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Delito de Opinião

Contributos de Belém para o epitáfio político do quase ex-ministro Galamba

Pedro Correia, 05.05.23

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«A autoridade, para existir, tem de ser responsável. Onde não há responsabilidade, na política como na administração, não há autoridade, respeito, confiança, credibilidade.»

 

«Como pode um ministro não ser responsável por um colaborador que escolhera manter na sua equipa mais próxima, no seu gabinete, a acompanhar - ainda que para efeitos de informação - um dossiê tão sensível como o da TAP, onde os portugueses já meteram milhões de euros, e merecer tanta confiança que podia assistir a reuniões privadas preparando outras reuniões, essas públicas, na Assembleia da República?»

 

«Como pode esse ministro não ser responsável por "situações rocambolescas, muito bizarras, inadmissíveis ou deploráveis" (as palavras não são minhas) suscitadas por esse colaborador, levando a apelar aos serviços mais sensíveis da protecção da segurança nacional, que aliás, por definição, estão ao serviço do Estado e não de governos?»

 

«Como pode esse ministro não ser responsável pelo argumentário público sobre aquilo que afirmara o seu subordinado revelando pormenores do funcionamento interno e incluindo referências a outros membros do Governo?»

 

«A responsabilidade política e administrativa é essencial para que os portugueses acreditem naquelas e naqueles que governam. Não se resolve apenas pedindo desculpa pelo sucedido. A responsabilidade é mais do que pedir desculpa, virar a página e esquecer: é pagar por aquilo que se faz ou se deixou de fazer.»

 

«Foi por tudo isto que entendi que o ministro das Infraestruturas devia ter sido exonerado. E que ocorreu uma divergência de fundo com o primeiro-ministro. Não sobre a pessoa, as suas qualidades pessoais, até o seu desempenho, mas sobre uma realidade muitíssimo mais importante: a responsabilidade, a confiabilidade, a credibilidade, a autoridade do ministro, do Governo e do Estado.»

 

«A responsabilidade dos governantes não foi assumida, como devia ter sido, com a exoneração do ministro das Infraestruturas.»

 

Excertos do discurso de Marcelo Rebelo de Sousa ontem à noite, no Palácio de Belém. O discurso mais duro que recordo de um Chefe do Estado em Portugal desde Novembro de 2004, quando Jorge Sampaio anunciou a dissolução da Assembleia da República, pondo fim ao executivo de Santana Lopes.

Podecastando

Conversas e pensamentos em viagem no banco de trás de um TVDE

Maria Dulce Fernandes, 24.04.23

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Com a inflação galopante, priorizar o dia a dia é fundamental. Nesta conjuntura de ideias, decidi compartilhar as viagens em TVDE de casa para o trabalho com os mais necessitados que como eu têm dores pavorosas nas pernas e horror a transportes públicos, e com o público em geral que responde aos anúncios pessoais nas páginas de classificados. É genial poder entrar na onda do carpooling dos tesos não condutores e ao mesmo tempo alargar os horizontes do conhecimento do meu próximo, porque tal como diz o único livro que todas as crianças deveriam ler (por não conter qualquer tipo de pornografia), conhece o teu próximo como a ti mesmo. E eu, que pretendo ter um conhecimento enciclopédico da minha pessoa e da existência humana, podecastarei as minhas viagens, compartilhadas com qualquer próximo de boas linhagens, ou com quem me quiser acompanhar até Belém, pagando obviamente pela excelência da companhia.

Numa altura em que toda a gente que é alguém ou assim o crê, podcasta, e que isto devia ser coisa banal e simples de entender, a verdade é que alguns vêm ao engano, como aconteceu com o grupo de 19 turistas japoneses amantes de fotografia, que aguardavam o Grand Tourer à esquina da Estrada do Seminário, e para os quais Belém é sinónimo de selfies e eggotarts. A disciplina com que se arrumaram nos assentos foi totalmente yamato damashi, o novo e altamente eficaz bushido. Interagimos maravilhosamente durante uns fantásticos quinze minutos de viagem. Chegados ao Largo dos Jerónimos, indiquei-lhes o Padrão dos Descobrimentos, expliquei-lhes mais ou menos que representava a aventura da grandiosidade portuguesa e que cada figura era uma espécie de Pokemon, sendo que na proa estava representado o treinador que veio apanhá-los todos. Anuiram e arrepiaram caminho de stick em riste, não sem antes me entregarem dezanove cêntimos cada, que traziam contados e embrulhados num toalhete desinfectante, com álcool a 70%.

Desta viagem tenho muito pouco a podcastar, porque foi um daqueles percursos perfeitos em que apenas eu me fartei de falar, ninguém entendeu, mas todos concordaram com acenos de cabeça e enormes sorrisos rasgados, que não consegui vislumbrar por detrás das máscaras com o sete a amarelo e as cores da camisola da selecção nacional, todas made in China, com que os meus companheiros de viagem se acreditam resguardados dos males que se propagam pelo éter, ilustrados por este meu podecaste.

Que não lhes falte o detergente

Sérgio de Almeida Correia, 07.09.16

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Num dia lê-se isto, noutro dia mais qualquer coisa sobre o mesmo assunto. Para compor o ramalhete, antes que se acabe o detergente, vêm mais umas histórias de tarar. Mas era preciso descer tão baixo? 

Há gente com muito menos educação, que não sabe para escrever livros, não tendo a petulância dos pavões nem a obrigação de preservar as instituições da república, que na hora do divórcio faz o mesmo com muito mais nível. Mais uma tristeza para os portugueses somarem a dez anos de vexame. 

"Chico" Lopes: um brinde a Cavaco

Pedro Correia, 24.08.10

 

O PCP podia ter escolhido Manuel Carvalho da Silva como candidato à Presidência da República: nada melhor do que o secretário-geral da CGTP para representar um partido que se proclama "dos trabalhadores" na corrida a Belém. Mas dir-se-á: Carvalho da Silva - militante de base do PCP - é demasiado heterodoxo.

Também podia ter escolhido Mário Nogueira: poucas personalidades, nos últimos anos, estiveram tão em foco como ele no combate político ao Governo socialista. O secretário-geral da Fenprof, militante comunista de pergaminhos firmados, chegou a ser mandatário da candidatura presidencial de Jerónimo de Sousa. Mas dir-se-á: Mário Nogueira tem uma personalidade demasiado vincada num partido que privilegia o "colectivo".

Também podia ter escolhido Ilda Figueiredo, que já foi representante comunista na Assembleia da República e hoje lidera a bancada do PCP no Parlamento Europeu, onde é uma das deputadas com melhor folha de serviço - além de uma ortodoxia acima de qualquer suspeita. Mas dir-se-á: Ilda Figueiredo é mulher e o PCP continua um partido misógino.

Também podia ter escolhido Bernardino Soares, presidente do grupo parlamentar do PCP em São Bento. É, pelo menos, um dos dirigentes comunistas mais conhecidos - e pela sua idade poderia atrair alguns eleitores jovens. Mas dir-se-á: Bernardino Soares peca precisamente por ser jovem num partido cheio de eleitores envelhecidos.

Escolheu-se portanto aquele que menos ameaça perturbar a tranquila caminhada de Cavaco Silva rumo a um segundo mandato em Belém: o "camarada Chico Lopes" , como anunciou o secretário-geral Jerónimo de Sousa. Quem é? Um deputado tão obscuro que integra apenas, como suplente, as comissões parlamentares de Trabalho e de Obras Públicas. Um funcionário puro e duro do partido, incapaz de estabelecer pontes com a sociedade civil, totalmente desconhecido da opinião pública portuguesa. Um homem que não aparece, que não dá entrevistas, que não intervém fora do bunker da Soeiro Pereira Gomes. E que hoje mesmo leu umas palavras decalcadas do comunicado do Comité Central, sem autorizar qualquer pergunta dos jornalistas, como se noticia aqui.

Ter "Chico" Lopes como rival é uma excelente notícia para o actual Presidente da República. O PCP, após meses de "reflexão", encontrou enfim o seu Defensor Moura: alguém totalmente irrelevante. Na prática, esta escolha constitui um brinde a Cavaco. Suponho que a esta hora Jerónimo de Sousa já terá recebido um telefonema de agradecimento de Belém. Não merece menos que isso.

Resposta ao Pedro Lomba

Pedro Correia, 01.06.10

 

O enxovalho de que Portugal foi vítima há cerca de dois meses em Praga, por parte do mais alto representante do Estado checo, perante a passividade atónita de Aníbal Cavaco Silva, diz-nos muito sobre o que tem sido o mandato deste Presidente. Cavaco pecou genericamente por defeito, fazendo uma leitura minimalista dos poderes presidenciais. E não me refiro apenas à letra da Constituição, mas também ao seu espírito. O actual inquilino de Belém, por exemplo, abdicou em grande parte do ministério da palavra: quantas vezes, ao longo destes anos, não o ouvimos dizer que não podia comentar os mais relevantes temas da vida nacional?

Em nenhuma outra área este défice da intervenção do Presidente foi tão notório como naquela que o consagrou durante a década de 80 na nossa vida política: as finanças públicas. Cavaco dirigiu-se formalmente aos portugueses sobre a questão do Estatuto dos Açores e o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, mas foi incapaz de discursar sobre a crise financeira e o drama do desemprego, que atinge índices nunca registados em Portugal. O cúmulo desta falta de sintonia entre o Chefe do Estado e as preocupações reais dos portugueses ocorreu na última comemoração solene do 25 de Abril, quando os brutais efeitos da crise já nos batiam à porta: Cavaco, como se vogasse noutra galáxia, preferiu dissertar sobre as excelências do mar.

 

Desafia-me o Pedro Lomba a mencionar exemplos concretos de leitura minimalista dos poderes constitucionais. Já aqui deixei alguns, relacionados com a representação externa do Estado português, o défice de comunicação do Presidente com os portugueses e uma preocupante dissonância entre as prioridades que Cavaco foi enunciando e a realidade. E aqui vai outro: recentemente, o Chefe do Estado orgulhava-se de nunca ter vetado um diploma do Executivo, o que o torna no maior avalista da prática governativa de José Sócrates. Será mesmo motivo de orgulho?

Este seu apagamento voluntário teve a máxima expressão na "concertação estratégica" com um governo que desperdiçou uma legislatura de maioria absoluta na qual foi incapaz de concretizar as reformas de que Portugal necessita. Cavaco a quase tudo assistiu impávido. O País que irá a votos em Janeiro de 2011 em nada beneficiou das palavras de esperança com que o candidato Cavaco Silva lhe acenou na campanha de 2006. E se nem nas questões de consciência o Presidente consegue estar em sintonia com o seu eleitorado - como ainda agora se viu no lamentável discurso que fez ao País para justificar a promulgação dos casamentos homossexuais -, é caso para nos interrogarmos se continuará a justificar-se a eleição do Chefe do Estado por sufrágio universal. Até a isto - sobretudo a isto - Cavaco nos conduziu.

Nós merecemos melhor

Pedro Correia, 29.05.10

"A eleição de Cavaco Silva não foi uma batalha de valores", disse esta noite um comentador alinhado com o Presidente da República num programa de televisão, procurando justificar o injustificável. Sem perceber, este comentador só dá razão a quantos criticam a leitura minimalista dos poderes presidenciais que tem sido feita por Cavaco desde que chegou a Belém: vale a pena eleger um Presidente da República por sufrágio universal se esse escrutínio não resultar de "uma batalha de valores"? A resposta é obviamente negativa. Mas é escusado levar a novidade à tribo de incondicionais do actual inquilino de Belém. Diga ele o que disser, cale o que calar, omita o que omitir, conceda o que conceder, obtém sempre o aplauso caloroso dos membros desta tribo. Merecem o Presidente que têm. Mas nós, que somos mais, merecemos melhor.

Cavaco convertido a Marx

Pedro Correia, 17.05.10

 

Num notável exercício de hipocrisia política, o Presidente da República decidiu promulgar a lei que permite o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Fê-lo logo após ter andado vários dias a correr o País ao lado do Papa e deixando claro que discorda da solução jurídica adoptada, apesar de o Tribunal Constitucional ter eliminado todas as dúvidas que o Palácio de Belém em devido tempo suscitou.

Por imperativos de consciência, ao que tudo indica, Cavaco Silva deveria ter vetado o diploma. Mas um imperativo de consciência, para o actual inquilino de Belém, soa a algo relativo: espantosamente, Cavaco invoca "os milhares de portugueses que não têm emprego, o agravamento das situações de pobreza, a situação que o País enfrenta devido ao elevado endividamento externo e outras dificuldades que temos de ultrapassar" como justificações para promulgar uma lei de que manifestamente discorda. Como se houvesse algum nexo causal entre uma coisa e outra.

Pior: o Presidente, que tem sido extremamente parco em palavras sobre a crise, serviu-se desta "comunicação ao País" a propósito da lei que autoriza os casamentos homossexuais para aludir, insidiosamente, à  "dramática situação em que o País se encontra" e aos "problemas que afectam gravemente a vida das pessoas". Temos, portanto, um Presidente aparentemente convertido ao marxismo: tal como Marx, também ele parece pensar que não é a consciência a determinar a vida mas as condições de vida a determinar os mecanismos da consciência.

Algo a ver com os casamentos entre pessoas do mesmo sexo? Absolutamente nada. Mas a campanha presidencial está quase à porta, o que leva o Presidente a pretender agradar a um maior número simultâneo de eleitores, como ficou transparente neste discurso justificativo que deu duas no cravo e três na ferradura. Um Cavaco surpreendente? Talvez não: o verdadeiro Cavaco, muito provavelmente, é mesmo este. 

O PSD a votos (23)

Pedro Correia, 25.03.10

À hora a que escrevo, já todos conhecemos com clareza as posições que os partidos parlamentares tomarão esta tarde na votação da resolução sobre o PEC. Todos menos um. O do costume.

O PS, naturalmente, vota a favor. CDS, PCP e Bloco de Esquerda anunciaram oportunamente que votarão contra. A incógnita, uma vez mais, parte do PSD: o grupo parlamentar social-democrata permanece reunido, sem linha definida, como se não soubesse bem se há-de assumir-se enfim como um verdadeiro partido da oposição ou continuar a ser a muleta do Governo. Uma imagem perfeita do desnorte desta direcção cessante, encabeçada por Manuela Ferreira Leite, que atende mais aos anseios de Belém do que aos interesses do partido. Daí o inaceitável tornar-se inevitável.

Muitos deputados estão naturalmente divididos entre a obediência àquela que será apenas durante mais umas horas a "líder" social-democrata e a sintonia com o futuro líder, a eleger amanhã. Passos Coelho e Paulo Rangel - ao menos eles - já deixaram claro que se opõem ao PEC e que o partido deve ser consequente com esta conclusão, votando contra. Só Aguiar-Branco, na linha de Ferreira Leite, defende a abstenção.

Se a tese que prevalecer for esta última, que permitirá viabilizar um documento que viola o programa do Governo, merece críticas de destacados socialistas e o próprio partido laranja considera lesivo dos interesses nacionais, estaremos perante uma fraude política que descredibilizará ainda mais o PSD. Hoje, com a "líder" cessante, a abstenção; amanhã, com um novo líder, um voto contra que já não chega a tempo.

Ninguém no País entenderá uma posição destas. Salvo talvez o Presidente da República, que quer evitar a todo o custo uma crise política que perturbe a doce sonolência do Palácio de Belém.

 

ADENDA às 15.45 - A fraude política consumou-se. Manuela Ferreira Leite demonstra o que vale até ao último dia do seu mandato à frente do PSD.

 

Ler também:

- Da credibilidade. Do Francisco Almeida Leite, no Albergue Espanhol.

- PSD é Fitch. De Manuel Castelo-Branco, no 31 da Armada.

- PSD suicida-se. De Gabriel Silva, no Blasfémias.

- Seppuku político. Do António de Almeida, no Direito de Opinião.

- O triste fim de Manuela Ferreira Leite. De Alexandre Homem Cristo, n' O Cachimbo de Magritte.

Presidente como apêndice do Governo

Pedro Correia, 16.03.10

  

 

O balanço dos primeiros quatro anos de mandato de Aníbal Cavaco Silva em Belém nada tem de empolgante. Pelo contrário, Cavaco fez uma interpretação minimal dos poderes constitucionais atribuídos ao Chefe do Estado, transformando "o Presidente da República" (como costuma falar de si próprio) num tabelião do Governo. Ele, aliás, orgulhou-se disso na recente entrevista que concedeu à RTP.

Divergências pontuais que foram sendo sugeridas por notícias nunca atribuíveis a fontes de Belém não ocultam o essencial: por convicção ou tacticismo, Cavaco transformou-se ao longo destes anos no maior avalista das políticas definidas por José Sócrates. A prova mais notória ocorreu na entrevista da semana passada, em que o Presidente se gabou de nunca ter vetado um diploma do Executivo e não escondeu o desejo de ver a oposição (leia-se: o PSD) viabilizar o PEC, apesar das críticas quase unânimes que o documento tem gerado fora do círculo governativo.
Esta leitura das atribuições do Presidente como mero apêndice do Governo tem pelo menos uma vantagem: torna dispensável a eleição do Chefe do Estado por sufrágio directo e universal. Bastará um colégio eleitoral para o eleger, à semelhança do que sucedeu na I República (exceptuando o interregno Sidónio Pais). É um método mais fácil, mais expedito e muito mais barato.

Cavaco dispensou as teses de Maurice Duverger e outros teóricos do semipresidencialismo, simplificando consideravelmente o seu desempenho político: com ele em Belém, o regime tornou-se parlamentarista - daí as referências exaustivas que fez na citada entrevista à "confiança política" que o Executivo minoritário do PS merecerá de momento, na sua óptica, à Assembleia da República. Não sei se o primeiro-ministro já terá agradecido todas estas demonstrações de apreço e consideração que lhe dedica o Presidente. Se não o fez é um ingrato: Cavaco tem sido, até ao momento, um leal colaborador de Sócrates - com um zelo talvez até maior do que alguns ministros.

Lugares-comuns

Pedro Correia, 10.03.10

Fala de si próprio na terceira pessoa, como Júlio César e Mário Jardel. Garante que existem "condições de governabilidade", sem gaguejar no palavrão. Diz aos portugueses que o Presidente da República "não pode demitir o Governo por falta de confiança política", como se alguém tivesse a mínima dúvida nessa matéria. Elege a "estabilidade" como valor supremo na política. Confessa estar "sereno" e "tranquilo" num país que tem 560 mil desempregados e 20% dos jovens sem perspectiva de trabalho. Gaba-se de nunca ter vetado um só diploma do Executivo, como se isso lhe devesse granjear mérito. Aponta o caminho à oposição: deve haver "um entendimento alargado" com o Governo relativamente ao Pacto de Estabilidade e Crescimento. Assegura, contra todas as evidências, que a "cooperação estratégica" entre Belém e o Governo "está viva". Admite que o Procurador-Geral da República só lhe transmite o que muito bem entende, o que não parece perturbá-lo. Debita banalidades como esta: "Ninguém ganha com o descrédito da justiça." Ou como esta: "Os partidos políticos são fundamentais na nossa democracia."

Há muito tempo que não me era tão penoso assistir a uma entrevista televisiva de um Presidente da República, recheada de lugares-comuns. Quatro anos depois de ter tomado posse como chefe do Estado, Aníbal Cavaco Silva ofereceu a si próprio uma prenda de aniversário que pouco ou nada honrou esta efeméride.

Marcelo: a hora do nunca

João Carvalho, 29.09.09

Desta vez, discordando do Pedro Correia aqui em baixo, vou retomar um elemento antigo que já foi apoucado em tempos, que costuma ser desvalorizado, que pode mesmo ser desconfortável, que todos parece evitarem, mas que está sempre silenciosamente presente. Por tradição, esse elemento apenas é referido indirectamente uma única vez, na pergunta que cada um faz perante um candidato presidencial: quem é (quem será) a Primeira Dama?

Marcelo Rebelo de Sousa é um dos homens que jamais chegarão a Belém, por mais condições que possa reunir, porque nunca será Presidente da República quem não leve consigo uma Primeira Dama. Dir-me-ão: a figura institucional da Primeira Dama não existe em Portugal. Eu respondo: não está consagrada de facto, mas existe. Existe não só implicitamente, mas também explicitamente: tem instalações de trabalho, tem staff', tem segurança, tem agenda, tem tudo o que se queira e cumpre um papel, nem sempre fácil e muitas vezes penoso.

Mesmo que assim não fosse, há um factor que um homem só não consegue contornar: o protocolo. O rigor protocolar não dispensa uma Primeira Dama em inúmeras ocasiões, pois um Presidente é recebido, designadamente, por outros Chefes de Estado e, sobretudo, também tem de receber. Tal como acontece no mundo em que o nosso país se insere há séculos, nestas coisas.

Em suma: por muitas condições que Marcelo tenha, faltar-lhe-á sempre uma. Seja qual for a hora. É pouco? Bem, se Portugal não pertence ao Terceiro Mundo, se o Chefe de Estado não recebe convidados oficiais em farda de combate, se não tem o hábito de andar pelo mundo a acampar em tendas, se o staff da Presidência não tem na lapela um emblema vermelho com o rosto do Grande Líder, então não é pouco nem é muito: é a vida.

As 'fontes' e os queixinhas

Pedro Correia, 24.08.09

A advertência

Paulo Gorjão, 08.07.09

A notícia sobre a advertência de Aníbal Cavaco Silva aos partidos políticos lembra-nos, caso fosse necessário, que em Belém também se faz política e que não se paira por cima da paisagem de forma asséptica. A Presidência da República, de forma deliberada, revelou o teor de conversas mantidas em privado com os representantes dos diversos partidos, com a intenção clara de condicionar a agenda. Manobra de dissuasão, pura e dura.

Não me lembro de uma situação semelhante, i.e. em que Belém tenha revelado -- ainda que de forma genérica -- o conteúdo de conversas mantidas em privado.

A Presidência não fez seguramente a advertência em abstracto. Cavaco Silva sabe quais são os diplomas que ainda lhe podem chegar às mãos nas próximas semanas. Pelo sim e pelo não, Belém envia o recado público, como quem diz desde já que depois não digam que não foram avisados. Política, pura e dura.

Vencedores (30)

Pedro Correia, 14.06.09

 

Os resultados eleitorais, esbatendo o bipartidarismo em Portugal, reforçam o papel do Presidente da República no eixo central da política portuguesa. Não por acaso, e como aqui se previu há um mês, no rescaldo imediato do escrutínio Aníbal Cavaco Silva vetou as alterações à lei do financiamento dos partidos, indiferente ao facto de ter merecido aprovação quase unânime na Assembleia da República. O poder - e refiro-me ao poder que conta, não às suas máscaras inseridas em mecanismos de propaganda - mede-se por estes gestos. O desfecho das europeias dá-me ainda mais motivos para manter o que escrevi a 25 de Janeiro: este vai ser o primeiro ano que porá verdadeiramente à prova Cavaco Silva enquanto Presidente da República. Um ano em que as questões de fundo pesarão mais do que as questões de forma.

Os emigrantes agradecem

Pedro Correia, 03.02.09

O mesmo Governo que tem encerrado consulados portugueses pelo mundo fora pretendia agora impor o voto presencial para os emigrantes nas eleições legislativas, pondo fim ao voto por correspondência, que nunca foi contestado em 32 anos de regime democrático. O Presidente da República, com toda a lógica, vetou o diploma. Os poucos emigrantes que ainda se dão ao incómodo de votar agradecem certamente ao Chefe do Estado esta prova de consideração que o Executivo não teve por eles. E assim, com este sétimo veto presidencial, aumentou um pouco mais a distância entre José Sócrates e Cavaco Silva.

2009

Pedro Correia, 25.01.09

 

Este vai ser o primeiro ano que porá verdadeiramente à prova Cavaco Silva enquanto Presidente da República. Um ano em que se assistirá a um reforço da componente presidencial do híbrido sistema político português ou à progressiva transformação do inquilino de Belém no tabelião supremo do regime. Um ano em que as questões de fundo pesarão mais que as questões de forma. Um ano em que se confirmará se a boa moeda consegue expulsar a má moeda, invertendo a Lei de Gresham. Há quem vaticine que sim.