O "Ponto de Encontro" é o meu porto de abrigo aqui em Schaerbeek. Por cá a um estabelecimento como este chamam "petite restauration", o que pode esconder muito, até apoucando-o. Por isso prefiro, e muito, tratá-lo pelo nosso antigo termo casa de pasto, o qual deixa antever um local de alimento e estada, convívio.
A gente sabe-o, negócios destes não vivem das "estrelas" dos críticos ou da publicidade. Mas muito dependem dos patrões, de como estes sabem acolher a clientela, vinculá-la. E aqui é mesmo a casa do casal Belchior, o Luís e a Sónia, que muito justificam o "cinco estrelas", pois são gente com muito boa onda. Daquela rara de encontrar. Da qual se gosta não por qualquer atendimento particular, por alguma "atençãozinha" feita, pequeno favor ou informação. Simpatiza-se, e chega. E volta-se no dia seguinte.
Alentejanos de Elvas, mas o Luís cresceu aqui no bairro (na "comuna") até à adolescência, quando a sua família fez "torna-viagem". Chegada a recente crise, trancada a actividade económica na zona, para cá voltou, num verdadeiro regresso à "origem". E se a história local da imigração portuguesa sempre remete para a praça Flagey, em Ixelles, onde se agregaram os patrícios desde os anos 1960s (por lá está o Fernando Pessoa a simbolizá-lo), desde então que também houve um menos conhecido fluxo alentejano ancorando a Schaerbeek - e tanto que no quarteirão acima está ainda a antiga sede do clube "Campomaiorense", encerrado há um ano. Por isso chegar ao "Ponto de Encontro" é encontrar um núcleo alentejano residente, de elvenses e de campomaiorenses em particular. Desde uns poucos de jovens recém-chegados, ainda quase glabros, até outros bem mais antigos, com meio século de Bruxelas, alguns também veteranos da guerra de Angola, com tanto mundo marchado.
Mas o que é muito significativo, demonstrando a qualidade do serviço e a excelência dos donos, é que tendo aberto o "Ponto de Encontro" em Outubro - antes exploraram um café distante apenas dois quarteirões - a casa não se encerrou na clientela portuguesa. Pois abundam os belgas, tantos deles acotovelando-se para o jogo das setas (o Luís é jogador federado, os jogos do campeonato nacional são constantes). Chegam espanhóis, romenos, ocasionais turcos, há um inglês habitual, e brasileiros, pois claro. É Schaerbeek, é Bruxelas, com a bela marca "Elvas", "Alentejo" mas não nela encerrada. Anima.
E há a comida. Sim, com a tal marca alentejana. Almoços durante a semana, e também jantares aos fins-de-semana. Nos quais a cozinha é reforçada pela amiga Sandra Madeira, elvense, claro está, imigrada há pouco e que antes explorou restaurantes em Elvas e Borba ("Sabores do Alentejo"). O cardápio é curto e variado, 3 pratos do dia nos sábados e domingos, 2 nos dias úteis. E o sistema é o de preço pelo "menu" (exceptuando a sobremesa).
Aqui partilho a bela memória do almoço de sábado passado:
A sopa Juliana, que estava como deve-de-ser, e que fora antecipada pela mini Super-Bock e por um apetitoso cacho de azeitonas, que se apresentavam em estado muito meritório.
O cesto de pão, com legítima manteiga Gresso, aqui acompanhado da até mítica água de Carvalhelhos.
E o que convocara a atenção, migas com entrecosto. Não me é necessário adjectivar a qualidade do prato. Apenas refiro que os três convivas à mesa não deixaram migalha de migas, e roeram, despudoradamente, todas as fibras do saudado entrecosto. Saciados, com extremo agrado, foi como ficámos. Foi esta parte do repasto acompanhado de vinho da casa, dois copos de tinto Ermelinda Freitas por pessoa.
Para a sobremesa aportou o não tão regional pudim Molotov, símbolo do acima referido cosmopolitismo da casa. Foi comido com agrado geral.
E para rematar o café e a aguardente Mosca. A "bica" bem tirada, algo não tão usual assim por estas paragens (e outras). E a água-da-vida bem aprazível. Foi, aliás, repetida.
Preço? Com Molotov à parte - e, pormaior que julgo relevante, a dez minutos pedestres do coração do "bairro europeu", a praça Schuman e sua chusma de restaurantes "italianos", "irlandeses" e quejandos - o "menu" importa em 13 euros.
Em suma, belo repasto, excelente acolhimento, clientela simpática, e preço mais do que acessível. Quereis melhor conselho?
Ponto de Encontro, Av. Dailly, 150, 1030 Bruxelles (encerra às segundas-feiras)