Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Delito de Opinião

Este programa de lavagem exige centrifugação

Sérgio de Almeida Correia, 14.03.25

marcelo.jpg

(créditos: daqui)

Cumpriu-se o prometido. Ou a ameaça, dependendo da perspectiva. O Presidente da República anunciou a dissolução da Assembleia da República e convocou eleições legislativas para 18 de Maio.

Como todos estavam avisados, ninguém se admirou com a decisão de Marcelo Rebelo de Sousa. Preferem tremoços em vez de amêndoas? Pois aqui os têm. E logo veremos quem fica com as cascas.

Na breve alocução que fez, o Presidente não se afastou daquela que tem sido a sua leitura das condições de governabilidade e do exercício da autoridade política elencadas noutras ocasiões. Uma vez mais, como fizera durante a crise do ministro Galamba, trouxe à liça o problema da confiabilidade, ou seja, da "ética da pessoa exercendo a função". E, oportunamente, assinalou que "não se pode ao mesmo tempo confiar e desconfiar". Não há meio-caminho. Tem razão.

Com a concordância dos partidos políticos e do Conselho de Estado vamos iniciar novo ciclo eleitoral. O calendário é bastante apertado corre-se o risco de aumentarem os sinais de exaustão dos portugueses para com os partidos e a classe política. A seu tempo se verá.

O incómodo de muitos autarcas será grande. O resultado das legislativas traz consigo o risco de influenciar decisivamente o resultado das eleições autárquicas do início do Outono nalguns municípios em que pela sua dimensão e proximidade ao centro do poder político as influências deste são mais profundas, os factores de crispação maiores e a luta político-partidária mais agressiva.

Neste contexto, a postura dos candidatos apresentar-se-á como fundamental para retirar animosidade ao discurso, introduzindo serenidade ao combate eleitoral, evitando o eriçamento do tom. O modo como decorrer este período até às eleições, e em especial a campanha eleitoral, poderão contribuir para aproximar ou afastar ainda mais as pessoas da política. Os níveis de abstenção vão em muito depender da forma como a campanha decorra. A democracia e a saúde do regime voltam a estar em xeque.

Para além da necessidade de se escolher a composição do novo parlamento e aquele que será o futuro primeiro-ministro, seria bom que os partidos percebessem uma coisa: os portugueses só irão às urnas sentindo-se esclarecidos, por um lado, e confiantes de que continua a fazer sentido votar.

De há muito que o aumento de personalização das campanhas e um sistema eleitoral fechado, incapaz de se renovar e aproximar dos eleitores, assente num caduco sistema de listas, em que tirando os primeiros nomes poucos sabem quem são os fulanos que se vão sentar em São Bento, o que fazem e o que pensam, de onde vêm e para onde querem ir, pouco contribuem para o esclarecimento. Muitos deixaram de votar por convicção e apenas para não terem de escolher aquele que lhes parece ser no momento o menor dos males.

Uma coisa é ter dificuldade em escolher um de entre dois hotéis igualmente bons, com óptimo preço, serviço magnífico e excelente localização. Outra é ser obrigado a olhar para propostas que muitas vezes pouco se diferenciam, em virtude de condicionamentos externos e internos, escritas em mau "politiquês" por uns ignaros com passado nas "jotas" e que acabaram a escolaridade obrigatória em gabinetes ministeriais escrevendo ofícios que começam com "somos a apresentar", subscritas por gente de quem à partida se desconfia, e que poucas razões dá para nela se confiar, e em que o factor decisivo residirá na contagem do número de arguidos, manhosos, medíocres e analfabetos mais conhecidos de cada uma das listas para se acabar votando na que apresentar menos em cada uma dessas categorias.

Sem querer ser ingénuo, gostaria de ver uma campanha centrada em propostas apresentadas por pessoas em quem se possa confiar, o que é cada vez mais raro.

Mas como há muito perdi as ilusões, que não a esperança, ainda acredito que será possível transformar os próximos dois meses e meio num ciclo de lavagem acelerado.

Admitamos, pois, o princípio de que a partir de segunda-feira o país e as ilhas se transformarão numa gigantesca máquina de lavar roupa, onde enfiaremos os líderes dos partidos concorrentes às eleições e os candidatos à primeiro-ministro, mais os respectivos rebanhos.

Creio que as rádios, as televisões e os jornais estão mais do que habituados a estes ciclos de lavagem, muito embora os detergentes que têm usado, culpa das agências de comunicação, sejam normalmente muito rascas, e os candidatos continuem a sair de lá dentro, no final de cada programa, pouco perfumados, já desfiados e ainda encardidos devido à ausência de pré-lavagem.

Como depois seguem directamente para o estendal de São Bento, só quando começam a secar e a ser impiedosamente expostos e batidos pelo vento é que nos apercebemos do seu estado e da má qualidade do material que nos impingiram, ultimamente mais visível nos que por lá se têm agitado.

Preparemo-nos então para enfiar os melhores trapos que os partidos nos oferecem dentro de uma boa máquina de lavar – também se pode aproveitar para lá meter umas becas e uma batinas que andam muito ruças e com pouco préstimo –, sujeitando-os a uma boa barrela.

Para isso, podemos começar com um bom programa de pré-lavagem, a que se seguirá um ciclo longo de oito semanas, sempre na máxima rotação da máquina, e com uma dose generosa de detergentes, tão bons que não permitam aos mais esgaçados, no final do programa, saírem dali para mais lado algum. A seguir, aos sobrantes, dê-se--lhes uma boa centrifugação. Sempre acima das 1200 rpm.

Estou convicto de que com a ajuda da comunicação social e da PJ, que tanto contribuíram para nos revelarem, entre outras preciosidades, os mistérios de Paris, a ilustre casa de Espinho, as marquises do interior, o enxoval do Arruda, os canudos da Lusófona, as coutadas do macho latino, os vinhos do Isaltino, os estafetas de Alcochete, os clientes do Calor da Noite, e até recapturarem uns hóspedes de Vale de Judeus que tinham ido mudar uns pneus, será possível fazer uma boa lavagem.

Esperemos é que até lá aquelas rolas e corvos que nidificam nos pisos superiores do Palácio Palmela não se lembrem de interromper o programa de lavagem para irem à procura de uns talões de Multibanco e de uns bilhetes para a bola que saíram pela janela, num dia de ventania, porque uma das mulheres da limpeza se esqueceu dela aberta.

Se assim for, virá toda a roupa limpinha e bem cheirosa para, salvo avaria de última hora no leme ou encalhanço no nevoeiro do Bugio, hipótese que nunca se poderá excluir, aconchegar o senhor almirante.