Há dois meses, perdi um bom amigo que conhecia desde 1983. Há um mês, perdi uma pessoa de família muito próxima.
Nem num caso nem no outro pude comparecer nos respectivos velórios e funerais: o numerus clausus imposto pelas autoridades sanitárias é de tal modo apertado que nos impede, quase sempre, de marcar presença nestas tristes despedidas.
Liga-me um amigo residente em Viseu. Diz-me que o cancelamento da Feira de São Mateus, o maior cartaz turístico anual da cidade, causou prejuízos incomensuráveis a um sem-número de micro, pequenos e médios empresários de toda a região que costumavam aproveitar aquele certame para escoarem produtos, muitas vezes confeccionados por eles próprios, e conseguirem novos clientes.
Todas as feiras e romarias portuguesas - algumas com tradição plurissecular - foram anuladas este Verão, tal como a esmagadora maioria dos festivais musicais de Verão. O que bastou para colocar milhares de postos de trabalho directos e indirectos em risco imediato de extinção. Na melhor das hipóteses, remetendo as pessoas para o lay-off, espécie de antecâmara do desemprego. Com nome "amaricano", para suavizar a coisa.
O futebol prepara-se para recomeçar como terminou há dois meses: sem público nas bancadas. Com o Governo a encolher os ombros e a chutar para canto.
Sabendo, como sabe, que futebol sem público é futebol moribundo a curto prazo. Porque os clubes vivem de receitas - e as receitas de lugares nas bancadas, associadas à compra de adereços desportivos em complemento aos espectáculos, é fundamental para a sobrevivência de todas as agremiações desportivas.
Sabendo, como sabe, que da sobrevivência dos clubes depende a sobrevivência do desporto. E que uma sociedade sem desporto é uma sociedade doente.
É neste pano de fundo que ocorre hoje a abertura da "Festa" do Avante! Na zona do País onde se tem registado maior progressão de casos de contaminação com Covid-19 e depois de o PCP ter andado semanas aos gritos, queixando-se de estar a ser «discriminado». Como se a discriminação não fosse em sentido contrário: com a conivência pusilânime do Governo, que necessita dos votos comunistas para viabilizar o próximo Orçamento do Estado, o partido da foice e do martelo usufrui do privilégio de realizar o seu festival partidário. Com chocante indiferença perante o sofrimento de tantos portugueses, como se houvesse alguma coisa para celebrar neste macabro ano de 2020.
Basta vermos a sorridente e festiva capa do jornal Avante! de ontem, totalmente divorciada da realidade, para sentirmos isto. No mesmo dia em que houve 406 novos casos de infecção e mais quatro mortos - todos estes óbitos e 194 dos novos infectados com Covid-19 registados na região da Grande Lisboa, onde vai desenrolar-se o "piquenicão" do PCP.
Alegam os comunistas que a comparação com os malogrados festivais musicais de Verão anulados por imperativo categórico da Direcção-Geral da Saúde não faz sentido.
Talvez não faça, mas num sentido diferente: há mais músicos e bandas a participar nesta "Festa" do Avante! do que haveria na esmagadora maioria dos espectáculos que ficaram por concretizar.
Basta passar em revista quem actuará entre hoje e domingo na Quinta da Atalaia. Deixo aqui (por ordem alfabética) a lista dos participantes convidados pelo PCP: Albert Fish, Aldina Duarte, Ana Laíns, Ana Sofia Varela, Anastácia Carvalho, Blasted, Camané, Capicua, Cidália Moreira, Costa Neto, Dead Combo, Dino d' Santiago, El Sur, Galo Gordo, Gerson Mata, Lena d' Água, Luís Caeiro, Luta Livre, Mão Morta, Maria Alice, Mário Laginha, Marta Ren, Model Mother Tongue, Orquestra de Jazz do Hot Clube de Portugal, Peste & Sida, PTA Slowmo, Rogério Charraz, Scurú Fitchádu, Stereossauro, Uxu Kalhus, Vénus Matina, Xutos & Pontapés, Zebra Libra.
E de novo pergunto: vão festejar o que?