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Delito de Opinião

A noite política mais longa do ano

Pedro Correia, 05.10.21

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O presidente do PSD, que vira mais vezes baterias contra os comentadores do que contra o primeiro-ministro, não resistiu à tentação: no discurso de vitória da coligação anti-PS em Lisboa disparou contra esse alvo de estimação, acentuando que a reviravolta na capital do país ocorreu «contra as sondagens e alguns comentadores». Não mencionou nomes, nem era necessário: naquelas entrelinhas o nome de Marques Mendes quase parecia iluminado com luzinhas de néon.

Mendes foi um dos protagonistas do comentário político na noite eleitoral autárquica da SIC. Em estúdio, havia dois conselheiros de Estado – evidenciando que o canal do senador Balsemão joga cada vez mais forte no terreno institucional. Ambos, reconheça-se, habitualmente nada simpáticos para Rui Rio. Cada qual por seu motivo.

Fiel ao seu estilo, Marques Mendes antecipou «uma surpresa» quando todos os canais noticiosos estavam ainda impedidos por lei de divulgarem as sondagens à boca das urnas que já conheciam muito antes das 21 horas. Mensagem cifrada, que os espectadores mais atentos logo descodificaram: havia ali uma derrocada em perspectiva.

De facto, o maior derrotado da noite era Fernando Medina, o alcaide de Lisboa, que todos os canais sempre trataram com extrema complacência nos meses precedentes. Ao ponto de figurar entre os comentadores fixos da TVI24 até data bem recente. Como se fosse ele também já conselheiro de Estado.

Rei morto, rei posto: o protagonismo pela positiva coube desta vez a outros autarcas. Um sorridente José Manuel Silva, antigo bastonário dos Médicos, proclamando: «Já recolocámos Coimbra no mapa.» Um eufórico Santana Lopes, na Figueira, falando como se resumisse um lema do seu percurso de décadas: «Cair, levantar.» Um ainda aturdido Carlos Moedas, com Medina vencido, antecipando outros combates: «Este novo ciclo começa em Lisboa mas não vai acabar em Lisboa.»

As noites eleitorais nas televisões têm os seus momentos dignos de antologia. A do passado domingo, por exemplo, trouxe à tona um dos candidatos que andaram mais ausentes em toda a campanha: Basílio Horta, em Sintra. Ninguém deu por ele em debate algum apesar de liderar o segundo concelho mais populoso do país. Teimosia dele ou omissão escandalosa dos canais? A verdade é que na noite política mais longa do ano tivemos Sérgio Sousa Pinto na TVI24 a enviar-lhe um abraço amistoso em directo e uma ansiosa Ana Gomes na SIC Notícias exprimindo muita vontade de que o camarada Basílio vencesse (sim, venceu, embora perdendo a maioria absoluta).

Na vertente informativa, o apontamento de antologia ocorreu quando fomos informados por uma repórter no terreno: «A abstenção aqui foi de 48%, o que quer dizer que a taxa de participação chegou aos 52%.»  Quem disse que somos fracos a fazer contas?

E por falar em aritmética: como é que num país apenas com 8,4 milhões de habitantes maiores de 18 anos “mais de 9 milhões de portugueses foram chamados a votar?” Mistério que nem um conselheiro de Estado é capaz de esclarecer.

 

Texto publicado no semanário Novo

As autárquicas na minha terra - VIII

Paulo Sousa, 29.09.21

Como tenho vindo a relatar em postas anteriores, na eleição para a Câmara Municipal de Porto de Mós assistiu-se a uma tentativa do ex-presidente João Salgueiro (PS) reconquistar o que considerava ser seu. Não fosse por limitação legal e em 2017 ter-se-ia apresentado pela quarta vez como candidato. Importa referir que, além destes três mandatos, já acumulava mais três  como vereador pelo PSD, totalizando assim 24 anos de vida autárquica.

O incumbente, Jorge Vala (PSD), conquistou há quatro anos a presidência disputando nessa altura a eleição com uma lista do PS e outra independente, tendo por isso sido o presidente eleito com menos votos de sempre. O regresso de João Salgueiro à liça fez com que esta eleição acabasse por ser, para Jorge Vala, o seu maior desafio eleitoral de sempre.

Outro facto, de que já aqui fiz referência, foi a candidatura de um dos filhos do ex-presidente à Junta de Freguesia onde reside. David Carreira, perdão, David Salgueiro, já fez parte da lista para as legislativas por Leiria e não esconde a sua ambição política.

A única sondagem conhecida (estudo sociopolítico) foi divulgada dois meses antes do acto eleitoral e apresentou então uma vantagem de 4% para João Salgueiro. Sem mais detalhes, esta informação foi como um murro no estômago dos apoiantes do actual presidente e provavelmente um grande fôlego para as hostes do desafiante. Os 4% de margem de erro e uma incorrecta proporção das entrevistas feitas em cada freguesia relativamente ao seu peso demográfico quase passaram despercebidos.

O tempo foi passando, os hinos de campanha perturbaram grandemente o silêncio que só existe nas terras pequenas, foram feitos os normais porta-a-porta, folhetos seguiram pelo correio, foram visitadas algumas empresas, escolas e outras instituições, realizaram-se dois debates no Cine-Teatro, muitas fezes foram despejadas sobre o ventilador das redes sociais, muitas ofensas foram proferidas, bastantes mentiras foram ditas, entremeadas com algumas verdades, foram feitos desmentidos, por vezes até desmentidos aos desmentidos, foram prometidas obras, algum chão foi pintado de preto, tudo normal e nada de novo, portanto.

Chegado o grande dia e fechadas as urnas, foi à frente de uns frangos assados que recebi a primeira de várias mensagens e que dizia: “Mesa de voto 2 Câmara PSD 220 PS 185”. Depois de um branco à maneira, abriu-se então a segunda garrafa de vinho. Estando a primeira vazia nunca seria um acto precoce, mas, a natureza ligeiramente gaseificada de “O tal vinho da Lixa” obrigou a uma atenção especial para que a rolha não saísse disparada e pudesse parecer uma celebração antecipada. E nestas coisas não vale a pena correr riscos, até porque os comensais eram do tipo “não sou supersticioso, porque isso dá azar”.

Assim, enquanto mais mensagens de outras mesas de voto iam chegando, os votos no Jorge Vala iam subindo e “O tal vinho da Lixa” ia descendo. Finda a segunda garrafa entendeu-se necessário seguir para a sede de campanha, no centro da sede do concelho.

Lá chegados, o entusiasmo era visível. Ainda não havia nada de definitivo, mas sentia-se que as coisas estavam a correr bem. Menos de meia hora depois chegou a confirmação: “O Jorge ganhou!”. Houve logo quem dissesse que a democracia era uma coisa maravilhosa, especialmente quando permite que as forças do mal sejam derrotadas, mas isso terá sido um ligeiro exagero no calor das celebrações.

Choviam abraços por todos os lados e os sorrisos eram omnipresentes. O Jorge ganhou e o medo acabou. E a dinastia derrapou. Este presidente não grita nem assinala quem não o aplaude. O passado não entendeu que já não tinha futuro.

Depois, alguém trouxe o camião que fez de palco durante a campanha e estacionou-o em frente à sede. Para mais tarde lembrar, tiraram-se fotos e eram várias as video-chamadas. Até internacionais.

Meia dúzia de foguetes depois, seguiram-se vários discursos, onde o slogan da campanha não podia faltar: Porto de Mós, O sítio certo!

Em oposição ao que a lista opositora representava, a noite acabou a gritar-se: Futuro! Futuro! Futuro!

Agora é só esperar.

 

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Resultados autárquicas 2021 - Porto de Mós, o sítio certo!

As autárquicas na minha terra - VII

Paulo Sousa, 26.09.21

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Quando a democracia era por cá uma absoluta novidade, terá sido diferente. Nesse tempo a política nacional entrava pelo quotidiano adentro de cada português, dominando os temas de conversas nos balcões dos cafés, nos locais de trabalho e nas refeições em família.

Com o passar dos anos, instalou-se a sensação de rotina que, sendo positiva por traduzir um costume enraizado, tem levado a uma indiferença que se manifesta também pela abstenção crescente. Podemos apontar como principal causa os equilíbrios estabelecidos pelos partidos que, como quem tranca as portas da casa, afastam os cidadãos daquela peça de teatro, de deixas previsíveis e enfadonhas, esvaziando e enfraquecendo assim as conquistas democráticas.

Apesar de isto se repetir em todos os actos eleitorais, as eleições autárquicas tem uma capacidade especial em desencadear um envolvimento popular intenso.

Qualquer partido que concorra aos diversos órgãos autárquicos e em todas as freguesias do concelho de Porto de Mós, necessita de angariar pelo menos 200 pessoas. Só para a Junta de Freguesia onde resido foram apresentadas cinco candidaturas e isso permite-nos aferir como é que, num meio mais ou menos rural como este, se torna quase impossível não ter pelo menos um familiar, um vizinho, um colega de escola, um amigo ou um ex-amigo, nos elencos das várias candidaturas, arrastando assim para dentro de cada campanha eleitoral velhas afinidades e conflitos.

Se a discussão do englobamentos dos rendimentos prediais no IRS, o apoio aos fornecedores da TAP ou o estatuto político administrativo dos Açores, podem ser assuntos estéreis de interesse para o cidadão comum, o mesmo não acontece quando estamos a falar num buraco à frente da porta, de uma mágoa antiga para com um fulano que está “a sujar” uma das listas, ou o modo como a mulher do Presidente a Junta respondeu a alguém na semana passada. Estes últimos, ao contrário dos primeiros, têm todo o potencial de definir o sentido de voto.

A tradicional forma de passar a mensagem do que se fez, ficou por fazer ou que se promete resolver, envolve um porta-à-porta a distribuir panfletos, acompanhado de carros decorados com as caras dos candidatos, bandeiras a esvoaçar e com alto-falantes a debitar o hino de campanha em contínuo, deixando atrás da sua passagem todos os cães a ladrar num alvoroço.

Mais recentemente, a troca de argumentos para angariar apoiantes chegou às redes sociais, e, como não podia deixar de ser, isso aumentou o nível do confronto entre as diferentes candidaturas e levou a que a agressividade subisse em flecha. Bem sabemos como se torna fácil teclar afirmações que nunca seriam ditas cara-a-cara e que, no momento seguinte, parecem legitimar uma reacção igualmente exagerada a estas, iniciando assim uma espiral quase imparável.

Demasiados dos envolvidos sentem-se tão estimulados pelas afirmações eventualmente falsas, incorrectas ou incompletas e pelos seus desmentidos, que entram a pés juntos contra tudo o que mexe, esquecendo-se que no dia após as eleições terão de continuar a cruzar-se uns com os outros. Esquecem-se também que uma parte muito significativa do eleitorado está alheada desta batalha em linha e que o consecutivo baixar de nível levará apenas a que alguns indecisos se sintam repugnados e mudem para o lado oposto.

Nestas últimas semanas vi um pouco de tudo isto, vi quem, mesmo debaixo de agressões rudes e sob pressão dos mais próximos, se tenha revelado pela elevação, assim como candidatos a cargos de responsabilidade a chafurdar nas poças mais malcheirosas das redes sociais e também a destruir material de campanha dos opositores, algo que dificilmente aconteceria numa eleição nacional.

Por mais que os media queiram noticiar este acto eleitoral, e a forma como se vivem as autárquicas em Portugal, tal é a diversidade de casos e são tantas as particularidades vividas em cada um dos 300 concelhos e mais de 3000 freguesias do país, que não têm forma de o fazer.

À excepção de bruscas viragens que possam acontecer nos grandes centros, não acho que faça muito sentido interpretar a soma dos resultados de cada uma destas pequenas bolhas, estanques e autónomas, e extrapolá-los para o todo nacional, como se de um aplauso ou uma vaia ao governo se tratasse. Mas enquanto as assembleias de voto não fecham e se espera pelo início da contagem, o tempo é de suspense. Esperemos, portanto.

Semana de reflexão

João Sousa, 24.09.21

Há coisa de duas semanas, uma empresa de "investigação e estudos de mercado" (a Pitagórica) veio aqui ao bairro fazer uma sondagem sobre as autárquicas: se eu ia votar, se não ia votar, em votando se iria manter o sentido de voto, se eu pensava que o partido vencedor seria o mesmo ou um diferente, coisas do género. Isto pode não significar nada, mas a verdade é esta: nunca, desde que eu moro aqui, alguma empresa de sondagens alguma vez mostrou interesse em qualquer um dos meus votos. Sondagens sobre os meus hábitos de leitura, o meu consumo televisivo, a minha vida sexual, isso é mato: raro é o trimestre durante o qual não recebo o telefonema da praxe. Mas questões relacionadas com política - nunca.

Durante esta semana, o bairro foi regularmente sujeito aos raides de uma viatura de propaganda do PS. Na quarta-feira, a traquitana chegou mesmo a estacionar durante meia-hora aqui no cruzamento central, infernizando-nos o almoço com o altifalante. Além disso, no dia anterior, alguém encheu-me a caixa de correio com um jornal de campanha do PS: 24 páginas (que seguiram imediatamente para o Ecoponto) de conversa fiada que superavam, na quantidade, o próprio Boletim Municipal.

Este bairro não passa de quatro ruas, nenhuma delas com mais de trezentos metros, que se cruzam duas a duas numa espécie de jogo do galo. Raro é o prédio que tenha mais de três andares. É estranho tal investimento propagandístico do PS aqui. Aliás, a campanha do PS em todo o concelho tem sido bastante sobredimensionada, exibindo em largos cartazes o apoio de figuras mais ou menos públicas como um cozinheiro assíduo das televisões.

E o PS, por acaso ou talvez não, é cliente da Pitagórica.

O PS pode até admitir, como dizem nos jornais, perder 10 a 15 autarquias nestas eleições - mas estou convencido de que o PS tem genuínas esperanças de ganhar a Câmara do Seixal à CDU.

Não é incomum, quando digo a alguém que moro no Seixal, esse alguém fazer uma piada como "Eh pá, tu moras na terra vermelha". É uma certa ideia feita, esta, a de que o Seixal é um antro de comunistas. Acontece que não é, de todo, verdade. A autarquia, sim, tem sido comunista desde (talvez) sempre. Mas é-o em largo contraste com as eleições nacionais onde, desde pelo menos 2009 (não recuei mais, por falta de tempo, nas minhas investigações), o concelho é uma espécie de socialistão:

2009
PS: 34,82%
CDU: 19,17%

2011
PS: 28,72%
PSD: 24,87%
CDU: 18,86%

2015
PS: 34,09%
PSD: 23,14%
CDU: 17,85%

2019
PS: 38,80%
CDU: 15,13%

Nas autárquicas, apesar da manutenção do PCP no poder, é notório um contínuo encurtar da distância do PS:

2005
CDU: 44,74% (24.293 votos)
PS: 23,85% (12.950 votos)

2009
CDU: 47,85% (27.949 votos)
PS: 22,41% (13.090 votos)

2013
CDU: 43.42% (22.658 votos)
PS: 23,78% (12.409 votos)

2017
CDU: 36,87% (21.901 votos)
PS: 29,60% (17.582 votos)

O PS deve estar a sentir o cheiro de sangue na água. Acredito haver o sério risco de uma "vitória surpresa" do PS no Seixal que até serviria para atenuar o impacto mediático de algumas derrotas noutros locais. As mudanças demográficas aqui do concelho não estão, de todo, a ajudar a CDU - mas isto será (talvez) assunto para uma outra ocasião.

Lido por aí

João Sousa, 20.09.21

"Palavra que me aconteceu: olhando um desses autedores que enxameiam algumas das nossas vias de comunicação (estou ou não em condições de elaborar um relatório policial?), dei por mim a pensar o que ofereciam politicamente à sua autarquia um par de jarras que sorria para a câmara enquanto em legenda se podia ler que estavam “juntos por si”.

Uma fracção de segundos depois é que reparei que não era de política que se tratava, mas sim de imobiliário. Os dois sorridentes da foto (até o imobiliário se encontra rendido às maravilhas do trabalho em equipa), aparentemente não me estavam a querer convencer a votar numa qualquer candidatura autárquica, mas sim só me queriam ajudar a comprar um apartamento. Enquanto duvidava da minha acuidade visual (ao longe), pensei que o busílis da confusão se encontrava menos na semelhança entre as duas actividades (autarca e agente imobiliário) do que no esgotamento de frases que queiram transmitir mais do que nada."

Fernando Proença, Jornal do Algarve (12/09/2021)

As autárquicas na minha terra - VI

Paulo Sousa, 19.09.21

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Na entrada para a última recta que terminará nas eleições do próximo domingo, os eventos promovidos pelas listas concorrentes estão ao rubro.

Estive hoje num comício aqui perto, na freguesia das Pedreiras, onde além das sandes de pernil de porco, sopa da pedra e minis, havia ainda animação a toque de concertinas e insufláveis para os mais novos. Excluindo a missa solene, em tudo se parecia com uma festa em honra de um qualquer orago deste nosso Portugal.

Depois dos discursos dos candidatos do PSD à Câmara e à Junta, falou ainda o senhor Rogério Vieira, o ainda Presidente da Freguesia. A lei que limita a três o número máximo de mandatos autárquicos, impede que se volte a candidatar, e por isso aproveitou a oportunidade para fazer como que um balanço e uma despedida do cargo.

Tendo sempre a dependência financeira e logística das Juntas relativamente às Câmaras Municipais como pano de fundo, noutras eleições, além da incógnita da respectiva vitória, o senhor Rogério teve sempre de lidar com a incerteza de quem viria a ser o Presidente de Câmara com o qual teria de trabalhar. Nos doze anos que agora terminam, foi candidato vencedor uma vez pelo PSD e outras duas por listas independentes. Lidou assim em dois mandatos com um presidente eleito pelo PS e mais recentemente com um do PSD.

O equilíbrio necessário para conseguir levar por diante todos os melhoramentos que ambicionou e sentiu serem necessários para a sua freguesia, exigiu-lhe sempre uma enorme sobriedade nas suas tomadas de posição em público.

O discurso que fez, resumiu esta delicada relação das Juntas com os Municípios, elencou uma imensa lista de obras, muitas delas que simplesmente anteciparam potenciais problemas e evitaram assim emergências posteriores, falou da falta de compreensão dos que preferem ficar em casa a disparar críticas mesmo sem saber a abrangência de cada problema, dos telefonemas que o arrancaram da cama a meio da noite, e também das muitas vezes que não respeitou a máxima que coloca a família em primeiro lugar.

O mesmo roteiro que, de quatro em quatro anos, fez de porta-a-porta a pedir um novo voto de confiança, repetiu-o mais recentemente a distribuir cinco máscaras por pessoa, quando estas estavam esgotadas em todo o lado.

Acrescentou que durante estes anos, nos mais de trezentos funerais realizados no cemitério que administra, só não pôde estar presente em cinco, tendo-se deslocado pessoalmente mais tarde a cada uma destas famílias enlutadas.

Aqui e ali, com alguma emoção à mistura, o senhor Rogério Vieira resumiu em breves minutos o que é ser-se Presidente da Junta numa freguesia rural, e que me atreveria a resumir como sendo um cuidador do território e dos seus habitantes, nas horas boas e nas horas más. É o cargo menos abonado de toda a pirâmide do estado, mas também o mais próximo de cada cidadão.

Discordei dele apenas num detalhe. Às páginas tantas disse que não era político, pois o que queria era apenas resolver os problemas dos seus fregueses. Este tipo de afirmação não é inédita, e é comum a quem não se sente confortável com as tricas e com as manobras nos bastidores das estruturas concelhias, distritais e nacionais dos partidos. Em vez disso prefere consumir a sua energia em melhorar a vida dos que o rodeiam. E discordei porque essa será a mais pura essência da política, e é praticada por muitas dezenas de cidadãos quase anónimos, que vivem longe do mundo mediático e que no fundo apenas se motivam com a força da consciência de pessoas boas que são. O senhor Rogério é um político e do melhor que há. Fazem falta pessoas assim noutras instâncias da hierarquia do Estado.

 

PS: Enquanto abandonava este comício, deparei-me com o rebentamento de uma conduta de água que corria abundante pela estrada. Um telefonema e um recado depois, foi desencadeada a acção necessária à resolução deste ruptura. Saí dali imaginando que o senhor Rogério já tinha interrompido a sandes de porco para acudir a mais uma ocorrência.

Do IMI em Braga à batalha de Waterloo

Pedro Correia, 15.09.21

Alguém que acompanhe com atenção os debates políticos que vão preenchendo os serões de Setembro só pode sentir pena do ministro com a tutela da habitação. De Viana do Castelo a Beja, de Bragança a Faro, este é considerado o problema principal do país. O preço do metro quadrado dispara, o mercado de arrendamento é inexistente, o custo de qualquer banal apartamento afugenta os jovens dos centros das cidades, cada vez mais despovoadas.

A isto chama-se serviço público. Aqui distingue-se a RTP3, que tem promovido debates entre todos os candidatos às capitais distritais, sem deixar nenhum partido de fora. Enquanto outros canais exibem profunda indiferença em relação às eleições autárquicas, preferindo dedicar sessões contínuas àquilo a que chamam desporto, eufemismo para designar o futebol.

Graças a estes debates – os autárquicos, não os da bola – ficamos a conhecer melhor Portugal. O passe social para transportes públicos, por exemplo, é inexistente em Viseu. Braga pode orgulhar-se de ser a capital distrital que mais aumentou a sua população entre 2011 e 2021, contrariando a tendência nacional. Vila Real, Bragança e Viseu são as três sedes de distrito que continuam sem serviço de linha férrea. Acima de 15% dos actuais residentes em Faro têm nacionalidade estrangeira, o que talvez explique o facto de aqui existir, em termos médios, o segundo arrendamento para habitação mais caro do país.

Tudo isto é informação – e esclarece muito mais do que as incessantes discussões em estúdio sobre os reforços do Benfica.

Mas não ficamos só a conhecer aspectos habitualmente desconhecidos de Portugal: ficamos também a conhecer alguns protagonistas partidários à escala autárquica. Uma dirigente comunista em Braga, por exemplo, defende a redução da carga fiscal, propondo que o IMI baixe 5%. Um dos candidatos do PAN utiliza sem complexos expressões que ferem algumas sensibilidades animalistas, como «a raposa a guardar o galinheiro». O representante do Chega na Guarda propõe uma «greve de fome» junto da Assembleia da República para solucionar os problemas da cidade mais alta do país.

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A SIC Notícias também tem organizado debates, embora em número mais reduzido. O primeiro juntou alguns dos candidatos a Lisboa e foi rotulado de «decisivo», com manifesto exagero. Teve o mérito de sair do estúdio e o inconveniente de ficar sujeito aos caprichos do vento nocturno em espaço exterior, mas na difícil moderação deste bate-boca Clara de Sousa comportou-se com o profissionalismo de sempre. Não esboçou sequer um sorriso ao ouvir a candidata do PAN defender que o novo aeroporto de Lisboa deve situar-se em Beja para evitar «custos ambientais». Nem exibiu um esgar de surpresa quando o cabeça-de-lista da Iniciativa Liberal, demonstrando erudição, pronunciou a palavra «merda».

Juram-me que terá sido ele «o vencedor» pois o que dissera estava «a bombar nas redes sociais». Não deixa de ser irónico: a palavra surge historicamente associada a Pierre Cambronne, o último dos generais de Napoleão, feito prisioneiro na batalha de Waterloo.

 

Texto publicado no semanário Novo

As autárquicas na minha terra - V

Paulo Sousa, 14.09.21

Aqui para os meus lados, como disse já aqui num comentário a este postal da Cristina, o candidato do PSD à Câmara, Jorge Vala, já mereceu a visita de Paulo Rangel e de Rui Rio. O primeiro esteve presente e discursou durante um serão numa acção de campanha transmitida em linha. Rui Rio, o ainda líder do PSD, apareceu em Porto de Mós numa sexta-feira de manhã, o que equivale a dizer à hora do mercado municipal. O luto nacional decretado pelo falecimento do ex-Presidente Sampaio, acabou por condicionar o acontecimento e impediu assim que o líder da oposição (por inerência) tivesse um banho de multidão.

Entretanto, em vários comícios realizados em várias freguesias, já foram despachados alguns suínos, confecionados no belo espeto e servidos em sandes de pão caseiro, acompanhadas por minis a gasto e vinho em box, que é uma outra invenção fora da caixa.

Com o cancelamento das festas populares por motivos sanitários, estes comícios têm sido bastante concorridos. Não há ASAE, nem GNR que se atreva a interromper um evento político seja porque motivo for, até porque o tempo da outra senhora já lá vai e há muita conversa para pôr em dia.

O acesso a estes eventos é o mais democrático possível. Quanto maior for o afastamento de cada um das coisas públicas, mais fácil é fazer o pleno. O assador de porcos, que nisto dos partidos é agnóstico, tem uma camisola de cada cor para ir trocando ao gosto do cliente. As concertinas andam sempre por ali à volta a bufar música e já devem ter o cheiro da carne assada entranhada nos foles.

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Ontem à noite decorreu o segundo debate entre os candidatos à câmara. Foi transmitido na rádio Dom Fuas e em diversas plataformas digitais. Mais uma vez deu para entender a diferença entre o vinho e o vinagre.

Como já aqui escrevi, João Salgueiro, após ter sido afastado pela lei anti-dinossauros e cumpridos os quatro anos de pousio, concorre novamente pelo PS. Lembrou-se agora que queria fazer mais qualquer coisa que se tinha esquecido, a memória também já não é o que era.

Novamente neste segundo debate foi desmentido quase em continuo. A certa altura terá entrado em perda e, sem dar por isso, acabou por dar uma preciosa contribuição para o anedotário da região. Acho até que se esmerou ao ponto de poder ajudar a colocar Porto de Mós no mapa, um compromisso do seu rival do PSD.

- Então não é que, pasme-se (pausa de quatro segundo para captar a atenção do auditório) foram construir um abrigo para cães à frente de uma fábrica de chouriças!!

Poderá haver um qualquer escanção de anedotas que não concorde, mas mesmo através da transmissão em linha, deu para ouvir as gargalhadas da plateia e isso mostra algum potencial da piada. Se as eleições do próximo dia 26 se destinassem a escolher o tipo que, pasme-se, consegue dizer mais coisas tontas sem se rir, ele merecia ganhar.

Autárquicas transmontanas

Cristina Torrão, 13.09.21

Rui Rio esteve hoje em Macedo de Cavaleiros (e nós com ele).

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Chegada de Rui Rio à sede do PSD de Macedo de Cavaleiros, hoje, pelas 11h 30m. Foto © Horst Neumann

O Nordeste Transmontano sempre foi um baluarte do PSD. Mas as coisas estão a mudar. Há quatro anos, o PSD perdeu autarquias tradicionalmente suas para o PS, como Mirandela e Macedo de Cavaleiros. Talvez por isso, a intervenção, hoje, do chefe de partido, nesta sede de concelho, acompanhando o candidato do PSD à Câmara local: Nuno Morais, veterinário (que, por acaso, tratou a minha cadela Lucy, quando ela adoeceu gravemente, há três anos).

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Rui Rio com Nuno Morais, candidato do PSD à Câmara Municipal de Macedo de Cavaleiros. Foto © Horst Neumann

A vinda de Rui Rio entusiamou, sobretudo, o meu pai, que, em 1990, fez parte da lista encabeçada por Aguiar-Branco, concorrente às eleições da Comissão Política Distrital do Porto, e na qual Rui Rio, com 32 anos, era um dos Vice-Presidentes. Aqui, a foto de apresentação dessa lista.

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O meu pai, José Manuel Torrão, é o terceiro a contar da esquerda, em pé

Infelizmente, hoje, o tempo não ajudou. Começou a chover, ainda Rui Rio e Nuno Morais andavam a fazer a ronda pelo comércio local e não se chegou a concretizar a volta pelas ruas do centro, contactando com os transeuntes. Os brindes de campanha ficaram quase todos por distribuir.

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Rui Rio com Nuno Morais, candidato do PSD à Câmara Municipal de Macedo de Cavaleiros. Foto © Horst Neumann

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A minha mãe, Margarida Pinto, e eu (ainda antes da chuva). O meu pai conversa com dois senhores, em 2º plano. Foto © Horst Neumann

Por acaso, há quatro anos, também eu cá estava, durante a campanha das Autárquicas. António Costa veio apoiar o seu candidato, num dia de sol radioso. O PS acabou por surpreender, ganhando a Câmara.

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Autárquicas 2017, Macedo de Cavaleiros. Foto © Horst Neumann

Hoje, uma acção de campanha a acabar de forma repentina e tristonha - espero que não seja um mau prenúncio.

 

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Rui Rio prepara-se para entrar no carro, debaixo de chuva, interrompendo a acção de campanha. Foto © Horst Neumann

 

Espero também que, daqui a dois anos, Rui Rio não me obrigue a votar noutro partido...

Lisboa

Pedro Correia, 06.09.21

O debate na SIC da passada quinta-feira em Lisboa demonstrou que há três corridas na corrida à autarquia da capital. A propriamente dita, a de Fernando Medina para liderar o PS e a de Carlos Moedas para suceder a Rui Rio no PSD.

João Ferreira, no PCP, nem precisa de correr: já está ungido pelo Comité Central. Nestas coisas os comunistas têm muito sentido prático.

As autárquicas na minha terra - IV

Paulo Sousa, 04.09.21

A campanha eleitoral continua. Por estes lados, o PS faz-se representar nas redes sociais por apoiantes que distribuem diplomacia, moderação, elevação e respeito democrático. Os erros ortográficos, esses, já são imagem de marca.

Perante uma publicação sobre uma acção de campanha na freguesia do Juncal do candidato do PSD, lá vem a equipa do PS em mais um dos seus raides de boa educação e saber estar.

A única sondagem aponta para mais de 20% de indecisos e será nesta toada que eles os quererão convencer.

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As autárquicas na minha terra - III

Paulo Sousa, 29.08.21

Como aqui disse há dias, no Município de Porto de Mós um autarca afastado do poder pela lei anti-dinossauros voltou a candidatar-se. Perante um cenário destes, e sem mais detalhes, são várias as perguntas que se podem colocar, como “o que é que não teve tempo de fazer em doze anos”, assim como, “olhando para os seus 68 anos de idade e estando já reformado, se não sabe fazer mais nada na vida”.

Mas aqui devem ser adicionados mais detalhes. Um dos seus filhos, David Salgueiro, após o tirocínio na Jota local, e uma passagem pela Assembleia Municipal, sempre fez saber que tinha ambições políticas muito para além disso. Candidata-se agora a Presidente de Junta na sua freguesia, cargo modesto para quem esbanja tanta avidez por cargos políticos, mas a voz corrente nos mentideros portomosense revela um plano delineado com outra abrangência.

Em caso de vitória do seu pai, João Salgueiro, o referido candidato afastado pela lei anti-dinossauros, irá contratar o seu filho como assessor, para assim o poder apresentar no futuro como alguém com experiência e dentro dos assuntos municipais. O que entenderá como sendo um atalho encaixa bem na linha do que o PS tem feito com a CRESAP, em que o governo nomeia amigos para cargos públicos a título de excepção, para seis meses depois abrir um concurso onde o escolhido tem perante os demais candidatos a vantagem da experiência adquirida. O PS a ser PS.

Estamos assim perante a ambição de criar uma dinastia de poder. Algo como se no Game of Thrones, a House of Lannister tivesse sido escolhida por aldeões previamente ameaçados e avisados do que lhe aconteceria se não fizessem o que tinham de fazer. Esta comparação deve-se à intimidação que esta malta consegue criar. Não duvido que os 51 likes, não identificados, deste meu texto e que contrastam com a reduzida reacção que mereceu numa partilha que fiz dele no Facebook, resultem exactamente do receio de dar a cara, temendo por consequências futuras.

Independentemente do resultado eleitoral que venha a verificar-se, David Salgueiro (o filho do dinossauro), ao esconder-se atrás do pai, mostra que tem medo de perder. Mas se de facto tem ambição política, como o afirma junto dos seus amigos, deveria ter sido ele o candidato à Câmara e não à Junta. Teria sem dúvida o apoio do seu pai na campanha e mesmo que perdesse isso não seria cadastro, mas currículo. É assim que funciona a democracia. É mais novo que Jorge Vala, o actual presidente, e dessa forma marcaria posição para o futuro.

Esta super-protecção parental é um fenómeno de época. Tomei consciência disso a primeira vez quando estava a terminar o meu estágio no BNU. A passagem aos quadros do Banco resultava da avaliação da gerente da agência. Ora, um colega que estava numa situação idêntica não teve luz verde para continuar. No dia seguinte os pais dele deslocaram-se à agência para perguntar à gerente em que é que ele se tinha portado mal. Embora este meu colega tivesse uns 15 ou 20 anos a menos do que terá agora David Salgueiro, toda a agência, e éramos 14, ia morrendo de vergonha alheia.

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Independentemente da opinião que se tenha dos mandatos de João Salgueiro, em que além do triste episódio que já aqui referi também “conseguiu” que 4% da população saísse do concelho, os resultados que obteve deve-os ao seu instinto político, à capacidade que teve em escolher o momento certo para dar a golpada e mudar de partido e também à facilidade que tem em garantir coisas completamente opostas de acordo com quem esteja a falar. Ao tentar levar o filho ao colo, mesmo sem dar por isso, está a menorizar a sua capacidade e isso ficar-lhe-á para sempre colado à pele.

Na psicologia este fenómeno é conhecido por pais-helicóptero e no Brasil é também descrito como os filhos parasitas. Este é mais um exemplo disso.

As autárquicas na minha terra - II

Paulo Sousa, 24.08.21

Logo após a divulgação das listas que cada partido apresentou para as próximas autárquicas, fiquei surpreendido com o facto de pessoas que tenho como sérias e positivas na nossa comunidade, terem aceitado dar a cara pelo partido do Eng. Sócrates, do Dr. Vara, do Dr. Pinho, do Dr. Constâncio, da Drª Hortense Martins, do Dr. Cabrita e de muitas outras figuras tóxicas para o país.

É normal que a esta minha exclamação se responda dizendo que o que conta são as pessoas e nas autárquicas os partidos não interessam para nada. Isso é uma grande treta, pois com a possibilidade que existe em apresentar listas independentes, só alinha com a marca PS quem se sente confortável entre as figuras que acima referi. A marca PCP tem um significado, a marca Chega tem um outro significado e a marca PS significa 20 anos de estagnação económica, enfraquecimento das instituições, tomada do estado por interesses privados, nepotismo, uma herança de dívidas deixada às gerações futuras e, mesmo após biliões de euros doados ao país, um em cada cinco portugueses continua na pobreza e enquanto pobres são menos livres. Cada voto no PS é um abraço político – daqueles com palmadas ruidosas nas costas – àquela malta.

O PS sabe bem que da imagem que tem e, aqui à volta, nenhum dos candidatos autárquicos faz associar a respectiva candidatura à cor rosa do partido. Em Alcobaça a cor de fundo é o azul, em Leiria é um mini-arco-íris tricolor e em Porto de Mós é o verde. Não será coincidência e não duvido que o mesmo se repita pelo país fora. Neste detalhe pretenderão desligar os podres e as vergonhas do PS destas suas candidaturas.

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Olhar o despudor, ou talvez seja apenas indiferença, com que gente que sofre na pele os danos da governação socialista dos últimos 20 anos, ajuda-nos a entender a longevidade do Estado Novo. A população está em declínio por falta de nascimentos e pela emigração de gente qualificada, mas podia ser bem pior, cá vamos andando, basta ligar a televisão e vê-se tanta desgraça, aqui ao menos é um dia de cada vez. Esta indiferença, que o filósofo José Gil descreve como a “não inscrição” dos portugueses, foi o segredo da longevidade do Estado Novo e explica porque é que pessoas que viram os seus filhos emigrarem aceitam que aqui é assim e nem é muito mau, até se aguenta, o candidato do PS ontem até pagou aqui uma rodada de minis na associação, e no dia em que o meu filho, que é engenheiro na Alemanha, foi promovido lá na fábrica, ele mandou tapar um buraco aqui à frente da porta. Eu já nem me lembrava disso, mas ele ontem passou cá a dizer para eu não me esquecer que se o buraco está tapado devo-o a ele. Isso, e o emprego à minha nora no centro de dia. E tem razão.

Isto acontece no país em que uma empresa para pagar um salário líquido de 2.000€ tem um custo de quase 4.000€ e é esse peso que explica que os rendimentos dos portugueses sejam tão baixos. Será revelador observar que o SMN na Irlanda é de 1.800€. É óbvio que sem uma política fiscal muito menos pesada continuaremos a empurrar mais portugueses em idade activa para fora do país. Sem noção da realidade ou apenas apostado em nos enganar, António Costa gabou-se recentemente no Expresso de termos hoje um nível de emprego superior ao anterior à crise, fingindo que não foi o estado que aumentou a contratação de pessoal em 17% no segundo trimestre, o que levou a que o número de funcionários públicos seja hoje o mais alto desde 2005.

Regressando à escala autárquica, o PS, o partido do Estado e dos funcionários públicos, tenta ainda explorar um outro sentimento que trava a saída do país deste marasmo, e que é o não querer estar fora do grupo. Nos meios pequenos isto ainda é mais notório. Quem se atreve a observar de fora e a dizer que o rei vai nu é sempre alguém que só sabe é dizer mal, que nunca fez nada, e que se ajeita a ser alvo de provocações nas redes sociais, que logo depois são apagadas, para que no dia seguinte lá regressam de novo, por interposta pessoa de família, mas desta vez sai também a acusação à vitima do destrate, de ser a própria quem faz comentários e os apaga de seguida. O mais assustador nestes filmes são mesmo os erros ortográficos, mas isso será culpa da falta de exigência no ensino especial.

As autárquicas na minha terra - I

Paulo Sousa, 14.08.21

Por todo o nosso Portugal decorre a campanha autárquica. Os media cingem a sua cobertura aos grandes centros e aos cartazes cómicos mas, enquanto isso, na esmagadora maioria dos trezentos e poucos municípios portugueses vivem-se as normais dinâmicas de um debate sobre o que foi feito, o que falta fazer, sobre o passado e o futuro.

Os tempos das campanhas em que se distribuíam esferográficas, beijinhos e aventais, já lá vão. Agora, e também graças à pandemia, a acção desenrola-se com especial relevo nas redes sociais, onde não faltam os perfis falsos, as ameaças e calunias que se apagam alguns minutos depois e o destrate de quem se esquece que fora daquela bolha existe uma coisa chamada realidade. Em paralelo ao que é acessível no domínio público, entre correligionários, troca-se uma imensidão de mensagens pessoais e dão-se recados por interpostas pessoas. Tudo espremido e bem trabalhado, permitiria recolher matéria para muitas novelas reveladoras da natureza humana, na sua grandeza e nas suas misérias.

Como é normal, o concelho de Porto de Mós não está fora desta realidade. No cenário actual, Jorge Vala, o presidente em funções, recandidata-se pelo PSD para um segundo mandato, e é desafiado por João Salgueiro, que se apresenta pelo PS.

Jorge Vala, com 59 anos de idade, começou a carreira de bancário a fazer recolha de depósitos numa instituição financeira e ao longo dos anos foi sendo promovido, mudou de entidade empregadora e depois de gerente chegou a director regional, onde teve muitas dezenas de pessoas à sua responsabilidade. Eu, e aqui fica a minha declaração de interesses, sou apenas mais uma dessas dezenas de pessoas que teve a sorte de trabalhar com o Jorge Vala. Inaugurámos o balcão de um banco e, como ele, entendi que de facto existem pessoas que lideram pela positiva, que com toda a naturalidade aproximam quem os rodeia e, juntos, acabam por conseguir mais do que alguma vez seria possível com a simples soma das capacidades individuais. Talvez pudesse aqui ainda descrever o envolvimento que ele teve na vida comunitária. A lista seria muito longa, mas ainda assim, e certamente deixando algo para trás, sei que conduziu ambulâncias nos bombeiros voluntários, fundou o Clube Automóvel de Porto de Mós onde liderou a organização de inúmeros eventos desportivos, colaborou em diferentes órgãos sociais com a Associação Desportiva Portomosense, esteve ligado à Cincup, cooperativa que gere o quinzenário local e a rádio Dom Fuas, e nesta lista mais haveria para dizer, mas julgo que para traçar o seu perfil a quem não o conheça, será suficiente.

O mandato que começou em Outubro de 2017 foi naturalmente marcado e condicionado pela pandemia. Quando as dúvidas eram apenas o que tínhamos, Jorge Vala, recorrendo às redes sociais fez comunicados diários à população apelando à calma e ao cumprimento das recomendações sanitárias; quando as máscaras eram escassas fez chegar cinco a cada munícipe; todos os comerciantes que o solicitaram receberam uma viseira; foi criada uma linha de apoio que funcionou 24/24 horas para esclarecer dúvidas e que muitas vezes se tornou em linha de apoio psicológico. Sei de quem esteve de serviço nessa linha e passou horas a falar, noite fora, com pessoas assustadas e ansiosas.

Ainda antes da pandemia, foram várias as vezes que alguns programas televisivos de domingo à tarde foram feitos a partir de Porto de Mós, o que não sendo algo que traga benefício directo à população contribuirá para a sua auto-estima. Nesses programas é normal que várias pessoas sejam entrevistadas mostrando produtos regionais, artesanato, que sejam visitadas as atrações turísticas que aqui são essencialmente históricas e naturais.

Um dos compromissos assumidos por Jorge Vala na sua campanha era colocar Porto de Mós no mapa, referindo-se naturalmente ao mapa cerebral que cada português tem do seu país. A colocação de uma foto do castelo onde Nuno Alvares Pereira pernoitou - fez ontem 636 anos - antes da Batalha de Aljubarrota, em diversos outdoors ao longo de diversas rodovias do país, fará parte desse mesmo objectivo.

Posso ainda acrescentar que o polo tecnológico em recursos minerais do centro será sediado em Porto de Mós, fazendo este parte do que entendi ser uma aproximação das empresas ao mundo académico.

Outras obras e melhoramentos foram feitos, mas que aqui não irei descrever em detalhe por não ser o fito deste meu postal.

O candidato rival, João Salgueiro, com 68 anos de idade, foi vereador com o pelouro das obras durante vários mandatos pelo PSD. Em 2005 mudou de cor partidária e apresentou-se como candidato pelo PS contra o seu até então presidente José Ferreira. Venceu as eleições e continuou assim a sua ligação ao poder autárquico por mais três mandatos. A lei anti-dinossauros impediu que se recandidatasse, e desde então Jorge Vala é o presidente.

Desde que conheço João Salgueiro que ele está ligado ao pelouro das obras da Câmara Municipal e mais tarde como presidente. É do conhecimento público que é aficionado tauromáquico e que está ligado à competição/criação equestre.

No mandato de 2005 a 2009 fui Secretário da Junta de Freguesia do Juncal, eleito pelo PSD estando a Câmara então, e desde a primeira vez, nas mãos do PS. Quando a Câmara e Junta são eleitas por diferentes partidos, é normal ocorrerem pequenas tricas e fricções, mas que acabam por ter de ser ultrapassadas. No entanto, e cada um terá um limite de flexibilidade diferente, a nossa convivência nunca foi fácil, e passo a explicar porquê.

Um dos compromissos eleitorais de João Salgueiro era a construção de uma Casa Velório no Juncal. Logo que tomou posse, quis avançar com o processo, mas tudo começou da pior forma. O terreno escolhido foi o de um cemitério atrás da Igreja Paroquial onde não eram inumados corpos há cerca de cem anos. Desde a primeira hora que não aceitei esse argumento, até porque João Salgueiro acabou por nunca me esclarecer qual era o seu entendimento do prazo de validade da expressão “Descanse em Paz”.

O projecto foi sendo delineado e poucos meses depois as obras avançaram. Em pouco tempo o descanso, que deveria ser eterno, de largas dezenas antepassados juncalenses foi interrompido pelas unhas desta retroescavadora.

Várias figuras com responsabilidades públicas não se comportaram à altura do que aquele momento exigia. O Pároco, o Presidente da Junta, o Presidente da Assembleia de Freguesia, todos foram condicionados pela pressão de querer ter uma Casa Velório em tempo recorde. Isolado pelo encolhimento serôdio de quem diz querer defender uma comunidade, assim como, pela anémica indiferença tuga às coisas públicas, acabei por ter de pedir ajuda a IPA – Instituto Português de Arqueologia que quando embargou a obra já o cemitério estava neste estado.

João Salgueiro reagiu a isto como se uma ofensa pessoal lhe tivesse sido feita. Recomendei-lhe, até numa Assembleia Municipal, que a questão legal deveria ser tratada entre o Município e o IPA, mas a profunda falta de respeito e de total insensibilidade era para com a população.

A entrada do IPA nesta história infeliz, obrigou a uma alteração do projecto. O local das novas sapatas deveria ser aberto sob supervisão dos seus técnicos e as ossadas recolhidas deveriam ser transladas para um coval específico aberto para o feito no cemitério actual, onde já estavam as duas urnas de chumbo retiradas anteriormente.

Como um azar nunca vem só, o novo projecto demorou dezanove semanas a ficar pronto. Durante este tempo, o cemitério ficou tão toscamente vedado, que ainda acabou por ser vandalizado.

Numa história assim, tão abaixo de triste e lamentável, fez pandã um discurso de inauguração do edifício, dito de carótida inflamada, num tom persecutório e de dedo em riste a apontar a mim. João Salgueiro personalizou na minha pessoa a defesa dos restos mortais dos meus antepassados, o que, olhando para o que nós os dois ali representavamos, me poderia deixar orgulhoso, mas não pude deixar de ficar triste por não ter conseguido fazer mais.

Já passaram uns anos, mas há dias, e num comentário que fiz no Facebook a uma lista do PS de uma das freguesias do concelho, lá regressou João Salgueiro, a tentar acertar contas com o passado e a recomendar-me vergonha. Antes de lhe conseguir responder, apagou o comentário e, apenas para quem não o conhece, confirmou a sua incapacidade em lidar com o perguntas incómodas e contraditório.

Para já fico por aqui. Provavelmente outros assuntos dentro desta temática merecerão aqui regressar.

Fantastárquico

Sérgio de Almeida Correia, 15.06.21

Untitled.jpg(créditos: Mário Cruz/LUSA/Observador)

 

O processo de escolha do candidato do Partido Socialista à Câmara Municipal do Porto tem todos os ingredientes para se escrever um guião de um filme de terror.

A bem dizer, há muitos anos que por aquelas bandas não surge um candidato digno desse nome saído de um processo de escolha democrático sem escolhos, guerras de paróquia, investidas pessoais e amuos de luminárias. O falecido Pedro Baptista dizia que "aquilo é irreformável", e não estava longe da razão. 

Da indicação oficial de Eduardo Pinheiro, que só resistiu vinte e quatro horas, ao nome de José Luís Carneiro, que obviamente não estava disponível para se estatelar ao comprido, passando pelo nome do agora europeu, e já duplo derrotado em anteriores eleições, Manuel Pizarro, até se chegar a Rosário Gamboa, e agora a Tiago Barbosa Ribeiro, ora dentro, ora fora, foi todo um percurso inenarrável, ao qual a direcção do partido não é alheia e de onde não sai incólume. Ainda menos o secretário-geral.

Naturalmente que qualquer que venha a ser o resultado no Porto, a culpa será de todos eles. Nunca dos portuenses que assistiram incrédulos a tudo o que se passou. E não apenas no PS, também convém dizê-lo. 

Há gente com lugar cativo que se continua a não perceber o que anda a fazer na política e nos partidos. Lamentável.

Gestão de expectativas

Zélia Parreira, 08.04.21

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José Silvano confirmou a já esperada candidatura de Suzana Garcia à presidência da Câmara da Amadora. Já esperada porque, após toda a discussão, mais ou menos séria, a propósito deste assunto, seria caricato que o convite que lhe havia sido dirigido fosse agora retirado.

Para atenuar as polémicas decorrentes das indignações inflamadas da candidata, José Silvano deu uma explicação titubeante sobre o processo de castração química a que a senhora candidata se havia referido e rematou o assunto com uma afirmação, quanto a mim, surpreendente: Suzana Garcia é candidata a uma autarquia e não à Assembleia da República e que se o fosse o partido “teria outro crivo de análise".

 

Ora, vejamos:

  1. Quer isso dizer que, para o PSD, nas autarquias, os parâmetros de análise são como? Flexíveis? Para todas as autarquias ou só para a autarquia da Amadora?
  2. Para a Assembleia da República o crivo seria diferente? Só eu é que tenho a forte impressão de que as ambições da senhora candidata vão muito além da Amadora? Aliás, isso ficou bem explícito quando ela declarou que, tendo “sido convidada pelo PSD, em novembro de 2020, e disse ter preferência pelas autarquias da Amadora, Loures ou Sintra”. Não há ligação territorial, não há projecto estratégico. Há apenas o desejo de uma visibilidade que complemente a exposição mediática e que catapulte o seu nome para um lugar elegível na Assembleia da República, lugar onde, finalmente, poderá influenciar o curso deliberativo e legislativo das questões que lhe são caras.
  3. A reacção (ou falta dela) de Suzana Garcia a esta menorização das suas capacidades (ou como diz o povo, para o que é, bacalhau basta) vem, na minha opinião, confirmar isso mesmo. Bater com a porta seria deitar tudo a perder agora. Ser eleita pelo PSD ou pelo Chega é bem diferente, porque o primeiro oferece-lhe a legitimidade de integração no “sistema”, ao passo que o Chega é equivalente a estar sentada em cima de um vulcão.

 

Se Suzana Garcia não for eleita (o que me parece como o mais provável), tudo poderá resolver-se apenas com a passagem do tempo. Mas se a eleição acontecer, José Silvano bem pode começar a pensar numa estratégia para desdizer o que ontem disse. A não ser que a estratégia seja “quem vier atrás, que feche a porta”.

O monopolista

Pedro Correia, 31.03.21

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O PCP, que se proclama partido "antimonopólios", apresenta sempre o mesmo candidato a todas as eleições. Sejam autárquicas, sejam europeias, sejam presidenciais. É o delfim de Jerónimo de Sousa, que anda há tantos anos a fazer rodagem para a sucessão que qualquer dia já chega lá vencido pelo cansaço e com um longo currículo de derrotas eleitorais, tantas são as provações a que a velha guarda da rua Soeiro Pereira Gomes o submete.

Chega a ser ridículo. 

 

Em 2013, João Ferreira foi o candidato do PCP à presidência da Câmara de Lisboa. Quatro anos depois, voltou a encabeçar a lista à mais emblemática autarquia do País.

Em 2014, foi o candidato do PCP ao Parlamento Europeu, onde já tinha assento desde 2009, liderando nesse ano a lista comunista. Em 2019, voltou a figurar no topo da lista à eurocâmara.

Em Janeiro deste ano, João Ferreira - já eurodeputado e vereador, além de membro do Comité Central - candidatou-se com o patrocínio do PCP a Presidente da República, com um resultado certamente decepcionante para quem o lançou: conseguiu apenas 4,3%, correspondendo a escassos 180 mil votos recolhidos nas urnas.

 

Agora, sem surpresa para ninguém, volta a representar os comunistas na eleição para a presidência da Câmara de Lisboa. Como se não houvesse mais ninguém lá no partido que possa concorrer seja para o que for.

Vão sempre buscar o mesmo, como aqui escrevi em Setembro de 2020.

O monopolista. Eterno estagiário para secretário-geral do PCP.