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Delito de Opinião

Pesadelo

Sérgio de Almeida Correia, 22.01.25

thumbs.web.sapo.io-3.webp(créditos: Miguel Lopes/LUSA)

No fantástico ambiente da catedral da Luz, jogou-se ontem em Lisboa mais uma partida memorável da edição 2024/2025 da Liga dos Campeões. Benfica e Barcelona apresentaram-se em grande forma para proporcionarem um espectáculo memorável aos mais de 63 mil espectadores que encheram as bancadas.

Logo aos dois minutos, quando Pavlidis fez o primeiro golo a favor do Benfica, se percebeu que os encarnados tinham quase tudo para brilhar e ficarem com os três pontos, mas uma noite que começou por ser de sonho acabaria por se tornar numa montanha-russa que virou pesadelo.

Houve emoção, bom futebol, erros infantis, jogadas incríveis, nove golos, três penáltis, um inexistente, outro que ficou por marcar ao cair do pano e que daria origem à jogada do último golo do Barcelona, o que lhe daria a vitória.

É verdade que as substituições aos 70 minutos correram muito mal, que Aursnes falhou o 5-3, que Di Maria fez o mais difícil quando desperdiçou o 5-4, que o penálti provocado por Tomás Araújo é um erro inaceitável, que Carreras, Florentino, Otamendi e Schjelderup fizeram um jogo irrepreensível, que o Barça tem uma grande equipa do meio-campo para a frente. Porém, a verdade maior é que não nos podemos queixar da sorte. Em matéria de futebol tivemos tudo para ganhar e falhámos por culpa própria em momentos cruciais.

Que o árbitro prejudicou o Benfica também não há dúvidas, bastando ler o que diz a imprensa, dentro e fora de portas, quer quanto ao penálti assinalado a favor dos catalães, que dá o 4-3, quer em relação ao penálti cometido sobre Leandro Barreiro e que ficou por marcar no último minuto.  

Em todo o caso, para os anais fica o resultado. Depois do que aconteceu com o Bayern, com o Feyenoord e com o Bolonha nesta edição da Liga dos Campeões, repetiram-se alguns erros infantis e foram tomadas más decisões que não podiam ter acontecido e nos retiraram o apuramento directo.

Por agora, resta dar os parabéns ao Barcelona, que ontem teve a estrelinha, continua a ser uma grande equipa e um colosso europeu, e esperar que o Benfica faça, em 29 de Janeiro, uma grande exibição em Turim, no Stadio Delle Alpi, rebaptizado de Allianz Arena, contra a Juventus. Uma exibição que ofereça a todos os benfiquistas e aos amantes de futebol a possibilidade de esquecerem o pesadelo da noite de ontem.

Sven-Göran Eriksson

Sérgio de Almeida Correia, 27.08.24

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A primeira vez que ouvi falar dele foi quando vi em directo os jogos da final da Taça UEFA de 1982 entre o IFK Göteborg e os alemães do Hamburgo. Os suecos venceram a primeira mão por 1-0. E a seguir deram três secos aos alemães, levando o troféu para casa. O primeiro conquistado por uma equipa sueca.

Nesse dia fiquei impressionado com a qualidade e a velocidade do contra-ataque dos nórdicos, que nessa caminhada até à final eliminaram o SK Sturm Graz, o FC Dinamo Bucuresti, o Valencia CF e o FC Kaiserslautern. O IFK Goteborg ainda ganhou no mesmo ano  o Campeonato e a Taça da Suécia.

O homem por detrás do êxito era Sven-Göran Eriksson. E nunca pensei que meses volvidos estivesse a desembarcar em Lisboa para orientar o Sport Lisboa e Benfica.  Acabaria por fazê-lo por duas vezes, entre 1982 e 1984 e depois nas épocas de 1989 a 1992, e creio que em ambas foi feliz, contrariando a ideia de Pavese.

Com Eriksson ao leme o Benfica venceu três campeonatos, conquistou uma Taça de Portugal e uma Supertaça, esteve presente em duas finais europeias (Taça UEFA e Taça dos Campeões). Era um tempo de grandes jogadores e de grandes presidentes: Fernando Martins e João Santos. No final da sua segunda passagem por Lisboa, a partir de Abril de 1992, chegaria Jorge de Brito, outro incontornável do universo benfiquista.

Os êxitos desportivos, o estar na ribalta do futebol europeu, era importante para todos, ninguém o negará. Isso era certo. Porém, creio que aquilo que verdadeiramente nos cativou em Sven-Göran Eriksson foi a sua cultura desportiva, a generosidade do seu carácter, a calma com que perfurmava todas as suas intervenções, o trato com os adeptos, a disponibilidade para ouvir as críticas e esclarecer as opções da equipa.

Acima de tudo, o respeito para com a instituição e os adversários, o amor ao clube, à cidade e a Cascais, o que aliado à sua educação e à elegância com que fazia as coisas e as transmitia para a equipa, dentro e fora das quatro linhas, elevavam-no à categoria de homem de excepção.

Treinou grandes clubes em Itália (Roma, Florentina, Sampdoria, Lazio), em Inglaterra (Manchester City e numa fase mais avançada o Leicester), na China (Guangzhou, Shanghai SIPG e o Shenzhen), dirigindo nos intervalos as selecções nacionais de Inglaterra, onde foi o primeiro estrangeiro a fazê-lo, do México, da Costa do Marfim e das Filipinas, sem jamais esquecer o primeiro clube que treinou fora da Suécia e o projectou para uma grande carreira internacional. 

Voltou várias vezes a Portugal e ao Estádio da Luz, local onde se sentia em casa e era justamente acarinhado por quem sempre o reconheceu como um dos da família. Foi um dos poucos que percebeu a dimensão do clube e era capaz de sofrer connosco nos maus momentos sem desatar a insultar tudo e todos.

A visita que fez ao Estádio da Luz em Abril passado, na sequência do prémio que lhe foi atribuído na Gala Cosme Damião, que celebrou os 120 anos do Benfica, e a justíssima homenagem que lhe foi prestada a anteceder o jogo com o Marselha para a Liga Europa, onde, ciente da irreversibilidade da sua doença, aproveitou para se despedir dos adeptos, num momento de grande emoção, serão por todos recordadas.

De Eriksson, tal como sucede com um outro grande homem que recentemente nos deixou, Manuel Fernandes, mais do que os títulos, as vitórias e as homenagens, recordarei o modo como sempre se comportou, encarou amigos e adversários, e a todos deu uma lição de humildade e de esperança nos bons e nos maus momentos.

Isto sempre distinguirá os homens de carácter dos outros; traçará a fronteira entre os que estão sempre presentes depois de partirem e os que, por muitos títulos e muita riqueza ostentada, nunca se erguerão acima da massa, do patamar da suficiência. Nunca farão a diferença.

E continuará a distinguir no futuro.

Sempre com a mesma simplicidade, a mesma ternura, a mesma educação, o mesmo amor pela vida. 

Até ao fim, sem jamais deixar de sorrir e de agradecer a sorte que foi ter podido ser ele.

Último tabu derrubado pelo juiz de Mação

Carlos Alexandre

Pedro Correia, 22.07.21

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É o juiz mais polémico do País. Sinal inequívoco de que incomoda. Na semana em que dois ex-presidentes do Tribunal da Relação de Lisboa foram suspensos de funções por alegado envolvimento na distribuição fraudulenta de processos e utilização abusiva do salão nobre daquele tribunal, Carlos Alexandre é também notícia, mas por motivos muito diferentes. Fica ligado, a partir de agora, a um facto inédito: nunca havia sido imposta a detenção domiciliária a um presidente de um grande clube em Portugal no pleno exercício de funções. Aconteceu com Luís Filipe Vieira: o dirigente máximo do Sport Lisboa e Benfica, após 18 anos no cargo, não parece ter imaginado que um juiz se atreveria a tanto.

Este é mais um tabu que Carlos Manuel Lopes Alexandre, nascido há 60 anos em Mação, acaba de derrubar como magistrado do Tribunal Central de Instrução Criminal – conhecido por Ticão, na gíria jurídica e jornalística. Depois de enfrentar a primeira divisão da política, personificada em José Sócrates, e a alta-roda da finança, simbolizada em Ricardo Salgado, ei-lo a demonstrar aos portugueses que a impunidade deixou de andar à solta na cúpula do futebol. E se é certo que qualquer cidadão beneficia do princípio da presunção da inocência, a verdade é que os indícios acumulados contra Vieira causaram um terramoto na nação benfiquista. Por recordarem, em vários contornos, o triste percurso de um dos seus antecessores à frente da histórica agremiação desportiva: João Vale e Azevedo, condenado em 2013 a dez anos de prisão efectiva pela apropriação indevida de mais de quatro milhões de euros dos cofres do Benfica gerados por transferências de futebolistas.

A detenção de Sócrates, em 2014, deu muita notoriedade ao chamado “super-juiz”. Mas também lhe trouxe declarados inimigos. Proença de Carvalho, talvez o mais poderoso advogado do país, acusou-o de dar nas vistas para se tornar "herói dos tablóides" e procurar protagonismo pessoal através do mediatismo dos processos em que intervém. Dizendo em voz alta, sem reticências, o que outros murmuram cada vez que vem à baila o nome de Carlos Alexandre. Deste magistrado ninguém poderá dizer – como se diz de um dos seus colegas, hoje quase tão famoso como ele – que é “o amigo dos arguidos”.

Em Setembro de 2016, numa rara (e controversa) entrevista à SIC, o mais conhecido juiz de instrução português elaborou este auto-retrato: «Sou o saloio de Mação, com créditos hipotecários, que tem de trabalhar para os pagar, que não tem dinheiro em nome de amigos, não tem contas bancárias em nome de amigos e que, até desse ponto de vista, não tem amigos.»

Goste-se ou não dele, receba vaias ou aplausos, Carlos Alexandre personifica uma visível mudança no poder judicial em Portugal. Se a instrução criminal fosse equiparável a um jogo de futebol, a distribuição dos cartões ficaria a seu cargo. Com a certeza antecipada de que não os guardaria no bolso.

 

Texto publicado no semanário Novo

 

Presunção de indecência

Pedro Correia, 16.07.21

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Há dez meses, António Costa e Fernando Medina atravessavam-se por um indivíduo que está hoje indiciado por vários ilícitos - ao ponto de ter renunciado ao cargo de presidente do Benfica, que ocupava há 18 anos.

A paixão clubística serve de atenuante para muita coisa, mas não pode funcionar como desculpa para o primeiro-ministro e o presidente da Câmara de Lisboa. Em Setembro de 2020, quando aceitaram figurar na Comissão de Honra da recandidatura deste indivíduo, havia informações muito consistentes de que não era digno do apoio de quem enche a boca com a expressão "ética republicana".

É certo que a pessoa em causa, como qualquer cidadão português, goza da presunção de inocência. Mas, neste caso concreto, prevalece a presunção de indecência - reforçada a cada notícia que nos vai chegando. Que um profissional experiente e calejado como Costa, que não fez outra coisa na vida senão política, tenha cometido este monumental erro de avaliação é algo digno de causar espanto.

A dita Comissão de Honra, dez meses depois, virou comissão de desonra. Convém recordar, por mais que certos arquivos digitais se vão apagando: Costa e Medina estavam lá. 

Reflexão do dia

Pedro Correia, 25.05.21

«Esta foi a época em que o recém-eleito Luís Filipe Vieira foi depor à comissão de inquérito ao Novo Banco, e em que nesse depoimento demonstrou, para além de qualquer dúvida razoável, que o Benfica é a porta giratória por onde circulam os seus negócios, os seus amigos, os seus sócios, o seu crédito, os seus favores, a reestruturação das suas dívidas e, sobretudo, o seu poder.»

João Miguel Tavares, no Público

Quando o justiceiro cala o bico

Pedro Correia, 24.05.21

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Luís Filipe Vieira foi recentemente à comissão parlamentar de inquérito ao Novo Banco, na qualidade (ou defeito) de segundo maior devedor desta instituição. Confessou que foi colocado na presidência do Sport Lisboa e Benfica por indicação de Ricardo Salgado, ficando ali como ponta-de-lança do banqueiro que já foi dono disto tudo.

«A minha ida para o Benfica não é apenas uma vontade e um orgulho da minha parte. Foi também um pedido de várias instituições financeiras interessadas na viabilização do clube», revelou.

Como favor com favor se paga, o "empresário" que dirige desde 2003 o SLB foi contraindo dívidas atrás de dívidas para financiar projectos de "investimento" cada vez mais duvidosos, contribuindo para o caudal de imparidades que levou à estrondosa queda do império Espírito Santo. No campeonato dos caloteiros, tornou-se vice-campeão. Com uma dívida superior a 400 milhões de euros que transitou para o Novo Banco.

Alguma vez ouviram André Ventura - o moralista, o justiceiro, o pregoeiro dos bons costumes anti-corrupção - sussurrar uma palavra que fosse contra o presidente do Benfica?

Pois, eu também não.

Um fiasco campeão

Sérgio de Almeida Correia, 24.05.21

Untitled.jpg(créditos: @Paulo Novais/Lusa)

 

A época futebolística do Benfica terminou como começou. Isto é, em humilhação e vergonha.

Humilhação porque uma equipa que vale centenas de milhões de euros, com um investimento de início de época de mais de cem milhões, recheada de jogadores com experiência internacional, pagos a peso de ouro e que são titulares nalgumas das melhores selecções do mundo, não podem jogar tão pouco como o que demonstraram ao longo da época. Ainda porque aquilo que foi prometido aos sócios e adeptos foi que a equipa iria jogar muito mais do que com Bruno Lage, que iria conquistar títulos, ter uma presença europeia à altura dos seus pergaminhos e ser dominadora a nível interno.

Não foi nada disso o que se viu.

Durante toda a época os jogadores do Benfica apresentaram um futebol miserável, que apenas melhorou a espaços  durante alguns jogos e em períodos curtos, tendo a equipa sido incapaz de segurar resultados e tirar partido dos momentos em que ganhou algum ascendente, como aconteceu no jogo para o campeonato com o Sporting, já depois deste se ter sagrado campeão nacional, e em que depois de estarem a ganhar por 3-0 e 4-1 andaram completamente aos papéis.

As escolhas de jogadores e as tácticas para os jogos foram um desastre. A defesa nunca chegou a acertar. Retirou-se a titularidade da baliza a um grego excepcional entre os postes e com potencial. Mudou-se a forma de jogar habitual da equipa para um figurino com três centrais do qual não se retirou nenhum proveito. O treinador teimosamente insistiu. As alterações durante os jogos raramente e só por mero acaso surtiram algum efeito. A maior parte dos reforços não passou de uma promessa permanentemente adiada ou de um erro de casting. Jogadores lentos, apáticos, jogando sem qualquer inteligência, prontos para a quezília e a discussão sem razão. Uma linha média que parece estar sempre cansada, ausente, trapalhona, fazendo faltas sem necessidade e a destempo, atrás de uma frente de ataque desacertada, que se esforça e corre muito sem proveito, e que falha ainda mais, normalmente de forma escandalosa diante das balizas adversárias.

Eliminados numa pré-eliminatória da Liga dos Campeões, que arruinou a época financeira, e onde se entrou com a maior displicência para sermos eliminados por uma equipa da segunda divisão europeia sem qualquer currículo. Derrotados de forma categórica na final da Supertaça, corridos da Taça da Liga, afastados da luta pelo Campeonato Nacional com sucessivas desculpas e erros múltiplos, que um treinador espaventoso quis desculpar com a COVID-19, como se esta não tivesse afectado todas as equipas em Portugal e na Europa. Acabou discutindo o terceiro lugar com o quarto classificado na mais importante prova interna, depois de afastado da Liga Europa sem qualquer glória e terminar uma época que se revelou penosa perdendo, uma vez mais, uma final da Taça de Portugal, com jogadores expulsos, sem qualquer fibra nem controlo nervoso, e que deram um espectáculo deprimente durante a maior parte do tempo.

A Supertaça Cândido de Oliveira da próxima época também já ficou perdida porque também não iremos lá depois da derrota de ontem em Coimbra. E Luís Filipe Vieira e Jorge Jesus continuarão a assobiar para o ar, fazendo de calímeros e prometendo mundos e fundos aos papalvos que ainda acreditam no Pai Natal, enquanto alguns empresários amigos vão embolsando milhões em comissões e o nome do clube arrasta-se pela lama que é posta a descoberto pelas investigações judiciais e parlamentares.

Os únicos benfiquistas campeões no futebol profissional masculino foram-no noutra equipas. Fosse em Portugal, em Espanha, em Inglaterra ou em França. A esses, e aos nossos adversários que em Portugal, com inteiro mérito, conquistaram troféus, só há que reconhecer que foram melhores e dar-lhes os parabéns, fazendo votos de que no que a nós diz respeito não se volte a repetir.

Gostava de poder pensar que para a próxima época será diferente, mas tenho dúvidas que tal seja possível. E tenho pena porque gostava de voltar a ter esperança.

Por agora tenho somente vergonha. Não tanto pelas derrotas, mais pela forma como se perdeu, e pelas deprimentes conferências de imprensa do nosso treinador. Embora tenha consciência de que enquanto para os lados do meu clube continuar a imperar, dentro e fora das quatro linhas do futebol profissional, uma cultura desportiva assente num novo-riquismo esbanjador, chico-espertista, parolo, convencido e mal-educado será difícil esperar mais e melhor.

Por muitas lágrimas e muito suor que escorram pelos rostos dos mais novos e dos mais inconformados.

Palheiro já existe, só falta a agulha

Pedro Correia, 13.05.21

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Na hora de gerirem participações empresariais com dinheiro emprestado, não se fazem rogados: é tudo à grande. Mas quando chega o momento de prestar contas, com o país de holofotes colocados apontados para eles, começam a gaguejar, têm súbitos lapsos de memória, fazem de conta que não é nada com eles. São “empresários” que nada empreendem e "gestores" que mal sabem gerir seja o que for: durante anos viveram de créditos sobre créditos, beneficiando de uma banca complacente, que emprestava primeiro e só pedia garantias depois. Como se adivinhassem, uns e outros, que no final do túnel, já sem luz, o Estado serviria de bóia de salvação. Com os contribuintes portugueses a pagar este buraco sem fundo.

Se algum mérito tem a comissão parlamentar de inquérito aos grandes devedores do Novo Banco (NB) é este: pôr ainda mais a nu as debilidades estruturais do nosso sistema financeiro, fazendo desfilar no palácio de São Bento alguns dos maiores responsáveis, directos e indirectos, pela derrocada de grupos empresariais que se alimentavam dos balões de oxigénio do BES antes de também este entrar em coma.

 

Não têm faltado intervenções patéticas. Mas nenhuma excedeu em desfaçatez a de Luís Filipe Vieira, que se diz muito espantado por ser o segundo maior devedor do NB – como se tivesse sido o último a saber – e sugere estar a ser perseguido por ser presidente do Benfica. Como se isto não lhe servisse de circunstância atenuante.

Basta recordar que em Outubro o primeiro-ministro António Costa e o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Fernando Medina, aceitaram integrar a Comissão de Honra da sua recandidatura à liderança do clube encarnado. E que durante anos o actual presidente do Banco de Portugal, então ministro das Finanças, se sentava ao lado dele na tribuna principal do estádio da Luz – o mesmo Mário Centeno a quem, por ironia do destino, Vieira agora lança farpas envenenadas. Algumas de péssimo gosto, como quando confessou aos deputados, nesta segunda-feira, que gostaria de vê-lo “enforcado”. Por dizer algo com muito menos gravidade num estádio de futebol qualquer membro do plantel do Benfica receberia cartão vermelho e seria punido com vários jogos de suspensão.

 

Como é possível o empresário Vieira ter chegado a acumular dívidas de mais de 410 milhões de euros a uma instituição hoje comprovadamente descapitalizada e ainda por cima agir como virgem ofendida, como se fosse ele o credor? Por que tortuosas vias se movimenta alguém que declara apenas possuir em nome próprio um palheiro com logradouro enquanto se gaba de gozar “uma boa reforma” e prescinde até de remuneração no exercício da presidência da SAD do Benfica? Como é que o autoproclamado “homem do povo” degenera em campeão do calote?

Demasiadas perguntas ainda sem resposta. Se levarem esta missão a bom porto, doa a quem doer, os deputados contribuem para combater o pior dos populismos. E restituem alguma decência à vida pública portuguesa. Mas a missão que têm pela frente não é fácil. Palheiro, já existe. Agora falta lá encontrar a agulha.

Tão amigos que eles eram

Pedro Correia, 11.05.21

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O cavalheiro da direita, humilde proprietário de um palheiro com 162m² e um dos principais devedores do BES/NB, gostaria de ver o da esquerda «enforcado». Ignorando que Portugal aboliu a pena de morte há mais de século e meio. 

Percebe-se agora melhor o que o fracassado treinador do clube encarnado queria dizer, no início da época, quando anunciou que o Benfica iria «arrasar»

Se o benfiquista Mário Centeno sentir por estes dias um aperto incómodo no pescoço - ou receber uma cabeça de cavalo na cama - jamais poderá dizer que não foi avisado.

Escorraçados

Sérgio de Almeida Correia, 18.09.20

Desconheço se o comunicado de ontem de Luís Filipe Vieira, pelo qual anunciou que tinha riscado da lista da sua "Comissão de Honra" todos os apoios de titulares de cargos públicos, foi previamente combinado com os visados, ou com algum destes, ou se foram todos apanhados desprevenidos pela decisão e as palavras do presidente do Sport Lisboa e Benfica.

O desconsolo do candidato com o que se está a passar é compreensível. Foi mau para ele e foi mau para o clube qualquer que fosse a justificação. Mas esta é outra questão, que não foi a que gerou a polémica e a indignação de muitos. Com razão, diga-se de passagem.

O que o episódio do comunicado destaca é o crédito e a forma como hoje são olhados e tratados políticos e titulares de cargos públicos. E de quem é a culpa? Dos energúmenos das claques? Dos clubes? Dos presidentes destes? Da comunicação social?

É claro que de nenhum destes. Também não são eles quem marca almoços no parlamento para celebrar as conquistas desportivas dos seus clubes com os senhores deputados. 

E saber se houve um telefonema antes, se foi o primeiro-ministro que pediu para ser retirado da lista, ou se foi uma decisão pessoal do candidato, é de todo irrelevante para o que interessa.

Ter entrado já tinha sido mau.

Se pediu para sair sem ter tido a iniciativa de sair pelo próprio pé, e depois de ter defendido a justeza do seu direito, isso seria ainda pior.

Se não pediu para sair e o candidato é que resolveu correr com ele e com os outros da sua "Comissão de Honra" dá ainda uma pior imagem, porque se fica com a sensação de que queriam e não se importavam de ficar e agora acabaram escorraçados saindo pela porta dos fundos.

Discutir um qualquer código de conduta dos membros do governo, que ainda por cima refere expressamente ser apenas "um compromisso de orientação" assumido no exercício das suas funções pelo membros do Governo e dos respectivos gabinetes, ou instrumento semelhante, também não ajuda à resolução do problema.

O simples facto de existir uma coisa dessas, oficial, já demonstra o nível a que se desceu e a estirpe de quem necessita de ter um guia para se comportar à altura dos cargos que ocupa numa república.

Alguns não se importarão com as figuras que fazem. Muitos não irão lá nem com mil códigos. Estão habituados ao estilo, ao convívio com "os gajos da bola", e com outros muito piores. E por isso também conseguiram chegar onde chegaram. Até falsificando habilitações e qualificações.

Não será esse o caso do primeiro-ministro, o que torna ainda mais incompreensível a sua atitude de se prestar a integrar a tal "Comissão de Honra" e, depois de verificada a argolada, ainda insistir na sua posição. Será que não tem nenhum spin doctor decente com quem falar? Alguém civilizado, com bom senso e sentido crítico que possa dar-lhe uma ajuda? Só tem carreiristas, seguidistas, "tralha do partido" e yes men(*) para o aconselharem?

Aqui há uns anos houve um artigo (76.º, n.º 1) que foi eliminado do Estatuto da Ordem dos Advogados por uns negociantes que acharam que não valia a pena dizer que um advogado devia "no exercício da profissão e fora dela, (...), mostrar-se digno da honra e das responsabilidades que lhe são inerentes". Ainda estou para perceber o que conseguiram com a sua eliminação.

O que aconteceu agora foi, com as devidas distâncias, uma reedição disto na nossa vida pública. Uma coisa é o que faço enquanto primeiro-ministro e líder do partido, outra coisa é o que faço na minha vida privada.

Não creio, como neste caso, que seja fácil fazer a separação dos planos, em especial quando são tantos e tão recorrentes os maus e os péssimos exemplos, muitos deles vindos de um passado não tão distante quanto isso e que tão, e bem, criticados foram.

Parece-me evidente, pese embora o exagero, que um tipo que se comporta normalmente como um trafulha, que faz da vigarice um modo de vida, jamais deixará de o ser se um dia lhe acontecer exercer um cargo público. Em especial se tiver uma oportunidade de dar o golpe saindo impune. Porque não há separação possível entre o que fazia, e certamente continuará a fazer, na sua vida privada e o exercício da função.

Poderei estar errado, e admito que sim, pois muitas vezes também erro nas minhas escolhas e nos meus juízos. Todavia, nem por isso deixo de assumir a responsabilidade pelas minhas acções. E se erro procuro corrigir, e não reincidir.

É que no extremo a separação entre vidas e papéis pode levar a que um tipo faça figuras tristes no exercício de cargos públicos.

E aí o problema não será apenas dele.

Não vale a pena dar exemplos. Todos os conhecemos.

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(*) "Men without balls who will answer yes to any query from their boss/superior regardless of the question's intelligence, bearing, or appropriateness. It is usually intended to farther the yes man's carreer by getting and staying on the boss's good side, but may have the opposite effect. Yes men often ruin the productivity or usefulness in the department they work in, as they are unwilling to provide any form of original idea, opinion or more importantly criticism to their boss and thus contribute to disconnect between managers and workers."

(Editado para substituição de "conferência de imprensa" por "comunicado" porque o anúncio foi feito pela segunda via) 

Um passado não tão remoto assim

João Sousa, 14.09.20

A propósito do recente episódio Costa/Benfica, lembrei-me desta notícia que li há sete anos no Público:

«O presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira, inaugura nesta sexta-feira o Museu Cosme Damião, que retrata mais de 100 anos de história do clube, lamentando as ausências de Cavaco Silva e Pedro Passos Coelho.

Em entrevista ao jornal do Benfica, Luís Filipe Vieira diz que a inauguração do museu “merecia a presença dos dois representantes do Estado português”.

“Não sei se é estranho, só posso dizer que o lamento, porque acho que a inauguração deste equipamento cultural (e não desportivo) merecia a presença dos dois representantes do Estado português”, refere o presidente do Benfica sobre as faltas de comparência de Presidente da República e primeiro-ministro.

Luís Filipe Vieira lastima também que nem Cavaco Silva nem Passos Coelho tenham marcado presença, a 15 de Maio, na final da Liga Europa, em Amesterdão, que o Benfica perdeu para o Chelsea (2-1).

“Deve ter sido a primeira vez na história em Portugal que tal sucedeu, mas não me cabe a mim fazer juízos de valor, mas é evidente que o lamento. Recebemos sempre bem quem nos visita e apenas podemos estranhar estas ausências em dois momentos tão significativos da vida do maior clube português”, frisa o líder “encarnado”. (...)»


Naquela inauguração, note-se, esteve o então presidente da Câmara de Lisboa António Costa, que já no ano anterior fizera parte da "comissão de honra" de Luis Filipe Vieira e a quem este "lançou o desafio de encontrar um espaço à altura do nome de Eusébio, a grande figura de destaque nesta cerimónia", repto prontamente aceite por Costa: "Eusébio merece muito mais do que uma rua, uma avenida ou uma praça. A melhor forma de homenagear é, em conjunto com o Benfica, um grande parque desportivo que contribua para a formação desportiva, social e cívica dos jovens da cidade de Lisboa".

Não, o que se passou agora não foi um acaso nem um escorregão: foi um sistema.

Costa, Ventura, Vieira e Benfica

Pedro Correia, 14.09.20

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Vieira e Ventura: o criador e a criatura

 

Não sei se é a primeira vez que um chefe do Governo no activo integra a "Comissão de Honra" de um candidato à presidência de um clube de futebol. Mas é a primeira vez que surge na "Comissão de Honra" de um candidato arguido em processo-crime por grave suspeita de fraude fiscal (que resulta da Operação Saco Azul) e está indiciado noutros processos, nomeadamente por suspeita de corrupção, no âmbito da Operação Lex, que enviará para o banco dos réus pelo menos dois juízes, incluindo o ex-desembargador Rui Rangel.

 

Monumental escorregadela de António Costa, que noutras circunstâncias foi precavido ao ponto de ter recomendado aos seus ministros que «nem à mesa do café podem deixar de se lembrar que são membros do Governo» e fez até aprovar um código de conduta que impõe aos membros do Executivo que devam «abster-se de qualquer acção ou omissão, exercida directamente ou através de interposta pessoa, que possa objectivamente ser interpretada como visando beneficiar indevidamente uma terceira pessoa, singular ou colectiva»?

É óbvio que sim. O primeiro-ministro estava consciente dos potenciais danos deste apoio, mas confiou que só causaria brevíssima celeuma, logo sepultada na espuma dos dias. Ter-se-á tratado, em larga medida, de um risco assumido: Costa quer fazer marcação cerrada a André Ventura em matéria de benfiquismo militante, consciente de que o maior clube desportivo português pode ser um baluarte eleitoral em terreno político.

Não por acaso, Ventura é um dos raros opositores ao Governo que tardam a pronunciar-se sobre o apoio do primeiro-ministro ao presidente do SLB, a quem o actual líder do Chega deve tantos favores. Ao ponto de poder dizer-se que Ventura, iniciado nas lides mediáticas como escrevinhador do jornal do Benfica e comentador da Benfica TV, é uma criação de Vieira.

 

Acontece que Costa menosprezou a capacidade de indignação dos portugueses. Ao aceitar tornar-se "testemunha abonatória" de Vieira (tradução prática da inclusão do seu nome na tal "Comissão de Honra"), o chefe do Governo desautoriza as tímidas medidas legislativas anticorrupção anunciadas há dias pela ministra da Justiça e caminha sobre uma camada de gelo muito fino: Vieira integrou a lista dos maiores devedores do BES, causou perdas de 225 milhões de euros ao Novo Banco (de acordo com a auditoria feita pela Deloitte a esta entidade financeira) e poderá estar envolvido com a desacreditada construtora brasileira Odebrecht, implicada no escândalo Lava Jato.

Não faço ideia o que Vieira lhe terá dito como expressão do agradecimento pelo apoio do chefe do Executivo nesta campanha eleitoral em que enfrenta pelo menos três adversários à presidência do Benfica. Mas esta inconcebível trapalhada fornece um poderoso argumento à candidata presidencial Ana Gomes, que faz do combate à promiscuidade entre política e futebol uma das prioridades do seu discurso. Se Costa supunha que a polémica passaria depressa, enganou-se em toda a linha.

Faria rir se não fosse obsceno

Pedro Correia, 06.08.20

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Esta imagem mostra o requintado interior do Bombardier Global 5000, o jacto privado com 16 lugares utilizado por Luís Filipe Vieira para ir buscar ao Brasil a mais recente equipa técnica contratada para o futebol do seu clube. 

Este "saltinho" ao Rio de Janeiro - por mero capricho do presidente encarnado, em desespero perante a perspectiva de ser derrotado nas urnas em Outubro - terá custado a Vieira a módica quantia de 230 mil euros. Ou antes: terá custado ao clube, pois a verba há-de ser inscrita numa qualquer rubrica do orçamento chumbado pelos sócios da agremiação encarnada. 

Transformado em mordomo do novo técnico, Vieira promete pagar-lhe - apesar do chumbo orçamental - uns modestos 7 milhões de euros só em salário bruto anual, acrescidos de pelo menos 100 milhões de euros em jogadores que constam da lista de compras do treinador, sempre extensa e muito dispendiosa. Tudo isto, note-se, em tempos de grave crise pandémica e num cenário de abrupta quebra de receitas geradas pelo futebol, num país mergulhado na maior queda do PIB alguma vez registada em ciclo trimestral.

Mesmo assim, Vieira ainda se atreve a proclamar que o Benfica «é um clube do povo», em jeito de slogan eleitoral. Daria até para rir se não fosse obsceno.

Da absoluta falta de vergonha

Pedro Correia, 20.07.20

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Foto: Manuel de Almeida / Lusa

 

Há cinco anos, Jorge Jesus chegou ao termo da relação contratual que mantinha com o Benfica: a entidade patronal decidiu não lhe renovar o vínculo apesar de se ter sagrado campeão nacional de futebol. Em articulação estreita com Jorge Mendes, empresário do treinador, "ofereceu-lhe" um longínquo desterro no emirado do Catar que culminaria numa hipotética transferência para o PSG - tudo à revelia do técnico, apanhado de surpresa neste fim de linha quando pretendia permanecer na Luz.

Sabe-se o que aconteceu depois. Jesus recusou o emirado e atravessou a Segunda Circular, convidado por Bruno de Carvalho para treinar o Sporting. Vieira, furioso, declarou guerra ao seu "melhor amigo". O treinador e a sua equipa técnica foram impedidos de entrar nas instalações do Seixal para esvaziarem os cacifos com os seus pertences, a fotografia de Jesus no bicampeonato foi de imediato retirada da "megaloja" benfiquista e logo os papagaios tarefeiros (incluindo um fulano que é agora deputado) começaram a denegri-lo serão após serão nas pantalhas onde lhes dão tempo de antena.

Valeu de tudo. Acusaram-no de roubar software do clube em benefício do Sporting, negaram-lhe o pagamento do último salário na Luz e moveram-lhe até um processo-crime exigindo uma inédita indemnização de 14 milhões de euros por supostos prejuízos jamais confirmados, sempre com o incentivo nada desinteressado dos cartilheiros de turno, especialistas em danos reputacionais.

A 7 de Setembro de 2016, em entrevista à TVI, Vieira foi peremptório: «Jorge Jesus não serve para este Benfica.»

 

Pois o indivíduo que há cinco anos colocou os patins a Jorge Jesus e atiçou a matilha contra ele é o mesmo que agora, acossado por uma sucessão de escândalos judiciais e vergado a uma humilhante derrota em recente assembleia geral, vai buscar o treinador ao Rio de Janeiro, como se fosse mordomo dele, e lhe oferece boleia em jacto privado, prontificando-se a pagar pelo menos 25 milhões de euros só para o trazer de volta e prometendo-lhe «o maior investimento da história do Benfica». Ridicularizando o administrador financeiro da SAD benfiquista, que em recentes declarações avisara: «Provavelmente haverá uma travagem em termos de investimento, admito que haja uma redução, este ano investimos cerca de €60 milhões.»

O motivo é só um: daqui a três meses haverá eleições no clube. Vieira, presidente desde 2003 e tendo visto fugir para o FC Porto o segundo campeonato em três anos, está apavorado com a hipótese de ser chumbado nas urnas.

Até onde chega o desespero. E, sobretudo, até onde chega a absoluta falta de vergonha.

 

ADENDA: «O que passou-se?». Bruno Vieira Amaral escreve sobre o tema na Tribuna Expresso.