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Delito de Opinião

A vertigem das intuições

José Meireles Graça, 21.08.23

A intuição não é coisa de confiança: Ela diz-nos que se o Estado confiscar a riqueza dos que têm mais e a distribuir equitativamente ficam todos remediados. Mas na realidade ficam todos pobres, excepto se o mecanismo do confisco, a que chamamos impostos, for suficientemente comedido para não desincentivar nem o investimento privado nem o desejo de trabalhar.

Isto sabe-se, mesmo que o sonho de uma sociedade igualitária alimente uma quantidade de almas puras (na parte em que não sejam simplesmente invejosas ou ressentidas) que deixaram de querer nacionalizar os meios de produção, entusiasmante apelo que substituíram pelo expediente de reclamar o aumento da carga fiscal até ao ponto de se poder enriquecer desde que não se fique rico, e se fique pobre se em algum momento se tiver acumulado, ou herdado, riqueza.

Toda a gente sabe isto, mesmo os que fingem não saber porque sonhar é bom e alimenta nichos eleitorais com clientelas numerosas.

O diabo é que há outras intuições traiçoeiras, e uma delas é a velocidade: Quanto mais depressa mais perigo, e portanto quanto mais devagar mais segurança, não é? E estabelecendo um limite necessariamente arbitrário e ir microgerindo a rede viária de modo a que sempre que se registem ou possam registar acidentes em determinados pontos esse limite seja diminuído ficamos todos a ganhar: o Estado porque aumenta as suas receitas sem ser com odiosos impostos, mas antes com virtuosas coimas; os acidentes diminuem (é o que diz esta senhora ministra, provavelmente baseada num estudo qualquer feito com os pés em que se ilustra o ponto); os condutores vão progressivamente, já que não ligam peva às paternais injunções da Prevenção Rodoviária Portuguesa, habituar-se à disciplina imposta por “especialistas” dominando modelos de raciocínio burocrático-policial; os condutores que se indignavam com aqueles que os ultrapassavam vertiginosamente deixarão de ter motivos para a sua ira justiceira porque toda a gente circulará à mesma velocidade; os automóveis desportivos continuarão a ter interesse, mas apenas para estacionar à porta de pastelarias ou para consolar homens de meia-idade à procura da juventude perdida, o que fará diminuir o seu número (dos automóveis, não dos portadores de cãs, se é que não será também o caso de falar delas, que hoje se metem em tudo); os níveis de cidadania, medidos pelo respeito devido ao que as autoridades entendem ser o bem comum, serão preciosamente reforçados, o que tem utilidade noutros domínios, como por exemplo a repressão de hábitos ou vícios considerados deletérios para a saúde (para o que se usa o truque de chamar pública à saúde de cada qual); e Portugal junta-se ao esforço dos países mais avançados (com excepção da Alemanha), como é seu direito e obrigação, para acabar com o flagelo das mortes e estropiados na circulação. Em suma, o socialismo, do bom, do verdadeiro, na estrada – todos iguais, todos contentes com a igualdade e todos dispostos a castigar perniciosos elementos antissociais com coimas terroristas para princípio de conversa, e generalizadas reeducações no ramo da virtude colectiva para os mais recalcitrantes, as quais aliás já existem em certos casos.

Não fora pior se na Alemanha, em extensos troços de autoestrada, houvesse limites – ao menos um dos vários que existem consoante os países. Mas os teutónicos, com insolência, não querem ouvir falar nisso e, por serem geneticamente abençoados com excepcioniais dotes de habilidade para a condução, não têm taxas de sinistralidade mais altas. A União Europeia, porém, ainda não disse a última palavra: eles que continuem a enfraquecer a economia com políticas de esquerda e pode ser que algures no futuro se vejam obrigados neste particular a acolherem-se ao redil dos países bem-comportados.

O diabo são as externalidades, um conceito que, por ser caro a economistas, peço desculpa por usar aqui, porquanto:

Qualquer automóvel actual trava em muito menos espaço do que o equivalente de há 40 anos, percorre com segurança curvas a velocidades que dantes o fariam esbardalhar-se na paisagem e, em caso de acidente, protege imensamente mais os passageiros do que nunca. Sabe-se porquê: tem travões de disco, assistidos, e não de tambor, muito melhores suspensões, auxílio electrónico, em certos casos, à condução, airbags, zonas de deformação e um longo, com frequência invisível, rosário de inovações para poderem circular a velocidades muito superiores às legais.

Isto significa que a baixas velocidades são muito mais seguros do que seriam se não fossem concebidos para circular a altas. E que talvez, talvez, haja uma ligação entre a superioridade dos carros de fabrico alemão, que vem sendo progressivamente emulada, e a tradição local em matéria de circulação em autoestrada, admitindo que essa superioridade não decorra exclusivamente da vocação para a excelência nas indústrias. O que, a contrario, significa que se a competição automóvel deixar de exportar inovações para o fabrico em série, e se a propriamente dita deixar de se fazer em torno do desempenho, será natural que a segurança deixe de progredir, primeiro, e regrida, depois, por soluções mais baratas serem perfeitamente aceitáveis para velocidades de caracol.

A indústria é madura, mas a competição entre marcas sempre foi feroz, tanto que muitas ficaram pelo caminho. Se os veículos não se puderem distinguir de uma maneira, privilegiarão outras: conforto, espaço, dimensões, entretenimentos de bordo e milhentas novidades, que já existem mas ainda não se banalizaram, ou virão a existir.

Há já sinais disso? Há, os SUVs. Correspondem a uma moda (semelhante à que existiu em tempos e que favorecia carrinhas), são mais cómodos para acesso a pessoas com idade, dão a falsa impressão de poderem circular em terrenos para jipes e de serem mais seguros do que as berlinas equivalentes e ainda proporcionam sensação de velocidade que os radares não confirmam. De qualidades reais ou aparentes estamos conversados. Porque na realidade consomem mais porque mais pesados, não são mais seguros, pelo contrário, e são necessariamente mais caros e de mais cara manutenção. Para já a tradição ainda impõe incorporar o último grito para o segmento em matéria de segurança activa. A concorrência se encarregará, é apenas uma questão de tempo, de começar a cortar no que é demasia – aquela segurança passará a ser menos exigente e o legislador europeu nunca conseguirá cobrir todos os aspectos que, na concepção, contendem com a qualidade e a eficácia no desempenho.

Qual é então a minha tese, que, por desafiar aquilo que a intuição diz às pessoas, e que faz com que elas julguem que sabem do que estão a falar, não converterá senão convertidos?

É esta: o grande amigo das pessoas que cumprem religiosamente as regras em matéria de velocidade é, e sempre foi, quem não as respeita; e, no futuro, os ganhos com as limitações (de resto não tão relevantes como quer fazer crer a propaganda oficial) serão anulados pelo progresso que deixará de se fazer, e pelo retrocesso que terá lugar em alguns aspectos.

Três páginas, já? Ora, mesmo que o assunto dê pano para mangas o melhor é ficar por aqui, de modo que encerremos:

O socialismo na estrada não é diferente do socialismo em todos os outros lugares.

O último dos românticos

João Sousa, 08.05.22

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«Gilles contributed even more to the sport and to his own growing legend during the 1979 United States Grand Prix weekend at Watkins Glen. The patented Villeneuve display began on Friday when the track was soaked and few cars even ventured out of the pits. In fact, most drivers thought the flooded tarmac was simply undriveable.

Gilles did not share their opinion and Denis Jenkinson was there. "When we saw him going out in the rain, we said, 'This we've got to see!' Some members of the press, who think they know it all, don't bother to go out when it rains. But I was out on a corner in the rain watching him and all the hardball members of the press were with me. We had to see this. It was something special. Oh, he was fantastic! He was unbelievable!"

Another hardballer on hand was Nigel Roebuck. "Gilles was the one bloke who made you go and look for a good corner in a practice session because you knew that where everybody else would go through as if on rails Gilles would be worth watching. That day in the rain at Watkins Glen was almost beyond belief! It truly was. You would think he had 300 horsepower more than anybody else. It just didn't seem possible. The speed he was travelling didn't bear any relation to anybody else. He was 11 seconds faster! Jody was next fastest and couldn't believe it, saying that he scared himself rigid! I remember Laffite in the pits just giggling when Gilles went past and saying, 'Why do we bother? He's different from the rest of us. On a separate level.'"

Jeff Hutchinson, another British journalist, was also a greatly impressed witness. "The spectacle of him pushing that Ferrari to the limit, with great roostertails of water cascading off its rear wheels, just for the sheer fun and thrill of it, made the wet feet and miserable wait worthwhile. He lapped at an average speed of just over 100 mph!"»

Gerald Donaldson, Gilles Villeneuve - The Life Of The Legendary Driver

 

Faz hoje quarenta anos que morreu Gilles Villeneuve, um dos mais talentosos pilotos de sempre da Fórmula 1 (há mesmo quem o considere o mais). A memória é um processo curioso: eu era um gaiato na altura e apenas recordo vagamente uma imagem dele, pequeno e franzino, a celebrar uma vitória - mas lembro-me perfeitamente da sensação de entusiasmo com que me sentei, em domingos alternados, à frente da televisão para o ver correr.

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Der Schwarze Vulkan

João Sousa, 23.06.21

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Saudemos o 70º aniversário de Michèle Mouton: vencedora em 1975 da classe S2.0 nas 24 Horas de Le Mans; vice-campeã europeia de ralis em 1977; vice-campeã mundial de ralis em 1982 (ficando à frente do seu colega de equipa, "um tal" Hannu Mikkola); vencedora em 1984 da classe Open Rally (e segunda à geral) na sua estreia na mítica Pikes Peak; vencedora no ano seguinte da Pikes Peak com um tempo treze segundos mais rápido do que o recorde anterior; campeã em 1986 do Nacional de Ralis da Alemanha, com a particularidade de ter vencido todas as corridas que terminou.

E tudo isto, veja-se bem o topete, quando ainda nem tinham nascido muitos dos que hoje enchem discursos, editoriais e redes sociais com paridades, quotas, representatividades, hashtags e jargões semelhantes.

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(*) "Der Schwarze Vulkan" (o vulcão negro) foi a alcunha que lhe deram na Alemanha devido ao temperamento e longo cabelo preto.

Imbatível

Sérgio de Almeida Correia, 01.02.21

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"Ricky Taylor decided to hand the car over to Albuquerque for the final stints, having been given the option to stay in the car. 

"It was absolutely the right decision, he's a superstar - he won the world championship in the WEC last year - and we always knew he was the one we wanted in our car," said Taylor."

Parabéns, Filipe Albuquerque, extensivos à Wayne Taylor Racing, ao Hélio Castro Neves, ao Alexander Rossi e à Acura Konica Minolta.

Mais uma fantástica corrida, mais uma exibição de grande classe, e no final uma mais do que merecida vitória nas 24 Horas de Daytona

Um português imperial

Sérgio de Almeida Correia, 10.08.20

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A consagração de António Félix da Costa como campeão mundial de Fórmula-E, brilhantemente alcançada na pista do antigo Aeroporto de Tempelhof, em Berlim, é o culminar de uma carreira construída a pulso, feita de muito esforço, muito trabalho e muita resiliência.

Sem nunca ter tido os apoios milionários que a maioria dos seus adversários usufruiu, com a instabilidade na carreira associada à falta de músculo financeiro que lhe permitiria ter outro impulso e aspirar chegar um dia à Fórmula 1, o jovem piloto de Cascais é hoje notícia nas televisões e jornais por esse mundo fora (Eurosport, BBC Sport, L’Équipe, AutoSprint, Mundo Deportivo, La Tercera, Redgol, The Sun, The Independent).

Depois de um início de carreira no karting e de ter vencido por duas vezes, em 2012 e 2016, o Grande Prémio de Macau, corrida onde só os melhores entre os melhores conseguem impor-se, conquistando a Taça do Mundo FIA de F3, e mostrando a quem tivesse dúvidas todo o seu talento e classe, aos 28 anos conquistou, finalmente, um título mundial de pista entrando para uma restrita galeria de pilotos.

E isso é tanto mais brilhante quanto foi conseguido de forma imperial e com uma condução irrepreensível a duas provas do final do campeonato. Apesar da paragem devido à Covid-19, tendo vencido no início do ano na prova de Marraquexe, Félix da Costa repetiu a vitória por mais duas vezes em Berlim, a que juntou um quarto lugar e, ontem, uma subida ao segundo lugar do pódio, colocando um ponto final na discussão do título deste ano.

Num país que vive de e para o futebol, e para as suas miseráveis discussões e negociatas de milhões, como se tudo o mais em matéria de desporto não existisse, em especial em modalidades onde temos conquistado o reconhecimento internacional e títulos olímpicos, europeus e mundiais (atletismo, judo e remo, por exemplo), sem que esses resultados obtenham a projecção merecida nos jornais, rádios e televisões, é reconfortante ver, e também sinal de esperança, António Félix da Costa cumprir o que prometeu e trazer para Portugal um título máximo da sua modalidade.

O que, aliás, acontece, convém referi-lo, no mesmo fim-de-semana em que Miguel Oliveira obteve a sua melhor classificação de sempre numa prova da categoria rainha do Mundial de Motociclismo, alcançado o sexto lugar no Grande Prémio da República Checa, e um outro piloto português, Filipe Albuquerque, tendo conquistado a pole position para a corrida, venceu de forma categórica as 4 horas de SPA-Francorchamps, segunda vitória consecutiva este ano numa prova a contar para o campeonato European Le Mans Series

Não será por falta de bons resultados e de exemplos vindos dos mais jovens, em modalidades tão competitivas a nível internacional, que os portugueses deixarão de ter o estímulo necessário para serem cada vez melhores e procurarem obter iguais resultados noutros planos da sua vida colectiva. Da política à economia, da educação à produtividade no trabalho. Basta serem capazes de a si próprios imporem alguma ética, disciplina, rigor e seriedade no que fazem. A superação e o reconhecimento virão por acréscimo.

Impossível esquecer

Cristina Torrão, 01.05.19

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O 1º de Maio foi também o dia da morte de Ayrton Senna, um dia, a partir do qual, a Fórmula 1 nunca mais foi a mesma para uma infinidade de pessoas (onde eu me incluo). Hoje, em que se completam 25 anos sobre a tragédia, deixo-vos com as palavras de Lídia Paralta Gomes, que, na altura, tinha apenas seis anos, um exemplo do impacto que a morte deste carismático piloto teve na vida de muita gente (para ler o texto completo, clicar no link):

Quando o braço da direção do Williams de Ayrton Senna se partiu em dois e o carro do brasileiro bateu desgovernado no muro de cimento da curva Tamburello - nome que nunca mais me saiu da cabeça e que desde então associo a coisas terríveis -, a minha vida ficou virada do avesso. É um exagero, eu sei, mas tentem explicar a uma criança que o seu primeiro ídolo desapareceu, ainda por cima a fazer aquilo em que era o melhor, e mesmo que naquela altura não fosse de caras o melhor, continuava a ser o mais carismático, o mais talentoso, o mais mágico, o mais malandro, aquele que nos fazia a cada quinze dias, a mim e à minha família, ligar a televisão ao fim de semana pela hora do almoço, os únicos almoços em que estávamos juntos, para vermos o Grande Prémio, isto quando a Fórmula 1 ainda era assunto de canal aberto.

Ou de como peguei numa revista que guardávamos como um tesouro, uma dessas revistas do coração, como dizem os espanhóis, (...) e a esquartejei, porque queria guardar só para mim as últimas fotos de Senna a sorrir e de como isso ia provocando uma guerra civil no país do nosso quarto, meu e da minha irmã, que é cinco anos mais velha que eu e por isso viveu o 1 de maio de 1994 e os dias seguintes com muito mais violência. Colámos o que foi possível colar com fita-cola, ao menos aquele pedaço de Senna dava para salvar.

 

Imagem: Mike Hewitt

Reencontro no Grande Prémio

Sérgio de Almeida Correia, 16.11.18

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Que o livro iria ser lançado por estes dias já o sabia há muito tempo. O que não me passava pela cabeça, num momento em que se desenvolvem diligências no sentido de elevar o Circuito da Guia a património protegido e reconhecido internacionalmente; depois do Rendez-Vous à Macao, no início da década de 80 do século passado, e em semana de Grande Prémio, já com os motores a rugirem no asfalto, era vir a reencontrar o eternamente jovem Michel Vaillant, num final de tarde, no hospitaleiro Grand Lapa, antigo Mandarim Oriental, onde noutros anos tantas aventuras reais pude viver. Mas foi o que efectivamente aconteceu.

Com Corto Maltese, Michel foi meu companheiro de muitas tardes e de sonhos de juventude, quando acreditava que lá em casa, um dia, me deixariam ingressar num dos cursos de pilotagem da Elf e seguir uma vida nas pistas, o que só mesmo na fértil imaginação de um jovem seria possível num pós-25 de Abril dominado pelo PREC e em que os meios e as oportunidades de competir e de fazer uma carreira no desporto autómovel eram escassos para quase todos.

Volvidos todos estes anos, em que tirando efémeras experiências nos karts me tenho limitado a acompanhar, com gosto, diga-se de passagem, campeonatos e amigos infinitamente mais dotados por algumas pistas desse mundo, tive o privilégio de assistir à apresentação do último livro (77.º) da saga Vaillant, agora continuada por Philipe Graton, Lapière e Benjamin Béneteau (ilustrador), tendo junto a mim amigos e heróis de carne e osso como o André Couto, Tiago Monteiro ou o sempre bem disposto Tom Coronel.

Para quem ainda não leu, posso dizer que é mais uma aventura que mistura a realidade com a ficção, lugares de todos os dias e uma pista de que também eu gosto muito, exaltando os valores saudáveis do desporto, da competição, da justiça e do fair play numa história e com desenhos que honram a herança de Jean Graton.

Sacha Fenestraz, também ele a competir na edição deste ano, tal como André Couto, até hoje o único piloto local a vencer o Grande Prémio de F3, integra o lote dos personagens que conferem autenticidade à história.

Confesso que por momentos voltei a ser um menino. E foi com o mesmo prazer de há mais de 40 anos que recebi o livro autografado das mãos dos autores e dos pilotos e que, depois, no conforto de casa com gozo li.

Espero que também o possam ler e retirar dele o mesmo prazer que por instantes senti. E se por vergonha não o quiserem comprar para vós, sempre podem aproveitar o pretexto do Natal que aí vem para o oferecerem a filhos, sobrinhos e afilhados, estimulando-lhes o gosto pela leitura, também pelo sonhos que vivem paredes-meias com a realidade, para que depois vós próprios, assim como quem não quer a coisa, o possam ler às escondidas, sentindo as cores, os cheiros e a textura das suas páginas.

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Um fartote

Sérgio de Almeida Correia, 03.06.18

Com as asas que lhe deram, Miguel Oliveira "voou" do 11.º lugar para o 1.º, aos comandos da KTM, conquistando uma estupenda vitória em Mugello, no Grande Prémio de Itália, Campeonato do Mundo de Motociclismo, categoria de Moto2, depois de uma última volta de cortar a respiração. No Brasil, um locutor de televisão até repetia estrofes do nosso hino.

Entretanto, na Grécia, Bruno Magalhães vencia o mítico Rally da Acrópole, prova integrada no Campeonato da Europa.

E no Japão, nas 24 Horas de Fuji, André Couto conquistava o 3.º lugar com o carro 81 da Phoenix Racing.

À beira de mais um Dez de Junho, a rapaziada do futebol que dentro de dias viaja para a Rússia que vá pondo os olhos nestes. Nós cá estaremos para os apoiar, mas nada de pieguices.

A berlineta azul

José António Abreu, 07.03.17

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Jean-Luc Thérier no Rali de Portugal (TAP) de 1973.

 

Creio que foi em 1973, mas pode ter sido em 1972. Do local, recordo-me bem: uma encosta da Serra do Açor, por cima da povoação de Folques, a meia dúzia de quilómetros de Arganil. Hoje a estrada encontra-se asfaltada, na altura era em terra batida. Dependendo do ano, eu tinha quatro anos e meio ou três anos e meio. Estava em pé no cimo de uma barreira, com o meu pai de um lado e a minha mãe do outro. Trata-se, aliás, de uma das memórias mais antigas que tenho dos meus pais. Devo-a à pequena berlineta azul que saiu em derrapagem de uma curva quase em frente, percorreu de nariz no ar as poucas dezenas de metros até à curva em que nos encontrávamos, descreveu-a, fez a seguinte, mais fechada, com a traseira a deslizar, e seguiu encosta abaixo, dançando de curva para curva. Fiquei extasiado. Seguiram-se outros carros espectaculares, entre os quais um par de Porsches 911, mas a minha devoção fora garantida pela berlineta azul. De tal modo que, tendo nas décadas seguintes visto muitos outros carros de ralis (do Fiat 131 Abarth ao Mitsubishi Lancer Evolution, passando pelo belíssimo Lancia 037 e pelos brutais Audi Sport Quattro S1 e Peugeot 205 Turbo 16), não somente nas estradas de Arganil mas também nas da Lousã e nas de Fafe, nenhum deles alguma vez conseguiu destroná-la do topo das minhas preferências.

 

A berlineta azul era um Alpine Renault A110 e nascera da paixão do francês Jean Redelé pela competição automóvel. Natural de Dieppe, filho do dono de uma oficina, concessionário Renault, Redelé começou por preparar e pilotar Renaults 4CV (o famoso «Joaninha») em provas como o rali de Monte Carlo e as Mil Milhas. Em 1955, com a apresentação do A106, ainda sob a base do Renault 4CV, fez nascer a marca «Alpine», nome inspirado pelos resultados que conseguira nos troços dos Alpes. Em 1957 surgiu o A108, baseado no Renault Dauphine, e em 1962 o A110, que utilizava a base do Renault 8. A primeira versão do A110 estava equipada com um motor de apenas 956 cm3 debitando 55 CV (SAE). Ao longo dos anos, as versões disponíveis para compra iriam ver a cilindrada subir até aos 1647 cm3 e a potência até aos 140 CV (na versão de 1605 cm3) enquanto as versões de competição chegariam aos 1860 cm3 e aos 190 CV. Como no Porsche 911, a tracção era feita às rodas traseiras e o motor estava posicionado atrás do eixo motriz. Extremamente leve, o A110 era difícil de controlar no limite. Contudo, nas mãos de pilotos como Bernard Darniche, Jean Pierre Nicolas e Jean-Luc Thérier, ganhou inúmeros ralis, entre os quais o de Portugal, em duas ocasiões: 1971 (Nicolas) e 1973 (Thérier). (Pepita de informação acessória: Michele Mouton, muito mais associada aos anos 80 e à Audi, começou a carreira num A110.) Em 1974, o surgimento do Lancia Stratos, concebido especificamente para a competição e equipado com motor central de origem Ferrari com 260 CV, marcou o final do seu período de glória. Totalmente propriedade da Renault desde 1973, a Alpine viria ainda a ganhar as 24 Horas de Le Mans em 1978, com o protótipo A442B, mas a crise do petróleo e erros de gestão no posicionamento da marca (nem o A310, lançado em 1971, ainda com Redelé à frente da empresa, nem o GTA, lançado em 1984 e apostando numa imagem mais cosmopolita, tiveram sucesso) levaram ao seu desaparecimento.

 

Até hoje. No Salão de Genebra, a Renault acaba de oficializar o renascimento da Alpine, através da apresentação do novo A110. É um pouco maior do que o original (todos os carros têm vindo a crescer) e possui agora o motor em posição central. Ainda assim, muito ADN é partilhado: a tracção traseira, o peso reduzido (1100 Kg), as dimensões compactas (4,18 m de comprimento, 1,25 m de altura), o motor de cilindrada relativamente baixa, com potência muito razoável (um novo 1.8 l de injecção directa com 252 CV). O preço? Em terras gaulesas, entre 55 mil e 60 mil euros. Os 1955 exemplares da «primeira edição» (1955 porque - voltem ao parágrafo anterior - a Alpine nasceu nesse ano) estão já todos vendidos.

 

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O clássico e o recém-nascido.

 

Há quem ambicione possuir Ferraris e Aston Martins. Mais modesto, eu contentar-me-ia com um A110. E não, este texto não reflecte uma crise de meia idade (acabei de explicar o que a Alpine representa para mim desde os  tempos em que ainda desconhecia onde ficavam os Alpes) nem consiste em publicidade encapotada (não tenho qualquer ligação à Renault). Trata-se apenas de expressar a minha alegria pelo renascimento da marca. Não posso, contudo, deixar de aproveitar a oportunidade para enviar uma nota ao Partido Socialista. Em troca de um montante entre os 55 mil e os 60 mil euros, estou disposto a assinar textos de apoio à geringonça. Aceito usar o nome «Abrantes» (afinal, é só mudar a terminação) ou até mesmo «Pipoca». Entrem em contacto, OK? 

 

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Dias épicos

Sérgio de Almeida Correia, 20.11.16

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O modo como se tinham comportado nos treinos e como geriram as suas passagens pela pista faziam antever uma jornada competitiva e que deixava em aberto a possibilidade de no final surgirem nos lugares da frente. O que ninguém esperava é que dois dos melhores pilotos portugueses da actualidade fizessem um interregno nas suas corridas habituais para se proporem vencer em categorias onde habitualmente nem sequer competem duas das três principais provas do cartaz deste fim-de-semana da 64.ª edição do Grande Prémio de Macau.

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Depois de Tiago Monteiro se impor categoricamente na última prova do Campeonato do Mundo TCR, averbando o primeiro triunfo português numa corrida de carros de turismo na Guia, ao volante de um Honda, foi a vez de António Félix da Costa mostrar toda a sua classe e dizer a todo o mundo, em especial a muitos patrocinadores que continuam a apostar milhões em pilotos sem um décimo do seu talento, por que merece ter um volante na Fórmula 1. Félix da Costa, o “Formiga”, venceu sem apelo nem agravo as 15 voltas da Taça do Mundo de F3, a seguir a ter vencido ontem a corrida de classificação para a prova de hoje. As suas ultrapassagens ficarão por muitos anos na retina de quem as viu e são um verdadeiro manual da arte de bem conduzir.

Tiago Monteiro e Félix da Costa (este último inscrevendo pela segunda vez o seu nome entre os vencedores) foram absolutamente imperiais e bastava ouvir os comentários dos jornalistas britânicos ou italianos para se perceber o quanto haviam sido brilhantes. Hoje foram os canais televisivos de Hong Kong, da China e do Japão a darem a notícia. Amanhã, os jornais desportivos de todo o mundo assinalarão mais este feito que encheu de emoção, satisfação e contentamento os portugueses que estiveram por estes dias no mítico circuito e onde por duas vezes a bandeira nacional subiu no mastro mais alto em provas organizadas pela FIA (Federação Internacional de Automobilismo).

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Deixo aqui também uma palavra especial para o André Pires, que com galhardia e muita coragem correu na prova comemorativa dos 50 anos do Grande Prémio de Motociclos, bem como para o André Couto, que correndo com um carro novo e que conduziu pela primeira vez em Macau, voltou a estar ao seu nível, levando um Lamborghini que “não andava” e com problemas de afinação nas suspensões até ao final da corrida da Taça do Mundo de GT, corrida prematura e inexplicavelmente terminada devido a uma decisão administrativa que ainda vai fazer correr muita tinta.

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2016 poderá não vir a ser o melhor ano de sempre do automobilismo nacional (Pedro Lamy, João Barbosa, Álvaro Parente, Filipe Albuquerque, Rui Águas, entre outros, também conseguiram resultados notáveis), mas vai ser recordado durante muitos anos como um ano de corridas inesquecíveis, com resultados tão espectaculares que desmentem os habituais cépticos. E que servem para dizer que com armas iguais às dos outros os portugueses, senhores do seu destino, até conseguem ser muito melhores do que a concorrência alemã, inglesa, francesa, holandesa, espanhola, sueca, finlandesa, russa ou italiana. É só darem-lhes uma oportunidade.

E o sonho tornou-se realidade

Sérgio de Almeida Correia, 30.08.15

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Já tinha caído a noite no circuito de Suzuka, nos arredores de Nagoia, quando o Nissan GTR-GT3 com o número 10 cortou a meta. Depois de uma corrida cheia de peripécias, de uma recuperação espectacular, em que chegou a estar em 26.º lugar ao fim de vinte minutos de prova, apesar de ter partido da 2.ª posição da grelha, e em que a chuva apareceu por várias vezes, a última das quais a cerca de dez minutos do final quando os carros circulavam com pneus para piso seco e a vantagem sobre o BMW Z4 era inferior a um segundo, os três pilotos do Gainer Tanax Racing Team levaram o carro à vitória nos 1000 Km de Suzuka, categoria de GT300.

Trata-se de mais um resultado fantástico para os portugueses de Macau e o automobilismo nacional e, em especial, para o André Couto, que está de parabéns e de quem aqui dei notícia depois da prova de Fuji 300.

Com este resultado, o André reforçou a liderança do campeonato japonês, no qual soma 69 pontos, e tem agora nos lugares imediatos os outros dois pilotos da sua equipa, Katsumasa Chiyo e Ryuichiro Tomita, respectivamente, com 54 e 40 pontos.

Quentes, rápidos e longos (3)

Sérgio de Almeida Correia, 14.08.15

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Com uma esplendorosa manhã de sol, uma temperatura amena para aquilo que foram os últimos dias, esta teria sido uma óptima ocasião para dar um passeio pela região de Fuji, fazer uma visita aos grandes lagos e dar um salto a Hakone.

Situada na parte leste de Shizuoka, com um clima agradável durante os meses de Verão, região de vilegiatura de muitos estrangeiros e locais, Gotemba é a cidade onde Akira Kurosawa se retirava para descansar durante largos meses. Nas proximidades da estação há um parque que noutros tempos serviu de morada à família imperial, e a meia hora de caminho fica o Fuji Safari Park. Apesar disso tudo, e de segundo me disseram ter centenas de lojas de marcas famosas, o que eu não fazia tenção de visitar, a cidade é mais conhecida por constituir a porta de entrada na região de montanha do Fuji. No centro da cidade é possível arranjar com facilidade transporte para passeios aos pontos mais elevados. Conhecida como a montanha onde vive um deus, foi a partir do final do século VIII que se tornou famosa. Nessa época, a Fuji-ko, uma seita religiosa cujo objectivo era escalar a montanha, inseria essa subida na sua preparação ascética. No chamado período Edo, entre o século XVII e meados do século XIX, o Fuji popularizou-se entre os habitantes da cidade. A forma actual da montanha terá sido adquirida há cinco mil anos, tendo sido fonte inspiradora de poetas e pintores. Com quatro vias principais de acesso (Yoshida, Subashiri, Fujinomiya e Gotemba), a melhor altura do ano para lá ir é entre Julho e Setembro. Todos os anos é fixado o período de ascensão, que varia em função das condições atmosféricas e da via de acesso, pelo que quem quiser lá ir convém estar prevenido. Entre a base e o topo há em regra uma diferença de 20 a 23.º Celsius (Gotemba está a 450 m de altitude). Há imensa informação, há hotéis e ryokans em fartura, mas que em determinadas alturas do ano esgotam rapidamente, convindo por isso reservar com antecedência. Esta foi uma dessas ocasiões, já que Gotemba não é só porta de entrada da montanha mas também a via mais fácil para chegar à pista que fica no seu sopé.

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Sem tempo nem companhia para a subida, em dia de corridas, cheguei ao circuito ainda a tempo do warm-up. Com tempos idênticos aos da véspera que serviram para a qualificação, os pilotos da Gainer estavam confiantes e bem dispostos. Depois seguiu-se a segunda corrida da Porsche Super Cup e, entretanto, aproveitei para circular pelo interior da pista, usufruindo das vistas, do azul do céu, e observando os espectadores. No exterior prosseguia a animação, com espectáculos musicais, sessões em simuladores e sorteios, logo antes de começar a romaria de espectadores para a volta pelo paddock e pelas boxes. Verifiquei depois que a maioria dos que ali estavam eram coleccionadores em busca de autógrafos e de memorabilia diversa, a maior parte dela inútil aos meus olhos, como leques de plástico com fotografias dos carros e das starlets, sacos de plástico, autocolantes da banda desenhada japonesa alusiva ao evento e aos carros, tralha que é oferecida em quantidades industriais pelas equipas e seus patrocinadores, um pouco à semelhança do que acontece noutras provas como no WTCC.

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Com uma carreira construída a pulso e fora de portas desde 1995, quando participou na Fórmula Opel Euroseries, vencendo no Estoril, a que se seguiu F3 na Alemanha e em Itália, a vitória na Taça do Mundo de 2000, em Macau, a Fórmula 3000, com um terceiro lugar em Nurburgring, e depois de ainda ter andado pela Fórmula Nippon, as World Series da Nissan e o ETCC, em 2004 o André participou pela primeira vez nos GT 500. Entre 2005 e 2012 competiu igualmente nalgumas provas do WTCC, conduzindo para a Alfa Romeo, a Honda e a Seat, mas foi nos Super GT que terá encontrado alguma estabilidade. Em 2014 esteve também presente na Blancpain Endurance Series.

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Durante muitos anos, apesar de ser um piloto extraordinariamente rápido e combativo, fosse por falta de carros e equipa suficientemente competitiva, por excesso de impulsividade ou simples falta de sorte, não mereceu em Portugal a atenção e o apoio devido da comunicação social nacional e de alguns patrocinadores. Nunca teve a projecção que o seu talento exigia e talvez por isso muitos portugueses não saibam quem é. No final de 2010 ainda passou pela provação de perder o seu filho Afonso, com sete anos, vítima de leucemia, num combate que ainda perdurará na memória de muitos pela solidariedade que mereceu dos colegas em todo o mundo e de milhares de anónimos para a causa do combate à doença e pela criação de bancos de dadores de medula. Apesar disso, o André não esmoreceu, fazendo jus ao seu profissionalismo e espírito de luta. Aquele que o trouxe até aqui. Pelo meio, para além das vitórias já referidas, registem-se o 2.º lugar no GT 500, em 2004, a vitória em 2005 nos 1000 Km de Suzuka e o 2.º lugar na Audi R8 LMS Cup China, em 2014, ano em que fez 21 corridas, conquistou cinco vitórias, esteve sete vezes no pódio, fez cinco pole positions e quatro vezes a volta mais rápida.

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Este ano, com um carro competitivo no Super GT, numa equipa de primeira linha e com colegas de equipa igualmente rápidos, com pistas com muitos milhares (este domingo foram 54.000), os resultados não podiam deixar de continuar a aparecer. A televisão e a imprensa japonesa e de outros países asiáticos acompanham. Popular em Macau, onde cresceu desde os 4 anos e foi o primeiro piloto local a vencer a corrida de F3, confesso que não esperava ver o que vi. Fui testemunha da popularidade de que o André goza no Japão, entre velhos e novos, dos ajuntamentos na traseira da boxe para o saudarem, da simplicidade e simpatia com que a todos atende. Registo em particular o modo como recebeu um pequeno fã, talvez com não mais de 6 anos, tímido na aproximação ao ídolo, com o seu caderno de autógrafos e a caneta na mão, e a quem o André chamou, colocando-o à-vontade, bem como a visita de um seguidor tailandês, fabricante de cristais, que fez questão de lhe ir oferecer duas peças com inscrições alusivas às corridas anteriores.

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Quanto à corrida, propriamente, depois de tocados os acordes do hino japonês, momento para o qual já me havia chamado a atenção pelo silêncio que o antecede, o André partiu em 11.º lugar da grelha e atacava o 5.º lugar quando recebeu um toque de um GT 500 que o atirou para o 12.º. Voltou à luta e quando terminou o seu turno de condução antes de passar o volante a Katsumasa Chiyo, colega de equipa que é acompanhado desde muito cedo pela Nissan, já estava de novo em 7.º lugar. Não é para todos. O GT-R terminou em 6.º. Sem o toque que levou teria chegado ao pódio, atento o seu andamento. O outro carro do Team Gainer Tanax, um Mercedes SLS AMG-GT3 conduzido pela dupla Hiranaka/Wirdheim, subiu ao 3.º posto.

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Com 78 kg a mais no carro, em consequência dos bons resultados anteriores que penalizam os melhores para a corrida seguinte, de forma a que seja mantido o interesse no campeonato, o Nissan GT-R com o número 10 conseguiu um excelente resultado. Com este resultado, o André, que tinha começado a corrida com um ponto de avanço sobre o 2.º classificado, saiu de Fuji 300 com mais cinco, aumentando a liderança no campeonato. A próxima prova é Suzuka e vai ser decisiva. Nunca um piloto português esteve tão próximo de chegar a um título do Super GT. Vamos todos torcer para que esse momento aconteça e esperar que nessa altura, já agora, as televisões nacionais consigam passar imagens dessa prova.

Eram quase 20h quando nos despedimos na estação de Mishima. Ele a caminho de Haneda. Eu de Shizuoka. Depois de um par de dias que nasciam muito cedo e passaram depressa, com muita adrenalina e muito calor. Na minha memória ficaram as felicitações que o André recebeu da equipa, de colegas e de adversários, e o quadro electrónico que a televisão apresentara horas antes. Quadro visto por milhões nos muitos países da Ásia/Pacífico para onde a corrida foi transmitida em directo. 

Os portugueses mereciam conhecer melhor um dos seus melhores. E que é, seguramente, depois de Venceslau de Morais, um dos que mostrando a sua arte mais tem engrandecido o nome de Portugal em paragens tão longínquas.

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As lendas não morrem

Sérgio de Almeida Correia, 07.01.15

BIGjean-pierre-beltoise_brm-p160b_monaco_1972-545xNasceu em 26 de Abril de 1937, em Boulogne-Billancourt, nos arredores de Paris, e desde muito cedo mostrou a sua fibra. Depois de ter conquistado entre 1961 e 1964 onze títulos de campeão de França de motociclismo, empreendeu uma carreira no automobilismo. O seu nome era sinónimo de liberdade, rebeldia e espírito de combate. A sua primeira corrida, como ele próprio disse, poderia ter sido a última, quando o seu carro, um Djet, preparado por Bonnet, derrapou e se incendiou nas 12 horas de Reims. A sua morte chegou a ser anunciada aos microfones. Miraculosamente sobreviveu e dez meses depois, tendo escapado a uma amputação do braço esquerdo, voltou às pistas. Vingou-se com uma vitória em Fórmula 3 nessa mesma pista de Reims, como que dizendo ao destino que estava ali para vencer. Campeão de França de Fórmula 3 em 1965, campeão da Europa de Fórmula 2 em 1968, tornado famoso pelas páginas dos livros de Michel Vaillant, cunhado do inesquecível François Cevert, correndo ao lado de Henri Pescarolo e Jean-Pierre Jarier, a sua carreira ficaria marcada pela sua única vitória na Fórmula 1, numa tarde chuvosa de Maio, em que desafiando nomes como Jackie Ickx e Emerson Fittipaldi arrebatou a coroa de glória do Grande Prémio do Mónaco, ao volante do BRM n.º 17 com as cores da Marlboro, equipa onde viria a encontrar Niki Lauda e Clay Regazzoni. As 85 corridas que fez na Fórmula 1 não lhe deram nenhum título e após a morte do seu cunhado, nos treinos de Watkins-Glen, em Outubro de 1973, decidiu colocar no ano seguinte um ponto final na sua carreira na F1. Em 1976 faria história em Le Mans, na categoria GTP, onde fazendo equipa com Pescarolo levou o Inaltera-Rondeau à vitória. Nos Sport-Protótipos obteria mais 12 vitórias para lhe rechearem o palmarés. O seu nome ficará para sempre associado ao de um piloto talentoso, excepcionalmente combativo, que como qualquer ser humano teve horas de sorte e de azar. Transportou sempre consigo uma aura de romantismo e glória. Desapareceu agora aos 77 anos, fora das pistas, vítima de um acidente vascular cerebral, sofrido em Dacar (Senegal), mas será como um herói que permanecerá para sempre na memória dos amantes do automoblismo de competição.      

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Parabéns, João Barbosa

Sérgio de Almeida Correia, 27.01.14

"Joao Barbosa claims Daytona 24-hour victory for Action Express"

Este foi o título do The Guardian desta manhã. E como em Inglaterra, em muitos outros jornais espalhados pelo mundo, e não apenas nos desportivos, o nosso João Barbosa fez o pleno. O piloto português, fazendo equipa com o francês Sébastien Bourdais e o brasileiro Christian Fittipaldi, traz pela terceira vez para Portugal, segunda consecutiva, a vitória numa das mais importantes provas de resistência do automobilismo mundial. É um resultado histórico para as cores portuguesas e a confirmação de que Portugal não vive só de "ronaldos" e "eusébios".

Não sei se lhe vão atribuir alguma comenda, nem sei se estas estão reservadas para futebolistas, empresários e políticos, mas com ela ou sem ela, e penso que nesse ponto não estarei a exorbitar as minhas competências e poderei falar em nome do Delito de Opinão, deixo aqui registado mais este êxito do automobilismo nacional e em nome dos autores deste blogue envio um forte abraço ao João Barbosa e à equipa que com as cores nacionais venceu as 24 horas de Daytona. Obrigado, João, por mostrares a todo o mundo a raça de que são feitos os pilotos nacionais.