras edições, guardados nos arquivos da Rowohlt, desde o seu início, em 1908, incluindo nomes como Jean-Paul Sartre, Max Frisch e Jonathan Franzen. Um verdadeiro tesouro.
Este tesouro vai passar agora para a Biblioteca Municipal/Universitária de Hamburgo. A Rowohlt mudou-se para a Biberhaus, perto da estação principal, e verificou-se que o edifício, apesar de enorme, não suportaria o peso de todos os livros constantes do seu arquivo. A editora propôs, então, à Biblioteca de Hamburgo, a transferência dessas 35.000 primeiras edições para um seu armazém muito especial. Trata-se de uma antiga e enorme garagem subterrânea, mantida a uma temperatura de 18ºC e 50% de humidade.
Desses 35.000 volumes, as joias da coroa são a primeira edição de Kafka e outra de Hans Fallada, intitulada Kleiner Mann, was nun?, em português, E Agora, Zé Ninguém? (Dom Quixote 2011). Na Alemanha, há vários filmes baseados nos romances de Hans Fallada. A nível internacional, verifica-se um redescobrir deste autor, falecido em 1947, principalmente, no mercado anglo-americano, onde se têm vendido centenas de milhar de exemplares do seu livro Jeder stirbt für sich allein (em português, Morrer Sozinho em Berlim, Relógio d’Água 2016).
Apesar do entusiasmo que reina na Biblioteca de Hamburgo, vai ser demorada a inventariação dos 35.000 livros. Só depois eles ficarão disponíveis. E talvez só para estudantes, mas ainda não há certezas. Um outro projecto plausível será a de uma exposição a efectuar, pelo menos, com os exemplares mais valiosos. A concretizar-se, não a perderei.
Nota: baseado num artigo online da NDR/Kultur (NDR é a delegação do Norte da ARD).