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Delito de Opinião

Doze mil quilómetros já em pré-campanha

Pedro Correia, 29.11.22

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A próxima eleição presidencial será só em 2026. Mas há um candidato já em pré-campanha que não perde uma oportunidade para se exibir nas pantalhas em busca da notoriedade que ainda lhe falta junto de muitos portugueses.

De cachecol ao pescoço, como se houvesse frio nos quase 30 graus de ontem no Catar, o presidente da Assembleia da República não perdeu a oportunidade de perorar sobre a selecção nacional de futebol, dando a entender que a evental ausência dele em Doha seria um delito de lesa-pátria. Por isso decidiu voar cerca de 12 mil quilómetros, ida e volta, fomentando as emissões de dióxido de carbono: segundo os activistas do ambiente, as viagens aéreas contribuem para 5% do aquecimento global.

 

Seria interessante saber quantos presidentes de parlamentos europeus já lá foram em romagem por estes dias. Muito poucos, sou capaz de apostar. Também teria interesse indagar se Augusto Santos Silva aproveitou a ocasião para conferenciar com o seu homólogo catariano - se é que podemos chamar parlamento à denominada Assembleia Consultiva do Catar, com 45 membros mas apenas 30 eleitos por sufrágio popular. Os restantes são escolhidos pelo Emir. Nenhum deles pode questionar o primeiro-ministro excepto com aprovação prévia de dois terços dos supostos deputados, o que raras vezes - ou nunca - ocorre.

Sobre os direitos humanos que ali são violados de diversas formas, o presidente da AR chutou para canto: nem ousou um sopro de indignação. E até nos equiparou ao Catar numa frase capciosa em que compara o incomparável: «Todos temos de avançar muito nessa e noutras matérias [direitos], temos muito de melhorar. Isso aplica-se a todos os países, incluindo a Portugal.» 

Vai longe o tempo em que Santos Silva gostava de «malhar na direita». A não ser que o Emirado do Catar agora seja de esquerda, hipótese a considerar.

 

ADENDA. Espantosa ironia: o putativo candidato presidencial do PS faz-se fotografar e filmar defronte dos logótipos da Coca-Cola, do Visa e da corrupta FIFA. Nem sei que legenda hei-de pôr nesta foto.

Falar claro - e muito bem

Pedro Correia, 24.02.22

 «Não aceitamos que qualquer Estado, seja ele qual for, se arrogue o poder de veto sobre um Estado terceiro. Não aceitamos que no século XXI ainda se queira conceber as relações entre as nações não na base do direito internacional laboriosamente construído desde o fim da II Guerra Mundial, mas na base de obsoletas, arcaicas e ilegítimas esferas de influência. Portanto, toda a disponibilidade para considerar as questões de segurança reciprocamente, nenhuma disponibilidade para aceitar a chantagem, para aceitar a intimidação, para aceitar a ameaça ou para aceitar os vetos.»

 

«A Rússia anunciou várias vezes, ao longo da semana passada, que estava a reduzir as suas forças militares estacionadas junto da fronteira, a leste e a norte da Ucrânia, e na prática estava a aumentá-las. O presidente russo comprometeu-se com o presidente em exercício do Conselho da União Europeia em trabalhar para o cessar-fogo um dia antes de cometer o acto ilegal, ilegítimo, incendiário de reconhecer as "repúblicas" fantoches de Lugansk e Donetsk. O que obtivemos foi a duplicidade. E à duplicidade a Rússia adicionou a agressão, porque é isso que está hoje em curso: uma agressão. Um acto armado de agressão ilegal, ilegítima, imoral - de acordo com qualquer princípio de direito ou de moral ou de ética no relacionamento entre Estados.»

 

«Nós não estamos apenas e sobretudo perante uma crise de relacionamento entre a Rússia e a Ucrânia ou entre a Ucrânia e a Rússia. Estamos perante a mais grave crise de segurança por que a Europa passou e está a passar desde o fim da II Guerra Mundial. Por isso nós todos, europeus, nós todos, democratas, nós todos, amantes da paz, nós todos, que queremos que os conflitos se resolvam de forma pacífica, temos de dizer: Sim, hoje somos todos ucranianos.»

 

Augusto Santos Silva, esta tarde, na Assembleia da República

Recolher obrigatório

jpt, 08.07.21

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(Postal de 2.7.2021)
 
Devido a louvor alheio acabo de ler um artigo de uma afamada jornalista de investigação - do independente Diário de Notícias - no qual, e a propósito do Ministro da Administração Interna, as críticas aos governantes são resumidas a oportunismos de oposicionistas, afadigados a tentarem fazer cair ministros.
 
Por isso aqui garanto que não tenho a utopia de derrubar o sempiterno ministro Santos Silva, ainda por cima logo após a conclusão da presidência europeia. Apenas recordo que há menos de um mês o ministro (dos negócios estrangeiros) considerava "intempestiva", incompreensível e baseada em "irrelevância estatística" a decisão do parceiro britânico de controlar as deslocações ao nosso país - algo que depois a Alemanha também decidiu -, ameaçando-o mesmo com "retaliações".
 
Agora, e enquanto os avençados d'agora se desdobram em elogios ao governo, à "Super-Marta"e ao "está tudo bem" (como o sportinguista deputado Pinotes quando vai comentar futebol à TV), é declarado o recolher obrigatório em 45 concelhos. Decerto que medida "intempestiva" devido a uma "irrelevância estatística", dirá o auto-proclamado "parolo".
 
Quanto aos críticos? "Oportunistas", clamará a "jornalista de investigação" câncio no seu espaço no independente "Diário de Notícias". E os oficiais de comunicação - no ISCTE e não só - reforçarão os elogios à "Super-Marta".
 
No fundo? "Porreiro, pá!".

Custa sempre ser o último a saber

Augusto Santos Silva

Pedro Correia, 14.06.21

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Noutros tempos, o titular da pasta dos Negócios Estrangeiros era um dos homens mais bem informados do país. Este atributo vinha-lhe do exercício da própria função: a diplomacia só é bem-sucedida quando surge alicerçada em sólido conhecimento de pessoas e situações.

Como acontece com outras tradições, também esta se vem perdendo. Precisamente no mandato do actual inquilino do Palácio das Necessidades, um dos raros membros do Governo que seguramente leram Maquiavel. Dizia o sábio florentino que a boa informação é condimento indispensável para o governante prudente tomar decisões acertadas.

Augusto Ernesto dos Santos Silva, 64 anos, destaca-se no terceiro posto da hierarquia governativa, enquanto ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros. A condução da diplomacia parece assentar que nem uma luva a este catedrático que enverga gravata socialista depois de se aliviar da ganga da extrema-esquerda que usou na juventude. Antes de António Costa, serviu António Guterres (ministro da Educação e da Cultura) e José Sócrates (ministro dos Assuntos Parlamentares e da Defesa Nacional). Sempre com inegável zelo, indesmentível argúcia e algum brilho retórico.

Até por isto, causou estranheza vê-lo invocar surpresa ao ser confrontado com a decisão do Executivo britânico de retirar Portugal da via verde para voos turísticos após duas semanas de foguetório pátrio enquanto víamos desembarcar forasteiros oriundos da pérfida Albion. Nós, cidadãos comuns, ficámos surpreendidos. De um ministro servido por competentes serviços de informações e experimentados funcionários no terreno, esperava-se mais.

Também soube a pouco o meio inicialmente utilizado por Santos Silva para exprimir perplexidade em nome do Governo português: a rede social Twitter, outrora o instrumento de comunicação favorito de um tal Donald Trump.

«Tomámos nota da decisão britânica de retirar Portugal da ‘lista verde’ de viagens, uma decisão cuja lógica não se alcança. Portugal continua a realizar o seu plano de desconfinamento, prudente e gradual, com regras claras para a segurança dos que aqui residem ou nos visitam», tuitou o ministro nesta reacção minimal. Quase pedindo desculpa por alegar desapontamento.

Já esta semana, comparecendo numa entrevista à TVI em óbvia estratégia de contenção de danos, partilhou com os compatriotas a sua mágoa face a Londres: «Durante as três semanas em que Portugal esteve na lista verde nunca as autoridades britânicas nos fizeram sentir qualquer preocupação que tivessem.»

Como mais antigo aliado da Grã-Bretanha, servimos de barriga de aluguer para albergar a final da Liga dos Campeões disputada entre clubes ingleses. Fornecemos estádio e bebidas. Eles vieram sem máscaras, emborcaram hectolitros de cerveja – e uma semana depois retiram-nos dos destinos autorizados invocando o aumento de contágios cá na terra. Gente ingrata.

Por estes dias, o ministro exibe uma expressão tristonha. Percebe-se porquê. Custa sempre ser o último a saber.

 

Texto publicado no semanário Novo

O ministro apareceu quatro vezes

Pedro Correia, 26.05.21

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Com o fim dos sucessivos estados de emergência e o adeus ao desconfinamento em quase todo o território nacional, temos assistido ao regresso dos engarrafamentos nos acessos às cidades e nas ruas dos grandes centros urbanos.

Já se esperava isto. Menos previsível é que alguns membros do Governo também provocassem engarrafamentos nos telejornais. Ora isso tem acontecido, a um ritmo que acompanha o do novo fluxo rodoviário.

Neste capítulo, o primeiro lugar do pódio cabe sem margem para dúvida ao titular da pasta dos Negócios Estrangeiros. O portuense Augusto Santos Silva, talvez por jogar em casa, foi o astro de serviço no último Jornal da Tarde de sábado [8 de Maio] da RTP. A pretexto da cimeira social que no passado fim de semana congregou na Cidade Invicta os principais líderes da União Europeia.

 

Mal abrira o serviço noticioso, eram 13.01, quando o chefe da nossa diplomacia surgiu pela primeira vez no ecrã. Em pose institucional, como convém ao exercício do cargo. «O processo de decisão institucional na UE implica concertação entre os 27 Estados. (…) Nós devemos ter sempre em conta que os direitos de propriedade intelectual existem para proteger a inovação. É uma discussão que se faz há muito tempo», declarou, a propósito da mais recente controvérsia em torno das vacinas.

Não tardou a voltar ao ecrã. Eram 13.03 quando o vimos num cenário diferente, desta vez para emitir opinião sobre a importância dos consensos em Bruxelas. Excerto do que disse nos três minutos em que ocupou a antena: «As políticas sociais são típicas dos Estados nacionais, mas esta convergência para metas comuns, cada uma pelo seu caminho, é muito importante para reforçarmos o modelo social europeu.»

Não havia decorrido uma hora e lá irrompia de novo na pantalha, eram duas da tarde em ponto. Congratulando-se pelo anunciado regresso dos visitantes britânicos às praias lusitanas: «É muito bom chegar a esta altura e saber que o Reino Unido, que é o primeiro mercado de origem dos turistas em Portugal, reconheceu que a situação pandémica em Portugal é muito razoável.»

 

Três vezes no mesmo telediário: nem o próprio Marcelo Rebelo de Sousa consegue tamanha proeza com tanta facilidade. Mas ainda teríamos direito a outra intervenção do mesmo ministro, noutro enquadramento, um pouco mais descontraído. Eram 14.15: o inquilino do Palácio das Necessidades visitava as instalações onde trabalhavam os jornalistas que cobriam a cimeira e lá voltou o microfone da RTP a ser apontado na sua direcção. Para registar estas palavras: «Eu vim aqui ver se o espaço era suficiente, se havia boas condições de trabalho, se estava bom ambiente, e verifico que sim. E sei que esta galeria tem todas as condições para o vosso trabalho.»

O Jornal da Tarde é produzido no Porto: haverá compreensíveis afinidades bairristas com o ministro natural da cidade. Mas talvez isto não baste para explicar tanta insistência. Será que Augusto Santos Silva começa a ser lançado como eventual sucessor de António Costa num futuro próximo? As grandes caminhadas começam com pequenos passos.

 

Texto publicado no semanário Novo

O Crime no Aeroporto da Portela

jpt, 13.12.20

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Durante estes longos meses nem o presidente Sousa - no seu histrionismo "camp", sempre ávido de roçagar cidadãos e assuntos - abordou o assassinato estatal de Ihor Homeniuk, apesar do seu hábito em comentar investigações judiciais em curso. Ou fez mera menção solidária junto da família vitimada, ele que tão lesto é em abraços e beijos, e mesmo não se coíbe em telefonemas saudando estreias de programas televisivos, nisso abrindo (publicitárias) excepções.

O MNE Silva diz que contactou a embaixada ucraniana, do modo "habitual nestes casos", como se haja "habitual" para uma situação destas. O ministro Cabrita - cujo presença no governo, e na Administração Interna ainda por cima, é, e muito para além deste caso, o sinal da total amoralidade do actual poder - diz de si próprio que é exemplar (e o ministro Silva sublinha-o). A Assembleia da República leva nove meses a convocá-lo para que fale sobre um horror destes. Nove!, decerto que com desculpas formalistas - pois diante de um escândalo destes o inenarrável Rodrigues não se importa de andar mascarado de formalista. Entretanto, a directora do SEF, Gatões, esteve oito meses calada e a primeira vez que falou - sobre um assassínio cometido em grupo pelos seus funcionários no aeroporto da Portela - usou máscara diante das cameras dos jornalistas, demonstrando total insensibilidade, até simbólica (E parece que segue para quadro diplomático bem pago, isto é um ultraje ...). E é agora demitida, nem sequer teve a dignidade de se demitir, nove meses após este horror ...

Foi então noticiado que um médico acompanhou as sevícias cometidas, na própria sala de médicos: a Ordem dos Médicos pronunciou-se? Nada, que eu saiba .... A família pagou o retorno à Ucrânia do assassinado - nem uma igreja, católica ou outra, nem uma ong, nem uma organização assistencialista, nem um filantropo, nem uma dessas "fundações" das grandes empresas ou dos grandes escritórios de advogados-comentadores televisivos, se disponibilizou para colmatar a imoralidade estatal. Mas agora, de repente, pois "investigação terminada", "botão de pânico" proposto, muitos uivam e bramem. E leio mesmo que, também, os esquerdalhos do costume invectivam o silêncio, o do "governo" (desfeita que vai a geringonça) e o da "direita". Este desgraçado caso mostra o descalabro generalizado em que seguimos.

Em início de Junho 2020 muito me irritei com a pantomina histérica, desonesta e demagógica, que correu em Portugal devido à morte de um americano em Minnesota. Abjecto desatino geral, esse de andarem por aí aos guinchos, abanando os rabos e as mamas, por causa da morte americana enquanto nada se dizia sobre o que se passara na Portela de Sacavém. Que gentalha, servos dos sôfregos demagogos socratistas, de vestes "sociais-democratas", no gargarejo da "causa" racialista. É certo que Moreira levantara o assunto em Abril. Mas sem a ênfase nem a indignação que lhe é constante aquando cheira a "raça".

Muito me irritou tudo isso e por isso escrevi sobre Ihor Homeniuk - ou seja, também o fiz apenas de modo reactivo, e como tal não sigo cidadão eticamente incólume com tudo isto. Então googlei em busca da grafia correcta do nome do assassinado. E tirando textos noticiosos daquele Março/Abril quase nada mais se encontrava. De tal forma isso me surpreendeu que fui até à página 3 da "busca google", para sedimentar a apreensão do silêncio social. Depois de eu blogar (no meu Nenhures e no colectivo Delito de Opinião) surgiram outros textos, um pouco na mesma linha (reactiva) de reflexão - um dos quais de Zita Seabra (publicado no mesmo dia), de outros autores não me recordo.  Não me venho armar em "influencer" ou em precursor ou "consciência". Sou só um bloguista desconhecido - um bocadinho lido porque publico no Delito de Opinião que ainda tem audiências. Não estou a dizer que tive qualquer primazia. O que quero assinalar é que tendo escrito no 1 de Junho um texto sobre esta situação encontrei, reflectido na internet (imprensa/redes sociais), um generalizado silêncio, quase universal, sobre este inenarrável assassinato.

Ou seja, é o ministro Cabrita execrável? É! O ministro Silva é melífluo? É! O presidente Sousa é o presidente Sousa, agora em crassa mentira? Ui, se o é! O SEF será irrecuperável? Sim. O silencioso médico que tudo testemunhou deveria ser empalado? Sim. A dra. Gatões deve ir para a prateleira e não para Londres? Óbvio. 

Mas, e sem qualquer dúvida, precisamos do agora célebre "botão de pânico". Não por causa dos tipos do SEF. Mas para nos defendermos de nós-próprios. Que gente somos!

Lindo

Pedro Correia, 01.10.20

Eis o País a braços com uma crise pandémica de consequências imprevisíveis e já mergulhado na maior recessão económica dos últimos cem anos. O que faz o Governo? Há por lá quem se entretenha a brincar aos repastos eleitorais: dois ministros irritadinhos e amuadinhos, cada qual a enviar farpas ao parceiro em declarações que prometem uma escalada de agressividade verbal até ao escrutínio presidencial de Janeiro. 

Lindo exemplo de irresponsabilidade política, este que Augusto Santos Silva e Pedro Nuno Santos proporcionam aos portugueses, protagonizando jogos florais na praça pública. Como se não fizessem parte do mesmo partido e não se sentassem a poucos metros de distância um do outro no Conselho de Ministros. Como se nada mais tivessem de fazer senão oposição a si próprios. 

Não pode haver mais expressivo retrato da falta de autoridade efectiva do primeiro-ministro na hora que passa. Precisamente quando o País mais precisaria dela. 

Ivanka Trump e o Banco Mundial

jpt, 18.04.19

Isto de Donald Trump ter oferecido à sua filha a presidência do Banco Mundial dirá muito sobre como estão os EUA e o mundo em geral. Mas diz também sobre o estado do jardim à beira plantado e dos seus habitantes. Dei uma volta pelas "redes sociais", secções portuguesas. Nas quais, desde há anos, Trump é visceralmente criticado. E não serei eu quem virá contestar a pertinência de muitas dessas críticas. Mas agora? Encontro, naquilo que vejo, na "rede" egocentrada que me é disponível, um silêncio total. As vozes e teclas mais anti-trumpianas, sempre tão activas na crítica ao presidente americano, distraíram-se e não estão frenéticos nas "partilhas" e "denúncias" desta escandalosa deriva nepotista. Decerto que não por estarem ocupados nas bichas das bombas de gasolina: poderiam ter usado os telemóveis durante as esperas para "denunciar", com redobrado ímpeto, este episódio.

Mas agora não. Convém nem referir o assunto, já basta de falar de redes familiares nos cargos de nomeação política. Mesmo que tão mais importante seja a possibilidade da nomeação da filha de Trump para o Banco Mundial do que mais um primo de Carlos César ser colocado num qualquer posto, ou a rábula do secretário de estado invertido ninfomaníaco que queria o capitão garanhão como motorista. Mas nem essa diferença de escala lhes diminui o silêncio. Não querem parecer "parolos" aos olhos de Augusto Santos Silva, como tal preferem calar-se, preocupar-se com outras coisas. Ou, por outra, antes parecer Trump do que parolo, dirão, fiéis ao perversor ministro.

Gente muito fraquinha. Se gente.

 

O Parolismo

jpt, 10.04.19

Uma entrevista de Augusto Santos Silva, mNE (basta googlar que se encontrará uma versão resumida, com cerca de 10 minutos). Não particularmente interessante, não tanto pelo ministro mas devido ao tom afável e até algo subserviente da entrevistadora - há ali uma nuvem de comunhão de casta, tonitruante no final na partilha de "grande amigo", que abre auto-estrada para que Santos Silva saia incólume e até com louros da entrevista, de facto conversa.

Mas, e para além de algumas afirmações interessantes sobre política externa, ainda que não inovadoras, infelizmente não esmiuçadas, o cabeçalho terá que ser as declarações sobre política interna - já agora, nem uma palavra sobre as eleições europeias e sobre "que Europa?", para além de plácidas considerações sobre defesa comum, mostram o tom demasiado "charmoso" da entrevista. E sobre esta Augusto Santos Silva, reclamando alguma rusticidade lexical que faz ancorar no seu portismo, diz serem "parolos" os que se preocupam com as redes familiares no poder político.

Somos então parolos, prisioneiros do parolismo, quando resmungamos com a política de pleno emprego político na família do presidente do PS, o infausto César. Somos parolos - eu, com toda a certeza - quando nos iramos com o secretário de estado da defesa do consumidor que quer o amante capitão à mão de semear, desgraduado em motorista. Somos parolos quando notamos que no PS, confrontado com tanta festividade empregadeira, a sua secretária-geral adjunta, Ana Catarina Mendes, considera que o seu partido de ninguém recebe lições de ética (conviria lembrar, para o caso de alguém se ter esquecido, que o anterior governo do PS, no qual estavam inúmeros ministros actuais, foi chefiado pelo antigo 44 da penitenciária de Évora, durante anos sufragado por mais de 95 por cento dos congressistas socialistas, entre os quais Costa, Santos Silva e, claro, Ana Catarina Mendes). Assim apresentando diferente doutrina da defendida pelo actual mNE que já declarou que "não faz julgamentos éticos", isto a propósito da trafulhice infecta que foi o anterior governo PS. 

Somos parolos ainda quando nos interrogamos sobre isto do PS nem mesmo depois da trapalhada com Sócrates ter o mínimo de cuidado nestes arranjos familiares - uma ligação cronológica, produtora de "sensações", nada colocada na entrevista, ainda que a entrevistadora até tenha aludido a hipotéticas "sensações" do eleitorado. Somos completamente prisioneiros do parolismo, dirá o douto Silva.

E, mais ainda, somos parolos, do parolismo, quando lemos o letal texto de João Pedro George (1, 2) - que terá continuação na próxima edição da revista Sábado - sobre como funcionam as relações familiares no poder político e na administração pública, como promovem a redistribuição de recursos por uma pequena clique. Eles, os socialistas, os Santos Silvas e Megas Ferreiras (bombardeado sem dó nem piedade no texto de George) são os "cosmopolitas", para usar o termo que ASS usa na entrevista como auto-definitório, de si e do seu partido. Nós somos os "morcões", parolistas.

Ah, quem me dera poder escrever palavrões no blog (e no facebook). 

Adenda: um comentador residente no DO comentou o postal com ligação a um pequeno filme, declarações de Sousa Santos evidentemente a propósito do caso Sócrates - indivíduo do qual ele foi ministro, e com o qual anteriormente foi ministro. 

O interessante é que nesta longa e plácida entrevista concedida ao "Observador", apresenta-se como um cientista social, que é, e reclama essa condição para o seu exercício da política, fundamentando-se em "estudos, sondagens", sendo de tal forma veemente que a entrevistadora se aprestou a apresentar-se como algo diferente, como "intuitiva". Mas para defender Sócrates - em 2015, ainda antes do afastamento da Procuradora-Geral, e bem antes daquele fim-de-semana de 18, no qual o presidente César, a criatura então ainda não-secretário de estado Galamba e a jornalista Câncio, confluiram numa espécie de grito de Ipiranga, querendo apartar o PS do seu sempre aclamadíssimo ex-secretário-geral -, para defender Sócrates, dizia eu, já Santos Silva vituperava a justiça portuguesa, negando as más-práticas tão duradouras do seu antigo chefe, para isso fundando-se num tão intuitivo e nada científico "é o que eu sinto". Como se que a fugir-lhe o pé para a chinela, um deslize parolo, por assim dizer.

Um bocadinho menos de reverência da entrevistadora não lhe teria ficado nada mal ...

Assis tinha razão

Pedro Correia, 13.07.18

No fundo, Augusto Santos Silva vem dizer agora o que Francisco Assis já dissera em 2015: há incompatibilidades genéticas entre os parceiros da geringonça. Face aos compromissos europeus e à gestão das finanças públicas, pedras angulares de qualquer governação.

A grande alteração de contexto é a perda gradual e constante do PS nas intenções de voto, confirmada a cada sondagem de há um ano para cá. Felizmente para António Costa, existe  Rui Rio - sempre incapaz de lhe fazer uma crítica, sempre pronto a amparar-lhe a queda.

Sermão ministerial a jornalistas

Pedro Correia, 21.02.18

A política externa deve dar pouco que fazer ao titular da pasta dos Negócios Estrangeiros. Só assim se explica que Augusto Santos Silva tenha assinado um longuíssimo artigo com 17 mil caracteres na Folha de S. Paulo onde, entre alusões ao populismo e às novas plataformas da comunicação, se permite dar sermões, distribuir ralhetes e apregoar deontologia profissional aos profissionais da comunicação social.

Chega ao ponto de assinalar "a culpa do descumprimento ostensivo da deontologia profissional, que tem sido particularmente evidente e grave no jornalismo, onde todos os dias se repetem infracções descaradas a regras básicas de ética e deontologia, como a separação entre factos e opiniões, o respeito pela intimidade e a vida privada, a obrigação do contraditório ou o dever de prova".

Daqui resultam duas interrogações. Primeira: quem terá investido Santos Silva nesta autoridade de doutrinador e "controleiro" dos jornalistas? Segunda: será por falta de pachorra para ler prosa tão copiosa que ainda não tomei conhecimento de qualquer resposta dos supostos endoutrinados?

Filhos, enteados e comentadores de filiação incógnita

Diogo Noivo, 29.12.16

A propósito do incidente “feira do gado”, protagonizado por Augusto Santos Silva (who else?), o essencial já foi dito pelo Rui Rocha. Falta apenas dizer que o pedido de desculpa foi mais gravoso do que a afirmação que lhe deu origem (a afirmação insultou a concertação social, o pedido de desculpa insultou todos aqueles que têm dois dedos de testa), mas adiante.
Há, no entanto, um argumento que vai despontando nas fileiras de apoiantes do Governo, uma tese segundo a qual se tratava de um momento informal e, por isso, a recolha de som não é legítima. Eram conversas privadas, de gente que, no fundo, é mortal e igual ao cidadão comum. Em suma, gente que tem o direito de soltar umas boçalidades no recato do seu espaço próprio e privado. Parece-me um argumento difícil de defender – era um evento público, com intervenções públicas, para o qual foram convocados jornalistas.
Mas admitamos que sim, que o som foi colhido de forma ilegítima e 'pela calada'. Certo. Significa, portanto, que quem perfilha este argumento condena a gravação da célebre conversa privada entre Vítor Gaspar e Wolfgang Schäuble? E, por maioria de razão, condenarão a divulgação pública das brutalidades cavalares ditas por Donald Trump sobre as mulheres, uma conversa tida à porta fechada, mas apanhada por um microfone aberto? Se sim, não me lembro que esta gente tivesse tantos pruridos quando estes casos fizeram manchetes. Neste Tempo Novo temos então um conceito inovador assente em dois paradoxos: o princípio sacrossanto, mas de aplicação à la carte, de privacidade em eventos públicos.

O Código de Conduta, o Códigozinho de Conduta

Rui Rocha, 21.08.16

A carga de porrada de Ponte de Sor já obrigou o Ministro Santos Silva a manifestar-se, conforme os dias e os órgãos de comunicação social, preocupado, disponível para ajudar a investigação, empenhado em ir até onde for possível, capaz de empreender diligências diplomáticas e, o Diabo seja cego, surdo e mudo, até de avaliar um "eventual talvez possível quem sabe sem precipitações" levantantamento da imunidade. Fico consternado por ver o Ministro tão aperreado com este melindroso assunto num momento do ano que devia ser de descanso e descontracção. Houvesse um módico de Justiça no Mundo e a Providência proporcionaria a Santos Silva um daqueles lampejos de inspiração ocorrendo-lhe que, vai-se a ver, um Código de Conduta para filhos de Diplomatas pode bem ser uma bela solução para encerrar definitivamente o assunto.

Porte doutoral, mas atira à canela

Diogo Noivo, 20.01.16

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Augusto Santos Silva tem a subtileza política de um aríete medieval. Mas foi o que se arranjou para ocupar o Palácio das Necessidades. Talvez esperassem que a função fizesse o homem. Se foi esse o caso, está visto que não o conhecem.

O responsável pela política externa nacional veio a terreiro dar um ar da sua graça no melhor estilo caceteiro. Era uma questão de tempo. Porém, desta vez inovou: à habitual índole rufia juntou-lhe um laivo indisfarçável de pedantismo. Em reacção ao caso da condecoração que França atribuiu ao cantor Tony Carreira, S. Exa. o Ministro dos Negócios Estrangeiros afirmou:

 

Nunca consegui cumprir um dos meus sonhos sociológicos que foi assistir a um concerto de Tony Carreira, porque me dizem que é um dos acontecimentos que um sociólogo deve observar.”

 

Sempre com o Povo na boca, mas jamais misturado com ele.

Seis opiniões socialistas

Pedro Correia, 20.02.13

«Sou do tempo em que um estudante em Coimbra foi impedido de falar perante o Presidente da República [em 1969]. Não sou do tempo nem quero ser do tempo em que estudantes impedem professores ou membros do Governo de falar.»

Augusto Santos Silva, TVI 24

 

«Perguntei-me se o caminho para mudar o estado de coisas passa por impedir os Ministros - ou as oposições, tanto faz - de falarem nas Universidades, lugar por excelência da liberdade. Quem vai decidir quem pode falar? Quem tiver mais cartazes, insultar e gritar mais?»
Paulo Pedroso, Banco Corrido

 

«Uma das coisas que mais me tem preocupado na vida política portuguesa é o tom da discussão e a linguagem utilizada. Não fico nada satisfeito - pelo contrário, fico profundamente preocupado - quando vejo o primeiro-ministro a ser sistematicamente apupado. Isso é mau, é negativo.»

Francisco Assis, Rádio Renascença

 

«O boicote arruaceiro de discursos ministeriais não é aceitável nem é tolerável numa democracia. O direito de manifestação tem regras e não pode sobrepor-se à liberdade de palavra. Ninguém é obrigado a ouvir um ministro; ninguém tem o direito de o impedir de falar. Por mais malquistos que sejam, os ministros integram um órgão de soberania, legitimado pelo voto dos portugueses, não podendo estar sujeitos à "acção directa" de pequenos bandos mais ou menos anarquistas. Isto devia ser uma "linha vermelha" para todos os partidos institucionalistas, no governo ou na oposição.»

Vital Moreira, Causa Nossa

 

«O protesto é legítimo e tem um espaço na democracia. Quem governa tem de estar preparado para enfrentar todas as críticas. Considero todavia que há limites que põem em causa a democracia e a governabilidade nos regimes democráticos. E esses limites atingem-se quando se impede o outro - quem quer que seja - do uso da palavra.»

Maria de Lurdes Rodrigues, SIC Notícias

 

«Não aceito que se estabeleça o princípio de que o País está num estado anormal e que, portanto, a reacção também pode ser anormal. Fora de um quadro democrático, toda a violência é legítima. Dentro de um quadro democrático, nenhuma violência é legítima. E a violência não é só física: é também a que coage o outro quando o impede de exercer a sua palavra.»

António Costa, SIC Notícias

 

(acrescentei os depoimentos de VM, MLR e AC aos três iniciais)

Socialistas que vale a pena escutar

Pedro Correia, 04.12.12

«As eleições em democracia são de tantos em tantos anos exactamente porque um governo não pode estar dependente da popularidade do momento, porque senão ninguém fazia política nem ninguém tomava as medidas que por vezes é necessário tomar e que são circunstancialmente impopulares - e depois podem vir a revelar-se virtuosas e as pessoas a posteriori até acharem que se fez muito bem. Veja-se o caso do governo do Bloco Central: foi odiadíssimo enquanto esteve em funções [1983-85] e agora é quase idolatrado. O infelizmente falecido Prof. Ernâni Lopes e o Dr. Mário Soares são quase idolatrados como salvadores da pátria. A opinião pública é volúvel. Não podemos pôr sobre os políticos uma espada de Dâmocles que os ameace dia-a-dia.»

Augusto Santos Silva, TVI 24 (27 de Novembro)

 

«É preciso explicar aos portugueses que os sacrifícios valem a pena. (...) Já fizemos outros ajustamentos no passado em circunstâncias também muito difíceis. Não devemos destruir a imagem que o País tem no contexto internacional. (...) Fiz parte do Governo do Bloco Central. Hoje já se pode dizer isto em Portugal sem correr grandes riscos. Houve uma altura em que ter participado nesse governo era quase criminoso. (...) Não há interesse para o País numa crise política.»

António Vitorino, TVI 24 (27 de Novembro)