O José Pimentel Teixeira e o Pedro Correia já abordaramo assunto, mas ao saber da confirmação oficial da não eleição do Augusto Santos Silva para o lugar de deputado, tive de sorrir. Não é todos os dias que podemos assistir a uma poética punição do orgulho, da arrogância e da sobranceria. Para lidar com o desaire eleitoral, o recomendado seria o ex-presidente da AR colocar gelo sobre a eventual inflamação e dor, mas, como ficámos a saber na última sessão do 25 de Abril, gelo é coisa de que ele não precisará.
Nessa altura, o visado não poderia imaginar que iria assistir às cerimónias dos 50 anos do 25 de Abril sentadinho entre os demais cidadãos. Ou então em casa, no sofá a assistir à AR TV.
É um caso singular de justiça poética. O maior propagandista do Chega nos últimos dois anos na Assembleia da República, aquele que aproveitou ao máximo o posto de segunda figura na hierarquia estatal para conceder a André Ventura o putativo estatuto de "líder da oposição" em cada debate parlamentar, procurando ganhar pontos mediáticos nesse mano-a-mano propício à abertura de telejornais, sai agora do palco. Destronado precisamente pelo partido que tanto promoveu com a intenção de esvaziar a direita moderada, radicalizar o cenário político e projectar-se como suposto candidato do PS às presidenciais de 2026.
Confirma-se: Augusto Santos Silva, que encabeçava a lista socialista pelo círculo da emigração fora da Europa, não conseguiu ser eleito para a Assembleia da República. Logo ele, que em Janeiro já se afirmava disposto a permanecer na poltrona da tribuna de São Bento.
Cá se fazem, cá se pagam. Santos Silva brincou com coisas sérias, sem sombra de isenção no exercício do cargo, por cálculo pessoal ou partidista. Deu protagonismo, o tempo todo, àquele que surgiu em cena para «dividir a direita». Enganou-se: o PS nada ganhou com isso, e ele ainda menos.
Teve a paga adequada, expressa nos boletins de voto. É o primeiro presidente do parlamento que falha uma reeleição.
Ventura atira-se agora a ele, no estilo que o caracteriza. Confirmando assim um velho adágio: gratidão é virtude inexistente na política.
Devia mandar-lhe, no mínimo, um cartãozinho de reconhecimento pelos serviços prestados. Fica-lhe mal não fazer isso.
Mesmo quando tenta disfarçar-se de personagem com sentido de estado, Augusto Santos Silva mostra que nunca deixou de ser o carroceiro ambicioso que, em busca de um lugar ao sol, abandonou as suas origens nas extrema-esquerda para se alojar no PS, como sendo alguém que podia fazer esses dois papéis. Depois da quase longínqua confissão de que o que gostava mesmo era de malhar na direita, acrescentou mais algumas camadas ao seu currículo nos governos de José Sócrates. Depois desse cadastro, migrou para o actual governo em gestão, governo esse que em cujos gabinetes, sabemos agora, circulavam sacos com dezenas de milhares de euros em dinheiro.
Faz realmente parte do que podemos designar como uma personagem de uma certa época que trouxe ao país uma falência, estagnação económica, abusos de poder com ataques vários às instituições e também uma degradação sem igual nos serviços públicos,
Para quem ainda pudesse duvidar do perigo que estes figurões constituem para a nossa democracia, transcrevo aqui uma frase que merece ser incluída nas frases do ano.
Poderia perfeitamente ter sido dita por um dos apoiantes de Trump, de Erdogan ou Bolsonaro. E é isto. Não há muito mais a dizer.
* Espero que a Maria Dulce Fernandes não me cobre direitos por lhe ter copiado o título do postal anterior, mas de tão adequado que é para este assunto, não resisti em fazê-lo.
Protestos de deputados houve muitos na história do nosso Parlamento, como se lembra muito bem neste excelente artigo. O PCP já se levantou e saiu da sala quando Ronald Reagan entrou na Assembleia, o que o levou a comentar que as cadeiras do lado esquerdo não deveriam ser muito confortáveis. E o Bloco de Esquerda já se apresentou no Parlamento com t-shirts com a bandeira da II República espanhola, quando o Rei Filipe VI discursava, recusando-se depois a participar na sessão de cumprimentos. Por isso os cartazes do Chega e a redução da Iniciativa Liberal a um deputado podem ser atitudes desrepeitosas e mesmo ridículas, mas não correspondem a nada que não se tenha já visto em São Bento.
A novidade foi a reacção do Presidente do Parlamento, que não me lembro de alguma vez ter ocorrido em situações anteriores. Mas o mais grave foi a patética conversa do Presidente do Parlamento, gravada em vídeo, que demonstrou o carácter artificial da sua reacção. Na verdade, olhando para a cena, o mesmo parecia um actor a perguntar aos outros actores da cerimónia a forma como avaliavam a sua prestação. No fundo tudo isto pareceu uma encenação para efeitos da campanha presidencial de Santos Silva.
O Presidente do Parlamento é a segunda figura do Estado. Não pode comportar-se como se fosse um actor político em campanha. Isto só contribui para aumentar o desprestígio do Parlamento, colocando em causa a autoridade do seu Presidente.
A próxima eleição presidencial será só em 2026. Mas há um candidato já em pré-campanha que não perde uma oportunidade para se exibir nas pantalhas em busca da notoriedade que ainda lhe falta junto de muitos portugueses.
De cachecol ao pescoço, como se houvesse frio nos quase 30 graus de ontem no Catar, o presidente da Assembleia da República não perdeu a oportunidade de perorar sobre a selecção nacional de futebol, dando a entender que a evental ausência dele em Doha seria um delito de lesa-pátria. Por isso decidiu voar cerca de 12 mil quilómetros, ida e volta, fomentando as emissões de dióxido de carbono: segundo os activistas do ambiente, as viagens aéreas contribuem para 5% do aquecimento global.
Seria interessante saber quantos presidentes de parlamentos europeus já lá foram em romagem por estes dias. Muito poucos, sou capaz de apostar. Também teria interesse indagar se Augusto Santos Silva aproveitou a ocasião para conferenciar com o seu homólogo catariano - se é que podemos chamar parlamento à denominada Assembleia Consultiva do Catar, com 45 membros mas apenas 30 eleitos por sufrágio popular. Os restantes são escolhidos pelo Emir. Nenhum deles pode questionar o primeiro-ministro excepto com aprovação prévia de dois terços dos supostos deputados, o que raras vezes - ou nunca - ocorre.
Vai longe o tempo em que Santos Silva gostava de «malhar na direita». A não ser que o Emirado do Catar agora seja de esquerda, hipótese a considerar.
ADENDA. Espantosa ironia: o putativo candidato presidencial do PS faz-se fotografar e filmar defronte dos logótipos da Coca-Cola, do Visa e da corrupta FIFA. Nem sei que legenda hei-de pôr nesta foto.
«Não aceitamos que qualquer Estado, seja ele qual for, se arrogue o poder de veto sobre um Estado terceiro. Não aceitamos que no século XXI ainda se queira conceber as relações entre as nações não na base do direito internacional laboriosamente construído desde o fim da II Guerra Mundial, mas na base de obsoletas, arcaicas e ilegítimas esferas de influência. Portanto, toda a disponibilidade para considerar as questões de segurança reciprocamente, nenhuma disponibilidade para aceitar a chantagem, para aceitar a intimidação, para aceitar a ameaça ou para aceitar os vetos.»
«A Rússia anunciou várias vezes, ao longo da semana passada, que estava a reduzir as suas forças militares estacionadas junto da fronteira, a leste e a norte da Ucrânia, e na prática estava a aumentá-las. O presidente russo comprometeu-se com o presidente em exercício do Conselho da União Europeia em trabalhar para o cessar-fogo um dia antes de cometer o acto ilegal, ilegítimo, incendiário de reconhecer as "repúblicas" fantoches de Lugansk e Donetsk. O que obtivemos foi a duplicidade. E à duplicidade a Rússia adicionou a agressão, porque é isso que está hoje em curso: uma agressão. Um acto armado de agressão ilegal, ilegítima, imoral - de acordo com qualquer princípio de direito ou de moral ou de ética no relacionamento entre Estados.»
«Nós não estamos apenas e sobretudo perante uma crise de relacionamento entre a Rússia e a Ucrânia ou entre a Ucrânia e a Rússia. Estamos perante a mais grave crise de segurança por que a Europa passou e está a passar desde o fim da II Guerra Mundial. Por isso nós todos, europeus, nós todos, democratas, nós todos, amantes da paz, nós todos, que queremos que os conflitos se resolvam de forma pacífica, temos de dizer: Sim, hoje somos todos ucranianos.»
Augusto Santos Silva, esta tarde, na Assembleia da República
Devido a louvor alheio acabo de ler um artigo de uma afamada jornalista de investigação - do independente Diário de Notícias - no qual, e a propósito do Ministro da Administração Interna, as críticas aos governantes são resumidas a oportunismos de oposicionistas, afadigados a tentarem fazer cair ministros.
Agora, e enquanto os avençados d'agora se desdobram em elogios ao governo, à "Super-Marta"e ao "está tudo bem" (como o sportinguista deputado Pinotes quando vai comentar futebol à TV), é declarado o recolher obrigatório em 45 concelhos. Decerto que medida "intempestiva" devido a uma "irrelevância estatística", dirá o auto-proclamado "parolo".
Quanto aos críticos? "Oportunistas", clamará a "jornalista de investigação" câncio no seu espaço no independente "Diário de Notícias". E os oficiais de comunicação - no ISCTE e não só - reforçarão os elogios à "Super-Marta".
Noutros tempos, o titular da pasta dos Negócios Estrangeiros era um dos homens mais bem informados do país. Este atributo vinha-lhe do exercício da própria função: a diplomacia só é bem-sucedida quando surge alicerçada em sólido conhecimento de pessoas e situações.
Como acontece com outras tradições, também esta se vem perdendo. Precisamente no mandato do actual inquilino do Palácio das Necessidades, um dos raros membros do Governo que seguramente leram Maquiavel. Dizia o sábio florentino que a boa informação é condimento indispensável para o governante prudente tomar decisões acertadas.
Augusto Ernesto dos Santos Silva, 64 anos, destaca-se no terceiro posto da hierarquia governativa, enquanto ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros. A condução da diplomacia parece assentar que nem uma luva a este catedrático que enverga gravata socialista depois de se aliviar da ganga da extrema-esquerda que usou na juventude. Antes de António Costa, serviu António Guterres (ministro da Educação e da Cultura) e José Sócrates (ministro dos Assuntos Parlamentares e da Defesa Nacional). Sempre com inegável zelo, indesmentível argúcia e algum brilho retórico.
Até por isto, causou estranheza vê-lo invocar surpresa ao ser confrontado com a decisão do Executivo britânico de retirar Portugal da via verde para voos turísticos após duas semanas de foguetório pátrio enquanto víamos desembarcar forasteiros oriundos da pérfida Albion. Nós, cidadãos comuns, ficámos surpreendidos. De um ministro servido por competentes serviços de informações e experimentados funcionários no terreno, esperava-se mais.
Também soube a pouco o meio inicialmente utilizado por Santos Silva para exprimir perplexidade em nome do Governo português: a rede social Twitter, outrora o instrumento de comunicação favorito de um tal Donald Trump.
«Tomámos nota da decisão britânica de retirar Portugal da ‘lista verde’ de viagens, uma decisão cuja lógica não se alcança. Portugal continua a realizar o seu plano de desconfinamento, prudente e gradual, com regras claras para a segurança dos que aqui residem ou nos visitam», tuitou o ministro nesta reacção minimal. Quase pedindo desculpa por alegar desapontamento.
Já esta semana, comparecendo numa entrevista à TVI em óbvia estratégia de contenção de danos, partilhou com os compatriotas a sua mágoa face a Londres: «Durante as três semanas em que Portugal esteve na lista verde nunca as autoridades britânicas nos fizeram sentir qualquer preocupação que tivessem.»
Como mais antigo aliado da Grã-Bretanha, servimos de barriga de aluguer para albergar a final da Liga dos Campeões disputada entre clubes ingleses. Fornecemos estádio e bebidas. Eles vieram sem máscaras, emborcaram hectolitros de cerveja – e uma semana depois retiram-nos dos destinos autorizados invocando o aumento de contágios cá na terra. Gente ingrata.
Por estes dias, o ministro exibe uma expressão tristonha. Percebe-se porquê. Custa sempre ser o último a saber.
Com o fim dos sucessivos estados de emergência e o adeus ao desconfinamento em quase todo o território nacional, temos assistido ao regresso dos engarrafamentos nos acessos às cidades e nas ruas dos grandes centros urbanos.
Já se esperava isto. Menos previsível é que alguns membros do Governo também provocassem engarrafamentos nos telejornais. Ora isso tem acontecido, a um ritmo que acompanha o do novo fluxo rodoviário.
Neste capítulo, o primeiro lugar do pódio cabe sem margem para dúvida ao titular da pasta dos Negócios Estrangeiros. O portuense Augusto Santos Silva, talvez por jogar em casa, foi o astro de serviço no último Jornal da Tarde de sábado [8 de Maio] da RTP. A pretexto da cimeira social que no passado fim de semana congregou na Cidade Invicta os principais líderes da União Europeia.
Mal abrira o serviço noticioso, eram 13.01, quando o chefe da nossa diplomacia surgiu pela primeira vez no ecrã. Em pose institucional, como convém ao exercício do cargo. «O processo de decisão institucional na UE implica concertação entre os 27 Estados. (…) Nós devemos ter sempre em conta que os direitos de propriedade intelectual existem para proteger a inovação. É uma discussão que se faz há muito tempo», declarou, a propósito da mais recente controvérsia em torno das vacinas.
Não tardou a voltar ao ecrã. Eram 13.03 quando o vimos num cenário diferente, desta vez para emitir opinião sobre a importância dos consensos em Bruxelas. Excerto do que disse nos três minutos em que ocupou a antena: «As políticas sociais são típicas dos Estados nacionais, mas esta convergência para metas comuns, cada uma pelo seu caminho, é muito importante para reforçarmos o modelo social europeu.»
Não havia decorrido uma hora e lá irrompia de novo na pantalha, eram duas da tarde em ponto. Congratulando-se pelo anunciado regresso dos visitantes britânicos às praias lusitanas: «É muito bom chegar a esta altura e saber que o Reino Unido, que é o primeiro mercado de origem dos turistas em Portugal, reconheceu que a situação pandémica em Portugal é muito razoável.»
Três vezes no mesmo telediário: nem o próprio Marcelo Rebelo de Sousa consegue tamanha proeza com tanta facilidade. Mas ainda teríamos direito a outra intervenção do mesmo ministro, noutro enquadramento, um pouco mais descontraído. Eram 14.15: o inquilino do Palácio das Necessidades visitava as instalações onde trabalhavam os jornalistas que cobriam a cimeira e lá voltou o microfone da RTP a ser apontado na sua direcção. Para registar estas palavras: «Eu vim aqui ver se o espaço era suficiente, se havia boas condições de trabalho, se estava bom ambiente, e verifico que sim. E sei que esta galeria tem todas as condições para o vosso trabalho.»
O Jornal da Tarde é produzido no Porto: haverá compreensíveis afinidades bairristas com o ministro natural da cidade. Mas talvez isto não baste para explicar tanta insistência. Será que Augusto Santos Silva começa a ser lançado como eventual sucessor de António Costa num futuro próximo? As grandes caminhadas começam com pequenos passos.
Durante estes longos meses nem o presidente Sousa - no seu histrionismo "camp", sempre ávido de roçagar cidadãos e assuntos - abordou o assassinato estatal de Ihor Homeniuk, apesar do seu hábito em comentar investigações judiciais em curso. Ou fez mera menção solidária junto da família vitimada, ele que tão lesto é em abraços e beijos, e mesmo não se coíbe em telefonemas saudando estreias de programas televisivos, nisso abrindo (publicitárias) excepções.
O MNE Silva diz que contactou a embaixada ucraniana, do modo "habitual nestes casos", como se haja "habitual" para uma situação destas. O ministro Cabrita - cujo presença no governo, e na Administração Interna ainda por cima, é, e muito para além deste caso, o sinal da total amoralidade do actual poder - diz de si próprio que é exemplar (e o ministro Silva sublinha-o). A Assembleia da República leva nove meses a convocá-lo para que fale sobre um horror destes. Nove!, decerto que com desculpas formalistas - pois diante de um escândalo destes o inenarrável Rodrigues não se importa de andar mascarado de formalista. Entretanto, a directora do SEF, Gatões, esteve oito meses calada e a primeira vez que falou - sobre um assassínio cometido em grupo pelos seus funcionários no aeroporto da Portela - usou máscara diante das cameras dos jornalistas, demonstrando total insensibilidade, até simbólica (E parece que segue para quadro diplomático bem pago, isto é um ultraje ...). E é agora demitida, nem sequer teve a dignidade de se demitir, nove meses após este horror ...
Foi então noticiado que um médico acompanhou as sevícias cometidas, na própria sala de médicos: a Ordem dos Médicos pronunciou-se? Nada, que eu saiba .... A família pagou o retorno à Ucrânia do assassinado - nem uma igreja, católica ou outra, nem uma ong, nem uma organização assistencialista, nem um filantropo, nem uma dessas "fundações" das grandes empresas ou dos grandes escritórios de advogados-comentadores televisivos, se disponibilizou para colmatar a imoralidade estatal. Mas agora, de repente, pois "investigação terminada", "botão de pânico" proposto, muitos uivam e bramem. E leio mesmo que, também, os esquerdalhos do costume invectivam o silêncio, o do "governo" (desfeita que vai a geringonça) e o da "direita". Este desgraçado caso mostra o descalabro generalizado em que seguimos.
Em início de Junho 2020 muito me irritei com a pantomina histérica, desonesta e demagógica, que correu em Portugal devido à morte de um americano em Minnesota. Abjecto desatino geral, esse de andarem por aí aos guinchos, abanando os rabos e as mamas, por causa da morte americana enquanto nada se dizia sobre o que se passara na Portela de Sacavém. Que gentalha, servos dos sôfregos demagogos socratistas, de vestes "sociais-democratas", no gargarejo da "causa" racialista. É certo que Moreira levantara o assunto em Abril. Mas sem a ênfase nem a indignação que lhe é constante aquando cheira a "raça".
Muito me irritou tudo isso e por isso escrevi sobre Ihor Homeniuk - ou seja, também o fiz apenas de modo reactivo, e como tal não sigo cidadão eticamente incólume com tudo isto. Então googlei em busca da grafia correcta do nome do assassinado. E tirando textos noticiosos daquele Março/Abril quase nada mais se encontrava. De tal forma isso me surpreendeu que fui até à página 3 da "busca google", para sedimentar a apreensão do silêncio social. Depois de eu blogar (no meu Nenhures e no colectivo Delito de Opinião) surgiram outros textos, um pouco na mesma linha (reactiva) de reflexão - um dos quais de Zita Seabra (publicado no mesmo dia), de outros autores não me recordo. Não me venho armar em "influencer" ou em precursor ou "consciência". Sou só um bloguista desconhecido - um bocadinho lido porque publico no Delito de Opinião que ainda tem audiências. Não estou a dizer que tive qualquer primazia. O que quero assinalar é que tendo escrito no 1 de Junho um texto sobre esta situação encontrei, reflectido na internet (imprensa/redes sociais), um generalizado silêncio, quase universal, sobre este inenarrável assassinato.
Ou seja, é o ministro Cabrita execrável? É! O ministro Silva é melífluo? É! O presidente Sousa é o presidente Sousa, agora em crassa mentira? Ui, se o é! O SEF será irrecuperável? Sim. O silencioso médico que tudo testemunhou deveria ser empalado? Sim. A dra. Gatões deve ir para a prateleira e não para Londres? Óbvio.
Mas, e sem qualquer dúvida, precisamos do agora célebre "botão de pânico". Não por causa dos tipos do SEF. Mas para nos defendermos de nós-próprios. Que gente somos!
Eis o País a braços com uma crise pandémica de consequências imprevisíveis e já mergulhado na maior recessão económica dos últimos cem anos. O que faz o Governo? Há por lá quem se entretenha a brincar aos repastos eleitorais: dois ministros irritadinhos e amuadinhos, cada qual a enviar farpas ao parceiro em declarações que prometem uma escalada de agressividade verbal até ao escrutínio presidencial de Janeiro.
Lindo exemplo de irresponsabilidade política, este que Augusto Santos Silva e Pedro Nuno Santos proporcionam aos portugueses, protagonizando jogos florais na praça pública. Como se não fizessem parte do mesmo partido e não se sentassem a poucos metros de distância um do outro no Conselho de Ministros. Como se nada mais tivessem de fazer senão oposição a si próprios.
Não pode haver mais expressivo retrato da falta de autoridade efectiva do primeiro-ministro na hora que passa. Precisamente quando o País mais precisaria dela.
Isto de Donald Trump ter oferecido à sua filha a presidência do Banco Mundial dirá muito sobre como estão os EUA e o mundo em geral. Mas diz também sobre o estado do jardim à beira plantado e dos seus habitantes. Dei uma volta pelas "redes sociais", secções portuguesas. Nas quais, desde há anos, Trump é visceralmente criticado. E não serei eu quem virá contestar a pertinência de muitas dessas críticas. Mas agora? Encontro, naquilo que vejo, na "rede" egocentrada que me é disponível, um silêncio total. As vozes e teclas mais anti-trumpianas, sempre tão activas na crítica ao presidente americano, distraíram-se e não estão frenéticos nas "partilhas" e "denúncias" desta escandalosa deriva nepotista. Decerto que não por estarem ocupados nas bichas das bombas de gasolina: poderiam ter usado os telemóveis durante as esperas para "denunciar", com redobrado ímpeto, este episódio.
Mas agora não. Convém nem referir o assunto, já basta de falar de redes familiares nos cargos de nomeação política. Mesmo que tão mais importante seja a possibilidade da nomeação da filha de Trump para o Banco Mundial do que mais um primo de Carlos César ser colocado num qualquer posto, ou a rábula do secretário de estado invertido ninfomaníaco que queria o capitão garanhão como motorista. Mas nem essa diferença de escala lhes diminui o silêncio. Não querem parecer "parolos" aos olhos de Augusto Santos Silva, como tal preferem calar-se, preocupar-se com outras coisas. Ou, por outra, antes parecer Trump do que parolo, dirão, fiéis ao perversor ministro.
Uma entrevista de Augusto Santos Silva, mNE (basta googlar que se encontrará uma versão resumida, com cerca de 10 minutos). Não particularmente interessante, não tanto pelo ministro mas devido ao tom afável e até algo subserviente da entrevistadora - há ali uma nuvem de comunhão de casta, tonitruante no final na partilha de "grande amigo", que abre auto-estrada para que Santos Silva saia incólume e até com louros da entrevista, de facto conversa.
Mas, e para além de algumas afirmações interessantes sobre política externa, ainda que não inovadoras, infelizmente não esmiuçadas, o cabeçalho terá que ser as declarações sobre política interna - já agora, nem uma palavra sobre as eleições europeias e sobre "que Europa?", para além de plácidas considerações sobre defesa comum, mostram o tom demasiado "charmoso" da entrevista. E sobre esta Augusto Santos Silva, reclamando alguma rusticidade lexical que faz ancorar no seu portismo, diz serem "parolos" os que se preocupam com as redes familiares no poder político.
Somos então parolos, prisioneiros do parolismo, quando resmungamos com a política de pleno emprego político na família do presidente do PS, o infausto César. Somos parolos - eu, com toda a certeza - quando nos iramos com o secretário de estado da defesa do consumidor que quer o amante capitão à mão de semear, desgraduado em motorista. Somos parolos quando notamos que no PS, confrontado com tanta festividade empregadeira, a sua secretária-geral adjunta, Ana Catarina Mendes, considera que o seu partido de ninguém recebe lições de ética (conviria lembrar, para o caso de alguém se ter esquecido, que o anterior governo do PS, no qual estavam inúmeros ministros actuais, foi chefiado pelo antigo 44 da penitenciária de Évora, durante anos sufragado por mais de 95 por cento dos congressistas socialistas, entre os quais Costa, Santos Silva e, claro, Ana Catarina Mendes). Assim apresentando diferente doutrina da defendida pelo actual mNE que já declarou que "não faz julgamentos éticos", isto a propósito da trafulhice infecta que foi o anterior governo PS.
Somos parolos ainda quando nos interrogamos sobre isto do PS nem mesmo depois da trapalhada com Sócrates ter o mínimo de cuidado nestes arranjos familiares - uma ligação cronológica, produtora de "sensações", nada colocada na entrevista, ainda que a entrevistadora até tenha aludido a hipotéticas "sensações" do eleitorado. Somos completamente prisioneiros do parolismo, dirá o douto Silva.
E, mais ainda, somos parolos, do parolismo, quando lemos o letal texto de João Pedro George (1, 2) - que terá continuação na próxima edição da revista Sábado - sobre como funcionam as relações familiares no poder político e na administração pública, como promovem a redistribuição de recursos por uma pequena clique. Eles, os socialistas, os Santos Silvas e Megas Ferreiras (bombardeado sem dó nem piedade no texto de George) são os "cosmopolitas", para usar o termo que ASS usa na entrevista como auto-definitório, de si e do seu partido. Nós somos os "morcões", parolistas.
Ah, quem me dera poder escrever palavrões no blog (e no facebook).
Adenda: um comentador residente no DO comentou o postal com ligação a um pequeno filme, declarações de Sousa Santos evidentemente a propósito do caso Sócrates - indivíduo do qual ele foi ministro, e com o qual anteriormente foi ministro.
O interessante é que nesta longa e plácida entrevista concedida ao "Observador", apresenta-se como um cientista social, que é, e reclama essa condição para o seu exercício da política, fundamentando-se em "estudos, sondagens", sendo de tal forma veemente que a entrevistadora se aprestou a apresentar-se como algo diferente, como "intuitiva". Mas para defender Sócrates - em 2015, ainda antes do afastamento da Procuradora-Geral, e bem antes daquele fim-de-semana de 18, no qual o presidente César, a criatura então ainda não-secretário de estado Galamba e a jornalista Câncio, confluiram numa espécie de grito de Ipiranga, querendo apartar o PS do seu sempre aclamadíssimo ex-secretário-geral -, para defender Sócrates, dizia eu, já Santos Silva vituperava a justiça portuguesa, negando as más-práticas tão duradouras do seu antigo chefe, para isso fundando-se num tão intuitivo e nada científico "é o que eu sinto". Como se que a fugir-lhe o pé para a chinela, um deslize parolo, por assim dizer.
Um bocadinho menos de reverência da entrevistadora não lhe teria ficado nada mal ...
No fundo, Augusto Santos Silva vem dizer agora o que Francisco Assis já dissera em 2015: há incompatibilidades genéticas entre os parceiros da geringonça. Face aos compromissos europeus e à gestão das finanças públicas, pedras angulares de qualquer governação.
A grande alteração de contexto é a perda gradual e constante do PS nas intenções de voto, confirmada a cada sondagem de há um ano para cá. Felizmente para António Costa, existe Rui Rio - sempre incapaz de lhe fazer uma crítica, sempre pronto a amparar-lhe a queda.
A política externa deve dar pouco que fazer ao titular da pasta dos Negócios Estrangeiros. Só assim se explica que Augusto Santos Silva tenha assinado um longuíssimo artigo com 17 mil caracteres na Folha de S. Paulo onde, entre alusões ao populismo e às novas plataformas da comunicação, se permite dar sermões, distribuir ralhetes e apregoar deontologia profissional aos profissionais da comunicação social.
Daqui resultam duas interrogações. Primeira: quem terá investido Santos Silva nesta autoridade de doutrinador e "controleiro" dos jornalistas? Segunda: será por falta de pachorra para ler prosa tão copiosa que ainda não tomei conhecimento de qualquer resposta dos supostos endoutrinados?
O Ministro que comparou a concertação social a uma "feira de gado" considera infeliz que o presidente do Eurogrupo tenha caracterizado os países do sul como gastadores em "mulheres e álcool". Nascemos para sofrer.
A propósito do incidente “feira do gado”, protagonizado por Augusto Santos Silva (who else?), o essencial já foi dito pelo Rui Rocha. Falta apenas dizer que o pedido de desculpa foi mais gravoso do que a afirmação que lhe deu origem (a afirmação insultou a concertação social, o pedido de desculpa insultou todos aqueles que têm dois dedos de testa), mas adiante. Há, no entanto, um argumento que vai despontando nas fileiras de apoiantes do Governo, uma tese segundo a qual se tratava de um momento informal e, por isso, a recolha de som não é legítima. Eram conversas privadas, de gente que, no fundo, é mortal e igual ao cidadão comum. Em suma, gente que tem o direito de soltar umas boçalidades no recato do seu espaço próprio e privado. Parece-me um argumento difícil de defender – era um evento público, com intervenções públicas, para o qual foram convocados jornalistas. Mas admitamos que sim, que o som foi colhido de forma ilegítima e 'pela calada'. Certo. Significa, portanto, que quem perfilha este argumento condena a gravação da célebre conversa privada entre Vítor Gaspar e Wolfgang Schäuble? E, por maioria de razão, condenarão a divulgação pública das brutalidades cavalares ditas por Donald Trump sobre as mulheres, uma conversa tida à porta fechada, mas apanhada por um microfone aberto? Se sim, não me lembro que esta gente tivesse tantos pruridos quando estes casos fizeram manchetes. Neste Tempo Novo temos então um conceito inovador assente em dois paradoxos: o princípio sacrossanto, mas de aplicação à la carte, de privacidade em eventos públicos.
A carga de porrada de Ponte de Sor já obrigou o Ministro Santos Silva a manifestar-se, conforme os dias e os órgãos de comunicação social, preocupado, disponível para ajudar a investigação, empenhado em ir até onde for possível, capaz de empreender diligências diplomáticas e, o Diabo seja cego, surdo e mudo, até de avaliar um "eventual talvez possível quem sabe sem precipitações" levantantamento da imunidade. Fico consternado por ver o Ministro tão aperreado com este melindroso assunto num momento do ano que devia ser de descanso e descontracção. Houvesse um módico de Justiça no Mundo e a Providência proporcionaria a Santos Silva um daqueles lampejos de inspiração ocorrendo-lhe que, vai-se a ver, um Código de Conduta para filhos de Diplomatas pode bem ser uma bela solução para encerrar definitivamente o assunto.