O deputado da Iniciativa Liberal debateu na SicN sobre a taxa única de IRS com um ex-deputado do Bloco, um expatriado que se juntou aos portugueses que, com trânsfugas de outras nacionalidades, fingem que deputam no Parlamento Europeu.
O assunto não tem nem de longe tanto interesse como as mamas de Cristina Ferreira, que ultimamente têm uma preocupante tendência para crescer, nem muito menos a mais recente tolice de um governo qualquer, ou do nosso, para fechar a porta à Covid, o fantasma que não vai matar quase ninguém, enquanto os residentes que não morrem de doenças sérias não tratadas, fome ou exaustão, criam dívidas que julgam que não vão pagar.
Mas um partido político tem de ter bandeiras. E esta, a da taxa única, não tem nenhuma hipótese de ser desfraldada no alto de uma colina de preconceitos, o que não quer dizer que não valha a pena agitá-la – todas as bandeiras vencedoras hoje já foram vencidas no passado.
O tal ex-deputado do Bloco, de nome Gusmão, recita a vulgata da seita, que no caso consiste em dizer que muitos poupam 50 euros (esqueceu-se com admirável manha de esclarecer que seria por mês) enquanto uns poucos, os ricos, guardam milhares que não lhes fazem falta; que isto criaria um buraco nas contas públicas que só poderia ser tapado com cortes no SNS e no ensino público; e que nos países mais desenvolvidos (começou por dizer com aquela lata mentirosa de que os adeptos de Frei Anacleto Louçã e Soror Mariana detêm o segredo que era em todos os da UE, depois centrou-se na Holanda como o farol que, nesta matéria, deveríamos seguir) havia várias taxas de IRS, a mais gravosa sempre altíssima.
Cotrim Figueiredo, com serenidade, rebateu as indignações daquele pai dos pobres. Não disse tudo o que poderia ter dito (por exemplo, ficou por referir que a comparação de taxas sem referir os montantes a partir dos quais se aplicam significa que em Portugal se considera rico, para o efeito de o acabrunhar com impostos, quem é apenas remediado) mas nem houve tempo nem é possível dizer tudo sobre uma matéria complexa, e um debate velho, onde a cada argumento de um lado cabe um argumento do outro, quase sempre ficando de fora os pressupostos de cada trincheira.
Que pressupostos são esses? Do lado do indignado, são a superioridade moral (ele defende os pobres, o opositor os ricos), que é recorrente na esquerda em geral e aparece no Bloco dobrada em raiva virtuosa; a concepção da economia como um jogo de soma nula, isto é, em que as perdas de uns são os ganhos de outros; a ideia de que o investimento, e a gestão, públicos, são equivalentes no desempenho ao investimento e gestão privados; e a opinião de que a igualdade material entre os cidadãos é um bem em si, que não carece de demonstração por ser uma verdade axiomática.
Claro que não há qualquer superioridade moral da esquerda em geral, muito menos de um moço de aspecto piolhoso com os olhos coruscantes de ódio aos ricos, debitando argumentos serventuários de uma trombeteada generosidade e uma oculta inveja; na economia que cresce pouco ou nada, como foi o caso durante a maior parte da história da humanidade, os ganhos de uns eram efectivamente as perdas de outros, mas deixou de ser necessariamente assim desde fins do séc. XVIII; se a gestão privada fosse igual à pública, a nacionalização dos meios de produção não teria produzido, como invariavelmente produziu, sociedades de generalizada carência; e é preciso uma grande dose de cegueira para não ver que os países que nos vêm ultrapassando na hierarquia dos rendimentos por cabeça têm muitas coisas que nos faltam, uma delas sendo a competitividade e a simplicidade fiscais – a igualdade, ou melhor, a obsessão igualitarista, não faz parte desse lote.
Gusmão, estás por fora, meu chapa, a única coisa que contigo pode progredir é o retrocesso. Que poderias ter dito ao teu opositor que enriquecesse o debate? Algumas reflexões, dentro dos pressupostos dele que, já se vê, tem paciência, são os bons: que a fiscalidade simples e modesta, em vez de complicada e rapace, é adjuvante do crescimento, mas que há um tempo de espera que não é seguro que as nossas calamitosas contas públicas possam suportar. Pelo que começar pela reforma do IRC talvez fosse mais judicioso; que o nosso Estado gordo é uma mochila demasiado pesada para um viajante que quer andar mais depressa do que os outros, pelo que a reforma de que toda a gente fala ou implica extinções de serviços espúrios ou não é reforma; e que o Estado de Direito é para valer em todos os domínios, e que portanto a inversão do ónus da prova em matéria fiscal, os poderes inquisitoriais de uma casta de funcionários inimputáveis pagos com prémios pelos seus abusos são perversões a eliminar como condição prévia a qualquer reforma fiscal.
Isto e muitas outras coisas. Que talvez vejam a luz do dia quando houver uma quarta falência, ou o eleitorado descobrir que já só tem atrás de si a Albânia, ou, ou.
Até lá, alguém tem de manter acesa a chama do senso, do realismo e da esperança. Foi só por um quarto de hora? Ora, na Venezuela que Gusmão estima nem isso têm.