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Delito de Opinião

Os melhores livros do meu ano (3)

Pedro Correia, 05.02.23

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Já vos confessei noutros momentos: sou cada vez mais adepto de releituras. Tenho-o feito com proveito e gosto. Quando o livro é mesmo bom, abre-nos novas perspectivas quando mergulhamos nele. À segunda ou à terceira, já nos interessa menos a trama e estamos mais atentos a certos aspectos da construção frásica, da linguagem ou da crítica social ali contidos. Aconteceu-me, noutros anos, com vários romances de Eça - como Os Maias ou A Cidade e as Serras. Enquanto me resta um só dos seus livros por desvendar: A Ilustre Casa de Ramires. Ainda não aconteceu em 2022.

Reservo às releituras o terceiro e último bloco de dez títulos que funciona como súmula dos 88 que pude ler no ano passado. Em boa verdade, nenhum me decepcionou: gostei muito dos livros que já me haviam atraído, achei insólitos ou desinteressantes os que já me haviam suscitado reservas. Mas nunca senti que estava a perder o tempo. Isso é o que mais importa.

Partilho esta lista convosco: são seis romances ou novelas de autores portugueses, dois romances estrangeiros, um volume de crónicas e outro de contos. Por ordem alfabética, mantendo o critério assumido aqui e aqui.

 

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A PAZ DOMÉSTICA, de Teresa Veiga (1999). Este curto romance é um dos meus preferidos entre os que se foram publicando em Portugal no último quarto de século. Primeira - e bem-sucedida - incursão no género de uma das nossas mais enigmáticas escritoras, que nunca dá entrevistas e raras vezes é vista em eventos sociais. Contista por vocação, nota-se esta característica na economia de meios do romance, valorizando-o. Retrato de uma mulher ao longo de algumas décadas - que é também, de algum modo, o retrato do País.

 

ALEXANDRA ALPHA, de José Cardoso Pires (1987). Não é bem uma releitura. Explico já: este é um livro que nos dá luta. Só em 2022, à terceira tentativa, consegui lê-lo até ao fim. Da primeira, há vários anos, pareceu-me pastoso e aborrecido; da segunda, mais recente, perdi-me a meio daquela intriga e troquei-o por outro, mais estimulante. Agora está concluído. Romance com fragmentos de sátira à intelectualidade alfacinha dos anos 80, aliás com figuras facilmente identificáveis, mas longe de ser o melhor de Cardoso Pires.

 

ALVES & C.ª, de Eça de Queiroz (1925). Uma das obras que permaneceram um quarto de século guardadas em estado virginal na arca do escritor, quase tão célebre como a de Fernando Pessoa. Novela de atmosfera lisboeta, esboçando nesta prosa ainda de juventude a demolidora crítica à burguesia da capital, que a geração de Eça considerava a classe social mais decadente do País. O escritor guardou o texto sem o rever, mas o essencial do seu estilo mantém-se neste retrato irónico de um marido enganado mas complacente.

 

CONTOS COMPLETOS, de Fernando Pessoa (2012). O poeta de Mensagem era um escritor compulsivo: chegava a escrever em bilhetes de eléctrico. Quase autor póstumo, com apenas um livro publicado em vida. Tantos anos depois, o espólio pessoano ainda produz novidades. Como este livrinho, que recolheu a sua esparsa prosa de ficção, inédita ou dispersa por publicações há muito falecidas. Desperta curiosidade, mas nada tem de empolgante. Só um dos contos, "O Banqueiro Anarquista",  justifica leitura mais atenta.

 

ECLIPSE DO SOL, de Arthur Koestler (1941). Este romance foi muito divulgado em Portugal com outro título: O Zero e o Infinito. Corajosa denúncia do estalinismo por parte deste autor, que conheceu por dentro o pesadelo totalitário e teve forte influência nas obras similares de George Orwell. Esta versão portuguesa decorre do original alemão, que durante muito tempo se imaginou perdido, e não do exemplar inglês, base da tradução anterior. O novo título faz sentido. A denúncia mantém-se vigorosa. E actual como nunca.

 

O ANJHO ANCORADO, de José Cardoso Pires (1958). Trinta anos antes de Alexandra Alpha, Cardoso Pires escreveu esta novela numa toada quase musical, em sagaz olhar sobre a atmosfera social de um país enclausurado à luz do sol. João, empresário a caminho da meia idade, e Guida, jovem professora recém-saída da universidade, encontram-se e desencontram-se numa tarde de fim-de-semana à beira-mar entre gente ignota e rude que os observa à distância. Inacreditável, este livro nunca ter gerado um filme.

 

O HOMEM QUE ERA QUINTA-FEIRA, de G. K. Chesterton (1908). Espécie de antepassado das novelas de espionagem, ou de paródia antecipada às ditas, quando o anarquismo estava em voga naqueles anos que precederam a I Guerra Mundial. Chesterton aborda com humor o mesmo tema a que Joseph Conrad deu tratamento sério no romance O Agente Secreto, publicado em 1907: impossível não ver relação entre as duas obras. No confronto entre ambas, há quem prefira esta sátira ligeira e muito divertida: é o meu caso.

 

REVOLUCIONÁRIOS QUE EU CONHECI, de Vera Lagoa (1977). No PREC, em 1975, produziu-se muita literatura panfletária, para consumo imediato, alimentando o confronto ideológico travado neste país que alguns queriam "em marcha acelerada para o socialismo". Na facção oposta avultava Vera Lagoa, recentemente recordada em Três Mulheres. A série da RTP levou-me a reler este livro, que reúne demolidoras crónicas jornalísticas. Com trechos divertidos, outros injustos. Era um sinal daqueles tempos.

 

SIGNO SINAL, de Vergílio Ferreira (1979). Um dos romances menos conhecidos do autor de Aparição, que aqui faz uma espécie de autópsia do processo revolucionário português, centrado numa aldeia devastada por um terramoto. A cáustica sátira política surge aqui a traço grosso, envolta numa linguagem desbragada raras vezes usada por Vergílio Ferreira - mas que faz algum sentido por caracterizar aquela época de todas as ilusões, povoada por uma vasta galeria de vira-casacas e oportunistas de todos os matizes.

 

UMA ABELHA NA CHUVA, de Carlos de Oliveira (1953). Talvez o melhor romance daquela escola literária que entre nós se convencionou chamar "neo-realista". Numa linguagem depurada e límpida, raras vezes usada por outros autores da mesma corrente estilística, e sem os chavões da praxe que transformavam personagens em caricaturas. Neste drama aldeão há gente concreta e paixões atávicas que se sobrepõem a qualquer cartilha ideológica. Inspirou o filme homónimo de Fernando Lopes, que merece ser revisto.

Os melhores livros do meu ano (2)

Pedro Correia, 04.02.23

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Foi uma das poucas boas heranças dos longos meses da pandemia, pontuados por estados de emergência, recolher obrigatório e teletrabalho em larga escala: sobraram-me horas para a leitura. Daí ter lido cem livros em 2020, outros cem em 2021 e 88 no ano que há pouco terminou.

Ontem destaquei aqui dez dessas obras que me acompanharam em 2022, escritas apenas por autores portugueses: seis romances, uma ensaio memorialístico, uma biografia, um livro de crónicas e outro de apontamentos literários. De escritores já antigos, como Vergílio Ferreira ou Urbano Tavares Rodrigues, e outros contemporâneos, ainda jovens, como Djaimilia Pereira de Almeida ou Afonso Reis Cabral.

Hoje destaco outras dez, mas só de autores estrangeiros. São oito romances, um ensaio literário e um extenso volume com prosa diarística. De três galardoados com o Prémio Nobel (Thomas Mann, John Galsworthy e Mario Vargas Llosa) e de épocas muito diversas - de meados do século XIX até quase à década em que hoje vivemos. Gostei de todos, em graus diversos. Alguns foram excelentes surpresas.

Alinhados também por ordem alfabética, para maior facilidade de consulta.

 

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A FAMÍLIA FORSYTE, de John Galsworthy (1922). Um monumento literário sobre meio século de vida de um clã de prósperos negociantes londrinos que simbolizavam o apogeu e decadência da Inglaterra vitoriana. Com personagens inesquecíveis: o pérfido Soames e o seu primo direito Jolyon, mais dado às artes dos que aos negócios, além de Irene, a mulher que ambos disputaram. Originou filmes e séries, sempre com sucesso.

 

A FESTA DO CHIBO, de Mario Vargas Llosa (2000). Um dos melhores romances do popular escritor peruano, aqui num ousado exercício de estilo que cruza a ficção com segmentos de reportagem em torno de um dos mais execráveis ditadores da América hispânica: o dominicano Rafael Trujillo, assassinado em 1961. Autópsia de uma tirania com bisturi literário de mestre exibindo uma escrita inigualável.

 

DIÁRIOS 1950-1962, de Sylvia Plath (2000). Viver era escrever para a poetisa norte-americana, que sofria de depressão desde a adolescência e foi capaz de elevar esta doença à categoria de obra de arte enquanto matéria literária. Eis a versão mais completa dos seus diários, só há meses publicada em português. Permite-nos perceber como a tragédia do suicídio, aos 30 anos, se prenunciava nos belos textos que redigia.

 

E TUDO O VENTO LEVOU, de Margaret Mitchell (1936). Epopeia em torno da Guerra Civil norte-americana (1861-1865) que dilacerou os EUA com reflexos que chegaram aos nossos dias. Scarlett O'Hara, que resiste às adversidades do destino na vasta propriedade rural de Tara, na Geórgia, simboliza a tenacidade sulista, deslocada num mundo em mudança vertiginosa. Uma das grandes personagens femininas da literatura.

 

MORTE EM HAVANA, de Leonardo Padura (1997). Inesquecível, o Quarteto de Havana integrado por quatro policiais, cada qual ambientado numa das estações do ano - que na Cuba comunista são pequenas variações do mesmo sistema concentracionário, emoldurado por um oceano que em vez de libertar oprime. Mario Conde, polícia que sonhava ser escritor, protagoniza os quatro romances, de que este é o meu eleito.

 

NOSTROMO, de Joseph Conrad (1904). O escritor anglo-polaco era capaz de conciliar a novela de aventuras com a fabulosa criação de atmosferas densas e perturbantes. Aqui numa fictícia república da América do Sul, inaugurando um subgénero que fez furor com títulos como Tirano Banderas (Valle Inclán, 1927), O Senhor Presidente  (Miguel Angel Asturias, 1947) ou O Outono do Patriarca (Gabriel García Márquez, 1975).

 

O BARULHO DAS COISAS AO CAIR, de Juan Gabriel Vásquez (2011). Um dos melhores romances da nova geração sul-americana. O autor, colombiano, presta homenagem ao realismo mágico mais pelas palavras do que pelas ideias numa obra sem concessões ao imaginário pícaro. O livro disseca com desassombro a tragédia do terrorismo ligado ao narcotráfico, que paralisou o Estado e estilhaçou a sociedade.

 

O  INFINITO NUM JUNCO, de Irene Vallejo (2019). Deslumbrante ensaio que se aproxima de um romance sobre o apego à leitura, iniciado antes da invenção do papel. Leva-nos aos grandes pensadores da Grécia antiga, faz-nos conhecer as penas mais talentosas da velha Roma. Caso extraordinário de paixão desmedida pela palavra escrita que a historiadora espanhola transmite com inegável fascínio aos seus leitores.

 

O MONTE DOS VENDAVAIS, de Emily Brontë (1847). Exemplo clássico da ficção gótica, centrada numa mansão onde o rasto dos mortos assombra os vivos. O inferno transposto para o bucólico cenário rural inglês em forma de romantismo exacerbado, tendo no centro a figura do demoníaco Heathcliff na sua demencial obsessão por Catherine, uma das primeiras e mais emblemáticas heroínas da literatura. 

 

OS BUDDENBROOK, de Thomas Mann (1901). A fortuna da família Buddenbrook, argamassada há três gerações no norte da Alemanha, ameaça ruir quando os filhos tomam o lugar dos pais naquele final do século XIX, já com a velha burguesia luterana a dissolver-se enquanto âncora moral da sociedade. Genial romance de juventude que valeu o Nobel ao prosador germânico: nunca voltaria a escrever tão bem.

Os melhores livros do meu ano (1)

Pedro Correia, 03.02.23

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Já vem algo tarde, mas ainda a tempo. O balanço das minhas leituras ao longo de 2022. Após dois anos consecutivos em que consegui ler cem, com a crise pandémica a dar forte contributo por nos ter amputado grande parte da vida social, baixei um pouco neste mais recente, entre 1 de Janeiro e 31 de Dezembro: desta vez foram 88. De várias épocas, de vários estilos, de vários géneros, de autores de diversas nacionalidades.

Como em anos anteriores, dou-vos nota das minhas leituras em 2022. Dividindo-as em três listas de dez títulos, precisamente aqueles de que mais gostei. Não gostei de outros - e houve até uns tantos que detestei. Mas desses falarei noutra ocasião, não nesta.

Hoje menciono apenas obras de autores portugueses. Amanhã, de autores estrangeiros. No terceiro dia, ficará aqui um apontamento sobre as melhores releituras. Sempre dez em cada bloco. Por ordem alfabética, critério que gosto de seguir.

 

Tal como já tinha sucedido em 2020 e 2021, dediquei muito mais tempo à leitura do que ao cinema, contrariando um hábito há muito enraizado. Nos dias que correm, os filmes interessam-me bastante menos. Porque, confesso, já vi grande parte do que gostaria de ver - incluindo a esmagadora maioria dos clássicos da Sétima Arte. E também porque nada me atrai hoje na chamada "indústria cinematográfica", precisamente a que domina os circuitos de exibição e comercialização. 

Ao contrário dos livros. E se algum me decepciona, há sempre um título em alternativa na fila de espera. Para 2023, já revelei quais são as minhas prioridadesGuerra e Paz como leitura de Inverno, Em Busca do Tempo Perdido como leitura de Verão.

Não serão os únicos. Olho a pilha que se avoluma na sala. Contém pelo menos estes: Uma Casa Para Mr. Biswas (V. S. Naipaul), Herzog - Um Homem do Nosso Tempo (Saul Bellow), A Piada Infinita (David Foster Wallace), Na Minha Morte (William Faulkner), O Templo da Aurora (Yukio Mishima), Sagarana (Guimarães Rosa), Os Sonâmbulos (Hermann Broch), Auto-de-Fé (Elias Canetti).

Qual irá seguir-se?

O sortilégio da leitura passa também pela incerteza destas escolhas em rumo errante. É acaso, é destino? De viagem em viagem, todas nos transportam para mundos bem diferentes sem necessidade de darmos um passo. Apetece dizer como Jorge Luis Borges: «Que outros se gabem dos livros que lhes foi dado escrever; eu gabo-me daqueles que me foi dado ler.»

 

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A MESA ESTÁ POSTA, de Jorge Silva Melo (2019). Recolha de crónicas de Jorge Silva Melo, figura magna do teatro e do cinema que morreu há quase um ano. Na sequência do magnífico Século Passado - quase o romance que nunca escreveu. Ainda bem que nos deixou estes livros por legado: preciosos testemunhos de uma época que vai passando.

 

A VOZ DOS DEUSES, de João Aguiar (1984). Quem diria que Viriato seria personagem credível de um romance português numa prosa sem artifícios nem rodriguinhos? Há quase 40 anos, este livro distinguiu-se por uma proeza difícil: teve sucesso junto do público e da crítica. Resiste hoje à mais dura das provas - a do tempo. Falando-nos desta terra que já tinha identidade própria antes de ser Portugal.

 

CALENDÁRIO PRIVADO, de Fernanda Botelho (1958). Escritora discreta por opção própria, a autora de Xerazade e os Outros abordava neste seu segundo romance, de algum modo ainda de aprendizagem, temas quase clandestinos, como o aborto. Numa obra de forte toada psicológica, contrariando as tendências político-sociais então em voga.

 

COM OS HOLANDESES, de J. Rentes de Carvalho (1972). Há longos anos radicado nos Países Baixos, o autor de Ernestina desenrola o fio da memória desde o tempo em que ali desembocou como imprevisto emigrante, sem saber uma palavra do idioma local. No seu estilo empático e desenvolto, fala-nos com humor do país de acolhimento e dos choques culturais que lá sofreu.

 

DE QUASE NADA A QUASE REI, de Pedro Sena-Lino (2020). Minuciosa biografia do Marquês de Pombal (1699-1782) escrita por um poeta apostado em investigar a figura do ministro de D. José que ascendeu a vulto mais influente do reino. Bem documentada, sem as liberdades literárias que Camilo e Agustina dedicaram ao homem que reergueu Lisboa após o terramoto e mandou executar opositores com requintes de crueldade.

 

LIVRO DOS PREFÁCIOS À OBRA DE AGUSTINA BESSA-LUÍS, de vários autores (2022). Reúne os textos que funcionaram de pórtico a diversos livros da notável prosadora. Uma galeria notável de admiradores desfila aqui - de António Barreto a Rui Ramos, de João Bénard da Costa a José Tolentino de Mendonça. A melhor das introduções ao espólio literário de Agustina.

 

LUANDA, LISBOA, PARAÍSO, de Djaimilia Pereira de Almeida (2018). Singular romance, de uma frescura surpreendente e notável domínio da linguagem escrita polvilhada de marcas da oralidade contemporânea num amargo cruzamento de rotas entre Angola e Portugal. Em perfeito contraste com tantas outras obras actuais de onde a vida está ausente. 

 

O CAMINHO FICA LONGE, de Vergílio Ferreira (1943). Aqui o futuro autor de Para Sempre dava os primeiros passos como escritor. Já com destreza oficinal ao revelar-se como romancista. Durante décadas, esta obra sobre o meio estudantil coimbrão de final dos anos 30 permaneceu fora do mercado. Felizmente foi possível relançá-la. Texto juvenil, com virtudes e defeitos próprios de quem começa.

 

OS INSUBMISSOS, de Urbano Tavares Rodrigues (1961). Um dos raros romances portugueses centrados no mundo jornalístico, por experiência directa do autor. Hoje vale mais como documento do que como marco literário: a linguagem é demasiado carregada de adjectivos e muitos diálogos soam a falso. Mas certas cenas merecem destaque. Como a última, com os amigos na praia cantando o hino nacional - a revolta possível naqueles anos de chumbo.

 

O MEU IRMÃO, de Afonso Reis Cabral (2014). Obra-prima da novelística portuguesa contemporânea, justamente galardoada com o Prémio Leya, fala-nos da atribulada mas enternecedora relação entre um jovem universitário e o seu irmão mais velho, deficiente profundo. Com emoção contida, evitando chavões sentimentais e sem nunca escorregar para o melodrama.

Frase nacional de 2022

Pedro Correia, 12.01.23

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«Haver 400 casos de abusos não me parece particularmente elevado.»

Marcelo Rebelo de Sousa, comentando os abusos sexuais na Igreja, 11 de Outubro

(eleita por maioria, pelo DELITO DE OPINIÃO)

 

Também mereceram destaque estas frases:

 

«O Catar não respeita os direitos humanos. Toda a construção dos estádios e tal... mas, enfim, esqueçamos isto.»

Marcelo Rebelo de Sousa, a 17 de Novembro, celebrando a ida da selecção das quinas ao Mundial

 

«"Estás com uma pressa do cara*** para me tirar, fo***

Cristiano Ronaldo, a 2 de Dezembro, quando Fernando Santos o mandou sair de campo no jogo contra a Coreia do Sul

 

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Frase nacional de 2010: «O povo tem de sofrer as crises como o governo as sofre.»

(Almeida Santos)

Frase nacional de 2011: «Estou-me marimbando para os nossos credores.»

(Pedro Nuno Santos)

Frase nacional de 2013: «Com a apresentação do pedido de demissão, que é irrevogável, obedeço à minha consciência e mais não posso fazer.»

(Paulo Portas)

Frase nacional de 2014: «Sinto-me mais livre que nunca.»

(José Sócrates)

Frase nacional de 2015: «Temos os cofres cheios.»

(Maria Luís Albuquerque)

Frase nacional de 2016: «Já avisei a famíia que só volto no dia 11 [de Julho] e vou ser recebido em festa.»

(Fernando Santos)

Frase nacional de 2017: «Este ano foi um ano particularmente saboroso para Portugal.»

(António Costa)

Frase nacional de 2020: «Então nós íamos mascarados para o 25 de Abril?»

(Ferro Rodrigues)

Frase nacional de 2021: «Já posso ir ao banco»?

(António Costa)

Facto internacional de 2022

Pedro Correia, 11.01.23

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AGRESSÃO RUSSA À UCRÂNIA

Este foi, por larguíssima maioria (quinze em vinte dos participantes), eleito o Acontecimento internacional de 2022 pelos autores do DELITO DE OPINIÃO: a invasão da Ucrânia pela Rússia, obedecendo à voz de comando do ditador de Moscovo, Vladimir Putin. 

Iniciada na madrugada de 24 de Fevereiro, esta agressão bélica faz lembrar tempos que há muito não víamos no Europa, tendo provocado um número impressionante de vítimas (fala-se em cerca de cem mil, entre baixas militares e civis dos dois lados), a destruição de grande parte do território da Ucrânia e uma onda de refugiados sem precedentes no continente desde a II Guerra Mundial: calcula-se que 15 milhões de pessoas - cerca de um terço da população do país agredido - tenha sido forçada a abandonar os seus lares. Muitos procuraram refúgio noutros países, incluindo Portugal. 

A guerra - que Putin desencadeou pensando que fosse concluída a curto prazo, com a ocupação de Kiev, a deposição das instituições do país invadido e a detenção ou assassínio do Presidente Volodimir Zelenski - tem-se prolongado, tendo os ucranianos já recuperado cerca de 55% do território inicialmente invadido. Cidades como Butcha, Irpin e Mariúpol tornaram-se tristemente famosas em todo o mundo, pelos massacres que os esbirros armados do Kremlin lá cometeram. 

A agressão motivou uma unidade inquebrantável dos países ocidentais no apoio à Ucrânia - financeiro, humanitário e militar. Com Zelenski enaltecido como símbolo da resistência e países até há pouco neutrais, como a Finlândia e a Suécia, envolvidos na estratégia global de defesa face ao imperalismo russo - ao ponto de terem aderido à NATO, algo impensável há um ano.

 

Passo a citar algumas das opiniões emitidas pelos participantes nesta votação:

«A partir de 24 de Fevereiro o mundo mudou de forma abrupta.»

«A guerra na Ucrânia modificou mesmo as nossas vidas; esperemos que não modifique ainda mais.»

«A chocante invasão da Ucrânia pela Rússia, em pleno século XXI, fez soar todos os alarmes. Põe em risco a ordem mundial tal como a conhecemos, tem como alvo as sociedades democráticas liberais, e é afirmação da autocracia feita ruidosamente ao som dos tambores bélicos, a única e verdadeira força de Moscovo. Este conflito tem provocado alinhamentos e realinhamentos geostratégicos. Ironicamente, teve o condão de unir o Ocidente e de alargar a NATO até às fronteiras da Rússia. Quanto mais tempo a guerra durar mais perto estaremos de que se torne global, com consequências imprevisíveis para o planeta.»

 

Como todos os anos acontece, é possível cada um votar em mais do que um tema. Assim, eis dois acontecimentos do ano passado que também mereceram referência nesta eleição: planeta Terra ultrapassou os 8 mil milhões de habitantes (três votos) e revolta popular no Irão (dois votos).

Registaram-se ainda votos isolados na morte da Rainha Isabel II, na inflação como fenómeno global e no desrespeito pela vida no planeta («guerra, alterações climáticas, agravamento do fosso entre muito ricos e muito pobres»).

 

Facto nacional de 2022

Pedro Correia, 09.01.23

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O REGRESSO DA INFLAÇÃO

Duas gerações de portugueses nunca tinham experimentado isto. Todo o ano passado foi vivido sob o espectro da inflação, numa depreciação contínua do valor do dinheiro e consequente aumento dos preços dos bens essenciais. Desde 1993 que não se registavam cifras destas entre nós: o surto inflacionário chegou a atingir dois dígitos (10,1%) em Outubro. No final do ano, cifrava-se em 9,6%. Mas pode voltar a subir neste primeiro trimestre de 2023, segundo alertou o governador do Banco de Portugal. Reflectindo-se de forma bem visível na diminuição do nosso poder de compra.

A política monetária seguida pelos bancos centrais, a pandemia que abalou as tradicionais cadeias de abastecimento e a guerra na Ucrânia, com a consequente crise energética e alimentar, foram causas próximas deste regresso à inflação, que se regista um pouco por todo o mundo e causa muita preocupação entre os portugueses. Ao ponto de este regresso da inflação ter sido eleito o Acontecimento Nacional de 2021, embora por escassa margem, pelos autores do DELITO DE OPINIÃO: sete votos em 20 dos que participaram - podendo sempre ser escolhido mais de um tema, como é tradicional entre nós.

«Esta antiga campanheira da nossa já longa história voltou a dar sinal de si. Poderíamos ter aproveitado a sua hibernação, de três décadas, mas o avanço mais efectivo verificado na sua ausência foi o disparar da dívida do país», assinalou um dos "delituosos", justificando a escolha.

 

Em segundo lugar, com seis votos, ficou o que alguns intitularam desgovernação, havendo também quem lhe chamasse crise política. Em alusão aos sucessivos casos que abalaram o governo maioritário de António Costa, num constante entra-e-sai de membros do Executivo. «Não tenho memória de se ter assistido a tantas demissões num governo que ainda não fez um ano» , observou alguém.

A inesperada maioria absoluta do PS nas legislativas de Janeiro foi outro tema mencionado, recolhendo quatro votos. É outro regresso: neste caso a um cenário político inexistente desde 2009, quando chegou ao fim o primeiro Executivo de José Sócrates. 

Menção ainda (com dois votos) para o caos nos hospitais, também classificado de "derrocada do SNS" - outro assunto que foi acompanhando o quotidiano nacional em 2022.

 

Depois, cinco outros factos, cada qual com um voto. Passo a enunciá-los para ficarem lavrados em acta como sempre sucede, ano após ano, no nosso blogue:

- Escândalo de pedofilia na Igreja Católica «e o subsequente rosário de disparates dos seus representantes, e de um certo chefe de Estado de um estado supostamente laico».

- A continuação ideológica da geringonça por outros meios.

Fim da geringonça e a «oportunidade perdida de dar um novo rumo ao país».

- O crescente impacto das alterações climáticas no litoral e no interior de Portugal.

Fim do uso obrigatório da máscara (muitos de nós já nos tínhamos esquecido disto).

 

Facto nacional de 2010: crise financeira

Facto nacional de 2011: chegada da troika a Portugal

Facto nacional de 2013: crise política de Julho

Facto nacional de 2014: derrocada do Grupo Espírito Santo

Facto nacional de 2015: acordos parlamentares à esquerda

Facto nacional de 2016: Portugal conquista Europeu de Futebol

Facto nacional de 2017: Portugal a arder de Junho a Outubro

Facto nacional de 2018: incúria do Estado

Facto nacional de 2019: novos partidos no Parlamento

Facto nacional de 2020: o vírus que nos mudou a vida

Facto nacional de 2021: vacinação em massa

Figura internacional de 2022

Pedro Correia, 08.01.23

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VOLODIMIR ZELENSKI

Unanimidade quase total este ano: 19 dos 20 autores do DELITO que participaram na votação elegeram como Figura Internacional do Ano o Presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski. Do quase anonimato, tornou-se personalidade com ressonância planetária. Daí a nossa homenagem.

Sem qualquer intenção de sermos originais: já a revista Time tinha feito o mesmo

Foi apenas, no fundo, a confirmação do que havia acontecido ao longo de quase todo o ano, com o protagonista da resistência ucraniana a merecer contínuas referências aqui no blogue. Sobretudo desde que viu o seu país invadido pela força bélica russa, a 24 de Fevereiro. 

 

Na justificação do voto, algumas frases merecem ser destacadas. 

«Um verdadeiro herói, além de uma série de outros atributos, tem de ser um herói improvável. Zelenski cumpre todos esses critérios.»

«Líder improvável, mas um líder. Estóico, agitador de consciências, verdadeiro protector do seu povo. Guardião de um patriotismo ameaçado e alvo de tentativas de aniquilação. A sua liderança foi também capaz de tocar a reunir o Ocidente, congregado em torno da causa ucraniana.»

«Não sei o que é mais admirável nele: o sentido do dever? A intrepidez? A fortitude? A inteligência de se rodear das pessoas certas? A visão política? O patriotismo inspirador? A segurança sem arrogância? A capacidade de acção? A improbabilidade de todas estas virtudes misturadas numa só pessoa?»

Às vezes muito pode ser dito também numa simples frase. Como esta, a justificar igualmente a escolha em Zelenski: «Por ter restaurado o conceito de pátria.»

 

Houve ainda um voto isolado no secretário-geral da ONU. António Guterres, por sinal, também mencionado na votação para Figura Nacional do Ano.

Para o Presidente russo, Vladimir Putin, nada.

 

Figuras internacionais de 2010: Angela Merkel e Julian Assange

Figura internacional de 2011: Angela Merkel 

Figura internacional de 2013: Papa Francisco

Figura internacional de 2014: Papa Francisco

Figuras internacionais de 2015: Angela Merkel e Aung San Suu Kyi

Figura internacional de 2016: Donald Trump

Figura internacional de 2017: Donald Trump

Figura internacional de 2018: Jair Bolsonaro

Figura internacional de 2019: Boris Johnson

Figura internacional de 2020: Ursula von Der Leyen

Figura internacional de 2021: Joe Biden

Figura nacional de 2022

Pedro Correia, 07.01.23

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ANTÓNIO COSTA

É um regresso a esta galeria anual do DELITO DE OPINIÃO. O primeiro-ministro já tinha passado por cá em 2015, quando chegou ao poder mesmo sem ter vencido as legislativas. Era o início da geringonça que se manteve durante seis anos: o PS a governar com apoio parlamentar simultâneo de comunistas e bloquistas. 

Em 2022 abriu-se outro ciclo: o PS saiu vencedor incontestado da eleição antecipada, convocada pelo Presidente da República para 30 de Janeiro após a dissolução da Assembleia da República devido ao chumbo do Orçamento do Estado.

Todas as sondagens falharam: os socialistas emergiram das urnas com maioria absoluta. Cento e vinte deputados num total de 230. Foi a segunda vez que superaram a barreira dos 115, após José Sócrates em 2005.

Também com maioria absoluta, António Costa foi escolhido pelo DELITO como Figura Nacional do Ano. Recolheu 11 "boletins" de 20 eleitores - mantendo-se a regra aqui vigente desde o inicio: cada um de nós pode votar em mais de uma figura. Uns pela positiva, outros nem tanto. «O anti-reformador. Pela conquista da maioria absoluta e porque essa conquista confirma-o menos como um gestor de políticas e mais como um gestor da política como meio de conservar o poder, pondo o país refém dele», observou um dos membros da tribo "delituosa".

 

O facto é que o chefe do Governo deixou a larga distância todos os restantes. Desde logo Marcelo Rebelo de Sousa (três votos) e Cristiano Ronaldo (dois).

O mais célebre português do planeta justificou rasgados elogios, como este: «Conseguiu ser o jogador de futebol mais bem pago de sempre. Passar a receber 200 milhões por ano depois da sua péssima prestação no Mundial merece destaque absoluto.» E este: «Para uns desceu do pedestal, para outros caiu. E em torno dele adensou-se aquela nuvem roxa de ressentimento, inveja e azedume tão tipicamente portuguesa.»

 

Seguiram-se votos isolados em António Guterres («tem obtido sucessos na agenda climática»), Fernando Medina, o contribuinte português («apesar de todas as dificuldades nacionais e internacionais, está prestes a bater de novo o seu recorde»), as cientistas Rita Acúrcio, Rita Guedes e Helena Florindo («as três investigadoras portuguesas do grupo de quatro que descobriu uma molécula capaz de estimular o sistema imunitário a combater vários tipos de cancro») e ainda, como triste símbolo nacional, a bebé Jessica («morta às mãos de quem deveria tomar conta dela, em representação do enorme falhanço deste estado social, mas também da indiferença da sociedade»).

 

Figura nacional de 2010: José Mourinho

Figura nacional de 2011: Vítor Gaspar

Figura nacional de 2013: Rui Moreira

Figura nacional de 2014: Carlos Alexandre

Figura nacional de 2015: António Costa

Figura nacional de 2016: António Guterres

  Figura nacional de 2017: Marcelo Rebelo de Sousa

Figura nacional de 2018: Joana Marques Vidal

Figura nacional de 2019: D. José Tolentino Mendonça

Figura nacional de 2020: Marta Temido

Figura nacional de 2021: Henrique Gouveia e Melo

Os melhores livros do meu ano (3)

Pedro Correia, 15.02.22

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À medida que os anos passam e as leituras se acumulam, cresce a apetência por revisitarmos obras que nos cativaram em décadas precedentes. Seja no domínio da ficção, seja em qualquer outro ramo literário.

Tem-me acontecido isso. E a tendência acentou-se em 2021, também por causa dos extensos períodos de confinamento vigentes em grande parte deste ano, que deixa poucas saudades. Neste contexto, a literatura tornou-se num passaporte para outras paragens. Mesmo quando existem impedimentos para a viagem física, podemos embarcar sempre na viagem literária.

Foi assim que reforcei o meu gosto pela releitura. Nunca dei o tempo por mal empregue neste reencontro com livros meus amigos. Sem necessitar de máscara ou distanciamento físico - a que alguns imbecis continuam a chamar «distanciamento social», incapazes de perceber a diferença entre uma coisa e outra.

Partilho convosco a lista dos dez melhores livros que fui relendo no ano que terminou: seis romances ou novelas de autores portugueses, dois romances estrangeiros, um ensaio literário e um diário. Por ordem alfabética, mantendo o critério assumido aqui e aqui.

 

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A CIDADE DAS FLORES, de Augusto Abelaira (1959). Lisboa transposta para Florença, no auge do fascismo, em 1939. O autor concebeu este cenário italiano, vinte anos antes, para ludibriar a censura salazarista. É o romance de uma geração confrontada com esta dúvida: ou envolve-se num combate talvez desesperado pela liberdade ou verga-se ao imobilismo.

 

A MISSÃO, de Ferreira de Castro (1954). Admirável novela do criador d' A Selva em torno de um dilema ético vivido numa missão católica em França, durante a ofensiva nazi em 1940. Como devem comportar-se os discípulos de Cristo perante um risco de ataque aéreo? Um padre ousar questionar o seu superior em nome de um bem maior que a segurança.

 

ADEUS, PRINCESA, de Clara Pinto Correia (1985). Em formato policial, um dos melhores romances portugueses da década de 80. Com Beja, Cuba e Baleizão como cenário. Funciona hoje também como documento daquela época num Alentejo que vivia a ressaca da revolução e o declínio da hegemonia comunista antes da entrada de Portugal na CEE.

 

CÂNTICO FINAL, de Vergílio Ferreira (1960). Um pintor, sabendo-se condenado pela doença, recolhe à aldeia natal para concretizar o seu último projecto: decorar uma capela há muito encerrada, onde quer deixar a sua marca artística. Enquanto vai lembrando as etapas mais relevantes da sua vida, dos sonhos da juventude às cicatrizes da idade adulta.

 

CONTA CORRENTE 3, de Vergílio Ferreira (1981). Diário do autor de Aparição que foi muito lido e comentado quando surgiu. Obra inimitável, que assinala o encontro do escritor com camadas mais vastas de leitores, só pode ser hoje encontrada em alfarrabistas. Estranhamente, nunca mais foi reeditada. E não é por falta de qualidade, longe disso.

 

DOMINGO À TARDE, de Fernando Namora (1961). Clarisse, jovem com leucemia prestes a despedir-se da vida, apaixona-se por Jorge, o médico que tenta devolver-lhe a saúde. Namora, que exerceu cínica no Instituto Português de Oncologia, assina aqui um dos seus melhores romances. Que poucos anos depois deu origem a um excelente filme.

 

GUIA PARA 50 PERSONAGENS DA FICÇÃO PORTUGUESA, de Bruno Vieira Amaral (2013). Um dos melhores ensaios literários surgidos na última década. De um escritor que também demonstra ser um leitor atento e meticuloso. Com o mérito acrescido de nos chamar a atenção para obras há muito esquecidas e que merecem ser revisitadas.

 

O BARÃO, de Branquinho da Fonseca (1942). Uma das raras incursões portuguesas na chamada novela gótica, marcada por uma atmosfera de mistério e assombro, que nunca chega a ser desvendada por completo. António José Branquinho da Fonseca foi mestre da ficção curta, mais psicológica do que social. Esta é considerada a sua obra-prima.

 

O ESPIÃO QUE SAIU DO FRIO, de John Le Carré (1963). Mal foi publicado, tornou-se um clássico instantâneo. Cada vez mais revalorizado à medida que o tempo passa. Ponto cimeiro de um subgénero na literatura de espionagem - a que traça um retrato impiedoso dos meandros da Guerra Fria. Com o sinistro muro assombrando a noite de Berlim.

 

SAYONARA, de James Michener (1954). Singular romance sobre o Japão ocupado por forças dos EUA nos anos subsequentes à II Guerra Mundial, quando outro conflito bélico já se desenrolava, na península da Coreia. Neste cenário, um oficial norte-americano envolve-se com uma actriz nipónica. Desafiando convenções e preconceitos atávicos.

Os melhores livros do meu ano (2)

Pedro Correia, 14.02.22

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Como referi anteriormente, há muitos anos que não lia tantos livros. Este biénio marcado pela pandemia, tanto em 2020 como em 2021, devolveu-me aos dias da adolescência em matéria de leituras. Se há males que vêm por bem, este foi um deles.

Cada vez tenho menos dúvidas: ler é a actividade intelectual que mais nos permite contrariar tendências dominantes, rejeitar o espírito de rebanho ou alcateia e mergulhar na subjectividade - no fundo, aquilo que nos diferencia dos restantes mortais. A literatura faz-nos viajar a qualquer momento no tempo e no espaço, abrindo-nos horizontes de toda a espécie. Graças a ela, ficamos a saber o que nos antecedeu e a conhecer a face oculta do que nos rodeia. E passamos até a ser iluminados sobre nós próprios.

Ontem destaquei aqui dez obras entre as cem completas que pude ler no ano passado. Hoje trago outras dez, mas só de autores estrangeiros: sete romances ou novelas, uma biografia, um ensaio satírico e um volume de crónicas memorialísticas. Alinhados também por ordem alfabética, para maior facilidade de consulta.

 

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A LARANJA MECÂNICA, de Anthony Burgess (1962). Poderosa distopia situada num futuro talvez mais próximo do que possamos imaginar. Trabalho notável também ao nível da linguagem: Burgess criou dezenas de neologismos que serviam de senha aos jovens delinquentes, violentos por natureza num Estado destituído de princípios morais.

 

A PRAGA ESCARLATE, de Jack London (1912). Como sobreviverá o ser humano num mundo apocalíptico? London morreu muito antes da bomba atómica, mas pressentiu um vírus letal com efeitos pandémicos nesta novela que nos fala do fim da civilização e do regresso do homem ao estado de natureza mais selvagem. Obra-prima, no tema e no estilo.

 

A REBELIÃO, de Joseph Roth (1924). Um olhar realista e sem complacência sobre a ruína social que submergiu a Europa nos anos subsequentes à I Guerra Mundial. Tendo como protagonista um antigo combatente austríaco mutilado no conflito que passa a lutar pela sobrevivência diária. Num outro combate, ainda mais implacável do que o anterior.

 

HEMINGWAY EN CUBA, de Norberto Fuentes (1984). Uma das melhores biografias do autor de Adeus às Armas, centrada nas duas décadas em que se radicou numa quinta a 15 km de Havana e da qual só saiu pouco antes de Fidel Castro proclamar a sinistra divisa «socialismo ou morte». Uma obra lamentavelmente inexistente em português.

 

O AMOR EM TEMPOS DE CÓLERA, de Gabriel García Márquez (1985). Talvez o melhor romance do talentoso autor colombiano, à época já galardoado com o Nobel da Literatura. Uma atribulada história de amor que resistiu a todas as vicissitudes e todas as tempestades, comprovando que o fracasso pode ser só uma palavra no dicionário.

 

O CONSERVADOR, de Nadine Gordimer (1974). Meticulosa digressão ao quotidiano dos anos de chumbo do apartheid, numa África do Sul já condenada pela comunidade internacional mas que teimava em resistir aos «ventos da História». Quando um próspero proprietário rural branco se viu abandonado pela própria filha, avessa ao regime racista.

 

O REI FAZ VÉNIA E MATA, de Herta Müller (2003). Galardoada em 2009 com o Nobel da Literatura, esta escritora nascida numa comunidade germânica da Roménia sentiu na pele a repressão da ditadura comunista de Ceausescu. Fala-nos dessa amarga experiência nesta estimulante colectânea de crónicas e pequenos ensaios autobiográficos. 

 

OS TEUS PASSOS NAS ESCADAS, de Antonio Muñoz Molina (2019). Pode haver um romance português de um escritor espanhol? Sim. Eis a prova, nesta admirável declaração de amor a Lisboa, que já tinha figurado numa das suas primeiras obras. Cidade-refúgio num mundo assombrado pelas catástrofes climáticas e pelo terrorismo global.

 

SEMENTES DE VIOLÊNCIA, de Evan Hunter (1954). Um dos melhores romances sobre a delinquência juvenil, aqui centrada numa escola pública de um bairro pobre de Nova Iorque e nos desafios que coloca a um professor no início da profissão. Adaptado no ano seguinte ao cinema, com merecido êxito de público e de crítica.

 

WOKE, de Titania McGrath (2019). Demolidora denúncia do extremismo liberticida que vai lançando anátemas, impondo dogmas e ditando a censura em nome da correcção política. Titania é personagem inventada pelo comediante britânico Andrew Doyle, que ridiculariza o sectarismo destes novos talibãs que tudo querem proibir.

Os melhores livros do meu ano (1)

Pedro Correia, 13.02.22

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Já vem tarde, mas creio que ainda chega a tempo. Faço um balanço das minhas leituras feitas em 2021, Ano II da Pandemia, muito marcado pela imobilidade forçada, e que, entre as raras compensações, me permitiu usufruir de mais horas dedicadas à leitura. Como num regresso tardio à adolescência, quando tinha tempo para tudo - incluindo para devorar qualquer livro que me chegasse às mãos.

Tal como no ano anterior, em 2021 consegui ler cem livros completos. Dos mais diversos géneros, mas bastante centrados na literatura portuguesa de ficção do século XX - para tentar dar corpo a um projecto que gostaria de ver materializado em ensaio literário. Não custa tentar, veremos no que dá.

 

Também à semelhança do que já sucedera em 2020, dediquei mais tempo à leitura do que ao cinema, contrariando um hábito há muito enraizado. Nos dias que correm, os filmes interessam-me bastante menos. Porque já vi grande parte do que gostaria de ver - incluindo a esmagadora maioria dos clássicos da Sétima Arte. E também porque nada me atrai hoje na chamada "indústria cinematográfica", precisamente a que domina os circuitos de exibição e comercialização. 

Como acontece com vários dos meus leitores, julgo, vi muito mais séries do que filmes. Não apenas nos canais por cabo mas numa das principais plataformas dedicadas ao género, a Netflix, de que sou assinante periódico. Mas também aqui é necessário peneirar bastante: a maioria da oferta não me agrada. 

 

Tenciono falar delas um dia destes. Agora venho partilho convosco o balanço das leituras, na expectativa de vos deixar sugestões úteis.

Durante três dias, revelarei aqui a lista dos dez melhores destes cem, multiplicada por três: a primeira, já de seguida, respeitante só a autores portugueses. Amanhã virão os autores estrangeiros. Depois de amanhã, recordo os dez que mais gostei de reler. Títulos sempre acompanhados por duas ou três frases sobre cada obra.

Cada lista fica por ordem alfabética. Podia ter sido outro o critério, mas prefiro este.

 

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A CAPITAL, de Eça de Queiroz (1925). Um dos romances menos conhecidos do autor d' Os Maias. E um dos mais cáusticos. Obra póstuma, escrita ainda na juventude, inclui já quase todos os temas dominantes no imaginário de Eça. Com uma personagem inesquecível: Artur Corvelo, homem que tenta tudo para subir na vida. Podia ser hoje.

 

A TORRE DA BARBELA, de Ruben A. (1964). Genial cruzamento dos romances de cavalaria com histórias de fantasmas e folhetins românticos, tudo polvilhado com sátira inteligente e diálogos surrealistas, numa espécie de revisitação burlesca da História de Portugal. Obra-prima de um autor desaparecido demasiado cedo. 

 

ANDANÇAS DO DEMÓNIO, de Jorge de Sena (1960). Mais conhecido como poeta e ensaísta, Sena foi igualmente magnífico prosador. Em formato longo, legando-nos o romance Sinais de Fogo, e também em pequenas mas marcantes narrativas. Este volume comprova-o em contos como "História do Peixe-Pato" e "A Janela da Esquina".

 

ERNESTINA, de J. Rentes de Carvalho (1998). Memórias? Crónica novelesca? Romance de não-ficção, ao jeito de Truman Capote? Pouco importam as etiquetas. Aqui estamos perante literatura digna de quadro de honra. Que é também um retrato impressivo e vívido de um Portugal que muitos não conheceram e já poucos recordam.

 

FELIZMENTE HÁ LUAR!, de Luís de Sttau Monteiro (1961). Teatro é para ver representado em palco, não para ler. Mas, quando o texto tem qualidade, até resulta em leitura proveitosa. É o caso deste drama em dois actos, centrado na execução do general Gomes Freire de Andrade em 1817 - símbolo de outras injustiças e outros tempos de opressão.

 

ÍNDICE MÉDIO DE FELICIDADE, de David Machado (2013). Um dos mais estimulantes romances portugueses surgidos na última década. Muito influenciado pelos road movies, transporta-nos por estrada de Lisboa a Barcelona na companhia de um heterogéneo grupo de amigos e conhecidos. Comovente e divertido: vale a pena seguir viagem com eles.

 

O ESPLENDOR DE PORTUGAL, de António Lobo Antunes (1997). Fulgurante romance que estabelece uma espécie de rima interna com uma das primeiras obras do autor, Os Cus de Judas. Também com Angola como cenário. Mas aqui fala-se de civis, não de militares. E das marcas que a descolonização deixou. Sem temores nem tabus.

 

O MILAGRE SEGUNDO SALOMÉ, de José Rodrigues Miguéis (1975). Injustamente esquecido, é um dos grandes textos de ficção do nosso século XX. Grande em vários sentidos - a começar no número de páginas, cerca de 700. Do final da monarquia ao início da ditadura pós-28 de Maio, com alusões óbvias a Fátima. Merece ser lido e divulgado.

 

O RETORNO, de Dulce Maria Cardoso (2011). Angola, de novo. Na perspectiva de adolescentes que lá nasceram e se viram forçados a embarcar para a distante Lisboa fugindo ao morticínio na Luanda de 1975, pré-independência. Os chamados "retornados". Será possível retornar a um lugar onde nunca se viveu? 

 

TERRAS DO DEMO, de Aquilino Ribeiro (1919). Um dos primeiros e melhores romances de mestre Aquilino, um dos nossos mais inconfundíveis prosadores. Em páginas que nos transportam ao esquecido Portugal do interior serrano, onde as paixões mais primárias e superstições de todo o género andavam à solta, longe de qualquer verniz citadino.

Frase nacional de 2021

Pedro Correia, 15.01.22

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«Já posso ir ao banco?»

António Costa para Ursula von Der Leyen, 16 de Junho

(eleita por maioria, pelo DELITO DE OPINIÃO)

 

Também mereceram destaque estas frases:

 

«Tenho um excelente ministro da Administração Interna e vivo muito bem com o senhor ministro da Administração Interna.»

António Costa, justificando a manutenção de Eduardo Cabrita no Governo (Maio)

 

«Estou irritantemente optimista.»

Marcelo Rebelo de Sousa, sugerindo que as medidas de restrição impostas pela pandemia iriam ser suavizadas (Julho)

 

«Vejam o parolo que sou.»

Augusto Santos Silva, demarcando-se de Sócrates, com quem trabalhou durante anos (Maio)

 

«Não há vidas insignificantes nem vidas menos importantes. Somos todos seres humanos.»

Gouveia e Melo, ao receber um Globo de Ouro na SIC (Outubro)

 

«Nunca haverá um governo de direita se o BE o puder impedir.»

Catarina Martins, na ressaca do chumbo do Orçamento em que votou com a direita (Novembro)

 

«Eu sou o passageiro.»

Eduardo Cabrita, sobre o atropelamento mortal de um trabalhador pela sua viatura oficial (Dezembro)

 

«O azar de Rendeiro foi haver eleições em Janeiro.»

Rui Rio, numa crítica à Polícia Judiciária que quase ninguém entendeu (Dezembro)

 

«Fiz mal em ir para o Governo, perdi uma fortuna incalculável.»

Manuel Pinho, tentando - sem sucesso - puxar à lágrima em entrevista ao Expresso (Dezembro)

 

«Temos de ir jogo a jogo.»

Rúben Amorim, treinador campeão pelo Sporting ao fim de 19 anos (Dezembro)

 

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Frase nacional de 2010: «O povo tem de sofrer as crises como o governo as sofre.»

(Almeida Santos)

Frase nacional de 2011: «Estou-me marimbando para os nossos credores.»

(Pedro Nuno Santos)

Frase nacional de 2013: «Com a apresentação do pedido de demissão, que é irrevogável, obedeço à minha consciência e mais não posso fazer.»

(Paulo Portas)

Frase nacional de 2014: «Sinto-me mais livre que nunca.»

(José Sócrates)

Frase nacional de 2015: «Temos os cofres cheios.»

(Maria Luís Albuquerque)

Frase nacional de 2016: «Já avisei a famíia que só volto no dia 11 [de Julho] e vou ser recebido em festa.»

(Fernando Santos)

Frase nacional de 2017: «Este ano foi um ano particularmente saboroso para Portugal.»

(António Costa)

Frase nacional de 2020: «Então nós íamos mascarados para o 25 de Abril?»

(Ferro Rodrigues)

Facto internacional de 2021

Pedro Correia, 14.01.22

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ASSALTO AO CAPITÓLIO NOS EUA

Aconteceu logo no início do ano, a 6 de Janeiro de 2021. Todos assistimos, incrédulos e atónitos. Nunca se tinha visto algo assim: uma turba enfurecida subia as escadarias do Capitólio, em Washington, e invadia o histórico edifício, perante a impotência das forças de segurança, colocando em risco senadores e congressistas. Precisamente quando ali se travava um debate fundamental: o que viria a confirmar em definitivo o resultado da eleição presidencial de Novembro de 2020.

Estes milhares de insurrectos, apoiantes declarados de Donald Trump, invadiram e vandalizaram a sede do poder legislativo dos EUA com a intenção deliberada de castigar figuras públicas como a democrata Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Representantes, o líder da maioria no Senado, Chuck Schumer, e o próprio vice-presidente Mike Pence, a quem acusaram de traição por conceder a vitória a Joe Biden, seu adversário político. Algo que Trump ainda hoje não fez.

A sessão foi interrompida, com o mundo a assistir em directo. Mas viria a ser retomada nessa mesma noite, quando a forças da ordem conseguiram travar a multidão em fúria e deter alguns dos cabecilhas, impedindo danos maiores. Com cinco mortos registados, entre eles quatro polícias. 

 

Este brutal assalto ao Capitólio foi para nós o Acontecimento internacional de 2021, com oito votos em 25 emitidos pelos autores do DELITO DE OPINIÃO que participaram nesta escolha. 

Venceu à tangente. Em segundo lugar, com sete votos, foi mencionado o regresso dos talibãs ao poder no Afeganistão, perante a humilhante retirada das forças ocidentais, incluindo as norte-americanas. Aconteceu em 15 de Agosto: foi outro facto que fez chocar o mundo.

Em terceiro lugar, com três votos, a realização dos Jogos Olímpicos de Tóquio, fora da data inicialmente prevista: deviam ter acontecido em 2020 e acabaram por ocorrer só no ano seguinte, entre 23 de Julho e 8 de Agosto. Com uma particularidade: as provas desportivas disputaram-se sem público devido às fortíssimas restrições impostas pela pandemia. Facto inédito, a merecer destaque.

 

Houve ainda votos isolados em vários outros temas, que passo a referir:

- Chegada da missão Perseverance à superfície de Marte.

- Escalada dos regimes autoritários e totalitários em diversos países: China, Rússia, Bielorrússia, Afeganistão, Turquia e Nicarágua.

- Tensão crescente na fronteira entre a Rússia e a Ucrânia.

- Falta de capacidade própria da UE em questões de defesa.

- Missão militar SACD em Moçambique.

- Agravamento da crise de cadeia logística desencadeada pela pandemia.

- Itália, campeã europeia de futebol.

 

Facto nacional de 2021

Pedro Correia, 13.01.22

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VACINAÇÃO EM MASSA

Quase todos nós passámos por isto entre Janeiro e Dezembro: fomos vacinados contra a covid-19. Em dose dupla, na grande maioria dos casos. E ainda com reforço, em boa parte, à beira do fim do ano. A vacinação em massa foi considerado o Acontecimento Nacional de 2021 em eleição democrática no DELITO DO OPINIÃO, seguindo uma tradição aqui iniciada em 2010.

Graças à unidade de missão liderada pelo almirante Henrique Gouveia e Melo, Portugal passou do quinto lugar mundial em número de infectados na relação com o número de habitantes e do oitavo posto em óbitos também nesta escala registados no início de Fevereiro para o estatuto - reclamado pelo Governo - de país proporcionalmente mais vacinado no globo, já em Novembro, quando 86% da população nacional tinha recebido vacinas. 

A memória colectiva tende a diluir-se. Eis, portanto, o momento de lembrar como este caminho foi muito tortuoso. Em Janeiro, chegámos a ser o país com mais mortes e mais novos casos de coronavírus por milhão de habitantes, quando havia 11 pessoas a morrer por hora de Covid-19. O panorama alterou-se, para muito melhor, graças em boa parte à intervenção de Gouveia e Melo, a quem o Expresso, em Junho, chamava "o almirante salva-vidas". Num só dia, 6 de Julho, foram ministradas mais de 154 mil vacinas.

 

A pandemia continua connosco, agora com carácter quase endémico e um surto de infecções menos letal. Mas não esquecemos o pesadelo destes quase dois anos nem o combate que lhe foi sendo travado neste país agora com 19.181 mortos oficialmente registados, vítimas do vírus que veio da China. E ainda não é possível baixar a guarda. Ontem Portugal registou um máximo de novos casos em 24 horas: 40.945. Apesar das vacinas e de todas as outras precauções que nos dominam o quotidiano. 

Não por acaso, o acontecimento nacional do ano destacado pelo DELITO em 2020 já tinha sido o novo coronavírus. Nota-se uma linha de continuidade neste destaque de 2021, que mereceu dez dos 25 votos da tribo "delituosa". 

 

O segundo lugar, com sete votos, coube ao colapso da geringonça, associado (três votos) ao chumbo do Orçamento do Estado, o primeiro ocorrido desde sempre em quase meio século de sistema democrático. 

 

Depois, cinco outros factos, cada qual com um voto. Passo a enunciá-los para ficarem devidamente lavrados em acta:

- Atropelamento do trabalhador Nuno Santos pela viatura ministerial em que seguia o ex-ministro Eduardo Cabrita.

- Decisão do Governo de "investir" na TAP com dinheiro dos nossos impostos.

- A rocambolesca fuga para a África do Sul do ex-banqueiro João Rendeiro, já condenado por sentença definitiva em Portugal.

- Sporting campeão nacional de futebol 19 anos depois.

- Queda de Luís Filipe Vieira, confrontado com uma sucessão de investigações judiciais que o levaram a abandonar a presidência do Benfica.

 

Facto nacional de 2010: crise financeira

Facto nacional de 2011: chegada da troika a Portugal

Facto nacional de 2013: crise política de Julho

Facto nacional de 2014: derrocada do Grupo Espírito Santo

Facto nacional de 2015: acordos parlamentares à esquerda

Facto nacional de 2016: Portugal conquista Europeu de Futebol

Facto nacional de 2017: Portugal a arder de Junho a Outubro

Facto nacional de 2018: incúria do Estado

Facto nacional de 2019: novos partidos no Parlamento

Facto nacional de 2020: o vírus que nos mudou a vida

Figura internacional de 2021

Pedro Correia, 12.01.22

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JOE BIDEN

Neste ano que passou, o Presidente dos Estados Unidos da América foi eleito Figura Internacional do Ano pela tribo "delituosa". Em 22 votos expressos, bastante divididos, o sucessor de Donald Trump na Casa Branca recolheu sete.

Joe Biden esteve em destaque por vários motivos, de ordem muito diversa e nem sempre lisonjeiros. Eleito em Novembro de 2020 pelos norte-americanos com a maior votação popular de sempre, tomou posse a 20 de Janeiro numa capital ainda muito marcada pelo assalto ao Capitólio, ocorrido 14 dias antes, e entre fortíssimas medidas de segurança acrescidas das inevitáveis precauções impostas pela pandemia. 

Nestes onze meses de mandato, com maioria tangencial no Congresso, Biden fez regressar os EUA ao Acordo de Paris sobre alterações climáticas, revogando uma decisão do antecessor, deu impulso ao combate à pandemia - considerado ainda insuficiente - e procurou apaziguar as tensões na sociedade norte-americana. Mas a crise sanitária é ainda evidente e a crise migratória tem-se agravado. No plano internacional, redobra de intensidade a guerra comercial com a China e aumenta a tensão na Europa de Leste devido a reiteradas ameaças russas sobre os vizinhos ocidentais. 

O aspecto mais negativo da presidência Biden ocorreu com a retirada das forças norte-americanas do Afeganistão tomado pelos talibãs sem garantir a defesa de largos milhares de afegãos que colaboraram durante duas décadas com os EUA. Uma retirada humilhante, que fez lembrar a de Saigão em 1975.

Quem escolheu Biden no DELITO justificou a opção de forma mais longa, como esta: «Decente, apaziguador e fonte de esperança. Foi o Presidente dos Estados Unidos eleito com o maior número de votos da história daquela democracia referencial para o Ocidente que, à data da votação, estava ferida de morte pelos crimes, vilanias e atropelos à democracia do antecessor do democrata.»   

Ou mais sintética, como esta: «Os EUA voltaram a ter um Presidente.»

 

A segunda posição, com três votos cada, foi repartida. Por Alexei Navalny, o mais conhecido opositor russo, actual preso político nas masmorras de Putin e galardoado em 2021 com o Prémio Sakharov, do Parlamento Europeu, que todos os anos distingue um defensor dos direitos humanos. E por Angela Merkel, que cessou funções como chanceler alemã após 16 anos neste cargo, em que se assumiu diversas vezes como verdadeira líder da Europa.

Merkel, vale a pena recordar, foi eleita Figura Internacional do Ano pelo DELITO em 2010, 2011 e 2015. Ninguém mereceu aqui tanto destaque como ela.

 

E que mais?

Votos isolados em Gabriel Boric, o recém-eleito Presidente do Chile, com apenas 35 anos. Norm Macdonald, comediante canadiano falecido aos 61 anos, «lembrando-nos que precisamos mais do que nunca de humoristas». Katalin Karikó, a cientista húngara que fez o trabalho essencial para o desenvolvimento das vacinas com base no mRNA e que foram usadas para as vacinas da Pfizer/Biontech e Moderna, «parecendo abrir um campo completamente novo para a medicina». O norte-americano Elon Musk, patrão da Tesla e fundador da SpaceX, um dos visionários do nosso tempo. 

Votos isolados também no secretário-geral da Organização Mundial de Saúde, Tedros Ghebreyesus, no recém-eleito chanceler alemão, Olaf Scholtz, e no treinador de futebol Roberto Mancini, que conduziu a sua Itália à conquista do Europeu da modalidade.

Houve ainda quem votasse em todos os envolvidos no combate global à pandemia. E no covid e suas variantes - «sempre presente no ângulo morto da visão dos nossos dias».

 

Figuras internacionais de 2010: Angela Merkel e Julian Assange

Figura internacional de 2011: Angela Merkel 

Figura internacional de 2013: Papa Francisco

Figura internacional de 2014: Papa Francisco

Figuras internacionais de 2015: Angela Merkel e Aung San Suu Kyi

Figura internacional de 2016: Donald Trump

Figura internacional de 2017: Donald Trump

Figura internacional de 2018: Jair Bolsonaro

Figura internacional de 2019: Boris Johnson

Figura internacional de 2020: Ursula von Der Leyen

Figura nacional de 2021

Pedro Correia, 11.01.22

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HENRIQUE GOUVEIA E MELO

De quase desconhecido da opinião pública, tornou-se figura nacional em 2021 - também aqui, no DELITO DE OPINIÃO. Por mérito próprio. Coube-lhe coordenar a estrutura de vacinação contra a covid-19 numa altura em que este processo estava desacreditado a vários níveis: faltavam vacinas, escasseavam recursos humanos, multiplicavam-se vergonhosos casos de gente a furar filas em diversos recantos do País. Henrique Gouveia e Melo, vice-almirante especializado em navegação submarina, pôr ordem na casa e endireitou o que estava torto - que era quase tudo.

Houve mobilização geral, com sucesso. Num só dia, 6 de Julho, foram ministradas mais de 154 mil vacinas. Entre o início de Fevereiro e o final de Setembro, quando cessou funções, Portugal tornou-se referência internacional no combate à pandemia via vacinação. Em Maio, Maria Filomena Mónica descreveu-o assim, sem ironia: «Temos um novo herói: o militar de olhos verdes.» O bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, que também não é de elogio fácil, enalteceu-o como «verdadeiro líder».

Empenho e eficiência foram dois qualificativos usados na tribo "delituosa" para eleger Gouveia e Melo, por maioria, como Figura Nacional de 2021.

«O seu maior mérito foi ter-nos demonstrado, em especial aos políticos e burocratas, ainda haver portugueses bons e de valor, apostados em servir os outros. De forma simples, com linguagem clara e directa, profissionalismo, competência e organização, afinal tudo o que nos falta há décadas.» Palavras que acompanharam um dos 15 votos recebidos neste blogue pelo actual almirante, recém-empossado como chefe do Estado Maior da Armada.

 

Em segundo lugar ficou Carlos Moedas, eleito a 26 de Setembro presidente da Câmara de Lisboa - a maior surpresa das autárquicas, que ditaram o fim de 14 anos de hegemonia socialista na capital. A sua vitória tangencial frente a Fernando Medina tornou-o não apenas a figura mais em destaque neste acto eleitoral mas também um possível candidato a prazo à liderança do PSD, o seu partido. 

Moedas recebeu seis votos dos autores do DELITO, renovando-se uma tradição deste blogue que remonta a 2012. O último lugar do pódio - com cinco votos - foi ocupado por Rúben Amorim, o treinador-sensação de 2021, que conduziu o Sporting ao título de campeão nacional de futebol após um penoso jejum de 19 anos. Houve quem sugerisse - e a proposta merece ponderação - que devemos passar a eleger a figura desportiva do ano. É uma hipótese a considerar. Para já, Amorim fica como vencedor "oficioso" desta categoria ainda inexistente em 2021. Sem favor algum.

 

Figura nacional de 2010: José Mourinho

Figura nacional de 2011: Vítor Gaspar

Figura nacional de 2013: Rui Moreira

Figura nacional de 2014: Carlos Alexandre

Figura nacional de 2015: António Costa

Figura nacional de 2016: António Guterres

  Figura nacional de 2017: Marcelo Rebelo de Sousa

Figura nacional de 2018: Joana Marques Vidal

Figura nacional de 2019: D. José Tolentino Mendonça

Figura nacional de 2020: Marta Temido

Frase nacional de 2020

Pedro Correia, 05.01.21

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«Então nós íamos mascarados para o 25 de Abril?»

Ferro Rodrigues, 22 de Abril

(eleita por maioria, pelo DELITO DE OPINIÃO)

 

Também mereceram destaque estas frases:

 

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Frase nacional de 2010: «O povo tem de sofrer as crises como o governo as sofre.»

(Almeida Santos)

Frase nacional de 2011: «Estou-me marimbando para os nossos credores.»

(Pedro Nuno Santos)

Frase nacional de 2013: «Com a apresentação do pedido de demissão, que é irrevogável, obedeço à minha consciência e mais não posso fazer.»

(Paulo Portas)

Frase nacional de 2014: «Sinto-me mais livre que nunca.»

(José Sócrates)

Frase nacional de 2015: «Temos os cofres cheios.»

(Maria Luís Albuquerque)

Frase nacional de 2016: «Já avisei a famíia que só volto no dia 11 [de Julho] e vou ser recebido em festa.»

(Fernando Santos)

Frase nacional de 2017: «Este ano foi um ano particularmente saboroso para Portugal.»

(António Costa)

Facto internacional de 2020

Pedro Correia, 04.01.21

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PANDEMIA DE COVID-19

Um obscuro vírus surgido no final de 2019 num mercado da República Popular da China - em contexto de péssimos hábitos de higiene, práticas arcaicas, deficiente supervisão e total falta de transparência política e administrativa - transbordou das fronteiras do país e contaminou o mundo. Exibindo a face mais negra da globalização: a que aproxima populações inteiras e une continentes pelos piores elos: os da doença e da morte.

Chegada em final de Janeiro à Europa, a pandemia de Covid-19 - assim declarada, de forma tardia, pela Organização Mundial de Saúde só a 11 de Março - causou até ao fim do ano 85 milhões de infecções e provocou 1,8 milhões de mortos. Deixando evidente o péssimo tratamento que países supostamente evoluídoas dão aos seus cidadãos mais velhos, recolhidos em depósitos a que só por ironia macabra podemos chamar "lares".

Tem sido este, de longe, o segmento social mais atingido pelo novo coronavírus - pessoas que se situam à margem dos discursos oficiais e das respostas dos governos, tratadas como se já sobrassem na sociedade ainda em vida.

 

Este foi o Acontecimento internacional de 2020, assim considerado por 16 dos 21 autores do DELITO DE OPINIÃO que participaram nesta escolha. 

Mesmo outros temas também destacados acabam por se relacionar com este. Foi o caso da descoberta da vacina anti-Covid, que mereceu três votos do colectivo "delituoso". Aprovada e difundida «num prazo inacreditavelmente curto», comprova a existência de uma «maciça cooperação científica mundial», como sublinhou um dos colegas de blogue.

 

Houve ainda votos isolados na "bazuca" europeia - espécie de Plano Marshall aprovado na UE para tentar reerguer as economias abaladas pelo coronavírus no espaço comunitário - e na redução abrupta das ligações aéreas, à escala global, no ano em que o mundo voltou a ser composto por lugares longínquos e distantes. Algo inimaginável a 1 de Janeiro de 2020, comprovando como é sempre arriscado o exercício de fazer previsões.

Facto nacional de 2020

Pedro Correia, 03.01.21

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O VÍRUS QUE NOS MUDOU A VIDA

A culpa é do novo coronavírus que chegou da China e começou a causar baixas em Portugal a partir do terceiro mês do ano: a primeira vítima mortal por Covid-19 - um antigo massagista do Estrela da Amadora - foi registada a 16 de Março.

A partir daí, toda a nossa vida quotidiana ficou virada do avesso. Nada continuou a ser como era dantes. Daí a escolha feita pelos membros do DELITO como Acontecimento nacional de 2020: a maioria dos votos relacionou-se com o conjunto de radicais mudanças que vimos sofrendo desde então. Desde o uso obrigatório de máscaras nas mais diversas circunstâncias ao confinamento domiciliário imposto na grande maioria dos concelhos portugueses. Tendo como pano de fundo a radical supressão de direitos fundamentais, incluindo o direito à livre circulação, por força dos sete estados de emergência decretados a partir de 18 de Março pelo Presidente da República, com aprovação parlamentar. Algo inédito na história do nosso actual regime constitucional, implantado em 1976.

Os reflexos da pandemia em Portugal não ocorreram apenas no campo político ou sanitário: houve também consequências no campo económico. Com uma queda abrupta do PIB nacional (-16,5% logo no segundo trimestre de 2020) e um dramático aumento do desemprego (acima de meio milhão de portugueses sem trabalho, totalizando 8,5% da população activa).

 

Este conjunto de circunstâncias, tendo o Covid-19 como traço comum, mereceu 12 votos dos autores do DELITO. A curta distância - com oito votos - ficou o assassínio do imigrante Ihor Homeniuk por elementos do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, a 12 de Março, no aeroporto de Lisboa.

Um homicídio que causou imensa polémica, levando à tardia demissão da directora nacional daquele departamento público e à decisão - ainda mais tardia - do Governo português de indemnizar a viúva e os filhos daquele cidadão ucraniano que procurava Portugal para trabalhar. Não esqueçamos: Homeniuk foi morto por funcionários do Estado, em instalações do Estado, quando se encontrava à guarda do Estado.

 

Houve ainda um voto isolado no excesso de mortalidade não-Covid registado em Portugal neste funesto ano bissexto, «que quintuplicou as baixas da Grande Guerra». Desde 1920 não ocorriam tantos óbitos no País. Subida de 9% em relação a 2019, sendo apenas cerca de metade explicados pela pandemia.

 

Facto nacional de 2010: crise financeira

Facto nacional de 2011: chegada da troika a Portugal

Facto nacional de 2013: crise política de Julho

Facto nacional de 2014: derrocada do Grupo Espírito Santo

Facto nacional de 2015: acordos parlamentares à esquerda

Facto nacional de 2016: Portugal conquista Europeu de Futebol

Facto nacional de 2017: Portugal a arder de Junho a Outubro

Facto nacional de 2018: incúria do Estado

Facto nacional de 2019: novos partidos no Parlamento

Figura internacional de 2020

Pedro Correia, 02.01.21

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URSULA VON DER LEYEN

A presidente da Comissão Europeia foi eleita Figura Internacional do Ano pela tribo "delituosa". Em 21 votos expressos, recolheu oito.

Ursula von der Leyen - que tem assumido a liderança comunitária de facto e não apenas no papel - mereceu esta distinção por vários motivos. Desde logo pelo seu impulso à aprovação da ajuda financeira às debilitadas economias dos Estados-membros, que receberão 1,8 biliões de euros para enfrentar a grave crise provocada pela pandemia. Mas também pelo protagonismo no processo que conduziu à validação, aquisição e distribuição das vacinas anti-Covid 19, superando todos os prazos antes registados em questões similares. Sem esquecer o acordo com o Reino Unido que consumou o adeus dos britânicos à Europa comunitária. 

«É hora de virar a página e olhar para o futuro», declarou a 24 de Dezembro, a propósito do Brexit, a primeira mulher à frente das instituições europeias. Desde que substituiu Jean-Claude Juncker como presidente da Comissão, em Dezembro de 2019, a antiga ministra alemã da Defesa tem-se assumido como personalidade de referência no panorama político internacional. Impedindo, desde logo, eventuais efeitos de contágio do Brexit: nenhum outro país comunitário seguiu o controverso exemplo do Reino Unido.

«Num momento tão conturbado parece manter o sangue-frio e aparentemente leva o barco a bom rumo», comentou um dos autores do DELITO, justificando a votação. «A presidente da Comissão mais competente desde Jacques Delors. Manteve tudo na linha, com suavidade e inteligência», observou outro.

 

Na posição imediata, com sete votos, ficou o malogrado médico Li Wenliang, que terá sido a primeira pessoa a comunicar ao mundo a existência do Covid-19, iniciado na cidade chinesa de Wuhan, em Dezembro de 2019. Quem votou nele enalteceu-o «pelo exemplo de coragem cívica, amor ao próximo e resistência à ditadura».

Este oftalmologista que exercia como clínico no hospital central de Wuhan chegou a ser perseguido pelas autoridades e acusado de «difamar a China». Infelizmente foi uma das primeiras vítimas do novo coronavírus: infectado a 8 de Janeiro, faleceu um mês depois, com apenas 33 anos. O mundo acabará por prestar-lhe justiça.

 

Registaram-se três votos no Presidente cessante dos Estados Unidos da América, Donald Trump (Figura Internacional do Ano no DELITO em 2017), e dois no seu sucessor, Joe Biden, eleito pelos norte-americanos com a maior votação popular de sempre e prestes a tomar posse do cargo, o que ocorrerá em Washington no próximo dia 20.

Houve ainda um voto isolado num trio de cientistas: o casal alemão de origem truca Uğur Şahin Özlem Türeci (principais responsáveis pelo desenvolvimento da primeira vacina anti-Covid) e a húngara Katalin Karikó (que se destacou no desenvolvimento do uso terapêutico de mRNA, molécula que copia as instruções do código de ADN, localizadas no interior do núcleo das células, para outras estruturas celulares, os ribossomas, onde são produzidas proteínas e treinando o sistema imunitário para reconhecer o vírus, em caso de infecção). Não será de admirar que venham a receber o Prémio Nobel da Medicina.

 

Figuras internacionais de 2010: Angela Merkel e Julian Assange

Figura internacional de 2011: Angela Merkel 

Figura internacional de 2013: Papa Francisco

Figura internacional de 2014: Papa Francisco

Figuras internacionais de 2015: Angela Merkel e Aung San Suu Kyi

Figura internacional de 2016: Donald Trump

Figura internacional de 2017: Donald Trump

Figura internacional de 2018: Jair Bolsonaro

Figura internacional de 2019: Boris Johnson