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Delito de Opinião

Hecatombe

Pedro Correia, 11.06.24

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Sorriram, pularam, bateram palmas nas noite eleitoral. Tudo um bocado patético, na vã tentativa de iludir a realidade. Que foi esta: o Bloco de Esquerda afundou-se nas eleições europeias.

Caiu de terceira para quinta força política.

Perdeu mais de metade da percentagem obtida no anterior escrutínio, em 2019 - de 9,8% para 4,3%.

Perdeu metade dos deputados que tinha em Bruxelas - só elegeu a cabeça de lista.

Perdeu quase metade dos votos - tombando de 325 mil para 167 mil.

Se isto não é hecatombe, não sei o que será uma hecatombe.

A liberdade em marcha-atrás

Mortágua em 2024 desmente o Louçã de 2008

Pedro Correia, 21.05.24

 

Mariana Mortágua lidera um movimento favorável à supressão da liberdade de expressão no reduto onde ela deve estar mais salvaguardada: a sala das sessões da Assembleia da República, sede da soberania nacional.

Uma frase de mau gosto debitada por André Ventura na sexta-feira de manhã desencadeou uma onda de exclamações inflamadas contra o presidente da Assembleia da República por não ter mandado silenciar aquele deputado. Aguiar-Branco declarou, pelo contrário, que advoga um conceito muito lato, nada restrito, da liberdade de expressão. Pelo mais louvável dos motivos: não tem vocação para censor.

Faz muito bem. O contrário é que seria preocupante, tratando-se da segunda figura do Estado.

Era o que faltava, neste ano em que celebramos o 50.º aniversário do 25 de Abril, os cravos murcharem ao ponto de alguns quererem transformar o presidente da AR num mestre-escola a distribuir reguadas pelos meninos irreverentes ou num velho regedor de aldeia pronto a suprimir expressões indecorosas. Como se a liberdade em Portugal andasse em marcha-atrás.

 

Acontece que o presidente da AR não pode censurar nenhum deputado. O mandato popular confere-lhes, em absoluto, o direito a não serem perseguidos judicialmente pelas opiniões que emitem em sede parlamentar.

Nem poderia ser de outra forma. Concordemos ou discordemos do que dizem, todos representam a nação, eleitos pelos portugueses. Se exprimirem opiniões que detestamos, mais ainda devemos garantir que possam continuar a emiti-las.

Esta é uma trave mestra da democracia liberal. 

 

Não me espanta que a coordenadora do Bloco de Esquerda pretenda silenciar quem discorda dela: o radicalismo que imprimiu ao partido, desfazendo o legado de relativa moderação de Catarina Martins, é o corolário disto.

Nem sequer me surpreende que um cortejo de «personalidades da música e do entretenimento» tenha logo saído em defesa da lei da rolha. E que uma organização intitulada SOS Racismo, que nenhum português elegeu, exija aos gritos a demissão de Aguiar Branco. Dando razão a Ricardo Araújo Pereira, quando em 24 de Abril escrevia no Expresso: «A frase, tão popular, "a minha liberdade acaba onde a dos outros começa" é curiosa porque, fingindo ser sensata, costuma ser usada para justificar vários atropelos à liberdade. Normalmente, quem a profere não está mesmo a falar dos limites da sua liberdade. A minha formulação "a minha liberdade acaba" faz parte do logro. É sempre da liberdade dos outros que se trata.»

Já me espanta um pouco mais que uma dirigente socialista que respeito, como Alexandra Leitão, navegue nas mesmas águas. Ao ponto de, nessa manhã de sexta-feira, quase ter intimado Aguiar Branco a retirar a palavra ao líder do Chega. Como se o presidente da AR tivesse alguma tutela sobre aquilo que os restantes 229 deputados afirmam, no pleno uso da liberdade que a Constituição lhes faculta.

 

Neste lamentável episódio, Mortágua faz o papel de José Sócrates, que em 11 de Julho de 2008, no mesmíssimo local, exigiu a Francisco Louçã - fundador e então deputado do BE - que tivesse «tento na língua». Enquanto bradava: «Eu não confundo a liberdade com a liberdade de insultar.» E perorava sobre «o excesso de liberdade que põe em causa a liberdade dos outros.» Nada mais triste.

Levou réplica sem demora.

«Entendo que qualquer vertigem censória nunca passará neste parlamento. Eu direi sempre aqui, na minha bancada e neste parlamento, tudo aquilo que quero dizer. E se algum dia alguém lhe disser a si para ter tento na língua, eu estarei a defendê-lo. A grandeza da democracia é defender também o direito de opinião de todos, sem excepção.» 

Palavras de Louçã nessa sessão parlamentar, ripostando a Sócrates em defesa intransigente da liberdade de expressão. Palavras que mereciam aplauso antes e continuam a merecer aplauso agora.

Que diferença. Que degenerescência do Bloco de Louçã para o actual bloco censório de Mariana Mortágua. Pronto a silenciar os outros - hipocritamente, em nome da liberdade.

Ausentes

Pedro Correia, 03.04.24

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BE e PCP decidiram ontem não comparecer à cerimónia de posse do XXIV Governo Constitucional, no Palácio Nacional da Ajuda.

Esta ausência simultânea dos dois parceiros do PS na defunta geringonça revela muito. Nada abonatório para ambos os partidos, que ocupam hoje apenas nove dos 230 assentos na Assembleia da República.

Falta de estatura institucional, falta de sentido de Estado, falta de espírito democrático, falta de ética republicana.

Legado positivo de António Costa

Pedro Correia, 15.03.24

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Desde que se amigaram com o PS para formar a geringonça, PCP e BE perderam 25 deputados.

Em 2015 tinham 36, somados: 19 bloquistas, 17 comunistas.

Hoje restam-lhes 9 (5 do BE + 4 do PC). Quatro vezes menos.

 

Eis o mais visível legado político da geringonça: praticamente a extinção da esquerda radical.

Neste caso, um legado positivo de António Costa - sou o primeiro a reconhecer.

«Atenta às questões dos trabalhadores»

Legislativas 2024 (12)

Pedro Correia, 28.02.24

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Nada mais conveniente, para os partidos com fraquíssima representação parlamentar, do que integrar manifestações alheias para aparecerem na fotografia, fingindo que os poucos afinal são muitos. Consultar a agenda diária de manifestações e colar-se a elas: eis uma forma fácil e expedita de fazer política.

Nestes dias iniciais de campanha eleitoral das legislativas de 2024 o campeão desta chico-espertice tem sido Rui Tavares. No sábado conseguiu aparecer um par de vezes nos telediários integrando-se em duas concentrações populares em Lisboa: uma no Rossio, de repúdio pelos dois anos de agressão da Rússia à Ucrânia; outra na marcha contra o racismo e a xenofobia, na Alameda D. Afonso Henriques. 

Exibiu-se em qualquer dos eventos, transmitindo assim a mensagem subliminar de que toda aquela gente apoia o Livre. 

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A mesma táctica tem vindo a ser seguida por dois outros partidos muito carentes de votos: o PCP e o Bloco de Esquerda.

Aproveitando um protesto dos trabalhadores da empresa multinacional Teleperfomance, também em Lisboa, Paulo Raimundo e Mariana Mortágua surgiram na primeira fila. Com a certeza de que picariam o ponto nos noticiários da noite.

O secretário-geral do PCP lá se ajeitou com o megafone para debitar banalidades, proclamando-se «solidário» com os trabalhadores. A porta-voz do Bloco nem necessitou de megafone, sem ficar atrás do comunista ali na caça ao voto. 

A diligente repórter da RTP deu uma ajudinha. Dizendo isto: «Porque é ao lado dos trabalhadores que o Bloco quer estar.» Enquanto mostrava a bloquista enxugando uma furtiva lágrima de comoção. E culminou a peça desta forma: «Atenta às questões dos trabalhadores, Mariana Mortágua promete que as condições dignas de trabalho vão estar num entendimento à esquerda pós-eleições.»

Linguagem carregada de tintas épicas: pedia sonorização a condizer. Pena não se terem escutado os acordes d' A Internacional. Até a mim daria vontade de chorar.

Sob o signo do Cupido

Legislativas 2024 (5)

Pedro Correia, 09.02.24

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Mariana Mortágua e Rui Tavares "debateram" ontem na SIC Notícias. Debate é força de expressão: parecia antes um rendez vous, tantas foram as miradas enternecidas que dirigiram um ao outro. E as frases plenas de concórdia, harmonia e fraternidade universal. Nem houve um sussurro crítico ao PS.

«Temos objectivos comuns», sublinhava o porta-voz do Livre. «Temos diagnósticos comuns», afiançava em coro a coordenadora do Bloco de Esquerda. Como se estes dois partidos pudessem fundir-se a qualquer momento.

Esperava-se um frente-a-frente, saiu um tête-à-tête. Sob o signo do Cupido, talvez por estar tão próximo o Dia dos Namorados. Entre Mariana Tavares e Rui Mortágua. Amor é cego e vê, como diz o verso da canção. Coisa mais linda não há.

Com o Irão?

jpt, 28.09.22

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Há dias aqui deixei ligação à minha análise do Chéquia-Portugal (0-4): na qual me limitei a expressar a minha estupefacção pela ausência de uma acção simbólica dos jogadores em solidariedade para com Mahsa Amini, a iraniana assassinada pela polícia por não cobrir devidamente os cabelos, e para com os inúmeros iranianos entretanto assassinados nos protestos subsequentes. Tal como referi algum espanto pelo silêncio do jornal da SONAE, carregado de identitaristas activistas, bem como dos sempre tão solidários em causas anti-americanas BE e LIVRE, que não se aprestaram à mobilização de arruadas contra estes factos. Em parte é compreensível, consabida que é a soez hipocrisia destes esquerdistas de "campus" e avenças... Mas o mesmo não se esperaria dos nossos jogadores, lestos a ajoelhar-se por uma morte masculina americana, mas agora prontos a encolher os ombros diante de inúmeras mortes iranianas. Por isso titulei o postal com um "O Futebol Não É Para Mulheres!".
 
Fica agora a notícia que os jogadores da selecção do Irão têm a coragem de afrontar a sua vil ditadura, simbolicamente usando casacos negros sobre o equipamento. Está dado o mote - não a@s esquerdalh@s lus@s, que continuam algo silenciosos face a estas ocorrências, encerrados na sua vilania de prosápia identitarista. Mas sim aos jogadores da bola... 

Cada vez mais colados a Putin

Pedro Correia, 17.09.22

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O PCP arrogou-se ontem o direito de desautorizar os legítimos órgãos políticos da Finlândia e da Suécia. Em Maio, os dois países nórdicos decidiram solicitar a adesão à NATO, no pleno exercício da sua soberania. Em consequência directa da agressão da Rússia de Putin à Ucrânia iniciada a 24 de Fevereiro.

Para que a adesão se concretize, tem de ser ratificada pelos parlamentos dos 30 Estados membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte. Portugal foi um dos últimos a fazê-lo, algo lamentável: só faltam Eslováquia, Hungria e Turquia.

Muito pior - embora nada surpreendente - foi ver o partido da foice e do martelo atrever-se a contestar tal adesão na Assembleia da República para de novo se ajoelhar perante o ditador russo, saudoso do tempo da URSS, quando orava virado para Moscovo.

 

A líder parlamentar do PCP rejeitou categoricamente a integração daqueles dois países na NATO, organização a que Portugal pertence, argumentando que isso «aumentará a tensão» na Europa. Uma vez mais, sem um sussurro de condenação das atrocidades russas nestes mais de duzentos dias de invasão da Ucrânia.

Pelo contrário, Paula Santos mencionou o «processo de alargamento da NATO para Leste» como causa imediata da guerra. Coincidindo com a narrativa oficial do Kremlin.

 

A ratificação passou no hemiciclo, com o apoio da esmagadora maioria dos deputados, merecendo o voto favorável de seis partidos ali representados: PS, PSD, Chega, IL, PAN e Livre.

Mas o PCP não ficou sozinho: foi acompanhado no voto contra pelo Bloco de Esquerda, que desta vez deixou cair a máscara. 

 

«A história da NATO é uma história de guerra e da agressão contra os povos», bradou a deputada bloquista Joana Mortágua. Falando, também ela, como se Portugal não integrasse esta organização. E fazendo coro natural com Mariana Mortágua, sua irmã gémea e parceira de bancada parlamentar.

Lembro que em Fevereiro, na SIC-N, Mariana rendeu-se de tal maneira às posições russas que chegou a justificar a iminente agressão à Ucrânia, ainda antes de se consumar, porque Putin estaria a «sentir o seu espaço vital a ser ameaçado» - argumento similar ao das hordas nazis na invasão da Polónia que originou a II Guerra Mundial.

A posterior retórica desalinhada do BE foi meramente táctica, como a votação de ontem confirmou. No momento da verdade, comunistas e bloquistas convergiram no chocante desrespeito pela autodeterminação da Finlândia e da Suécia.

Gostaria de saber como reagiriam se deputados destes países, adoptando a mesma lógica, colidissem com decisões soberanas do parlamento português.

A aceitabilidade vigente

jpt, 01.03.22

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Face ao que se passa na Ucrânia dir-se-ia secundário atentar no que algumas figuras proeminentes de pequenos partidos portugueses têm proclamado a esse respeito. Mas será importante entender (até "para mais tarde recordar") o que vêm dizendo, tão demonstrativas são essas declarações das mundividências que têm e dos anseios políticos que perseguem. Não para estabelecer postulados meramente moralistas mas para sublinhar a sua fobia à democraticidade, que transparece nas suas manipulações da História, e a qual convém explicitar até pela sua influente presença na comunicação social (televisão e jornais ditos "de referência") - muitíssimo maior do que o efectivo peso eleitoral dos actuais partidos comunistas -, na qual promovem uma chã propaganda falsificacionista. Mas também para sublinhar a absurda ausência de crivo crítico sobre as aleivosias que vão botando, embrulhada numa carnavalesca máscara dita "diálogo democrático" mas que nada mais é do que colaboracionismo.

Esta incompetente colaboração com os locutores destas aleivosias chegou agora a um ponto quase inacreditável. Na sequência da invasão russa da Ucrânia o secretário-geral do PCP criticou Putin, reclamando - em declarações tornadas oficiais pelo seu partido - o respeito pela "notável solução que a União Soviética encontrou para a questão das nacionalidades e o respeito pelos povos e suas culturas". Sabia-se que a ex-deputada Rita Rato - à qual a estrutura do PCP fez herdar a direcção de um museu estatal - desconhecia o tema "Gulag". E que o ex-deputado tatuado Miguel Tiago é um negacionista do Holodomor. E todas essas ignomínias intelectuais são acolhidas como meras idiossincrasias dos comunistas locais. Mas temos agora o desplante total do PCP e do seu secretário-geral, de um vil negacionismo anunciando como "notável" (no sentido de "virtuosa") a política soviética face às "nacionalidades" (muitas vezes ditas "minorias étnicas).

E proclamam uma aleivosia destas, sem rebuço, 66 anos depois do XX Congresso do PCUS, 30 anos após a queda da URSS. Sabendo-se bem os dramáticos atropelos feitos às populações daquele país (ver p. ex. aqui um rol dessas acções de perseguição a "nacionalidades", sendo que existe vasta literatura historiográfica sobre este assunto. E sobre o genocídio na Ucrânia ver, para seguir bibliografia portuguesa, este estudo). E é esta falsificação da História que o PCP e os seus dirigentes continuam a promover, apoiados por militantes e simpatizantes mais ou  menos intelectualizados, essa "parada de idiotas úteis" como bem os define Paulo Batista Ramos, sempre acolhidos no "jornalismo de referência" - como nota o Pedro Correia, exemplificando com o "Público" de hoje, jornal cuja activíssima célula "decolonial" se esquece de atentar numa barbárie destas.

A placidez da recepção a esta proclamação negacionista é tão absurda que me parece necessário um contrafactual para a explicitar, desnormalizando-a. Imagine-se que o partido CHEGA ou o seu presidente Ventura, sobre os quais se exige uma "cerca sanitária", desencadeia proclamações basto elogiosas sobre o colonialismo em África - não será assim tão descabido esperar isso pois lembro-me que, in illo tempore, no do frenético bloguismo "liberal", o prof. Arroja clamava que os escravos africanos levados para América tinham com isso beneficiado, pois passando a gozar de melhores e mais longas vidas, argumento muito a la XVIII e até inícios de XIX... Fujamos ao nosso colonialismo, sempre temática sensível. Imaginemos que, por algum motivo, a liderança do CHEGA elogia o "notável" regime colonial na Namíbia ou as "notáveis" virtudes civilizatórias da Bélgica de Leopoldo no Congo

Que então se diria, entre aqueles para cá da "cerca sanitária", sobre essa abjecta falsificação da História? Louvaríamos (seguindo o ror de elogios que recobriu o sec.-geral Sousa aquando do seu recente problema de saúde) a "face granítica" de "homem honrado", "simples", "franco", "simpático", "empenhado", "humilde" do locutor dessas aleivosias colonialistas? Com toda a certeza que não, e decerto que cairia o Carmo e a Trindade entre os entusiásticos "decoloniais". Então a que propósito é que se aceita com simpatia esta comunista falsificação, ainda por cima sobre assuntos similares que nos são historicamente mais próximos e que, evidentemente, se estão a refractar na actual crise europeia?

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Mas estes quadros mentais não se esgotam no PCP. Há dias vi um excerto televisivo no qual a deputada Mariana Mortágua algo sumarizava as causas desta crise ao invectivar o governo ucraniano de "corrupto" e "neonazi" - sendo que este é um tópico recorrente, e lembro que já há três anos o activista anti-discriminações Ba reduzia os ucranianos a nazis, ante o silêncio das hostes identitaristas, quantas outras vezes mui especiosas em questões de epítetos... -, reproduzindo qual um desses "idiotas úteis" a propaganda moscovita. E ao falar sobre o assunto logo amigo mais atento me recomendou a audição deste programa Linhas Vermelhas

Convém ouvir - e até bastarão os primeiros cinco minutos. Em primeiro lugar, e num plano mais geral, é um espantoso exemplo desta perversão normalizada na imprensa portuguesa, a atribuição aos políticos do papel de animadores/comentadores. Ou seja, o primado da reflexão sobre as realidades actuais não é destinado a jornalistas, a investigadores, a profissionais especialistas, a académicos, a membros das associações da sociedade civil, etc. Mas sim aos políticos. Isso é uma dupla perversão: se quantas vezes nos queixamos da falta de qualidade da "classe" política como é possível que isso não se reflicta na pobreza da análise generalista que os políticos trazem? E é evidente que os políticos em actividade têm uma análise do real em função das agendas partidárias, o que ainda mais a empobrece, por defeito de enviesamento e, quantas vezes, de autocensura.

E estes breves minutos iniciais são disso exemplo paradigmático. Nas vésperas da invasão russa Mortágua nega a possibilidade dessa ocorrência, atribuindo os alvitres dessa possibilidade a mera propaganda ocidental e aos discursos de alguns líderes (Biden, Johnson) - tamanho o seu aprisionamento a um visão anti-"ocidental", de facto avessa às democracias liberais. O vigor das suas certezas ali proclamadas são um evidente, enorme e até acabrunhante sinal de incompetência para aquela mera tarefa de "comentário político" sobre a actualidade internacional. Mortágua torna-se ali ridícula. Mas não será decerto por isso afastada daquele palanque de propaganda político-partidária. 

Mas muito mais relevante do que isso é o conteúdo da sua argumentação. Critica Putin e seus anseios. Mas algo justifica a sua política devido a uma contextualização (a la carte) do processo daquela região, uma típica historicização que se pretende legitimadora. Invoca a condição "humilhada" da Rússia e a sua necessidade de um "Espaço Vital". Isto é tão boçal que custa a crer - pois é a pura  recuperação do argumentário da Alemanha nazi, a questão da "humilhação" com o tratado de Versailles e a necessidade de abranger um Espaço Vital (a apropriação nazi do Lebensraum de Ratzel). Chegámos a isto, em Mortágua a repulsa pelas imperfeitas democracias liberais é tamanha que "compreende" o seu agressor imediato através de termos, ideais, com esta genealogia. E temos então a tão "respeitada" e tão "competente" deputada da "esquerda" tão "identitarista" (e nisso "multicultural") a valorizar a necessidade do Lebensraum...

Enfim, há anos tanto se gozou quando Cavaco Silva trocou Mann por Morus, tal como quando Santana Lopes se atrapalhou com Chopin, anódinas asneiritas. E agora a camarada Mortágua avança o Lebensraum contra os norte-americanos e a União Europeia? E a atoarda passa incólume. E ainda bem que não é apanhada como dislate, até aparvalhado. Pois não é apenas isso, mas sim denotativa da malvadez da deputada, dos seus perversos desígnios políticos.

Uma manifestação diante da embaixada russa

jpt, 28.02.22

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Ontem houve uma manifestação em Lisboa diante da embaixada russa, convocada por seis partidos e que congregou gente variada - nisso incluindo ucranianos (e não só) residentes, que haviam estado numa outra manifestação no Terreiro do Paço.
 
Lá fui, acompanhando alguns velhos amigos - todos nós com parco historial nestas demonstrações. Ao fim de umas duas horas retirei-me, já algo exaurido com tamanha actividade física. E nessa via, ali à Rovisco Pais, na rectaguarda dos manifestantes, deparei-me com este núcleo do BE (que recordo através de foto encontrada em mural alheio), uma rapaziada de aspecto juvenil-rebelde polvilhada de um punhado de velhotes barbudos e vestes descuidadas, tal e qual eu (só que mais carecas).
 
Ao vê-los sorri, num murmurado "olha, estes afinal vieram!" - pois o BE não se associara à manifestação, porventura porque uma Mortágua já sumarizara a posição do partido: é duvidoso que o governo ucraniano tenha apoio popular, está cheio de neonazis e é corrupto, deixando assim implícito que será descabido o suporte a uma autonomia soberana que o sustente. Mas ainda assim, e pelos vistos in extremis, os activistas do BE lá avançaram, pintalgaram um pano com um símbolo do partido com as cores da bandeira dos tais neonazis, e uns dizeres alusivos.
 
Nas cercanias do tal destacamento encontrei uma queridíssima amiga, a qual não via há alguns meses (vale a pena ir às manifestações, comprovei isso). Logo ficámos de conversa, projectando o nosso futuro comum. E nesse sorridente entretanto melhor atentei nos tais dizeres bloquísticos, ali nada ondulantes na calmaria.
 
E logo me ocorreu que quando daqui a algum tempo, mais ano ou menos ano, os EUA voltarem a pôr a tropa na poça, estes hipócritas comunistóides sairão à rua, convocando eles próprias as manifestações e abancarão na primeira fila com dísticos de "abaixo o imperalismo". Sem sentirem a urgência de a este pluralizar nem de aludir a outras malevolências...

Da estupidez na política

Pedro Correia, 04.02.22

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Foto: Leonardo Negrão / Global Imagens

 

Quem pôs fim à geringonça foi primeiro o BE, ainda em 2019, e depois o PCP, a reboque do anterior.

Ambos chumbaram o Orçamento do Estado para 2022, aliados a todas as direitas. Enquanto diziam demonizar o Chega, juntavam os votos a esse partido.

Sabiam todos, por terem sido avisados, que esse chumbo - inédito na democracia portuguesa - conduziria o País a eleições antecipadas.

Não quiseram saber: embarcaram num voo cego ao abismo.

 

O PS engordou nas urnas - passando da maioria relativa à maioria absoluta.

O Chega multiplicou por 12 o número de deputados.

A bancada do PCP ficou reduzida a metade e perdeu o próprio líder parlamentar, excluído pelos eleitores.

O BE viu partir 79% dos deputados: tinha 19, ficou apenas com cinco.

 

Bloquistas e comunistas estavam à beira do precipício. Deram um passo em frente. Confirmando o aforismo de Einstein: «Duas coisas são infinitas - o universo e a estupidez humana.»

Costa, sorridente, agradece. E Ventura também.

Ainda os insultos a Ferro Rodrigues

jpt, 23.09.21

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(Homem com altifalante, Correio da Manhã, 10 de Agosto de 2014)

Levantou celeuma o episódio dos recentes insultos a Ferro Rodrigues proferidos - enquanto o Presidente da Assembleia da República almoçava com família e próximos colaboradores - por um grupo de adversários das vacinas contra o COVID-19. Li e ouvi vários exigindo averiguações e processos jurídicos contra os manifestantes. Muitos negaram - como se nisso agravando a situação - o carácter espontâneo afirmando-lhe dimensão organizada e até tutelada. E foi notório que vários implicitaram ou explicitaram ser aquilo o "ovo da serpente", um ataque inaudito à democracia. Nisso exigindo-se um procedimento criminal. Ouvi mesmo, num programa de produção de opinião política, a secretária-geral adjunta do PS e dois antigos dirigentes do PSD e do CDS clamarem por um processo contra os manifestantes, afirmando um "crime público" e até criticando, ainda que moderadamente, Ferro Rodrigues por não ter apresentado queixa.

Sobre isso aqui botei o "Mulher com Altifalante", recordando processos similares ocorridos há meia dúzia de anos, e que não vêm sendo considerados pelos produtores de opinião como o primeiro passo na escalada para o fascismo. E li ontem um texto muito interessante, muito informado, de Carlos Guimarães Pinto: "Lágrimas de Blocodilo". É uma memória preciosa, até porque explicita fenómenos similares aos que aconteceram agora com Ferro Rodrigues mas com implicações políticas muitíssimo maiores.

Transcrevo um excerto: "Insultar ou ameaçar durante uma visita oficial ou atividade política já é condenável, mas fazê-lo enquanto a pessoa está num momento da sua esfera privada é muito mais grave porque rouba à pessoa o direito a ser mais do que político. Reprimir esse direito é uma forma desumana e antidemocrática de condicionar a ação política.

Este caso fez-me lembrar outro já com nove anos. Passos Coelho saía de casa com a sua mulher e filha de cinco anos quando um grupo de pessoas que o esperava à porta de casa se aproximou deles para o insultar. Chamavam-lhe assassino por causa das portagens na Via do Infante (que estariam a causar acidentes mortais na EN125). A filha, assustada pelos insultos, começou a chorar. Tal como no caso de Ferro Rodrigues, a segurança pessoal evitou males maiores. Nessa altura, poucas vozes se levantaram à Esquerda para condenar o sucedido. Pelo contrário, no ano seguinte o BE publicitou um novo protesto à porta da casa de Passos Coelho. O responsável pela organização do protesto acabaria eleito deputado pelo BE. A intrusão violenta na esfera privada não só não foi condenada como foi institucionalizada, incentivada diretamente por um partido e o seu organizador promovido dentro desse partido. Nessa altura acharam que valia a pena insultar e intimidar um pai que levava a sua filha à praia por causa de uma portagem. O organizador tornou-se deputado em 2015, aprovou vários orçamentos, mas a portagem continua a existir. Não se lhe conhecem protestos junto à casa de férias de Costa a chamar-lhe assassino por manter a portagem."

O texto peca por não nomear o indivíduo a que alude - o que é nítido eco de um traço cultural português, o de elidir o "nome dos bois". Eu não me lembrava destes episódios, naquela época vivia no estrangeiro e ter-me-ão escapado. Por isso fui agora procurar informações sobre o assunto. E pelo que percebi o putativo organizador dessas arruadas insultuosas, depois elevado a deputado, chama-se João Vasconcelos. Será ele um agente do fascismo? Têm a palavra os indignados.

O dinheiro não cai do céu

Paulo Sousa, 26.05.21

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O sentido deste provérbio popular, que explica que sem trabalho não se consegue nada, foi desonestamente deturpado na última campanha do BE. Assim, este partido da esquerda aburguesada pretende defender a criminalização do enriquecimento ilícito. Até aí tudo bem, mas em vez de meter a foice em seara alheia, que é como quem diz, em vez de deixar os provérbios populares para o seu Mestre Jedi, o camarada Jerónimo, devia apostar naquilo em que os seus criativos são bons, e que é em produzir soundbites sonantes, e isto não é soundbite sonante, mas apenas um provérbio corrompido.

Nesta infeliz campanha, de forma a transmitir que por de trás do dinheiro há sempre ilicitude, o BE faz por ignorar a possibilidade de se ter dinheiro como resultado de trabalho, esforço ou talento. Esta é a forma enviesada como vêem o mundo.

Este provérbio seria uma óptima resposta a muitas das medidas que defendem e que se encaixam na velha política de querer acabar com os ricos. Quisessem antes acabar com os pobres e não teríamos um quinto da nossa população abaixo do limiar da pobreza, nem aceitaríamos que um terço dos pobres tenha trabalho regular. E tudo por não se querer olhar para o que é bem feito noutras paragens, onde o dinheiro também não cai do céu, mas as políticas públicas permitem que a riqueza cresça e quando o bolo é maior há mais para dividir.

Assim, governados por esta visão deturpada, faz-se por ignorar que para demasiados portugueses a prosperidade só é possível pela emigração.

Discurso de ódio

Paulo Sousa, 22.11.20

Já por várias vezes me referi aqui ao Dr. Ventura como tendo um discurso javardo.

Já entendemos que o método dele passa por se armar em corajoso descarregando uma atoarda para no dia seguinte dizer algo muito mais contido, piscando assim o olho aos descontentes não javardos. Desta forma procura angariar simpatias a estes dois segmentos do eleitorado simultaneamente .

Não quero fazer análise política para desatar a fazer as contas a quem dá jeito ter um "javardo de serviço" no espaço público, mas basta ver a atenção que o poder lhe dá para ser fácil concluir que cada minuto que se fala das javardices do líder one men show do Chega é um minuto a menos que se fala do destrambelhamento com que se tem lidado com a chegada deste vírus diabólico.

Mas é o discurso de ódio que hoje me faz aqui escrever. Até que ponto podemos ficar indiferentes a uma figura pública que em discurso dirigido a quem o queira ouvir, venha apelar à morte de outros cidadãos, especificando que o critério de escolha se baseia na cor da pele?

Se dizer “Nós temos é de matar o homem branco” não é discurso de ódio, então não existirá discurso de ódio. É fácil de concluir que esta linguagem ultrapassa claramente o discurso javardo do Chega e fico a aguardar que alguém no espaço público tome uma posição sobre estas declarações do Sr. Mamadou.

A superioridade moral dos "pós-marxistas"

jpt, 20.11.20

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A monumental cacetada televisiva que Sérgio Sousa Pinto decidiu dar em Rui Tavares, antigo deputado do Bloco de Esquerda e agora líder do "Livre" - aquele partido que o advogado Sá Fernandes, ex-candidato do MDP/CDE, reclamou como o primeiro partido de esquerda que "não vem do marxismo" (qu'isto não há limites ...) - tem dado para rir, em particular pela sonsice patenteada por Tavares (ver o curto filme abaixo). Sobre isso do agora Livre, do BE e do PCP terem sido dirigidos no Parlamento Europeu por um consabido antigo informador da STASI, a temível polícia política da RDA, bem esmiuça Rui Rocha.

 

(Intervenção de Sérgio Sousa Pinto no "Grande Debate", 17.11.2020, RTP)

Mas ainda que a tal sonsice tavaresca tão mostrada possa irritar convém não esquecer uma outra coisa. É que a candidata presidencial Matias também faz parte deste pacote. Pois também ela se perfilou num grupo parlamentar capitaneado por um consabido esbirro. É, decerto, um excelente cartão de visita eleitoral.

Enfim, sobre as sempre reclamadas superioridades morais está tudo dito ...

O regresso da ideologia

Paulo Sousa, 24.09.20

A chegada da IL ao hemiciclo permitiu o regresso do saudável e saudoso debate ideológico ao espaço público.

Durante demasiado tempo, sempre que dois políticos se encontravam à frente das câmaras de uma televisão discutiam apenas a espuma do dia. Fora disso, o melhor que conseguiam era garantir que conseguiriam vedar as sempre incontinentes contas públicas, o que nunca foi mais de que uma redonda mentira.

Como já foi aqui referido pelo nosso colega José Meireles Graça, há poucos dias na SIC Notícias debateu-se a proposta da IL para a adopção de uma taxa única de IRS. Além da proposta em si havia como pano de fundo as declarações proferidas pelo Dr. Anacleto no seu programa da SIC. O deputado da IL, João Cotrim Figueiredo, acusou-o nas redes sociais de ter mentido e deturpado o conteúdo da proposta de flat rate. Esse foi o tema de arranque do debate. No decorrer da troca de argumentos o deputado bloquista enredou-se nas suas fintas semânticas e, provavelmente sem dar por isso, confirmou a mentira do seu chefe. Nada de novo para um conselheiro do Estado Português.

Olhando com atenção, dá para apreciar ainda a forma como o jovem delfim de Louçã afirma que esta proposta não é esta proposta, porque 'eu é que sei bem o que lhe vai na alma'. Esta é uma técnica que consiste na recusa do debate e avança para o julgamento moral. É populismo mas do bom. Se fosse usado pela direita seria asqueroso.

Eu, que gosto de enquadramentos históricos, gostaria de lembrar ao mano mais novo do Daniel Oliveira (aquele que faz rir) que nesta conversa ele assumiu a defesa da situação, ou seja, a defesa de um sistema fiscal que lhe permita (sem óculos escuros ele não consegue esconder a chispa) acabar com os ricos, mas que na prática nos empobrece a todos.

Já aqui referi que os partidos da esquerda unidos à volta do OE, constituem as forças conservadoras da actualidade. O BE e o PCP, os acólitos do PS, são tão coerentes como um apenas um revolucionário conservador poderá ser. Admito que tenham consciência do ridiculo, mas não conseguem resistir a uns biscoitos de reforço positivo.

Os irrecuperáveis vinte anos de estagnação económica, que marcarão estes anos da nossa vida, estão ligados a este modo de esmifrar a riqueza produzida pelos portugueses.

Li não sei onde que o debate político deverá trazer sempre à liça o passado, o presente e o futuro. Estes três diferentes tempos não deverão ter sempre o mesmo peso nas decisões, mas nenhum deverá ser humilhado. Os socialistas que há décadas nos governam são uns amantes obsessivos do presente. Eles desprezam o passado e odeiam o futuro. De facto, eles são os inimigos do futuro. Para os socialistas, em troca do poder imediato não existe nenhuma questão de princípio que não seja negociável. Manter o poder é a sua ideologia. É o seu alfa e o omega. Por ele, tudo.

O debate

José Meireles Graça, 22.09.20

O deputado da Iniciativa Liberal debateu na SicN sobre a taxa única de IRS com um ex-deputado do Bloco, um expatriado  que se juntou aos portugueses que, com trânsfugas de outras nacionalidades, fingem que deputam no Parlamento Europeu.

O assunto não tem nem de longe tanto interesse como as mamas de Cristina Ferreira, que ultimamente têm uma preocupante tendência para crescer, nem muito menos a mais recente tolice de um governo qualquer, ou do nosso, para fechar a porta à Covid, o fantasma que não vai matar quase ninguém, enquanto os residentes que não morrem de doenças sérias não tratadas, fome ou exaustão, criam dívidas que julgam que não vão pagar.

Mas um partido político tem de ter bandeiras. E esta, a da taxa única, não tem nenhuma hipótese de ser desfraldada no alto de uma colina de preconceitos, o que não quer dizer que não valha a pena agitá-la – todas as bandeiras vencedoras hoje já foram vencidas no passado.

O tal ex-deputado do Bloco, de nome Gusmão, recita a vulgata da seita, que no caso consiste em dizer que muitos poupam 50 euros (esqueceu-se com admirável manha de esclarecer que seria por mês) enquanto uns poucos, os ricos, guardam milhares que não lhes fazem falta; que isto criaria um buraco nas contas públicas que só poderia ser tapado com cortes no SNS e no ensino público; e que nos países mais desenvolvidos (começou por dizer com aquela lata mentirosa de que os adeptos de Frei Anacleto Louçã e Soror Mariana detêm o segredo que era em todos os da UE, depois centrou-se na Holanda como o farol que, nesta matéria, deveríamos seguir) havia várias taxas de IRS, a mais gravosa sempre altíssima.

Cotrim Figueiredo, com serenidade, rebateu as indignações daquele pai dos pobres. Não disse tudo o que poderia ter dito (por exemplo, ficou por referir que a comparação de taxas sem referir os montantes a partir dos quais se aplicam significa que em Portugal se considera rico, para o efeito de o acabrunhar com impostos, quem é apenas remediado) mas nem houve tempo nem é possível dizer tudo sobre uma matéria complexa, e um debate velho, onde a cada argumento de um lado cabe um argumento do outro, quase sempre ficando de fora os pressupostos de cada trincheira.

Que pressupostos são esses? Do lado do indignado, são a superioridade moral (ele defende os pobres, o opositor os ricos), que é recorrente na esquerda em geral e aparece no Bloco dobrada em raiva virtuosa; a concepção da economia como um jogo de soma nula, isto é, em que as perdas de uns são os ganhos de outros; a ideia de que o investimento, e a gestão, públicos, são equivalentes no desempenho ao investimento e gestão privados; e a opinião de que a igualdade material entre os cidadãos é um bem em si, que não carece de demonstração por ser uma verdade axiomática.

Claro que não há qualquer superioridade moral da esquerda em geral, muito menos de um moço de aspecto piolhoso com os olhos coruscantes de ódio aos ricos, debitando argumentos serventuários de uma trombeteada generosidade e uma oculta inveja; na economia que cresce pouco ou nada, como foi o caso durante a maior parte da história da humanidade, os ganhos de uns eram efectivamente as perdas de outros, mas deixou de ser necessariamente assim desde fins do séc. XVIII; se a gestão privada fosse igual à pública, a nacionalização dos meios de produção não teria produzido, como invariavelmente produziu, sociedades de generalizada carência; e é preciso uma grande dose de cegueira para não ver que os países que nos vêm ultrapassando na hierarquia dos rendimentos por cabeça têm muitas coisas que nos faltam, uma delas sendo a competitividade e a simplicidade fiscais – a igualdade, ou melhor, a obsessão igualitarista, não faz parte desse lote.

Gusmão, estás por fora, meu chapa, a única coisa que contigo pode progredir é o retrocesso. Que poderias ter dito ao teu opositor que enriquecesse o debate? Algumas reflexões, dentro dos pressupostos dele que, já se vê, tem paciência, são os bons: que a fiscalidade simples e modesta, em vez de complicada e rapace, é adjuvante do crescimento, mas que há um tempo de espera que não é seguro que as nossas calamitosas contas públicas possam suportar. Pelo que começar pela reforma do IRC talvez fosse mais judicioso; que o nosso Estado gordo é uma mochila demasiado pesada para um viajante que quer andar mais depressa do que os outros, pelo que a reforma de que toda a gente fala ou implica extinções de serviços espúrios ou não é reforma; e que o Estado de Direito é para valer em todos os domínios, e que portanto a inversão do ónus da prova em matéria fiscal, os poderes inquisitoriais de uma casta de funcionários inimputáveis pagos com prémios pelos seus abusos são perversões a eliminar como condição prévia a qualquer reforma fiscal.

Isto e muitas outras coisas. Que talvez vejam a luz do dia quando houver uma quarta falência, ou o eleitorado descobrir que já só tem atrás de si a Albânia, ou, ou.

Até lá, alguém tem de manter acesa a chama do senso, do realismo e da esperança. Foi só por um quarto de hora? Ora, na Venezuela que Gusmão estima nem isso têm.

Amarga lição para o Bloco

Pedro Correia, 14.07.20

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Pablo Iglesias: «derrota sem paliativos» na Galiza e no País Basco

 

Sabe-se hoje que o Bloco de Esquerda esteve a um passo de integrar um Governo de coligação com os socialistas, em Novembro de 2015. Naquela altura António Costa estava disposto a tudo para ascender ao poder na sequência imediata da derrota aritmética sofrida nas legislativas, meses após ter defenestrado o seu camarada António José Seguro por averbar uma vitória eleitoral nas europeias que lhe soube a "poucochinho".

Durante alguns dias, diversos cenários foram equacionados. Só a intransigente recusa do PCP em participar no Executivo fez recuar o BE. O partido da foice e do martelo vive permanentemente assombrado com o fantasma de 1981, quando François Mitterrand integrou quatro ministros comunistas num Executivo de coligação dominado pelos socialistas em Paris: foi o primeiro passo para a irremediável decadência do Partido Comunista, que chegou a ser o mais votado em França e hoje está quase extinto.

O BE não quis deixar o PCP à solta na oposição de esquerda a Costa: os dois partidos detestam-se e vigiam-se mutuamente, monitorizando cada passo. Assim nasceu a chamada "geringonça" - solução esdrúxula em que todos se uniam pela negativa, rejeitando novo Executivo PSD/CDS, mas sem acordo de legislatura além de umas linhas rabiscadas à sucapa num gabinete parlamentar com os jornalistas mantidos à distância e nem uma câmara de televisão a registar o acontecimento. Como se tivessem vergonha uns dos outros.

 

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Um papel rabiscado à pressa: assim nascia a "geringonça"

 

A verdade é que, desta forma, Costa conseguiu o melhor de dois mundos: a troco de cedências mínimas, viu todos os Orçamentos do Estado aprovados sem o ónus de trabalhar com ministros filiados noutras forças partidárias. Vocacionado para exercer como força de protesto, cada vez mais simbólico e residual, o PCP fez um enorme favor ao primeiro-ministro. 

Mas também acabou por fazer um favor ao Bloco. Repare-se no que acaba de suceder em Espanha: em duas importantes eleições de âmbito regional - as primeiras ali realizadas desde a formação da aliança governativa entre PSOE e Unidas Podemos (UP), marca similar ao BE no país vizinho - a grande derrotada foi precisamente a esquerda radical, hoje com cinco representantes no Conselho de Ministros. Incluindo uma das vice-presidências do Governo: a da área social, confiada a Pablo Iglesias.

É o primeiro Governo de coligação em Espanha desde 1936. E é também a primeira vez desde a precária "Frente Popular" formada nesse ano que a esquerda de matriz marxista-leninista ascende ali a postos governativos. Seis meses depois, já com graves consequências para os seus desígnios: a formação liderada por Iglesias acaba de sofrer duas vergastadas nas eleições autonómicas disputadas em terrenos emblemáticos. Fica sem representação no parlamento da Galiza, onde há quatro anos fora a segunda força mais votada, com 14 deputados e 19% dos votos (agora só conseguiu 4%), e perde quase metade do seu elenco parlamentar no País Basco, onde cai para o quarto posto, recuando de 11 para seis deputados e baixando de 15% para 8%.

«Uma derrota sem paliativos», como a descreveu o próprio Iglesias numa mensagem do Twitter - única reacção de um dirigente nacional da UP na noite eleitoral de domingo, dominada pelas vitórias do Partido Popular na Galiza e do Partido Nacionalista (conservador moderado) no País Basco. A chamada "verdadeira esquerda", que ascendeu ao poder nas circunstâncias mais adversas (após ter registado um claro recuo nas urnas a nível nacional e escassas semanas antes do início da crise pandémica) paga agora o preço da erosão governativa. E também das suas fracturas internas: na Galiza, Iglesias impôs um fiel à revelia das estruturas locais, desmobilizando as bases; no País Basco, a marca UP - que congrega várias forças à esquerda do PSOE - teve quatro líderes em cinco anos. 

 

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Catarina e Costa: antes ser Sísifo do que Fausto

 

Catarina Martins olha para estes catastróficos resultados do seu camarada Iglesias e certamente já terá agradecido intimamente ao PCP o favor de ter contribuído para manter o Bloco fora do Governo, mesmo com os socialistas sem maioria. Porque a derrocada dos "podemistas" em Espanha ilustra bem o dilema insolúvel das forças políticas situadas à esquerda do PS em Portugal: o poder, para elas, situa-se sempre numa dimensão utópica. Optam por Sísifo em vez de Fausto: estão condenadas a reclamá-lo em permanência sem jamais cederem à tentação de o experimentar. Só assim evitam um rápido declínio e a imparável extinção.

Eis uma amarga lição para todos aqueles que, no interior do Bloco, ainda sonham com um lugar no Conselho de Ministros. É a vida, como dizia o outro.

O Padre Vieira e a Coordenadora Martins

jpt, 14.06.20

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(Catarina Martins) diz que pichagem na estátua do padre António Vieira visou descredibilizar movimento anti-racista.

Podemos concordar ou discordar dos conteúdos intelectuais e políticos do movimento anti-racista, ou das suas expressões públicas. Mas isso não nos impedirá de concordarmos no desagrado com os políticos que mentem. 

Ora estas afirmações da coordenadora Martins são uma óbvia mentira, e ela sabe-o. A alusão a conspirações e a agentes infiltrados, "provocatórios", foi retórica constante no movimento comunista internacional. E se há proclamação que demonstra a continuidade da filiação daquela coligação no ideário comunista é esta falsária atoarda. Apesar de Martins andar por aí a apresentar-se como de "programa social-democrata".

O escárnio gráfico (facilmente reparável) em peças de escasso valor patrimonial não é grave, apenas irritante. E os jovens que meio-militam neste meio-movimento dentro de 10 anos serão doutores, muitos dos quais trabalhando em organismos públicos e nisso ciosos do "seu" património, estatutário no funcionalismo, e o material-simbólico que esteja sob a tutela dos seus chefes. E, pois se agora já algo politizados, logo se inscreverão no PS do momento. Alguns, mais abonados, ainda andarão pelos movimentos que são BE até poderem ambicionar o posto de chefe de secção, e então passarão definitivamente à casa-mãe. Tudo isto sem ondas. Pois não há nada de novo sob este Sol, está escrito num texto que é património.

Mas o agora relevante é a aldrabice da coordenadora comunista, a demonstrar-lhe o âmago. De facto, as pirraças gráficas são um mimetismo do que vem sendo feito noutros países. Mas são também uma tradição portuguesa. E no caso deste movimento dito anti-racista, e que recentemente foi muito propagandeado pela coligação entre secessionistas do BE e plumitivos socratistas, é uma actividade consagrada, e até recomendada, como meio de afirmação. Não é, e Martins sabe-o, obra de "agentes provocadores".

Exemplifico essa consagração deste meio de afirmação. Na imprensa nacional o jornal que mais tem acarinhado este movimento político é o "Público". Em 2 de Fevereiro publicou um longo texto de autoria de 4 académicos "O Padre Vieira no país dos cordiais", no qual, entre outras matérias, é zurzida a nova (e tão pobre) estátua. O artigo é interessante e levanta pontos de forma competente. Acima de tudo, para meu gosto, refere que as críticas ao "anacronismo" destes juízes da História estão também elas pejadas de anacronismos. E nisso têm razão os autores. Ainda que não consigam chegar à conclusão óbvia: as causas exacerbadas conduzem ao estupor argumentativo. Mas porventura nunca poderão aí chegar, devido a limites próprios.

Nesse artigo foi, implicita e intrinsecamente, louvada a acção de "recontextualização" das estátuas (a de Vieira e outras), "intervencionadas" pois "pichadas" com "mensagem (...) firme". E foi refutada a acusação de "vandalismo" a tais práticas pois tratam-se de "dissidência cívica": "Porém, trata-se daquilo a que Frédéric Gros chamou dissidência cívica (Désobéir, 2018). Aquilo que os pichadores fazem não é mais do que se reconhecerem a si mesmos como sujeitos políticos, no quadro da reinvenção de uma democracia que se quer crítica e interrogativa. A “merda” que os pichadores do Porto incordialmente demandam que seja retirada é uma estátua mas é também, e sobretudo, a materialidade dos consensos impostos no espaço público; o fim da hegemonia narrativa imposta pelos seus guardiães."

Não estou a dizer que os 4 autores do artigo são instigadores ou responsáveis, ou vândalos. O que digo é que estes urros gráficos são uma constante neste movimento (e noutros) e que são uma expressão consagrada e louvada pelos intelectuais integrantes, esses com estatuto académico e militância política suficientes para acederem ao "Público". E que, em assim sendo, é óbvio que as invectivas gráficas não são obras dos tais imaginários "agentes provocadores" que a coordenadora Martins vem brandir.

Uns rabiscos e uns palavrões numa estátuas a que poucos ligam não são relevantes - mostra-o o estado "grafitado" das cidades portuguesas. O relevante é termos dirigentes políticos que mentem com toda a desfaçatez. Isso é que é importante. E Martins está aqui a mentir com a boca toda, apesar da máscara que usa. E eu troco a patética estátua do Vieira, e mais algumas, por um dirigente, ou mesmo mais alguns, que não minta(m) com tamanha impudicícia. Este movimento, se não fosse apenas meio-movimento de jovens esparvoados e de académicos demagogos, poderia pensar nisso.