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Delito de Opinião

A pátria está em perigo

Pedro Correia, 12.05.20

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A 15 de Abril, Rui Rio estabeleceu por escrito a doutrina oficial no PSD: quem entre os laranjinhas se atrevesse a criticar a gestão da actual crise pelo Executivo socialista cometeria o pecado de lesa-patriotismo. 

«Não raras vezes, aparecem os que não resistem à tentação de agravar os ataques aos governos em funções, aproveitando-se partidariamente das fragilidades políticas que a gestão de uma tão complexa realidade sempre acarreta. Em minha opinião, essa não é, neste momento, uma postura eticamente correcta. E não é, acima de tudo, uma posição patriótica», escreveu o presidente dos sociais-democratas em carta aos militantes.

Imagino que nem em sonhos António Costa tenha ousado alguma vez chegar tão longe, confundindo o Governo com a pátria.

 

Acontece que o sucessor de Passos Coelho não anda a seguir as directrizes que ele próprio estabeleceu. 

«Rui Rio critica aumentos na função pública», li há dias, com manifesta surpresa.

«Rui Rio critica apoios do Governo destinados à comunicação social», ouvi-o reclamar num telediário.

«Rui Rio critica Governo por dar mais dinheiro ao Novo Banco», atreveu-se ele, pisando claramente o risco.

Rui Rio critica até os ajustes directos promovidos pelo Ministério da Saúde no âmbito das medidas postas em prática para travar o Covid-19. Já chegámos a isto.

 

Começo a ficar preocupado. 

Um dia destes, Rio ainda acorda disposto a imitar o seu colega Pablo Casado - líder da oposição em Espanha e parceiro do PSD no Partido Popular Europeu - a disparar farpas contra a «arrogância, a incompetência e a ineficácia» do Executivo de Pedro Sánchez.

Ou lembra-se de parafrasear o novo dirigente máximo do Partido Trabalhista britânico, Keir Starmer, que denunciou na Câmara dos Comuns a «confusão» estabelecida pelo primeiro-ministro Boris Johnson no combate à pandemia.

Ou segue o rumo de Jean-Luc Mélenchon, líder da França Insubmissa, que contesta sem rodeios a «política errática» do Presidente Emmanuel Macron.

Ou - sabe-se lá - cede à tentação de endurecer o tom, imitando Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Representantes dos EUA e opositora de Donald Trump, que acusa o inquilino da Casa Branca de «deixar morrer» milhares de compatriotas. Ou até mesmo o ex-presidente norte-americano Barack Obama, que aludiu à gestão do seu sucessor, nesta crise pandémica, como «um caótico desastre».

 

Temo o pior. A pátria está em perigo.

Salvar o planeta (2).

Luís Menezes Leitão, 06.07.18

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A explicação para esta notícia deve ser muito simples. Resulta seguramente da tabela de preços do Senhor Obama: 1) Fazer uma conferência sobre ambiente: 500.000; 2) Responder a perguntas dos jornalistas: 500.000; 3) Partilhar o palco com políticos: 500.000; 4) Ficar a dormir na cidade: 500.000. Total: Dois milhões. Como só lhe pagaram a primeira tranche, só têm direito a 1) e o senhor Obama dá a conferência e vai a seguir imediatamente dormir a Madrid. Só uma perguntinha: quem é que vai pagar por este enorme contributo para a salvação do planeta?

O convidado de Obama no Fourth of July

Alexandre Guerra, 04.07.16

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 Barack Obama e Kendrick Lamar na Sala Oval, em Janeiro último

 

Barack Obama convidou o rapper Kendrick Lamar para actuar hoje nas celebrações do Fourth of July, naquele que será o seu último Dia da Independência enquanto Presidente dos Estados Unidos. Mais do que qualquer outro dos seus antecessores, Obama cultivou desde o início do primeiro mandato uma relação muito forte com artistas e músicos da área do hip hop e do rap. Em parte, acredito que tenha a ver com os seus próprios gostos pessoais (sim, Obama é um gajo verdadeiramente "cool"), mas não podemos deixar de ter também em consideração a componente política inerente à promixidade de Obama a músicos como Kanye West, Beyoncé ou Jay Z. Além de músicos excepcionais (e eu admiro bastante o trabalho de Kanye West, sobretudo a trilogia dedicada às questões do ensino e da estratificação social nos EUA), são vozes activas que amplificam os ânseios, os receios, as frustrações, os problemas, as esperanças, os sonhos de uma vasta faixa populacional urbana, um eleitorado mais jovem (e menos jovem) e que é sempre tão difícil de mobilizar.

 

Estes músicos aqui referidos, assim como muitos outros, têm evoluído e amadurecendo a sua visão que têm da sociedade e isso também se vai reflectindo nos seus trabalhos e na forma como intervêm social e politicamente. Beyoncé parece ser um bom exemplo desse processo, já que o seu último álbum, Lemonade (do qual só escutei umas faixas, mas que espero comprar), é, segundo os especialistas, o seu melhor trabalho, quer ao nível artístico, quer na mensagem que transmite, de forte cariz social, nomeadamente em matéria de questões raciais. A sua portentosa e polémica actuação no intervalo do Super Bowl, em Fevereiro último, com a apresentação do incendiário single "Formation", dava o mote político para o Lemonade, que viria ser aclamado pela crítica.

 

A estas vozes interventivas na cena do rap e do hip hop americano, houve uma que se juntou no ano passado, vinda do Compton, e que se chama, precisamente, Kendrick Lamar e que já aqui, no Delito, falei sobre ele. Na altura já tinha comprado, mas ainda não tinha ouvido o "To Pimp a Butterfly", embora toda a crítica já o tivesse (e com razão) considerado um dos melhores álbuns de 2015, um autêntico manifesto social, cultural e político, assinado por um rapper de 29 anos e que hoje é convidado de Obama. Já em Dezembro, o Presidente disse que a música "How Much a Dollar Cost", uma das faixas do álbum, era a sua preferida de 2015. Uma opinião muito acertada em termos musicais e politicamente muito inteligente, porque Lamar não deixou Obama isento de críticas no seu álbum, referindo que este poderia ter feito mais na defesa dos interesses dos afro-americanos. O que é efectivamente verdade e Obama deverá ter consciência disso. E ao convidar Lamar, hoje, para as celebrações da mais importante data dos Estados Unidos, Obama acaba por validar a mensagem dura e crua que se pode ouvir no "To Pimp a Butterfly", que, aliás, recomendo aos leitores deste blogue.  

Ser Presidente até ao último dia

Alexandre Guerra, 28.05.16

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Barack Obama na Sala Oval, 19 de Maio (Foto: White House/Pete Souza) 

 

Num dos episódios da realista série The West Wing, com o título "365", a equipa da presidência de Josiah Bartlet (Martin Sheen) vê-se confrontada com a inevitável aproximação do final do segundo mandato, num misto de nostalgia, desmotivação e desânimo. Normalmente, os poderes executivos, sejam Governo (em sistemas parlamentares ou semi-parlamentares) ou chefes de Estado (sistemas presidencialistas), olham para os últimos tempos de funções como um mero cumprimento de calendário, aguardando passivamente o dia em que os seus sucessores lhes tomem o lugar. Regra geral, a um, dois anos do término do mandato, há uma espécie de ideia tácita que pouco já nada há fazer, adiando-se grandes decisões e políticas para o próximo Executivo. Em países como Portugal, por exemplo, existe um consenso político-partidário em que os governantes que se encontrem nessa situação, ou seja, com a porta da rua semi-aberta, já não podem ousar assumir grande protagonismo, correndo o risco de serem acusados de estarem a condicionar o trabalho dos seus sucessores. 

 

Mas a verdade, é que um primeiro-ministro ou um Presidente está de plenos poderes até ao último dia do mandato e, como tal, deve exercê-los com a mesma determinação e convicção como se estivesse a iniciar funções. Nesse episódio aqui referido, e perante o "baixar de braços" do Presidente e de quase todo o "staff", conformados com o fim à vista do seu mandato, entra em cena Leo McGarry (John Spencer), chefe de Gabinete da Casa Branca, experiente e sábio, que, num discurso emotivo, lembra à sua equipa que ainda faltam 365 dias para o mandato terminar e que em cada um destes dias eles tinham o poder, como mais ninguém tinha, de fazer algo pelo bem comum.  

Como em tantas outras passagens daquela série, também esta parece ter sido premonitória em relação ao que Barack Obama viria a fazer (e está a fazer) nos seus dois últimos anos de mandato, aproveitando todas as oportunidades para fazer história. Acordo do clima de Paris, Tratado Trans-Pacífico, reatamento das relações diplomáticas com Cuba, reaproximação ao Irão e agora a visita a Hiroshima, são apenas alguns eventos da agenda externa de Obama dos últimos meses, carregados de significado e importância histórica. Também a nível interno, Obama tem mantido uma actividade política constante, até porque ainda tem alguns dossiers da máxima importância para resolver. Tudo leva a crer que nestes meses finais Obama não irá abrandar a sua acção governativa. E caso isso se confirme, é assim mesmo que deve ser... Presidente até ao último dia.      

A coragem de seguir em frente

Pedro Correia, 09.11.12

 

Eis uma das melhores intervenções políticas que ouvi desde sempre: o inspirador discurso de vitória de Barack Obama, na madrugada de quarta-feira.

Alguns excertos:

 

"Quer tenham ou não votado em mim, eu escutei-vos, aprendi convosco. Fizeram de mim melhor presidente. Com os vossos relatos, e com a vossa luta, regresso à Casa Branca mais determinado e mais inspirado que nunca para o trabalho que há a fazer e o futuro que nos espera. (...) O melhor está por chegar."

 

"Nunca tive maior esperança nos Estados Unidos do que agora. Peço-vos que mantenham essa esperança. Não falo de um optimismo cego, do género de esperança que ignora a gravidade das tarefas que temos pela frente ou dos obstáculos no nosso caminho. (...) Sempre acreditei que a esperança é esse sentimento obstinado dentro de nós que persiste em acreditar, apesar de todas as provas em contrário, que algo de bom nos aguarda enquanto mantivermos a coragem de seguir em frente, trabalhando, lutando, conseguindo."

 

"Este país tem mais riquezas que nenhum outro, mas não é isso que nos faz ricos. Temos o exército mais poderoso da História, mas não é isso que nos faz fortes. As nossas universidades, a nossa cultura são invejadas no mundo, mas não é isso que leva o mundo a procurar-nos. O que torna a América excepcional são estes vínculos que mantêm unida a nação mais multifacetada do planeta."

 

A América vista ao espelho

Pedro Correia, 07.11.12

No momento em que os Estados Unidos acabam de reeleger o primeiro Presidente com raízes africanas, vale a pena determo-nos um pouco sobre um dos melhores romances editados nos últimos anos, que nos fornece o pano de fundo desta América aparentemente recém-convertida à harmonia racial. O romance intitula-se A Mancha Humana (The Human Stain, 2000), foi escrito por Philip Roth, um dos grandes ficcionistas da actualidade, e fala-nos da mais insidiosa forma de racismo: a que faz um indivíduo sentir vergonha do seu próprio tom de pele.

A novidade aqui é que esse indivíduo é uma pessoa instruída, letrada, pertencente à elite universitária norte-americana. Coleman Silk, especialista em estudos clássicos, uma autoridade em Homero e outros autores da Grécia antiga, um transmissor de conhecimentos – alguém que poderíamos apontar como um pilar da sociedade.
“Ninguém sabe a verdade de uma pessoa, e com muita frequência a própria pessoa menos do que as outras.” Palavras de Roth, visando Silk, a figura central deste romance que disseca como nenhum outro os labirintos da América contemporânea.
O professor universitário, figura respeitável e até reverenciada, é afinal alguém que vive mergulhado há décadas num ciclo interminável de mentiras que o levou a quebrar os laços com a família de sangue em benefício da ascensão social. Branco filho de mulatos negros por capricho da genética, percebe durante a juventude, vivida na próspera América de Truman e Eisenhower, que jamais deixará de ser um cidadão de segunda se não renegar as raízes negras.
É já no fim da vida que Coleman se confronta com esta marca indelével do seu passado, ignorada pela mulher e pelos quatro filhos – fortuitamente de pele clara, como ele. “Este homem idealizado de acordo com os mais convincentes e credíveis traços emocionais, este homem benignamente astucioso, suavemente encantador e aparentemente viril em todos os aspectos, tem, no entanto, um segredo imenso.” Assim nos surge este anti-herói de Roth na excelente tradução portuguesa de Fernanda Pinto Rodrigues (Publicações Dom Quixote, Lisboa, 2004).
 
Toda a ilusória solidez deste edifício se desmorona quando o professor, por um inesperado golpe do destino, é confrontado com uma absurda acusação de discriminação racial por parte de uma aluna negra, logo protegida pelo establishment universitário. Este episódio, que o leva a demitir-se da faculdade, funciona como um choque vital para o velho professor com genes negros que toda a vida se comportou como um ser despigmentado. “Pensas como um prisioneiro. É verdade. És branco como a neve e pensas como um escravo.”
Esta América ainda cheia de fantasmas acaba de se pronunciar pelo voto. A América de Barack Obama, que é também a América de Coleman Silk – a América onde muitos alimentam a suave ilusão de que o racismo se apaga por efeito automático de um boletim eleitoral. O próprio Roth parece vislumbrar uma luz de esperança: “As pessoas envelhecem. As nações envelhecem. Os problemas envelhecem. Às vezes envelhecem tanto que deixam de existir.”
E no entanto deste romance memorável desprende-se uma visão desencantada da condição humana que nenhum apelo festivo à mudança é capaz de redimir: “Nós deixamos uma mancha, deixamos um rasto, deixamos a nossa marca. Impureza, crueldade, mau trato, erro, excremento, sémen. Não há outra maneira de estar aqui.”
Não nos deixemos iludir excessivamente pelas manchetes dos jornais, que se limitam a reflectir a espuma dos dias. Sob a América de Obama, esconde-se a América de Silk. Imóvel, dúplice, secreta, manchada pelo preconceito. Essa América que se viu ao espelho através das urnas. Gostará desse retrato de si própria? 
 
Texto reeditado, com referência inicial à reeleição de Obama e uma hiperligação no último parágrafo a uma recente sondagem da AP que demonstra haver hoje 51% de americanos racistas, mais 3% do que em 2008

 

Obama: mais quatro anos

Pedro Correia, 07.11.12

 

«Aos outros povos e governos que nos estão a ver hoje, das grandes capitais à pequena aldeia onde o meu pai nasceu: saibam que a América é amiga de todas as nações e de todos os homens, mulheres e crianças que procuram um futuro de paz e dignidade, e que estamos prontos para liderar mais uma vez. Recordem que as primeiras gerações enfrentaram o fascismo e o comunismo não só com mísseis e tanques mas com alianças sólidas e convicções fortes. Compreenderam que só o nosso poder não nos protege nem nos permite agir como mais nos agradar. Pelo contrário, sabiam que o nosso poder aumenta com o seu uso prudente; a nossa segurança emana da justeza da nossa causa, da força do nosso exemplo, das qualidades moderadas de humildade e contenção.»

Barack Obama, Janeiro de 2009

 

Os rituais são indispensáveis em todas as sociedades, em todas as democracias. Acabamos de ver o ritual da saída de um presidente dos Estados Unidos da América, que abandona o poder no prazo previsto pelo sistema constitucional do país, e da chegada do seu sucessor - o filho de um negro nascido numa humilde aldeia do Quénia que personifica hoje, melhor do que qualquer outra pessoa, a materialização do sonho americano.

Apreciei o discurso de investidura de Barack Obama: dirigiu umas frases de cortesia ao seu antecessor e de imediato deixou palavras inspiradoras para a impressionante multidão que o escutava em Washington. Barack Obama, o 44º presidente norte-americano, parece o homem certo para liderar os Estados Unidos nesta encruzilhada da história, no termo de uma crise com várias faces: durante a administração Bush, a maior potência do globo mergulhou numa crise financeira, mas também numa crise de confiança e numa crise de autoridade moral.

Obama chega à presidência com o país envolvido em duas guerras sem fim à vista, com a imagem manchada por inadmissíveis violações de direitos humanos e o maior défice das contas públicas de que há memória, além da latente ameaça terrorista. Um dos mais jovens inquilinos da Casa Branca de todos os tempos, é ele a pessoa ideal para inspirar e mobilizar as jovens gerações. Primeiro chefe do Executivo com ascendência africana, ninguém melhor do que ele poderá servir de traço de união entre as diversas comunidades do espantoso mosaico de raças, etnias, crenças e culturas que compõem os Estados Unidos da América.

Todos os olhos do mundo se viram agora para este homem. As expectativas são, porventura, excessivamente elevadas: ninguém consegue aguentar o peso de tanta responsabilidade em cima dos ombros. Mas o momento é de celebração: cumpre-se mais um ritual desta sólida democracia que tantos homens de génio tem dado ao mundo. Obama na presidência é o exemplo vivo da materialização do sonho americano. Ele tudo fará, sem dúvida, para que o sonho jamais se transforme em pesadelo.

 

Reedição do texto que publiquei aqui, sob o título "Obama: o sonho americano". Na noite em que o inquilino da Casa Branca vence a corrida presidencial pela segunda vez, derrotando o republicano Mitt Romney

Obama em luta contra a tradição

Pedro Correia, 05.11.12

 

As tradições valem o que valem. Mas se revelam uma tendência consistente devem ser levadas em consideração. Das 15 últimas eleições presidenciais norte-americanas, realizadas desde 1952, 80% dos candidatos do Partido Republicano eram ou seriam ocupantes da Casa Branca. Esta percentagem é muito inferior entre os candidatos do Partido Democrata, que não chegam a metade.

No campo republicano, os candidatos ao longo destas seis décadas foram Dwight Eisenhower (1952, 1956), Richard Nixon (1960, 1968, 1972), Barry Goldwater (1964), Gerald Ford (1976), Ronald Reagan (1980, 1984), George Bush (1988, 1992), Robert Dole (1996), George W. Bush (2000, 2004) e John McCain (2008). Apenas Goldwater, Dole e McCain - o republicano derrotado na anterior corrida presidencial - não chegaram à Casa Branca.

Entre os candidatos democratas, o número dos que ficaram pelo caminho, marcados pelo insucesso, é consideravelmente maior. Quem foram eles? Adlai Stevenson (1952, 1956), Hubert Humphrey (1968), George McGovern (1972), Walter Mondale (1984), Michael Dukakis (1988), Al Gore (2000) e John Kerry (2004). Destino diferente dos cinco vencedores pelo Partido Democrata neste mesmo período: John Kennedy (1960), Lyndon Johnson (1964), Jimmy Carter (1976), Bill Clinton (1992, 1996) e Barack Obama (2008).

Se vencer o escrutínio de amanhã, o actual inquilino da Casa Branca será apenas o segundo democrata em 68 anos, após Clinton, a bisar com êxito nas urnas. Enquanto os republicanos fizeram eleger duas vezes Eisenhower, Nixon (embora derrotado por Kennedy em 1960), Reagan e Bush júnior.

Daqui a pouco mais de 24 horas saberemos.

 

Na foto, quatro presidentes dos EUA: Eisenhower, Kennedy, Johnson e Nixon (1961)

 

As eleições mais interessantes do mundo.

Luís Menezes Leitão, 05.11.12

 

Tive a sorte de por razões profissionais ter tido que me deslocar a Washington por duas vezes na altura das eleições presidenciais: em 2000 e em 2008. Da eleição de 2008 recordo apenas a esperada vitória de Obama e o seu memorável discurso em Chicago, quando combinou o slogan de Martin Luther King, "We shall overcome", com o seu próprio: "Yes, we can". Lamentavelmente o Obama de 2012 está muito longe de ter a frescura e o brilho de 2008, tanto assim que tem precisado de se apoiar em Bill Clinton, seguramente a grande figura desta campanha.

 

Memorável foi no entanto assistir à renhida eleição de 2000 entre George W. Bush e Al Gore. Desde o início que se sabia que o vencedor do voto popular poderia não ganhar o colégio eleitoral e que tudo se iria decidir na Florida: "It's Florida, Florida, and Florida". Os republicanos apostavam claramente em que iriam vencer nesse Estado, devido ao facto de o Governador ser irmão do candidato: "De que serve ter um irmão Governador, se ele não for capaz de nos assegurar os votos do seu Estado?". Já os democratas achavam que a Flórida não lhes escaparia, devido à elevada percentagem de pensionistas que residia no Estado.

 

Na própria noite eleitoral, visitámos o estado-maior democrata reunido no Edifício Watergate. Quando lá chegámos, o ambiente era tétrico. Bush já tinha assegurados 57 votos no colégio e Gore apenas 3. Mas nesse momento as televisões anunciam que Gore tinha vencido na Florida, somando os 25 votos desse Estado. A multidão irrompe em aplausos frenéticos e a nossa delegação foi jantar, estando plenamemente convencidos da vitória de Gore.

 

Mais tarde, quando ligo a televisão, verifico que afinal a Flórida permanecia indecisa: too close to call. Aliás o mesmo sucedia com uma série de outros Estados, sendo essa a frase mais repetida durante toda a noite. A certa altura o locutor recomendou aos espectadores que acordassem as crianças que a noite era histórica. Curiosamente havia pessoas a telefonar para os estúdios, que não percebiam o sistema eleitoral, e perguntavam como é que Gore, que tinha um avanço de 500.000 votos no voto popular, podia afinal não ser eleito por causa dos Estados. A resposta do locutor foi lapidar: "We are the United States of America. We are not the United Citizens of America". A Fox a certa altura anuncia a vitória de Bush na Flórida, com um avanço de 20.000 votos, declarando consequentemente a sua vitória no colégio eleitoral, o que leva Gore a telefonar a Bush a assumir a derrota. Mas ao fim da noite os 20.000 votos estavam reduzidos a pouco mais de 200, o que levou Gore a retirar a sua assunção de derrota. E chegou-se ao fim da noite sem se saber quem era o novo presidente. Um jornal publicou em letras gordas "Bush wins" mas no dia seguinte o título já era "Not yet".

 

É muito curioso um sistema eleitoral em que a eleição é travada em meia dúzia de Estados decisivos. Houve quem dissesse que o mundo todo deveria votar nas eleições dos Estados Unidos, uma vez que a mesma vai afectar a todos. Mas os próprios americanos devem pensar que todos os americanos também deveriam poder votar na Florida ou no Ohio, os Estados onde no fundo se vai decidir a eleição.

Obama no seu melhor

Helena Sacadura Cabral, 11.05.12

O Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, disse na quinta-feira que a situação económica na Europa é "difícil" em parte porque o velho continente não tomou alguns passos "decisivos" adoptados pelo seu país para enfrentar a crise.

Até parece que os Estados Unidos da América não tiveram qualquer responsabilidade nesta crise!

IPRIS Policy Brief 6

Paulo Gorjão, 17.03.11

Obama's visit to Brazil: patching old wounds and pointing the way ahead

Pedro Seabra

On the eve of US President Barack Obama's visit to Brazil, the state of relations between the two countries understandably comes under renewed focus, with many policymakers and observers keen on testing the waters between the two often-strayed partners. As expected, the stakes are naturally high since this will mark Obama's first official visit to South America. The selection of Brazil as the initial stopover is therefore not without its underlined geopolitical significance. More so, if one takes into account the new tenant of the Palácio do Planalto, Dilma Rousseff, and her latest indications that slight foreign policy 'nuances' are to be expected in the coming future, including when it comes to dealing with the US in the present international context.

Um teste decisivo a Obama

Pedro Correia, 03.02.11

 

 

Já não é possível o Ocidente continuar indiferente perante o que está a ocorrer no Egipto. A teimosia de um só homem em permanecer agarrado ao poder despótico que conserva desde 1981 ameaça mergulhar o país num banho de sangue. Tivemos a primeira amostra disso há poucas horas, quando bandos de arruaceiros claramente incentivados pelo agonizante regime de Hosni Mubarak carregaram contra manifestantes ordeiros e pacíficos que há vários dias aí se concentravam reivindicando direitos fundamentais: liberdade de expressão, liberdade de voto, liberdade de imprensa.

No conforto ocidental, onde há muito estes direitos estão adquiridos, continua a haver quem agite o papão do extremismo islâmico para negar aos egípcios aquilo de que nenhum de nós prescindiria a pretexto algum. São os mesmos que alertaram contra os riscos do "marxismo" numa América Latina livre dos tiranetes de caserna, os mesmos que alertaram contra o "caos" em que se transformaria a Europa submetida ao império soviético quando a democracia ali vigorasse, os mesmos que lamentaram a queda do Muro de Berlim e a reunificação alemã em nome da sacrossanta realpolitik, os mesmos que ainda hoje choram a queda de Ferdinand Marcos nas Filipinas e elogiaram a "firmeza" da clique chinesa que esmagou os estudantes de Tiananmen.

Este é um momento crucial no mandato de Barack Obama. Um momento em que terá de decidir se apoia sem ambiguidades o movimento pró-democracia no Egipto, sem escutar os estrategos que lhe recomendam "prudência", ou se prefere manter-se equidistante no conflito insanável entre o ditador e o seu povo. Enquanto escrevo estas linhas escuto mais uma Cassandra doméstica alertar a plebe para os riscos do "perigo islâmico". Esquecendo que o Xá e a cegueira dos seus apoiantes de longa data em Washington foram o ninho que permitiu ao extremismo de Khomeini chocar o ovo da serpente.

Dois anos de Obama: cinco notas

José Gomes André, 21.01.11

1. Nota prévia: já é possível fazer um balanço moderado do mandato de Obama, mas não passou tempo suficiente para traçar análises conclusivas e taxativas da sua Presidência como um todo.

2. Ninguém o pode criticar por falta de voluntarismo, mas numa era marcada pela crise económica mundial, pelos défices, desemprego e dívidas públicas, Obama não tem sido capaz de inverter tendências negativas. A recuperação económica americana é tímida, a eficácia dos pacotes de estímulo ainda está por comprovar e os números do desemprego são muito preocupantes. Obama não é o culpado pela situação, mas é o rosto da inaptidão governativa para alterar este quadro negro.

3. A economia é o calcanhar de Aquiles do actual Presidente, mas há outras insuficiências no seu (meio) mandato: a inépcia no caso “Guantanamo”, a inabilidade para promover dinâmicas bipartidárias no Congresso, a impotência para avançar com necessárias reformas nas leis ambientais, a ausência de uma política consistente para o Médio Oriente e um estilo pontualmente demasiado arrogante.

4. Estas fragilidades são compensadas com vários feitos legislativos de grande monta: reforma da saúde, reforma financeira, revogação do “don’t ask, don’t tell”, extensos programas de apoio na educação e nos transportes. Na política externa, o sucesso do novo Tratado START com a Rússia (para a não-proliferação nuclear), o aprofundamento das relações com potências emergentes, a resistência ao populismo económico (nomeadamente ao proteccionismo), o isolamento do Irão, a promoção de um efectivo multilateralismo e um vasto e bem-sucedido esforço de relações públicas para melhorar a imagem dos EUA no mundo (não é um pormenor de somenos importância).

5. Os próximos dois anos serão muito exigentes. Obama terá de lidar com uma Câmara dos Representantes hostil e com um Senado volátil. Será forçado a virar-se para o bipartidarismo, sem contudo perder a sua posição de “líder político”. E necessitará de cooperar com o adversário, ao mesmo tempo que prepara a sua campanha de reeleição. Tempos difíceis esperam o Presidente.

 

[também aqui, onde o Nuno Gouveia projecta o que poderão ser os próximos dois anos na política americana.]

Obama: um ano depois

Pedro Correia, 26.01.10

 

Há um ano, não se fazia a coisa por menos: Barack Obama iria "salvar o mundo", que ficaria inevitavelmente "mais limpo" e acreditava-se até, como no milagre da multiplicação dos peixes, que apareceriam "novos Obamas por esse mundo fora". Tomava posse "o presidente mais culto e civilizado" do planeta, proferindo "o discurso de que todos precisávamos", "directamente do canal História". Em suma, começava só então o "século XXI" .

Há um ano, vivia-se o tempo das hipérboles: o céu era o limite, a fé nas capacidades do sucessor de George W. Bush quase suplicava por milagres. Obama, o primeiro Presidente mestiço da história dos EUA, chegava à Casa Branca com o país envolvido em duas guerras sem fim à vista, com a imagem das instituições em Washington manchada por inadmissíveis violações de direitos humanos e o maior défice das contas públicas de que há memória, além da latente ameaça terrorista. O desafio era gigantesco. Não admira que no seu discurso de investidura o chefe do Executivo norte-americano tenha mencionado seis vezes Deus e uma vez as Escrituras. "Esta é a fonte da nossa confiança – o conhecimento de que Deus nos chama para moldar um destino incerto", sublinhou, rematando a alocução com esta frase: "Que seja dito aos filhos dos nossos filhos que quando fomos testados recusámos que esta viagem terminasse, que não recuámos nem vacilámos; e com os olhos fixos no horizonte e a graça de Deus sobre nós, levámos adiante a grande dádiva da liberdade e entregámo-la em segurança às futuras gerações."

Um ano depois, Obama reforçou a presença militar no Afeganistão, mantém presos em Guantánamo, não accionou mecanismos de punição contra os autores de torturas, viu a cimeira de Copenhaga sobre alterações climáticas fracassar em toda a linha e pouco ou nada fez para travar os receios de novos atentados terroristas em larga escala. Tal como Bush, recusou assinar o tratado internacional para a eliminação de minas terrestres. Além disso, acaba de ver o seu partido derrotado na eleição para o Senado em Massachusetts, tradicional feudo democrata, onde os democratas não perdiam desde 1972.

"[Obama] descobriu que a oratória que se provou ser tão poderosa na campanha eleitoral não basta para mobilizar votos no Capitólio ou demover almas no Kremlin", sublinhava recentemente Peter Baker no New York Times. Talvez por isso, a "mudança" prometida em todos os discursos da corrida presidencial de 2008 tenha dado lugar a uma presidência largamente "convencional", para usar o termo empregue por Todd S. Purdum na Vanity Fair. E não deixa de ser irónico ver o maior dos detractores da administração Bush, Michael Moore, abrir já hostilidades contra Obama numa carta aberta que lhe dirigiu a propósito do Afeganistão: "A sua tarefa não é fazer o que os generais lhe dizem para pôr em prática. O nosso governo é civil. Somos nós que dizemos aos chefes militares o que devem fazer, não o contrário."

Bem-vindos ao século XXI.

Obama, o formidável pacifista

Pedro Correia, 09.12.09

 

Apreciei a delicada admoestação de Mário Soares a Barack Obama a propósito do reforço de tropa americana no cenário de guerra do Afeganistão. "Barack Obama viu-se obrigado pela sua própria retórica, dada a distinção que fez entre as duas guerras, a enviar para o Afeganistão mais 30 mil soldados das suas Forças Armadas. Provavelmente, contra a sua vontade e estratégia. Enviou-os com o pretexto de marcar o regresso das tropas dentro de um ano. Em 2011. Foi uma medida que lhe custou muito tomar - não duvido -, mas que representa uma concessão táctica muito impopular, pelo qual irá pagar um alto preço", escreveu Soares na edição de ontem do Diário de Notícias.

Reparem nas atenuantes lançadas pelo ex-Presidente da República nesta suavíssima crítica ao actual inquilino da Casa Branca: Obama "viu-se obrigado" a enviar os soldados, o que sucedeu "contra a sua vontade e estratégia", e certamente "lhe custou muito tomar" tal decisão. Quase como se nem fosse ele o titular do poder executivo norte-americano.

Aliás, em nome da mais elementar coerência, nem poderia ser de outra forma. "Obama é, fundamentalmente, um humanista e um pacifista, na linha do melhor pioneirismo americano, de Lincoln e Jefferson a Wilson, de Franklin Roosevelt, a Kennedy, Carter (também ele laureado com o Prémio Nobel) e a Clinton. É alguém que quer a paz, o desarmamento (sem excluir o nuclear) e a justiça social no seu País", escrevera o mesmíssimo Soares, também no DN, a 20 de Outubro, pouco antes de ser anunciado o reforço do contingente militar americano no Afeganistão. Como desdizer agora o que se proclamou com tanta convicção há mês e meio ainda sem alguns irrelevantes factos se intrometerem entre o doce panegírico e a dura realidade?

Imaginem, por momentos, o que sairia da pena vigilante e contundente de Mário Soares se o presidente dos Estados Unidos ainda se chamasse Bush ou se o envio de magalas para Cabul se devesse ao dedo do pernicioso Dick Cheney. Nada que se parecesse com a meiga reprimenda a Obama: pelo contrário, seria algo digno de fazer estremecer paredes e calçadas.

É nestas alturas que sinto ainda mais apreço pelo nosso ex-presidente. Quase tanto como a admiração que nutro pela arguta Academia de Oslo, que se prepara para entregar o Nobel a esse formidável pacifista perante quem o mundo se ajoelha em expressivas manifestações de júbilo. Hossana, Obama: nunca como hoje estivemos tão perto de alcançar a paz perpétua.

Um ano pacífico...

João Carvalho, 04.11.09

O tempo voa: faz hoje um ano que o mundo assistiu à eleição do actual presidente dos EUA. Barack Obama continua a romper com alguns tiques tradicionais da Casa Branca, continua a falar a muitos corações pelo mundo fora e continua a prometer mais ou menos o mesmo que prometia há um ano e ficou em linha de espera. Sobretudo, continua a merecer a confiança de mais de metade dos norte-americanos, que lhe dedicam um invejável índice de popularidade.

Pode concluir-se, portanto, que falta a Obama responder a várias e importantes expectativas, mas este seu primeiro ano marca um exercício que os seus eleitores consideram pacífico. O que deve contribuir para tranquilizar-lhe a consciência relativamente ao Nobel da Paz...