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Delito de Opinião

Qual o contrário de federar?

Paulo Sousa, 28.03.25

A Federação Portuguesa de Atletismo entrou há dias nas notícias, após ter inventado uma licença a ser cobrada a quem se inscrever em provas de atletismo. O saldo negativo com que têm fechado as contas nos últimos quatro anos justifica tal medida, dizem.

Esta nova “pagazana” (era isto o que a minha avó chamava a tudo o que não fosse uma compra e tivesse de ser pago) agitou a tribo do atletismo amador. Ninguém se incomoda com a existência da Federação, nem ninguém se deu ao trabalho de investigar a respectiva estrutura de custos, mas como sempre nestes organismos ditos sem fins lucrativos, em caso de dúvida (dívida neste caso) em vez de se consumir energias acumuladas, opta-se pelo mais fácil que é aumentar a absorção de energia.

Eu acho que o que a Federação deveria fazer, era apostar numa prática idêntica ao que se procura no próprio atletismo amador, consumir energias em excesso e de caminho ter uma vida mais saudável.

Soube de tudo isto por conta de uma tomada de posição de um evento meu vizinho. Já aqui escrevi sobre o Cross Laminha, a mais antiga prova de trail do nosso país, que longe de ser um evento de massas, daqueles que faz alterar o trânsito das grandes cidades, é para mim um exemplo do melhor que se pode fazer em prol do desporto, atraindo pessoas para a natureza, tudo simplesmente pela alegria de fazer coisas positivas. Por isso transponho aqui o comunicado da sua organização.

O evento Cross Laminha é a prova de Trail mais antiga de Portugal.
Somos uma Organização totalmente amadora nascida no ano 1999.
Todo o trabalho desenvolvido é voluntário, feito por várias pessoas em voluntariado.
O Cross Laminha tem das inscrições mais baratas, apenas o suficiente para cobrir as despesas organizativas do evento.
O evento Cross Laminha não oferece prémios monetários.
O Cross Laminha está limitado à participação de 300 participantes anualmente.
99% dos participantes do evento Cross Laminha são amadores, e destes, 90% são "não filiados".
O lucro do evento Cross Laminha é proveniente do apoio municipal e reverte totalmente para a igreja local.
O evento Cross Laminha dedica-se ao divertimento sadio de todos os seus participantes.
O evento Cross Laminha promove a prática da Corrida em meio florestal e fora de estrada.
O evento Cross Laminha limpa e promove a limpeza de trilhos na natureza, visando a prática desportiva da Corrida e caminhada nestes locais.
Por estes motivos, a Organização não se revê e não concorda com a posição da FPA, que "obriga" a uma taxa injusta e injustificada para quem apenas quer fazer da corrida um passatempo saudável.
Não sendo viável fazer o evento para apenas participantes filiados ou federados, que seriam entre 10 a 30 participantes, tomámos a seguinte decisão:
A manter-se a posição atual da FPA, que será prejudicial para o Atletismo amador português e para a esmagadora maioria das organizações, informamos que a edição do Cross Laminha 2026 não se realizará!
Sem participantes não existimos.
Obrigado pela compreensão

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Geralmente afasto-me com a agilidade possível de tudo quanto sejam turbes, mas deste vez recomendo mesmo que se assine esta petição pela para a Revogação da Licença Obrigatória nas Competições de Atletismo.

À organização do Cross Laminha sugeria apenas que na imagem que adoptaram para este evento, fardassem o bode com o emblema da Federação que não federa.

Mário Moniz Pereira: a única homenagem que lhe faltou

Pedro Correia, 01.08.16

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 Mário Moniz Pereira com Carlos Lopes em Janeiro de 1976: seis meses depois, o segundo conquistaria a primeira medalha olímpica de atletismo para Portugal

 

Mário Moniz Pereira foi um dos raros portugueses de excepção que tiveram o privilégio de ser homenageados várias vezes em vida: Medalha de Mérito Desportivo, Comenda da Ordem do Infante D. Henrique, Comenda da Ordem da Instrução Pública, Medalha de Mérito em Ouro, Ordem Olímpica, Leão de Ouro com Palma, Grande Oficial da Ordem do Infante

Ao contrário do que é costume nas sociedades latinas em geral e na portuguesa em particular, mais dadas à veneração dos mortos.

 

Foi também o melhor representante da cultura leonina, pelo ecletismo de que sempre deu provas no seu  percurso pessoal enquanto praticante de ginástica, futebol, andebol, basquetebol, ténis, ténis de mesa, hóquei em patins, natação, tiro, equitação e esgrima.

Onde mais se distinguiu foi no voleibol, tendo sido duas vezes campeão nacional (1953/54 e 1955/56), a última também como treinador. E acima de tudo no atletismo, começando pelo título de campeão universitário de Portugal no triplo salto: aqui, como treinador e dirigente com o pelouro das modalidades, conquistou tudo quanto havia para conquistar: provas e campeonatos no plano nacional, europeu, mundial e olímpico. Com destaque para a primeira medalha de ouro portuguesa em Olimpíadas, obtida por Carlos Lopes em Los Angeles, na inesquecível madrugada de 13 de Agosto de 1984, quando nenhum português conseguiu dormir.

 

Mas na hora da despedida do Senhor Atletismo, ilustre sócio n.º 2 do Sporting Clube de Portugal, conclui-se com tristeza que faltou a homenagem que ele mais desejaria: o regresso da pista de atletismo ao estádio do clube.

Pista que o pioneiro Estádio José Alvalade orgulhosamente possuía e foi utilizada por milhares de atletas - em benefício da instituição leonina e do desporto português. Pista que a partir de 1979 passou a ser de tartan, por insistente reivindicação de Moniz Pereira, no rescaldo da medalha de prata obtida na prova dos 10.000 metros dos Jogos Olímpicos de Montreal por Carlos Lopes, o mais brilhante dos seus pupilos. Pista que se perdeu em 2003: o projecto encomendado a Tomás Taveira - só virado para o futebol, esquecendo o ecletismo que é marca distintiva do Sporting - não a contemplava. Nem foi possível reparar o erro, apesar de o custo final do novo estádio ter excedido em 75% o montante inicialmente estipulado.

De todas as homenagens, esta teria sido a que ele preferiria. Foi a única que ficou por concretizar.

Publicado originalmente aqui

The times they have a-changed

José António Abreu, 13.08.13
Mesmo os que, por defeitos de idade, não viram em directo se lembram de Rosa Mota cortando a meta para a vitória na maratona dos Jogos Olímpicos de Seoul, em 1988. Pequenina, magrinha, ar simpático, braços bem erguidos de justificado orgulho, sovacos por depilar. Rosa Mota já conquistara o bronze nos Jogos Olímpicos de 1984 e, em 1987, fora Campeã do Mundo em Roma (para além de ter conseguido vários títulos europeus e vencido uma mão-cheia de maratonas importantes). Mas convenhamos que, grande atleta que indiscutivelmente era, nunca o termo «sensual» se lhe aplicou. Pior um nadinha: Rosa, como Carlos Lopes, Aurora Cunha, Fernando Mamede, os gémeos Castro ou, na verdade, ainda vários dos atletas portugueses da actualidade, revelava um país mais parecido com os tempos de Salazar (esforçado mas pobrezinho, ligeiramente digno de pena) do que com o país em que, poucos anos volvidos, os portugueses gostavam de se imaginar a viver.
Mas isto não é sobre Portugal. É sobre algo muito mais importante e cem por cento internacional: mulheres. Atletas, mais exactamente. Assistia eu ontem à sessão da tarde dos Campeonatos do Mundo de Atletismo, a disputar-se em Moscovo, quando as atletas do heptatlo me fizeram pestanejar e arregalar os olhos. Várias vezes. Mais de uma dúzia de raparigas altas, esbeltas, giras. Algumas com características inteiramente adequadas a protagonismos de anúncios de produtos de beleza – que, lá no país delas, podem bem ser uma realidade. Claro que sempre houve raparigas atraentes no atletismo. Por virtude de idade, lembro-me bem da relação amor-ódio que Heike Drechsler me inspirava (amor porque era um bocadinho mais gira do que a grande rival, Jackie Joyner-Kersee, ódio porque competia pela RDA). Por virtude de não assistir apenas a futebol na televisão, sei igualmente que existem hoje raparigas atraentes em muitas disciplinas do atletismo (e de outros desportos) para além do heptatlo. Basta pensar nos olhos e na boca de Blanka Vlasic. Ou nos olhos e no resto de Yelena Isinbayeva. E fosse ela menos gira (e simpática e boa conversadora) e os azares de Lolo Jones nos Jogos Olímpicos (queda em 2008 quando liderava destacada os 100 metros barreiras, quarto lugar na mesma prova em 2012) não teriam doído tanto. Finalmente, por virtude de ser bom a extrapolar conclusões a partir de amostras minúsculas, também estou ciente de que uma significativa parte da população mundial tem andado a ficar mais atractiva. Mas o quadro de participantes no heptatlo deste Mundial é assim a modos que um ridículo concentrado de boa aparência num sector onde a boa aparência não costumava abundar. E garanto que as fotos acima, uma selecção retirada do site oficial da Federação Internacional, estão longe de fazer justiça às raparigas.

Agora desculpem mas vou ver a sessão desta tarde, que deixei a gravar. A Lolo não está em Moscovo (snif) mas o heptatlo acabou hoje.

 

Nas fotos, da direita para a esquerda e de cima para baixo: Dafne Schippers (Holanda); Ellen Sprunger (Suíça); Ganna Melnichenko (Ucrânia); Grit Šadeiko (Estónia); Györgi Farkas-Zsivoczky (Hungria); Ida Marcussen (Noruega); Karolina Tyminska (Polónia); Katarina Johnson-Thompson (Grã-Bretanha); Kristina Savistkaya (Rússia); Laura Ikauniece (Letónia); Mari Klaup (Estónia); Nadine Broersen (Holanda); Nafissatou Thiam (Bélgica); Sharon Day (EUA); Yasmina Omrani (Argélia).

 

Adenda: Em nome da igualdade de género, gostaria de salientar que este arrazoado poderá quase de certeza aplicar-se também a atletas do sexo masculino. Mas outra pessoa qualquer que trate dessa parte. Não vou ser eu a colocar aqui fotografias de Renaud Lavillenie.