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Delito de Opinião

Ao lado de quem estão

Pedro Correia, 24.08.23

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Falta pouco para começar uma nova Festa do Avante! Organizada por um partido que apoia a invasão da Ucrânia pela Rússia. Um partido que recusou estar presente na sessão especial da Assembleia da República em que Volodimir Zelenski - lider da nação agredida e violentada - discursou por videoconferência. Um partido que votou contra uma resolução do Parlamento Europeu que condenou a agressão imperialista à soberania ucraniana ordenada pelo ditador russo. Um partido que se opôs, isoladamente, à visita de Marcelo Rebelo de Sousa a Kiev.

Um partido que descreve assim o Presidente da Ucrânia: «Personifica um poder xenófobo e belicista, rodeado e sustentado por forças de cariz fascista e neonazi, incluindo de carácter paramilitar.» Palavras que replicam as de Putin. Podiam - e já foram - ter sido proferidas por ele.

 

Vale a pena indagar quem são os artistas que se preparam para actuar numa festa promovida pelo PCP. Artistas, aparentemente, sem um rebate de consciência por se associarem ao partido que em Portugal tem actuado como aliado objectivo da Rússia, potência invasora da Ucrânia. Em violação flagrante do direito internacional e da Carta da Organização das Nações Unidas.

Eis alguns dos nomes, estampados no cartaz oficial da Festa do Avante!:

Agir

Carolina Deslandes

Jorge Palma 

Mísia

Paulo de Carvalho

Ricardo Ribeiro

Rodrigo Leão

Rui Reininho

Tim

 

Vale a pena fixá-los. Para sabermos ao lado de quem estão. E para mais tarde recordar.

Paulo quê?

Pedro Correia, 13.11.22

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Nem o Avante!, na sua edição mais recente, dava nota da existência de um tal Paulo Raimundo, assumido sucessor de Jerónimo de Sousa no cargo de secretário-geral do PCP: não há a menor alusão a tal figura nesta capa, digna de antologia.

O desconhecimento não impediu que, em estrita fidelidade ao mandamento leninista, o Comité Central do partido da foice e do martelo tivesse dado o aval unânime ao ungido: neste aspecto os comunistas cá da terra não se distinguem dos camaradas norte-coreanos. As reuniões mais alargadas só servem para carimbar o que já estava decidido em circuito fechado pelos mesmos de sempre, que raras vezes saem da sombra.

Paulo quê? - devem interrogar-se muitos militantes de base. Tanto faz. Pode ser Paulo Cunhal, Paulo Carvalhas, Paulo de Sousa. A obediência ao novo chefe de turno está antecipadamente garantida, porque o Patrão Partido assim ordena. Manda quem pode, obedece quem deve.

À espera da reacção solidária dos antifascistas e sindicalistas portugueses

Sérgio de Almeida Correia, 30.08.22

Ora aqui estão belíssimos temas para serem debatidos na Festa do Avante.

Seria interessante saber qual a receita do PCP e da CGTP-IN para que numa das regiões mais ricas do mundo aconteçam situações de despedimentos sem justa causa, redução salarial e de salários em atraso. Sim, leram bem.

Deve haver uma explicação qualquer para que uma deputada patriota, ligada à Associação dos Operários de Macau, acuse um Governo empossado pelo Presidente Xi Jinping de "falhar nas suas funções e permitir que empresas fiquem longos períodos sem pagar aos trabalhadores, com total impunidade". Eu sou testemunha.

Ao mesmo tempo, um outro deputado, dado a um patriotismo menos saudável e mais adaptado às circunstâncias, queixa-se das condições de chegada a Macau, classificando-a de "situação inqualificável, insustentável e repugnante". Também fui testemunha.

Mas gratificante mesmo é saber que vêm aí as alterações à Lei relativa à Defesa de Segurança do Estado e que não há que temer a  “intercepção de comunicação de informação" como medida preventiva. Ora bem, preventiva, uma vez que para "as informações obtidas serem admitidas como provas legais, têm de ser aprovadas pelo juiz, senão as informações só podem meramente servir a investigação policial.".  Esta parte final, dita pelo Secretário para a Segurança, que foi antes director da Polícia Judiciária e magistrado, há-de ser de molde a sossegar toda a gente e mais alguma. Se as escutas não forem aprovadas por um juiz ficam para a malta das escutas se divertir na investigação. Não vou querer ser testemunha.

Espera-se, pois, que depois seja promovido um concurso de recrutamento de pessoal para a nova carreira de técnico superior de escutas preventivas e afins. E oxalá não se esqueçam de mencionar que constitui factor qualificado de ponderação uma boa audição, sendo dada preferência a quem não use aparelho, tenha experiência anterior na área e na fiscalização do direito de opinião e da liberdade de expressão, uma vez que será necessário verificar os "likes" que pelos funcionários públicos andam a ser colocados nas redes sociais. Também espero não vir a ser testemunha.

Em todo o caso, nada disto tem a ver, nem é comparável, com aquilo que nos foi dado saber pela pena de Wang Xiangwei quando ainda há dias, no South China Morning Post, relatava a sua experiência em Hainão, demonstrativa, segundo o próprio, da "arbitrary nature of China’s vast surveillance network and how its mandatory health QR code app, known as jiankang ma, can be subject to egregious abuse for political control". Quem diria? É preciso ir de férias para uma ilha no mar do Sul da China para se aperceber do mundo em que vive. E no caso dele até é em Pequim.

Não sei se este último artigo, se escrito por um residente de Macau, virá a cair ao abrigo da nova lei, mas por agora não faltam motivos para que todos, a começar pelo Presidente Marcelo, que deve ter vindo cansadíssimo de Luanda e intrigado com aquilo que o Sebastião Bugalho escreveu e o José Manuel Fernandes repetiu, se sintam tranquilos e motivados para encararem com redobrada confiança os próximos vinte e sete anos do princípio "um país, dois sistemas".

No final desse período já cá não estarei, garanto-vos, pelo que, lamento dizê-lo, não poderei então vir a ser testemunha.

Mas, pelo menos, fiquem os camaradas que vão à Festa com a certeza de que não haverá o risco dos holandeses arriscarem uma nova tentativa de invasão. As escutas preventivas mantê-los-ão ao largo. Eles são comerciantes; não são parvos.

Festejar o quê?

Pedro Correia, 04.09.20

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Há dois meses, perdi um bom amigo que conhecia desde 1983. Há um mês, perdi uma pessoa de família muito próxima.

Nem num caso nem no outro pude comparecer nos respectivos velórios e funerais: o numerus clausus imposto pelas autoridades sanitárias é de tal modo apertado que nos impede, quase sempre, de marcar presença nestas tristes despedidas.

 

Liga-me um amigo residente em Viseu. Diz-me que o cancelamento da Feira de São Mateus, o maior cartaz turístico anual da cidade, causou prejuízos incomensuráveis a um sem-número de micro, pequenos e médios empresários de toda a região que costumavam aproveitar aquele certame para escoarem produtos, muitas vezes confeccionados por eles próprios, e conseguirem novos clientes.

Todas as feiras e romarias portuguesas - algumas com tradição plurissecular - foram anuladas este Verão, tal como a esmagadora maioria dos festivais musicais de Verão. O que bastou para colocar milhares de postos de trabalho directos e indirectos em risco imediato de extinção. Na melhor das hipóteses, remetendo as pessoas para o lay-off, espécie de antecâmara do desemprego. Com nome "amaricano", para suavizar a coisa.

 

O futebol prepara-se para recomeçar como terminou há dois meses: sem público nas bancadas. Com o Governo a encolher os ombros e a chutar para canto.

Sabendo, como sabe, que futebol sem público é futebol moribundo a curto prazo. Porque os clubes vivem de receitas - e as receitas de lugares nas bancadas, associadas à compra de adereços desportivos em complemento aos espectáculos, é fundamental para a sobrevivência de todas as agremiações desportivas.

Sabendo, como sabe, que da sobrevivência dos clubes depende a sobrevivência do desporto. E que uma sociedade sem desporto é uma sociedade doente.

 

É neste pano de fundo que ocorre hoje a abertura da "Festa" do Avante! Na zona do País onde se tem registado maior progressão de casos de contaminação com Covid-19 e depois de o PCP ter andado semanas aos gritos, queixando-se de estar a ser «discriminado». Como se a discriminação não fosse em sentido contrário: com a conivência pusilânime do Governo, que necessita dos votos comunistas para viabilizar o próximo Orçamento do Estado, o partido da foice e do martelo usufrui do privilégio de realizar o seu festival partidário. Com chocante indiferença perante o sofrimento de tantos portugueses, como se houvesse alguma coisa para celebrar neste macabro ano de 2020.

Basta vermos a sorridente e festiva capa do jornal Avante! de ontem, totalmente divorciada da realidade, para sentirmos isto. No mesmo dia em que houve 406 novos casos de infecção e mais quatro mortos - todos estes óbitos e 194 dos novos infectados com Covid-19 registados na região da Grande Lisboa, onde vai desenrolar-se o "piquenicão" do PCP.

 

Alegam os comunistas que a comparação com os malogrados festivais musicais de Verão anulados por imperativo categórico da Direcção-Geral da Saúde não faz sentido. 

Talvez não faça, mas num sentido diferente: há mais músicos e bandas a participar nesta "Festa" do Avante! do que haveria na esmagadora maioria dos espectáculos que ficaram por concretizar. 

Basta passar em revista quem actuará entre hoje e domingo na Quinta da Atalaia. Deixo aqui (por ordem alfabética) a lista dos participantes convidados pelo PCP: Albert Fish, Aldina Duarte, Ana Laíns, Ana Sofia Varela, Anastácia Carvalho, Blasted, Camané, Capicua, Cidália Moreira, Costa Neto, Dead Combo, Dino d' Santiago, El Sur, Galo Gordo, Gerson Mata, Lena d' Água, Luís Caeiro, Luta Livre, Mão Morta, Maria Alice, Mário Laginha, Marta Ren, Model Mother Tongue, Orquestra de Jazz do Hot Clube de Portugal, Peste & Sida, PTA Slowmo, Rogério Charraz, Scurú Fitchádu, Stereossauro, Uxu Kalhus, Vénus Matina, Xutos & Pontapés, Zebra Libra.

 

E de novo pergunto: vão festejar o que?

PCP "festeja" em tempo de luto

Pedro Correia, 26.07.20

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O PCP decalcou a sua badalada Festa do Avante! da Fête de l' Humanité, aludindo ao jornal L' Humanité, órgão central do Partido Comunista Francês (PCF). A tal ponto que até copiou o título, embora este resulte bem melhor em francês (Festa da Humanidade) do que em português.

O festival comunista por terras de França é uma tradição bastante mais enraizada: a edição inaugural do evento ocorreu em 1930, muito antes de Jerónimo de Sousa ter nascido e quando o próprio Álvaro Cunhal - líder histórico do PCP - contava apenas 16 primaveras.

 

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Apesar disso, o PCF não hesitou: acaba de anunciar o cancelamento da 85.ª edição da sua "Festa da Humanidade", invocando o que qualquer pessoa ou qualquer organização partidária responsável têm a obrigação de reconhecer em nome do mais elementar bom senso: o «contexto sanitário actual». Isto apesar de, no momento actual, França registar menos casos de infecção pelo novo coronavírus por milhão de habitantes do que o nosso país: 2.765 lá, 4.900 casos cá.

Sabendo-se ainda por cima que o festival dos comunistas portugueses se realiza na Área Metropolitana de Lisboa, precisamente a que tem sido mais fustigada por novos surtos da pandemia, é cada vez mais incompreensível a obstinação dos dirigentes do PCP, que teimam em levar a sua avante. À revelia de todas as recomendações sanitárias e da solidariedade que é devida não apenas aos familiares das vítimas mas aos profissionais da saúde que se mantêm firmes no duro combate à doença.

É caso, além do mais, para questionar o PCP: o que haverá para "festejar" num país onde todos os dias surgem novas famílias enlutadas pelo Covid-19 e numa sociedade tolhida pelo medo crescente de novas infecções?

Falar menos e proceder melhor

Pedro Correia, 02.06.20

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O Presidente da República, na linha do que fizera dias antes a directora-geral da Saúde, lembrou-se este domingo, à entrada para a missa na Sé de Lisboa, de dar um ralhete aos jovens.

«Não faz sentido que os jovens estejam a organizar festas com centenas de pessoas e muito próximas, e sem a preocupação de distanciamento. As normas sanitárias devem valer para todos», declarou Marcelo, num esporádico regresso à sua anterior condição de professor. 

 

Creio que este ralhete presidencial chega um pouco tarde.

Devia ter-se ouvido um mês antes, e com outros destinatários, que funcionaram como péssimo exemplo para os jovens. Refiro-me aos dirigentes da CGTP, que - num claro incumprimento das normas sanitárias e do próprio estado de emergência então em vigor, que interditava a circulação interconcelhia - juntaram cerca de mil pessoas na Alameda D. Afonso Henriques, em Lisboa, num verdadeiro comício. Mobilizando para o efeito sindicalistas de concelhos limítrofes - incluindo Loures, Amadora e Seixal, que se encontram entre as áreas agora mais fustigadas pela progressão do Covid-19.

As fotografias na altura publicadas, também aqui, não deixaram lugar a dúvidas: foi um acto de inadmissível irresponsabilidade da central sindical. À qual o Presidente e a directora-geral da Saúde assistiram num respeitoso e resignado silêncio.

Esse mesmo mês de Maio chegou ao fim com números preocupantes: centenas de novas infecções diárias; a maioria dos novos casos ocorre na densa periferia de Lisboa, entre pessoas cujas idades oscilam entre os 20 e os 29 anos; e registamos pela primeira vez mais óbitos do que Espanha.

 

Agora, enquanto sustenta (e bem) que não faz sentido algum os jovens andarem por aí a organizar festas em tempo de pandemia, o Chefe do Estado mantém uma posição dúbia e timorata sobre a Festa do Avante!, que continua marcada para um dos epicentros do contágio - o concelho do Seixal.

Concedendo assim ao PCP o mesmo estatuto de inaceitável privilégio que já havia concedido à CGTP no decreto presidencial. Isto quando o PSD e o Bloco de Esquerda, responsavelmente, já cancelaram eventos similares. Isto quando o próprio partido do Governo tomou a iniciativa de adiar o congresso nacional e o processo de eleição do secretário-geral.

 

Marcelo, que muito antes de ser Presidente já era um académico de mérito reconhecido, é o primeiro a saber que a melhor pedagogia não se faz pela palavra, mas pelo exemplo. 

Menos falatório e melhores exemplos: só assim os jovens levarão a sério as gerações dos seus pais e seus avós.

Cem anos de mentiras

Pedro Correia, 14.11.17

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«Foi a União Soviética que, na Segunda Guerra Mundial, enfrentando sozinha durante três anos a besta nazi-fascista e os seus exércitos, deu um contributo determinante e decisivo para a sua derrota.»

Esta foi a tese propalada no passado dia 7, em que se assinalou o centenário da chamada Revolução de Outubro, pelo secretário-geral do PCP no Diário de Notícias. Tese repetida ipsis verbis dois dias depois no editorial do semanário Avante!, órgão central dos comunistas: «Foi a União Soviética que na Segunda Guerra Mundial, enfrentando sozinha durante três anos, os exércitos nazi-fascistas, deu um contributo determinante e decisivo para a sua derrota e para a profunda alteração da correlação de forças internacional, dando origem a uma nova ordem mundial, que inscreveu na Carta da ONU o respeito pela soberania dos povos, o desarmamento, a solução pacífica e negociada de conflitos entre estados e abrindo caminho a grandes avanços sociais e de libertação nacional.»

 

Assumidas como evidência histórica, estas palavras constituem uma homenagem explícita a Estaline, que comandava com mão de ferro a URSS na II Guerra Mundial e no ano da fundação da ONU, embrião de "uma nova ordem mundial" (há quem prefira chamar-lhe Guerra Fria). Tais ditirambos têm, no entanto, o inconveniente de partirem de uma premissa errada. São mentiras, enunciadas como verdades no espaço mediático.

A mentira, aliás, é uma componente essencial do projecto leninista, que o PCP assume como elemento estrutural do seu pensamento político.

 

A URSS e os seus filhotes ideológicos (PCP incluído) fizeram tudo, durante dois anos, para sabotar o esforço de guerra, nomeadamente nas fábricas de armamento. Não apenas na Europa, deixando o Reino Unido então liderado por Winston Churchill isolado no combate aos sanguinários esquadrões nazis, mas nos próprios EUA, em que os simpatizantes e militantes comunistas foram isolacionistas até 22 de Junho de 1941, quando Adolf Hitler accionou a Operação Barbarossa, invadindo território soviético.

Durante dois anos, portanto desde o Verão de 1939, os diversos partidos comunistas tinham funcionado como "pregoeiros da paz", entoando insistentes loas à neutralidade face ao Eixo nazi-fascista. Chegando-se ao ponto de, na França ocupada pelas divisões hitlerianas, o Partido Comunista ter pedido autorização formal à tropa ocupante para continuar a publicar o seu jornal, L' Humanité, na mais estrita legalidade.

No Portugal salazarista, oficialmente neutral, o próprio Álvaro Cunhal escreveu um célebre artigo, publicado em Março de 1940 no jornal O Diabo, intitulado "Nem Maginot nem Siegfried", advogando a equidistância entre verdugos e vítimas. «Haverá alguma diferença entre a Alemanha do sr. Hitler e a França do sr. Daladier ou mesmo a Inglaterra do sr. Chamberlain?», questionava o futuro líder do PCP nessa prosa.
É um artigo infame, redigido seis meses depois da invasão e anexação violenta da Polónia. Um artigo que devia cobrir de vergonha os comunistas portugueses.

 

Nunca a URSS estalinista esteve isolada "durante três anos" no combate a Hitler e Mussolini. Pelo contrário, o pacto germano-soviético forneceu uma espécie de livre-trânsito às hostes nazis para ocuparem mais de metade da Europa entre 1939 e 1941.

Isolado, sim, esteve o Reino Unido, até ao segundo semestre de 1941 - e sobretudo até à entrada dos EUA na guerra, logo após o bombardeamento de Pearl Harbor pelos japoneses, aliados de Hitler, e à declaração de guerra de Berlim a Washington, a 11 de Dezembro desse ano.

Diga o PCP o que disser, tentando distorcer o sucedido, "os factos são teimosos". Nisto tinha Lenine muita razão.

Um gigantesco passo à retaguarda

Pedro Correia, 07.11.15

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A insurreição marxista-leninista de 7 de Novembro de 1917 - faz hoje 98 anos - deu início à União Soviética, o Estado totalitário de mais longa duração do século XX, que só implodiu a 31 de Dezembro de 1991, e a um regime político que viria a ser exportado para toda a Europa Oriental, responsável pela tortura e morte de largos milhões de seres humanos.

Foi um regime sanguinário, como ninguém com um mínimo de seriedade intelectual ignora. Mesmo assim ainda surgem defensores ocasionais do totalitarismo soviético, como ficou evidente na última edição do Avante!

Decorridas estas décadas, o jornal oficial do PCP persiste em omitir todo o rasto criminoso da URSS, celebrando o "exaltante exemplo" da tirania comunista e as "conquistas alcançadas" pelos czares vermelhos que esmagaram durante décadas os direitos mais elementares, não só no interior das fronteiras soviéticas como nos países vizinhos que tutelavam com blindados e baionetas, ao abrigo da doutrina da "soberania limitada". 

 

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Para assinalar a efeméride, deixo aqui o registo de algumas "conquistas alcançadas" pela chamada Revolução de Outubro:

- Terror Vermelho (1918-1922), promovido pela Tcheca, a brutal polícia política criada pela "ditadura do proletariado" leninista. Entre 50 mil e 140 mil vítimas mortais comprovadas (havendo historiadores que admitem a existência de meio milhão de mortos) neste período.
- Colectivização forçada de propriedades (1928-1940), que incluiu deportações gigantescas de populações rurais e fez a produção agrícola e pecuária regredir três décadas. Cerca de 25 milhões de pessoas foram desalojadas, metade das quais morreram.
- Genocídio ucraniano (1932-1933). Campanha desencadeada por Estaline para esmagar a resistência nacionalista na Ucrânia. Mais de cinco mil intelectuais foram assassinados ou deportados para a Sibéria. A esmagadora maioria da população rural, que viu terrenos e animais confiscados, foi condenada à fome. Objectivo: "eliminar inimigos de classe" através da colectivização forçada. Estimativa do número de mortos: 14 milhões.
- Grande Purga (1936-38). Durante este período, a polícia política deteve 1,548.366 pessoas - das quais 681.692 foram executadas. Média de mil execuções por dia (dados oficiais soviéticos), a partir de confissões obtidas através de tortura. Grande parte da elite dirigente, tanto ao nível do partido único como das forças armadas, foi dizimada neste período, ao abrigo do artigo 58º do Código Penal soviético, sobre "crimes contra-revolucionários".
- Gulag, os campos de concentração criados pelo estalinismo (1928-1953). Pelo menos 14 milhões de pessoas estiveram internadas neste vasto arquipélago prisional durante o quarto de século que assinalou o apogeu do terror estalinista. Pelo menos 1,6 milhões - vítimas de fome, doença e tortura - morreram nestes campos.
- Massacre de Katyn (Maio de 1940). Quase cinco mil oficiais polacos foram assassinados pelos soviéticos no período em que Moscovo se aliara à Alemanha de Hitler para a partilha da Polónia. Os oficiais, que eram prisioneiros de guerra, foram assassinados com tiros na nuca e enterrados na floresta de Katyn. Só após a queda do comunismo Moscovo admitiu a existência deste massacre.

 

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De resto, os próprios comunistas foram os primeiros a experimentar as delícias do "socialismo real" - começando por Trotsky, herói da revolução de 1917, assassinado em Agosto de 1940 por um agente estalinista no México.
Dos 1966 delegados ao Congresso do PCUS de 1934, 1108 foram presos e em larga parte executados nas vastas purgas que culminaram nos Processos de Moscovo (1936-38). O mesmo sucedeu a 98 dos 139 membros do Comité Central.
Estaline mandou executar, nesses anos negros, 5 mil oficiais com patente acima de major, 13 dos 15 generais de cinco estrelas e três dos cinco marechais do Exército Vermelho.
No total, cerca de dois terços dos quadros do PCUS foram liquidados pelo terror estalinista. Incluindo algumas das maiores figuras de referência do regime comunista.
Menciono apenas algumas:
- Lev Kamenev. Figura cimeira da revolução de 1917, presidente do Comité de Moscovo e vice-presidente soviético (segunda figura do regime, após Lenine). Executado em Agosto de 1936.
- Grígori Zinoviev. Um dos sete membros originais da Comissão Política do PCUS em 1917. Responsável pela defesa de Petrogrado na guerra civil, presidente da Internacional Comunista (1919-1926). Executado em Agosto de 1936.
- Nikolai Muralov. Um dos mais destacados combatentes da revolução, herói da guerra civil, comandante militar de Moscovo, inspector-geral do Exército Vermelho. Executado em 1937.
- Nikolai Bukarine. Jornalista, um dos colaboradores mais próximos de Lenine, organizador do levantamento bolchevista em Moscovo, criador da Nova Política Económica leninista, redactor-chefe do Pravda. Executado em Março de 1938.
- Alexei Rikov. Ministro do Interior após a revolução. Na sequência da morte de Lenine ascendeu a presidente do Conselho de Comissários do Povo (equivalente a PM). Executado em Março de 1938.
- Vladimir Antonov-Ovsinko. Jornalista e militar, liderou o assalto ao Palácio de Inverno - um dos marcos da revolução. Chefe do Departamento Político do Conselho Militar Revolucionário. Cônsul-geral soviético em Barcelona durante a guerra civil de Espanha. Executado em Fevereiro de 1939.
- Cristian Rakovski. Presidente do Soviete da Ucrânia e Presidente desta república soviética (1918-1923). Embaixador soviético em Londres e Paris. Executado em Setembro de 1941.
- Olga Kameneva. Irmã de Trotsky e esposa de Kamenev. Foi uma das mulheres que mais se distinguiram na revolução. Responsável pela nacionalização do teatro soviético, que ficou sob a tutela ideológica do partido. Executada em Setembro de 1941.

 

Conclusão: com tanta idolatria póstuma a um dos mais tenebrosos sistemas políticos que o mundo já conheceu, o jornal oficial do PCP, desmentindo o nome que ostenta em título, acaba de dar mais um gigantesco passo à retaguarda.

Diz-me com quem andas, António

Pedro Correia, 05.11.15

Belo exemplo de "esquerda unida"

Pedro Correia, 16.10.15

Os saudosistas do muro

Pedro Correia, 10.11.14

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O Muro da Vergonha caiu, mas o PCP continua a defendê-lo sem vergonha nem um pingo de pudor um quarto de século depois. Contra todas as evidências mais gritantes, contra a vontade dos povos, contra o próprio "sentido da História" (mostrando assim ignorar a vulgata marxista sobre materialismo dialéctico).

Se os jornalistas parlamentares não andassem tão ocupados a registar diariamente as mesmas imagens e os mesmos sons, na contínua febre dos "directos" que na maioria das vezes não têm relevância noticiosa alguma, talvez um deles, fazendo algo diferente, se lembrasse de questionar os deputados do PCP sobre a nota oficial do partido reproduzida na última edição do Avante! e à qual o Rui Rocha já fez referência aqui.

Teria seguramente interesse jornalístico saber, por exemplo, se à renovação etária da bancada comunista, agora integralmente composta por deputados muito jovens, corresponde também um arejamento de ideias ou - pelo contrário - persiste o anquilosamento em dogmas há muito remetidos para o caixote do lixo da História (se me permitem usar o jargão marxista).

Nada melhor, para isso, do que exercer o elementar direito à pergunta. Questionando os jovens deputados do PCP - começando pelo simpático líder parlamentar - se subscrevem as palavras oficiais de doce nostalgia pela desaparecida República "Democrática" Alemã, único estado do mundo contemporâneo que mandou erguer uma muralha destinada a impedir a saída dos cidadãos, confinados à condição de prisioneiros no seu próprio país.

Subscreverão eles a entusiástica defesa póstuma da RDA, consubstanciada no elogio rasgado às "realizações económicas, sociais e culturais de mais de quarenta anos de poder dos trabalhadores" e do próprio muro, que segundo a saudosista nota inserida no Avante!, contrariando todas as evidências históricas, tinha simples "carácter defensivo" e constituiu um "incontestável acto de segurança e soberania"?

Eis uma questão interessante que eu bem gostaria de ver respondida por João Oliveira, Jorge Machado, Miguel Tiago, Bruno Dias, Paula Santos, Carla Cruz, João Ramos, Diana Ferreira, Paulo Sá, David Costa e Rita Rato.

Como se a culpa fosse das vítimas

Pedro Correia, 05.06.12

 

Mesmo numa região como o Médio Oriente, habituada às maiores atrocidades, este foi um massacre particularmente chocante: 108 pessoas mortas a sangue-frio, degoladas ou assassinadas com tiros na cabeça à queima-roupa, incluindo dezenas de crianças. Aconteceu em Houla, no centro da Síria: as chocantes imagens desta barbárie correram mundo, não tardando a ser disseminadas pelas redes sociais e fazendo abrir os olhos a alguns que ainda condescendiam com a feroz ditadura de Bachar al-Assad. Por unanimidade, o Conselho de Segurança das Nações Unidas condenou estas atrocidades, atribuídas à milícia pró-governamental Shabiha. Ao contrário do que sucedeu em ocasiões anteriores, desta vez China e Rússia juntaram-se à condenação, que deixa o ditador de Damasco ainda mais isolado.

"Os responsáveis por estes crimes brutais serão responsabilizados", garantiu o ex-secretário-geral da ONU Kofi Annan, enviado desta organização e da Liga Árabe à Síria. Enquanto Barack Obama se confessava "horrorizado" por estas atrocidades e diversas capitais - incluindo Washington, Paris e Londres - expulsavam diplomatas sírios em sinal de vigoroso protesto. Assad pode vir a ser julgado por crimes contra a humanidade, admite Navi Pillay, alta-comissária das Nações Unidas para os direitos humanos.

O mundo comoveu-se com a história do menino de 11 anos que se fingiu de morto, esfregando-se com sangue do seu próprio irmão assassinado, para poder escapar com vida e contar aqueles momentos aterrorizantes que o assombrarão para sempre. "Eu estava apavorado. Todo o meu corpo tremia", relatou o pequeno Ali, que viu a sua família mais próxima ser massacrada.

Não admira, por tudo isto, que o tirano sírio conte cada vez com menos adeptos. Mas, embora poucos, são indubitavelmente fiéis. Com destaque para o Avante! "O massacre está a ser atribuído ao regime, mas o governo liderado por Bashar Al Assad nega a responsabilidade pelo crime e acusa os grupos terroristas", tranquiliza-nos o jornal comunista numa notícia com onze parágrafos em sintonia com as teses do ditador. Como se a culpa fosse das vítimas e não dos verdugos.

Ao fim de 14 meses, a revolta popular síria já provocou cerca de 13.400 vítimas mortais, mas nem isso perturba o inabalável Avante!: noutra notícia desta mesma edição, o órgão central do PCP relata que os "povos estão em luta do norte de África ao Médio Oriente". Mas não na Síria, claro. Com uma chocante indiferença pelas vítimas de Assad. E um solene desprezo pela sensibilidade e pela inteligência dos seus leitores.

A mentira é a verdade

Pedro Correia, 15.02.12

 

Depois da Líbia, onde foram os primeiros, os últimos e os mais ardentes defensores da ditadura de Kadhafi, os comunistas portugueses acorrem agora em defesa da ditadura de Assad na Síria. Contra as mais gritantes evidências, contra todos os sinais de alerta de organizações respeitadas e prestigiadas como a Amnistia Internacional e o Observatório de Direitos Humanos, contra as imagens chocantes que nos têm chegado de Homs, a cidade-mártir, e de outros pontos da Síria, o PCP mantém-se fiel à sua prática internacionalista muito peculiar de se solidarizar não com os povos oprimidos mas com os regimes que oprimem esses povos. Em sintonia com a China e a Rússia, como nos saudosos tempos da Guerra Fria, como se ainda houvesse Muro de Berlim e Pacto de Varsóvia, o órgão central do PCP tem-se distinguido pelo ardor na defesa de Bachar al-Assad, tal como já defendera o pai deste, Hafez Assad: os comunistas adoram a monarquia hereditária se esta for "republicana" e "socialista".

«Síria desmonta campanha imperialista.» Foi este o título estampado na primeira página do Avante! para destacar uma "notícia" centrada na versão dos acontecimentos fornecida pelo ministério do Interior sírio. Nada mais chocante, nada mais manipulador, nada mais indiferente ao sofrimento de um povo. Imaginem, no Portugal dos últimos anos de Salazar, um jornal estrangeiro a noticiar o que aqui se passava dando voz ao ministro Gonçalves Rapazote, que tutelava a PIDE...

Também na última edição, o jornal comunista congratula-se com o veto russo e chinês à condenação da ditadura síria no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Transferindo para as vítimas o ónus da culpa pelo banho de sangue perpetrado pelo regime de Damasco, à margem de toda a legalidade internacional, numa escala de repressão sem precedentes no país. Como se o PCP não soubesse que há mais de dez meses a polícia e o exército, actuando como esbirros de Assad, vêm procedendo sistematicamente ao massacre da população civil. No total terão já morrido cerca de sete mil sírios. Apenas porque reclamam liberdade e o respeito pelos mais elementares direitos humanos.

Leio estas "notícias" no Avante! e vem-me inevitavelmente à memória aquele mote totalitário inspirado no 1984 de Orwell: «A mentira é a verdade». Lembrem-se das atrocidades cometidas contra os civis de Homs e Damasco -- ou os de Misrata e Bengazi -- cada vez que ouvirem o PCP, de lágrima compungida, falar em populações que sofrem.

Imagem: saudações fascistas em louvor do ditador sírio,

de que o 'Avante!' tanto gosta

Avante, por Assad e Castro!

Pedro Correia, 23.04.11

A ditadura síria, acossada por gigantescas manifestações de rua, manda disparar contra o próprio povo. O morticínio ocorre até durante a realização de funerais. O mundo inteiro protesta contra esta barbaridade. O mundo inteiro? Não. Em Portugal, o Avante! defende a despótica dinastia Assad, revelando aos seus leitores que os EUA "financiam a oposição síria" e as autoridades de Damasco "negam responsabilidades nas vítimas" (sic). Nem o Omo lava mais branco...

Mas que outra coisa seria de esperar de um jornal capaz de enaltecer, pela pena de um dos principais dirigentes do PCP, o "admirável processo de democracia participativa" em Cuba?

 

ADENDA. Um artigo esclarecedor no El País: Siria se hunde en la represión sangrienta.

Solidários com o 'camarada' Kadhafi

Pedro Correia, 18.03.11

 

No Avante!, a receita do costume, que remonta aos tempos da Guerra Fria: há os ditadores bons, que são os "nossos", e os ditadores maus, que são todos os outros. Na perspectiva do órgão oficial do PCP, o milionário Muammar Kadhafi, no poder há 42 anos, é o ditador "bom". Ou antes: é o "pretenso" ditador, injustamente acusado de "supostas violações" e da "alegada repressão" de direitos humanos. O Conselho de Segurança das Nações Unidas, garante supremo da legalidade internacional, impôs esta noite, com o respaldo da Liga Árabe, uma zona de exclusão aérea destinada a impedir o ditador de massacrar o seu próprio povo. Russos e chineses, em sintonia com a administração Obama e as chancelarias de Paris e Londres, viabilizaram esta resolução em Nova Iorque. Não importa: o Avante! continua a mobilizar-se em defesa de Kadhafi. Com esta extraordinária argumentação: no Magrebe e no Médio Oriente decorre um grande levantamento popular contra as ditaduras, excepto no caso da Líbia, onde a situação é inversa. Aqui, pelo contrário, existe um "cerco imperialista" a que Kadhafi - qual Che Guevara do Magrebe - resiste com heroísmo e a solidariedade do PCP.

Esta vocação do órgão oficial dos comunistas portugueses em defender alguns dos piores canalhas da cena política internacional deslustra todas as proclamações antiditatoriais que o partido liderado por Jerónimo de Sousa possa fazer noutros quadrantes. O que acharão deste descarado apoio à ditadura líbia nas colunas do Avante! alguns comunistas com presença regular nos ecrãs televisivos, nas colunas de jornais e na blogosfera, como Octávio Teixeira, António Filipe, Rui Sá, Vítor Dias, Carlos Carvalhas, António Vilarigues, Honório Novo e Ruben de Carvalho?

A duplicidade moral do PCP

Pedro Correia, 11.03.11

Devia haver limites para o cinismo político e a duplicidade moral na forma como os partidos portugueses analisam os acontecimentos internacionais. Mas na perspectiva do PCP, pelos vistos, não há. Na Soeiro Pereira Gomes continua a prevalecer a regra maquiavélica: há que pôr de lado qualquer escrúpulo de consciência no apoio aberto aos tiranos de estimação. Sabendo do que a casa gasta, mesmo assim foi com espanto que li na edição do Avante desta semana a defesa despudorada da ditadura líbia em duas páginas dedicadas ao noticiário internacional. Enumerando as revoltas que se registam no mundo árabe, o jornal oficial dos comunistas portugueses assinala as «movimentações de massas» que «alastram» por todo o Magrebe e Médio Oriente, «de Marrocos a Omã, contra os regimes políticos vigentes e por melhores condições de vida». Mencionam-se estes países: Argélia, Bahrein, Marrocos, Iémen, Omã, Koweit, Arábia Saudita, Iraque e Egipto.

E a Líbia? Pois aqui é ao contrário. Títulos desta mesma edição do Avante: «Não à agressão imperialista na Líbia»; «Líbia cercada pelo imperialismo»; «Ingerência comprovada»; «Comissário demarca-se de posição sobre Líbia». O semanário do PCP vibra com as revoltas árabes em toda a parte menos no país do coronel Kadhafi, à revelia de quase toda a comunidade internacional. Garante que a oposição ao ditador líbio é instrumentalizada pela CIA, indigna-se por ver «as afirmações de Kadhafi continuamente deturpadas» nos órgãos de informação ocidentais e alerta na primeira página: «A NATO procedeu a exercícios militares no Mediterrâneo».

Atente-se nesta linguagem colaboracionista com o déspota de Trípoli: «A ONU decidiu também expulsar a Líbia do Conselho dos Direitos Humanos da Organização, medida baseada nas supostas violações dos direitos humanos cometidas pelas tropas leais a Kadhafi durante a alegada repressão de pretensas manifestações de massas, cuja existência não foi possível provar com clareza.» (Sublinhados meus).

 

Ponho de parte esta prosa repugnante, que por algum resquício de pudor surge sem assinatura no jornal do PCP, e abro a edição internacional do Independent. A manchete, assinada por Kim Sengupta, enviado especial do jornal britânico a Ras Lanuf, submetida a raides da aviação de Kadhafi, diz quase tudo: «Why won't the world help us?'». E releio a análise de Lluis Bassets publicada quarta-feira no El País, significativamente intitulada «Contra Kadhafi, guerra justa». Destaco isto:

«A Gadafi está intentando derrocarle su pueblo. Con las manos desnudas. Sin más armas que las que pueden apresar al ejército y hasta ahora sin ayuda internacional alguna. Al contrario, hay suficientes datos para sospechar que el déspota tiene todavía canales de auxilio financiero e incluso político en las capitales occidentales. Hay ya numerosas víctimas civiles, fruto de la represión de las manifestaciones primero y ahora de la guerra civil desigual que ha desencadenado. Una intervención internacional, del tipo que fuere, no sería en ningún caso una guerra preventiva, sino un caso evidente de la obligación de proteger consagrada por Naciones Unidas.»

Poderia recomendar este texto excepcional ao jornal dos comunistas portugueses, assumidamente pró-líbio. Mas não vale a pena: vigora ali a mentalidade da Guerra Fria e a veneração ilimitada aos ditadores de esquerda. Cometa Kadhafi as atrocidades que cometer, será sempre ali enaltecido. Que outra coisa seria de esperar de um partido e de um jornal capazes de elogiar o carcereiro da Coreia do Norte, Kim Jong-il?

Prosa de general birmanês

Pedro Correia, 19.11.10

 

No Avante!, nada de novo. Na sua mais recente edição, o órgão central dos comunistas surge em defesa dos direitos humanos no Sara Ocidental - e muito bem - mas páginas adiante lá vem a habitual condescendência com as ditaduras "amigas", desta vez num texto abjecto do misógino de serviço, Correia da Fonseca, sobre a Nobel da Paz Aung San Suu Kyi. "Imagino que deve ser terrível para uma mulher, para mais senhora de boa disponibilidade financeira, não poder sair de casa para ir às compras no hipermercado mais próximo", assinala o escriba comunista. Reduzindo a privação da liberdade da oposicionista birmanesa durante duas décadas a uma laracha machista de péssimo gosto.

Qualquer membro da junta militar de Rangum seria capaz de dar à estampa um escarro destes. Por momentos imaginei até Correia da Fonseca com divisas de general. Birmanês.

 

Ler também:

A Ana Matos Pires, a Joana Lopes, o João Tunes e o José Simões.