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Delito de Opinião

A fraqueza dos presidentes

Luís Naves, 17.04.16

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As transições dos presidentes americanos bem sucedidos costumam corresponder a tempos um pouco mais instáveis. O último ano de Barack Obama não está a fugir a esta regra, muito visível desde o fim da Guerra Fria, mas que já se verificava nos ciclos anteriores. No seu oitavo ano de poder, o presidente não pode ser reeleito e é politicamente débil. Muitos congressistas também vão a eleições e estas viragens de ciclo costumam fazer muitas vítimas, pelo que ninguém quer correr riscos. Claro que o primeiro ano do novo presidente também pode ser instável, mas os líderes populares tendem a encurtar esse período problemático.

O fenómeno talvez possa explicar parte dos desafios que estão a surgir à liderança americana do mundo, por exemplo a aparente agressividade russa no Báltico, os ensaios de mísseis da Coreia do Norte, o aumento das rivalidades no Mar da China, o interesse de Moscovo no Médio Oriente. Neste último, o verdadeiro motivo será a tentativa de limitar a produção de petróleo, sem ligação aos ciclos americanos.

Com a América menos envolvida em questões externas e mais atenta às suas próprias eleições, é natural que os poderes rivais tentem fazer testes de vontade política. O próximo presidente será provavelmente Hillary Clinton, com grande experiência internacional, o que contribuirá para uma rápida acalmia, mas existe a possibilidade de  tudo correr de forma diferente. Os outros três candidatos com possibilidades (Donald Trump, Ted Cruz e Bernie Sanders) são populistas com ideias que levarão ao isolamento da América e ao recuo da sua política externa. Trump representa um fenómeno novo e fez promessas eleitorais que darão origem a conflitos com aliados e a mudanças estratégicas imprevisíveis. Se vencer, será testado sem quartel por todos os poderes que contestam a hegemonia americana. Veremos mísseis a voar, incidentes de fronteira e retórica bélica.

Fantasia perigosa

Luís Naves, 10.10.15

O inaturável provincianismo e a tradicional bazófia lusitana conspiram para uma interpretação malabarista dos resultados eleitorais. Os vencedores, afinal, não venceram. A comunicação social, sempre atenta ao irrelevante e resistente à lógica, alinha nesta perigosa fantasia.

Um governo que reunisse as duas esquerdas teria de resolver o problema genético de uma sua parte ser contra o Tratado Orçamental europeu e outra parte a favor. Um governo de esquerda que revogasse as reformas que a troika impôs nos últimos quatro anos estaria a comprometer no imediato a confiança dos credores, secando o financiamento externo do país e levando em poucas semanas à formação de filas nas caixas multibanco.

O Tratado Orçamental estabelece o limite de défice estrutural de 0,5% do PIB e, caso sejam cumpridas as metas deste ano (2,7%), faltam cerca de dois pontos percentuais, 3 mil milhões de euros, que podem ser obtidos sobretudo através de crescimento económico e receita de impostos nos próximos três anos. Num contexto de crise europeia, surge esta tentação de ignorar a vontade popular e destruir o que foi feito. Ela leva-nos a instabilidade política, a uma nova situação de pré-falência e a um segundo resgate, ainda mais duro que o anterior. Não há espaço para loucuras e mesmo os nostálgicos dos governos de cinco minutos da Primeira República deviam entender que as elites fracas afundam países e que os naufrágios, no mundo contemporâneo, são demasiado rápidos.

O planeta Saudade

Luís Naves, 15.08.15

Se dependesse de mim, o quarto planeta conhecido do sistema planetário da estrela μ Arae (na constelação Ara) seria baptizado Saudade. Assim votei neste site, onde podemos escolher os nomes de 32 exo-planetas (todos de grande dimensão, geralmente verdadeiros colossos gasosos). Na mesma opção (uma lista), o mais promissor dos planetas do sistema ficaria conhecido por Adamastor: que nome perfeito para um gigante dez vezes maior do que a Terra! Tudo isto fica a 50 anos-luz de nós. Há também um Lusitânia e um planeta Esperança, dois outros nomes que constam da escolha onde votei. Aproveito para agradecer aos astrónomos que proporcionaram esta votação e serve o post para vos convencer a votar no planeta Saudade...

A vanguarda

Luís Naves, 21.07.15

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Qs debates políticos em Portugal estão contaminados pelas eleições, o que explica a forma previsível como foi recebida a proposta francesa de criar uma vanguarda de países na zona euro, com a tradicional indignação dos radicais e o silêncio evasivo dos partidos de poder. A proposta é obviamente um começo de conversa e François Hollande deve ter consultado os parceiros envolvidos. Como escrevi no Delito, por exemplo, a 28 e 22 de Junho, a maior consequência da crise na zona euro será a aceleração da integração europeia, aquilo que em linguagem comunitária se chama “aprofundamento”.

É necessário compreender que falta à moeda única uma dimensão política, ou seja, instituições eleitas que possam exercer funções orçamentais. O Eurogrupo tem escassos poderes, o BCE possui limitações estatutárias, à Comissão falta músculo financeiro, o Parlamento Europeu é caótico e o Tratado Orçamental não passa de um remendo que evitou o naufrágio mas não evitará futuras crises. Renasce assim a ideia de criar um governo europeu limitado a grupo restrito de países e a um mercado muito integrado de 200 milhões de pessoas, certamente com orçamento próprio e fiscalizado por um senado.

Nos próximos dois ou três anos, os países do núcleo duro do centro da Europa vão debater esta questão (que os franceses defendem desde 1989), mas agora com um motivo bem mais poderoso: todos compreenderam que sem união política o euro terá escassas hipóteses de sobrevivência a prazo. O processo levará anos. Os tratados europeus permitem as chamadas cooperações reforçadas (que exigem nove membros e não podem ser exclusivas). Desta forma, o núcleo duro pode avançar para mecanismos de união política que incluam governo e parlamento, com poderes para interferir nos orçamentos, harmonizar impostos, controlar despesa pública e (talvez) partilhar e reduzir dívidas nacionais. No fundo, existiria um euroA e um euroB, o segundo com taxas de juro mais altas e capacidade de desvalorizar em relação ao primeiro.

A Europa já é uma construção flexível a várias velocidades, onde existem exemplos de cooperações reforçadas (zona euro, espaço Schengen). Os países têm a opção de entrada, desde que cumpram as regras do clube*. A ser criada uma zona euro a duas velocidades, a primeira com instituições democraticamente eleitas, a Europa resultante seria radicalmente diferente. Além dos seis fundadores (França, Alemanha, Itália, Bélgica, Holanda e Luxemburgo), os candidatos óbvios ao núcleo duro são Áustria, Espanha e Finlândia. Portugal terá dificuldade em conseguir ficar neste grupo da vanguarda, mas a recente retórica anti-europeia dos comentadores de referência e dos partidos da esquerda torna ainda mais difícil a tarefa. O populismo eleitoral que acredita ter na crítica à Europa um trunfo irresistível só nos tornará mais periféricos, aumentando o risco de ficarmos a ver navios.

 

* A zona euro é diferente, pois os países que aderiram à UE depois da criação da moeda única têm a obrigatoriedade de entrar.

Parar para pensar

Luís Naves, 13.07.15

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Nos últimos dias, quando já era óbvio que a Grécia teria de fazer transformações difíceis ou escolher o caminho do isolamento, os comentadores nacionais continuavam a fazer observações que não resistiam a poucos segundos de análise. A comunicação social tem de parar para pensar: ontem, nas televisões, eram poucas as opiniões informadas e sensatas, foram frequentes as patetas. Nos jornais, para a maior parte dos comentadores, havia bravos gregos contra tenebrosos imperialistas. Ninguém parecia saber como funcionam estas negociações multilaterais e proliferavam interpretações nacionalistas, ideias anti-alemãs, comparações absurdas, como se a Grécia (que deve uma fortuna e pedia uma pipa de massa) estivesse a ser forçada a tomar cicuta.

A opinião pública teve certamente dificuldade em perceber o que ia acontecendo e está explicada a crise na nossa Imprensa. Os que não têm acesso a fontes em outras línguas ficaram com uma ideia distorcida dos factos (basta consultar o essencial dos comentários no Facebook), mas houve mais aspectos significativos, como o anti-europeísmo feroz de muitos dos comentários e o desaparecimento dos partidos que até agora descreviam Alexis Tsipras como semi-Deus.

O acordo da madrugada terá difícil aplicação, mas para já salva a Grécia da queda imediata no abismo. Como diziam os responsáveis europeus, numa interpretação pouco seguida entre nós, o problema dos gregos está no modelo de sociedade e numa economia dependente de um sistema político disfuncional. No fundo, em troca do terceiro resgate, esgotada a confiança dos credores, Atenas teve de aceitar uma profunda transformação nos seus hábitos económicos e da própria forma de funcionamento do Estado. Em troca de ajuda financeira em larga escala, serão efectuadas várias reformas estruturais que estavam por fazer e haverá maior vigilância dos credores. Só isto explica as exigências de fazer tudo muito depressa, na realidade em escassos dias: vem nos livros, as mudanças sistémicas fazem-se em processo de choque e pavor.

A esquerda dividida

Luís Naves, 07.07.15

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Se a Grécia não apresentar um plano que inclua reformas impopulares, o acordo com os credores será impossível e a situação deverá piorar de forma dramática. Haja ou não entendimento, o referendo grego já mostrou a divisão da esquerda europeia, com a formação de dois blocos irreconciliáveis. Nos países da zona euro crescem os populistas eurocépticos, num processo gradual que torna cada vez mais pequena a aliança central (e tradicional no poder) de conservadores e socialistas.

Entre nós, nos meios de comunicação de referência, triunfou uma retórica que define o lado europeu como sendo neo-liberal e subserviente dos interesses do governo alemão, liderado pelos conservadores Angela Merkel e Wolfgang Schauble. Esta caricatura é infeliz. No Conselho Europeu há socialistas, como François Hollande ou Matteo Renzi, cruciais no processo de decisão, como serão importantes os social-democratas alemães (Sigmar Gabriel, Martin Schulz) ou o trabalhista holandês Jeroen Dijsselbloem*, cujos partidos fazem parte da bancada socialista do Parlamento Europeu, também vital para qualquer decisão.

A Espanha ilustra bem a nova clivagem no eleitorado esquerdista, com PSOE e Podemos a fazerem interpretações opostas do caso grego. Segundo as sondagens, os dois partidos deveriam formar uma aliança de poder pós-eleitoral, mas as divisões sobre como prosseguir com a moeda única dificultam esse resultado. Em Portugal, o PS tem a fractura exposta, com dirigentes de topo a fazerem discursos alinhados com o Syriza e a liderança a tentar um meio termo que permita criticar as políticas de austeridade sem inviabilizar a solução europeia onde participam os partidos homólogos. A ambiguidade pode custar votos a António Costa, cuja posição relativamente alinhada com a Europa contrasta com a de muitos membros do seu partido, mais próximos do discurso do Bloco de Esquerda e do PCP favorecido pelo coro grego dos analistas mediáticos. O problema dos socialistas é que será a conquista dos eleitores do centro a decidir as legislativas e, caso se confirme o Grexit, os portugueses vão assustar-se com as imagens do colapso financeiro e da crise humanitária que se vai seguir, com a moeda paralela, bancos estoirados, prateleiras vazias e falta de gasolina.

 

*Não confundir esta formação social-democrata com os socialistas holandeses, que estão na oposição, ocupando no Parlamento europeu lugares na bancada onde também se sentam Syriza, Bloco de Esquerda ou PCP.

A morte do Minotauro

Luís Naves, 06.07.15

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Acelerando o que decorria em câmara lenta, a resposta popular ao referendo na Grécia aumentou a probabilidade de Atenas abandonar a zona euro e tornou menos provável que os líderes europeus continuem a lutar contra esse desfecho. Um acordo entre as partes é ainda possível, mas parece ilusório: o Syriza dificilmente trocará a sua vitória nas urnas por cedências aos europeus e estes terão dificuldade em ratificar nos parlamentos nacionais um terceiro resgate sem as devidas contrapartidas gregas.

Através de um Grexit ou reforçando a integração, a união monetária vai mudar nos próximos meses, embora não da forma que muitos comentadores julgam ser inevitável, ao narrarem estes acontecimentos como a chacina do Minotauro: a Europa não consentirá em pagar a factura da dívida grega sem garantias de que Atenas está disposta a fazer reformas. A Grécia acumulou uma dívida insustentável e não tem condições de permanecer na moeda única mantendo a sua economia disfuncional, mas a votação reforçou o governo de esquerda, que não aceitará fazer as alterações exigidas pelos seus parceiros. Já houve dois resgates e uma reestruturação da dívida, e não será por aí que se encontra a solução mágica, pois Atenas paga 3,5% do PIB em serviço da dívida, percentagem semelhante a muitos países sem problemas. Portugal deve menos, paga 5% e por enquanto financia-se nos mercados.

Mesmo com um acordo óptimo, a Grécia regressaria em breve à protecção dos credores, entrando numa lógica de eterna dependência. Não faz sentido que países pobres como a Eslováquia estejam a subsidiar uma sociedade mais avançada que não influenciam. E manter a situação de agonia incentiva por todo o lado formações populistas anti-europeias que contestam as chamadas ‘políticas de austeridade’, ou seja, contestam as medidas de rigor orçamental que os pró-europeus exigem em troca do dinheiro dos seus contribuintes. Pagar o preço de manter a fachada da união monetária abre caminho à reivindicação permanente dos devedores, pois compensa não cumprir as regras e há sempre um referendo para contrariar as retaliações.

Por estas razões, entre outras que José António Abreu muito bem assinala mais abaixo, o resultado de ontem reforçou indirectamente as facções europeias que antes defendiam a saída da Grécia. Os gregos votaram pela ruptura e os europeus tendem cada vez mais a concordar. As próximas discussões serão provavelmente sobre se o processo vai ser controlado ou caótico. A Europa cometeu muitos erros, sobretudo perdeu tempo e não rectificou os seus lapsos, mas esta crise revela o absoluto falhanço da classe política grega. Todos os partidos mentiram aos eleitores e vimos a fuga para a frente de uma equipa que levou goleadas sistemáticas e mudou sempre para treinadores piores, sem nunca aceitar que o seu problema era a exigência elevada do campeonato onde jogava.

O debate sobre a Grécia

Luís Naves, 30.06.15

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É difícil escrever contra a corrente dominante e contra mitos instalados. Nos últimos dias, triunfou no discurso público uma interpretação da crise grega que torna quase impossível apresentar um ponto de vista alternativo: venceu a ideia falsa de que a Europa é um espaço anti-democrático em colapso, onde Portugal já não cabe; a crise em Atenas tem a ver com imposições tecnocráticas e ignorância política. Embora a teoria não resista a cinco segundos de análise, ela é hoje dominante nos meios de comunicação.

Em textos anteriores, tentei explicar que esta crise é política. A União Económica e Monetária (UEM) nasceu com uma falha de concepção e os resgates foram mal desenhados, num contexto de pânico financeiro que os tornou inflexíveis. Qual é a falha da UEM? A ausência de união política, o que se traduz no seguinte: o eleitor do país A não se pronuncia sobre o governo do país B e, no entanto, o governo do país B pode tomar decisões que prejudicam a prosperidade do eleitor do país A.

É este o caso da Grécia, onde o governo populista de esquerda quer sair da zona euro, mas culpando os europeus pelo resultado. Com a saída, o Syriza podia nacionalizar a banca e imprimir dinheiro, libertando-se de medidas impopulares que não tem condições para aplicar, como cortes nas pensões. As poupanças dos gregos serão destruídas, mas o Syriza é um partido da esquerda radical e não está interessado na classe média. Tsipras mentiu ao seu eleitorado sobre a saída da zona euro e precisa de um bode expiatório. O verdadeiro jogo é sobre a culpa.

Na Europa há também a intenção de tirar a Grécia da zona euro, embora não a de arcar com a responsabilidade. O incumprimento e a desvalorização da nova moeda permitiriam reestruturar a dívida grega e recuperar a economia, sobretudo se houver uma ajuda em larga escala. Em vez de uma agonia lenta e de um terceiro resgate que talvez não passe nos parlamentos, a Grécia podia ser colocada num programa temporário de recuperação, suspendendo a sua participação na UEM. Há outra vantagem: a saída (ou meia-saída) permite resolver de vez a falta de união política, pois quem fica sabe que a falta de disciplina orçamental terá a punição grave do eventual afastamento da UEM.

O debate nacional ignora tudo isto. Os mesmos que fazem previsões catastróficas sobre o futuro de Portugal na moeda única criticam de forma ácida qualquer declaração sobre as dificuldades de Atenas, como se Portugal não fosse uma democracia. Cada vez que o governo português se pronuncia sobre um assunto com potencial para nos afectar, surge logo um coro de indignação, que deviam estar calados ou que deviam apoiar Tsipras. E, no entanto, quanto mais conseguir destruir as minhas poupanças, melhor negócio terá a Grécia, embora o meu protesto seja visto como um atentado à democracia e àquela Europa mítica que nunca existiu e não existe.

E agora o desconhecido

Luís Naves, 28.06.15

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A Grécia e os seus credores estavam à beira de um acordo, quando houve ruptura inesperada das negociações. O Eurogrupo chegou a propor condições mais generosas do que as que foram oferecidas a Portugal há dois anos e que permitiriam a Atenas prolongar por cinco meses o actual programa e negociar tranquilamente o terceiro resgate. A atitude dos negociadores gregos sugere que o governo de Alexis Tsipras não conseguiu convencer os membros mais radicais do Syriza ou, em alternativa, pretendia desde o início abandonar a União Económica e Monetária (UEM), culpando os europeus pelo desfecho. No comentário nacional, há observadores que acreditam na culpa exclusiva dos dirigentes europeus, ou seja, a estratégia teve êxito.

Entre os credores havia quem defendesse a saída da Grécia, sublinhando que podia facilitar a reparação da própria zona euro. O Grexit implica horrores económicos e riscos políticos, mas o copo pode ser visto meio cheio, pois a partir de agora quem não cumprir o Tratado Orçamental será vítima de gradual afastamento dos mercados, o que leva à porta de saída. Acabaram as ilusões: esta circunstância tem mais força do que a união política, cuja ausência no projecto inicial da UEM se revelou tão desastrosa.

Nos próximos dias, tudo o indica, assistiremos ao colapso financeiro que levará a Grécia a impor controlos de capital e a introduzir uma moeda paralela para pagar salários e pensões. A desvalorização dessa moeda permitirá recuperar a competitividade, mas entretanto haverá falências e serão destruídas as poupanças da classe média, que tem grandes quantidades de dinheiro debaixo dos colchões e, assim, poderá resistir durante alguns meses. O governo de esquerda pode finalmente cumprir as promessas eleitorais, acabar com a austeridade, imprimir dracmas, aplicar um programa radical. A Grécia empobrecerá ainda mais e a Europa (incluindo os contribuintes portugueses) pagará os incumprimentos gregos e correrá certo risco de perturbação nos mercados de dívida, mas do ponto de vista político tudo avançará mais depressa: nos próximos dois anos serão definidos mecanismos de maior integração e haverá mudanças fundamentais na UE, com a renegociação da relação dos britânicos e uma nova geração de líderes na Alemanha e talvez também em França, resultando num núcleo mais forte de países e em periferias mais distantes.

Acelera a agonia da Grécia

Luís Naves, 27.06.15

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As últimas semanas demonstraram que na zona euro não se negoceiam apenas doses de austeridade, mas o que parece mesmo estar em causa é ficar ou sair. A insistência em ‘outros caminhos’ ou na necessidade de ‘mudar de políticas’ é uma mera ilusão e não imagino como a esquerda portuguesa ou os comentadores habituais vão explicar a calamidade que se adivinha.

Em Portugal, muitos acreditaram erradamente que o governo grego podia impor aos credores europeus uma alteração fundamental nos tratados e no funcionamento da moeda única. Como aliás acreditaram erradamente que o cumprimento das regras impostas pelos credores levava à espiral recessiva. Durante cinco meses, o governo de esquerda liderado pelo Syriza tentou obrigar os países europeus a prolongarem as ajudas sem se comprometer com um programa de reformas e, no entanto, crivada de dívidas e sem soberania financeira, a Grécia só agravou a situação económica, invertendo o pequeno crescimento que conseguira. Agora, se quiser ficar na zona euro, terá de aceitar medidas duras que abrem caminho à negociação do terceiro resgate; e só depois se falará em alívio da dívida. O pacote é semelhante ao que Portugal aplicou há dois anos, apesar de haver comentadores que, ignorando estes factos, continuam a considerar errada a estratégia de credibilidade seguida pelo governo português, que permitiu o regresso aos mercados e ao crescimento.

Não podendo cumprir as promessas eleitorais, o primeiro-ministro grego ensaia o que parece ser uma fuga para a frente, anunciando um referendo com escassos dias para pensar. Votar nestas circunstâncias mostra que existe aqui sobretudo um problema político, pois todas as combinações partidárias anteriores falharam na Grécia. Chamam-lhe democracia madura e modelo a seguir. Este foi o outro grande erro de avaliação da esquerda portuguesa, ao contar a história como se estivéssemos perante a resistência de uma democracia que enfrenta o cruel império neo-liberal, interpretação em que os diferentes governos da zona euro não tinham legitimidade nas urnas e nunca respondiam perante os seus eleitores. Talvez a saída da Grécia da zona euro seja o plano mais lógico ou até o plano em aplicação pelas partes, mas será sempre um golpe fatal no radicalismo de esquerda a nível europeu. Quem, no seu perfeito juízo, quererá seguir por este caminho?

Fábula

Luís Naves, 26.06.15

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Com tanto teatro, torna-se difícil perceber a estratégia da União Europeia em relação à Grécia, mas é possível que amanhã haja acordo entre as partes e que a dramatização dos últimos dias tenha servido para facilitar a passagem de medidas impopulares no parlamento grego. Não se pode excluir o cenário de saída da Grécia da zona euro, que envolveria ajuda humanitária em larga escala, mas sendo a relutância final do FMI, esse desfecho parece menos provável, pois não será certamente o FMI a ditar as políticas europeias.

Nos últimos dias, temos assistido a um elaborado jogo de sombras que visou eliminar os obstáculos ao acordo: os deputados radicais do Syriza recusam reformas sem as quais a economia grega continuará a ser indefinidamente subsidiada pelos europeus; e o eleitorado dos países credores não quer dar mais dinheiro e teve de ser submetido a uma barragem sobre os terrores da eventual saída da Grécia da zona euro. Se o governo Tsipras fizer o colossal aumento de impostos, o drama passará para a fase seguinte, que inclui a negociação do terceiro resgate, com novo pacote de reformas e perdão de dívida, nenhuma solução mágica, pois a Grécia tem grandes facilidades no respectivo pagamento. Para os europeus, está em jogo uma pequena economia que corresponde a 2% da zona euro; para os gregos, trata-se de evitar a calamidade que representaria o abandono da moeda única (inflação, taxas de juro incomportáveis, isolamento, falências e protestos).

Em caso de Grexit, a desvalorização da nova moeda permitiria acelerar o crescimento, mas a Grécia teria na mesma de fazer reformas estruturais impopulares. Os europeus ganhavam um Tratado Orçamental mais sólido, pois nenhum dos países da zona euro se atreverá no futuro a desequilibrar as contas públicas. Como os tratados europeus não prevêem a situação de saída, era necessário criar uma solução legal, por exemplo, suspensão temporária enquanto ocorressem incumprimentos, mas a recuperação grega era mais rápida e a zona euro fortalecia-se. Apesar de tudo, o plano implicava elevado custo e alguma incerteza sobre um possível efeito dominó.

Do ponto de vista de Portugal, é bem melhor que não ocorra o Grexit. Politicamente, os dois cenários possíveis são extremamente negativos para os partidos da esquerda, sobretudo o acidente de saída. Esta história foi sendo contada como a fábula da capuchinho vermelho e do lobo mau, o que daria sempre lugar a tragédia: ou o lobo passa fome ou a capuchinho vermelho é comida. Na realidade, estamos perante interesses nacionais e perante uma negociação que, envolvendo a soberania de nações livres, dará um resultado com vantagens para todos e sem rendição incondicional de qualquer das partes, pois na hipótese extrema escolhe-se o mal menor. A esquerda portuguesa nunca viu assim o problema, portanto, não poderá explicar 'as cedências' do governo grego ou a ausência de alternativa às políticas ditas de austeridade.

O que está em jogo

Luís Naves, 22.06.15

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A União Europeia enfrenta por estes dias uma das suas crises regulares, forçada a tomar decisões vitais sobre o futuro da zona euro: há opções difíceis sobre o que fazer em relação à Grécia e sobre o futuro da União Económica e Monetária, nomeadamente união bancária e supervisão de orçamentos. É neste contexto que surgem análises com previsões sombrias sobre a sobrevivência da própria UE. As decisões desta semana podem revelar-se insuficientes, mas é difícil aceitar os cenários de colapso europeu a curto ou médio prazo. A questão é interpretada como um conflito onde tem de haver a rendição de uma das partes, quando o que está em causa é encontrar soluções para problemas que se eternizam, implicando processos de negociação.

A UE é uma aliança de nações baseada no eixo franco-alemão, em torno do qual se agrupam países que consideram ser do seu interesse vital a preservação do núcleo duro. Com a UE, houve 50 anos de paz e prosperidade, após 350 anos de brutais conflitos, sempre por causa do controlo da Europa Central. A mitologia histórica é reveladora, estando muito presente na cultura dos povos das potências europeias a ideia das calamidades militares do passado.

As alianças desfazem-se por pressão externa ou por traição de uma das partes. Os membros de uma aliança podem ser atraídos pelas vantagens que um rival ofereça, mas esse não é o caso: os dois países do eixo central não têm alternativa à sua cooperação estreita. Poderia existir um afastamento mútuo provocado por qualquer rivalidade, mas esse tipo de problema não está no horizonte. A única hipótese de se quebrar a aliança podia estar no elevado custo de a manter, mas também aqui temos a situação inversa: o núcleo duro da UE beneficia com a moeda única e com o gigantesco mercado que ela propicia. Assim, não é visível qualquer custo, embora haja um preço na manutenção de membros periféricos na órbita dos dois maiores, o que é bem ilustrado pela Grécia, país que agora depende da ajuda financeira e, em caso de saída, dependerá de ajuda humanitária.

Vista do centro, é possível que esta aliança pareça demasiado grande e que o lastro de arrastar países relutantes seja um motivo de crescente frustração. Para muitos dirigentes europeus, a integração não avança mais depressa por existir esta periferia que não partilha da ideia de aprofundamento da Europa. Em resumo, é possível que nos próximos anos a UE evolua no direcção da aparente fragmentação (Reino Unido, Grécia), mas o interesse vital da França e da Alemanha não mudou um milímetro e quanto maior for o afastamento nas margens, mais rápida será a integração no centro.

 

Escrito às 19 e 20: A Grécia apresentou hoje uma proposta que abre condições para um acordo com os credores, aceitando alterações no IVA e medidas que restringem o direito a reformas antecipadas (um terço dos trabalhadores públicos reforma-se actualmente antes dos 55 anos). O superávite primário será de 1%. Estas cedências poderão resultar na negociação de um terceiro resgate e na permanência da Grécia na zona euro. Para Portugal, isto é muito positivo.

Sem opções

Luís Naves, 19.06.15

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Os argumentos irracionais tornam difícil a discussão sobre a Grécia, mas convém não esquecer alguns factos. A crise das dívidas soberanas começou em 2009, quando Atenas reconheceu que o seu défice era muito superior ao anunciado. Até aí, a Europa tinha resistido à turbulência financeira melhor do que os EUA. Nos anos seguintes, ao contrário de outros resgatados, a Grécia nunca conseguiu aplicar as reformas exigidas pelos sucessivos programas. Ao todo, recebeu 240 mil milhões de euros em ajudas externas, mais 100 mil milhões de perdão de dívida, mas estes créditos de 35 mil euros per capita não foram suficientes. A economia ruiu, o sistema partidário desmoronou-se e os problemas crónicos nunca foram resolvidos.

Falharam socialistas, tecnocratas e conservadores. Basta um exemplo: a Grécia é ainda, de longe, o país europeu que maior proporção de riqueza gasta em pensões, 17,5% do PIB, muito acima dos 13,8% da média na zona euro. Portugal, com um problema de sustentabilidade do sistema de pensões, gasta 14,8%. O tema, aliás, inviabilizou o acordo entre credores europeus e governo grego, este último agora chefiado por um partido de esquerda que prometeu ao eleitorado acabar com a austeridade. O executivo de Alexis Tsipras, apoiado pelos radicais do Syriza e por um partido da extrema-direita, fez promessas populistas que só poderia cumprir saindo da zona euro, algo que o povo grego recusa.

Nos meses de impasse, o superávite primário volatilizou-se e as receitas de impostos afundaram. Agora, qualquer cedência será inviabilizada pela ala radical do partido. Os europeus não vão ceder, pois se o fizerem terão a Grécia a exigir o terceiro resgate com mínimo de concessões e, dentro de anos, estarão a negociar o quarto resgate nas mesmas condições desfavoráveis. O eleitorado dos países credores jamais aceitará pagar a conta. Por isso, a Grécia está sem liquidez, à beira do incumprimento; os bancos têm a corda na garganta, pois as pessoas tentam retirar os depósitos e preferem guardar o dinheiro debaixo do colchão. Reverter as reformas leva ao dracma e ao isolamento.

Desde o dia em que foi eleito, Tsipras jogou todas as fichas no medo de um efeito dominó que arrastaria a periferia vulnerável. Para obter dinheiro sem fazer concessões, o primeiro-ministro pensou que a simples perspectiva da bancarrota grega levaria Portugal e Espanha na voragem dos mercados, ou seja, apostou na desgraça dos parceiros, o que é inédito na UE. Esta estratégia tinha pés de barro e o efeito dominó será mais político do que financeiro, pelo menos assim pensam os credores. Em resumo, este parece ser o fim da linha para as ilusões de quem não quiser cumprir o Tratado Orçamental.

O joker do baralho

Luís Naves, 18.06.15

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Em entrevista na televisão, ontem, António Marinho e Pinto disparou em todas as direcções, com críticas ferozes aos políticos e à justiça. Este discurso parece altamente eficaz e, se tiver exposição mediática, o líder do PDR pode baralhar os dados da eleição de Setembro/Outubro. Ele é o joker* do baralho. Imaginemos o seguinte cenário: abstenção elevada baixa o número de votantes para 5,4 milhões; o voto de protesto aumenta, com 450 mil para o PCP, 250 mil para o Bloco, 150 mil para o Livre, o valor habitual de brancos, nulos e outros; se Marinho e Pinto arrancar 300 mil (que estão ao seu alcance sem exposição nas TVs), falamos de milhão e meio de votos, ou quase 28% do eleitorado; sendo assim, socialistas e coligação teriam apenas 72%, ou menos 6 pontos percentuais do que nas eleições anteriores. O cenário que descrevo é extremamente conservador. Se Marinho e Pinto tiver visibilidade e fizer uma campanha a imitar o Cidadãos espanhol, atraindo votos do centro (portanto, votos de moderados descontentes com PSD e PS), o ‘arco da governação‘ pode sofrer uma calamidade eleitoral e ficar abaixo dos 70%, rondando 3,8 milhões de votos, com o ‘vencedor‘ a ter menos de 2 milhões, ou apenas 37%, demasiado baixo para permitir coligações com os pequenos. Se o PS ganhar nestas condições, haverá um governo minoritário cujos orçamentos passam com abstenção de parte da maior bancada da oposição; se a coligação vencer nestas condições, haverá um governo minoritário com orçamentos aprovados graças à abstenção da maior bancada da oposição. Ou seja, alta instabilidade durante dois anos, um parlamento ensurdecedor, péssimo contexto externo após o Grexit, mandato incompleto. Perfeito para um pequeno partido que atrai o descontentamento político e se coloca ao centro.

 

*O sentido que pretendo não é o de ‘brincalhão’, mas de factor imprevisível...

Outra vez a agonia grega

Luís Naves, 27.05.15

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Continuamos a assistir a um teatro elaborado, com final previsível. As negociações arrastam-se sem resultados palpáveis e os negociadores gregos fazem afirmações contraditórias ou francamente deselegantes. O facto é que a Grécia está cada vez mais próxima do incumprimento. Este artigo de Vital Moreira é um texto de rara lucidez, para mais publicado num contexto onde é difícil manifestar este tipo de opinião. “O Governo grego ameaça que se entrar em bancarrota será uma catástrofe para a Grécia mas também o princípio do fim da união monetária”, escreve o autor, para concluir desta forma lapidar: “É tempo de pôr termo a esta chantagem. O que ameaça a estabilidade, a credibilidade e a integridade da união monetária é manter a todo o custo países que se recusam a cumprir as regras”.

A última frase vai ao âmago da questão. A Grécia entra em bancarrota se continuar a recusar as medidas exigidas pelos credores, sem as quais Atenas continuará eternamente a pedir mais dinheiro emprestado. Todas as ajudas dentro da união monetária estão agora ligadas a reformas no país endividado e ao cumprimento do Tratado Orçamental. No entanto, não havendo união política, os membros da zona euro não têm incentivo para cumprir o Tratado, pois podem entrar em processos negociais semelhantes ao que o Syriza tenta fazer, após enganar o seu eleitorado e usando chantagem para evitar cedências, na expectativa arriscada de conseguir no final o dinheiro de que necessita.

Estando tudo ligado, a irresponsabilidade de um país arrasta todos os outros, mas a bancarrota da Grécia pode acabar com esta deficiência da zona euro, pois passa a existir punição concreta para quem não cumprir as regras: a saída pura e simples. Este Grexit parece ser do interesse do partido que comanda o governo grego, pois o programa radical que o elegeu só pode ser cumprido verdadeiramente se a Grécia desvalorizar a moeda e introduzir controlo de capitais. Os europeus parecem igualmente dispostos a fazer a experiência, pois a punição dos mercados será no futuro mais do que suficiente para impedir o endividamento excessivo de países membros. Se tudo isto se confirmar, Portugal não terá qualquer margem de tolerância para aventuras orçamentais.

Dois pesos e duas medidas

Luís Naves, 06.08.14

Pessoas que há uma semana defendiam a tese da responsabilidade colectiva do povo português pela dívida pública defendem agora que os accionistas do BES não podem ser responsabilizados pela dívida contraída pelo seu banco. Estes autores acharam no passado que os portugueses são colectivamente culpados pelos gastos excessivos e o modelo errado e, se isso implicava austeridade por vinte anos, pois então que assim acontecesse. Por milagre, estas regras já não se aplicam aos accionistas de um banco que, dizem, foram ‘enganados’.

A excepção é estranhíssima. Estes autores querem uma solução que não passe por austeridade durante vinte anos. A solução europeia não serve, por fazer uma ‘expropriação’, afirmam, embora não expliquem como é que se expropria massa falida. 

Há também a tese de que é injusto ser a banca a pagar. Esta tese não resiste a vinte segundos de análise: o BES estava à beira do colapso e este teria forte impacto no valor dos restantes bancos; se houvesse corrida aos depósitos e o sistema não actuasse, haveria pânico e colapso geral. Os bancos que pagam o fundo de resgate estão a defender os seus interesses. A Europa empresta o dinheiro, pois também é do seu interesse, e os accionistas perderão quase tudo, muitos deles injustamente, mas isso também se aplica a cada português que pagou o ajustamento. Não há almoços gratuitos.

A curiosa intolerância dos liberais

Luís Naves, 05.08.14

 

A direita liberal é curiosamente intolerante, como se constata neste texto. Trata-se de um dos grandes enigmas da política contemporânea: quanto mais as pessoas se reclamam da liberdade, mais se insurgem contra a liberdade dos outros, neste caso a liberdade dos contribuintes de não pagarem pela estupidez alheia.

Alguém obrigou os accionistas do BES a comprar as acções cujo valor agora se perdeu? Os investidores tinham de investir daquela forma? Mas as pessoas que compram acções desconhecem os riscos?

E qual era, para o autor, a alternativa? Suspender o negócio, avançar para a falência total, prejudicando incontáveis empresas e empregos, prejudicando todos os outros bancos? O facto é que o BES já não tinha crédito em lado nenhum, ia rebentar na segunda-feira, com uma corrida aos depósitos. Era preciso agir.

Nunca percebi esta alegada direita portuguesa. Neste caso, foi aplicada a legislação europeia, cujo objectivo é evitar o colapso do sistema financeiro minimizando os custos potenciais para os contribuintes. O Banco de Portugal podia ter feito de outra forma? É evidente que não podia. Limitou-se a aplicar uma fórmula que estava politicamente definida pelos líderes europeus, usando dinheiro que tinha sido fornecido pela troika exactamente para auxiliar bancos em dificuldades. Estas são as novas regras da zona euro, estão em vigor, no âmbito da emergente união bancária.

Os accionistas do BES foram enganados? Recorram aos tribunais, como faz qualquer cidadão que seja burlado. 

Se a direita não explica o que pretendia fazer, também se verifica que a esquerda reagiu a este caso com extrema dificuldade. Os partidos mais à esquerda saíram logo aos tiros, mas sem explicarem como teriam feito; os socialistas têm o contraste do BPN, afinal ainda estamos a pagar essa brilhante factura. António Costa ficou calado (até agora), não sei a razão, talvez estas questões sejam de lana-caprina. Enfim, as críticas que tenho lido são quase incompreensíveis: como é que se fazia? Agia-se fora da legislação comunitária? Deixava-se cair o banco e provocava-se um colapso económico no País? 

A intolerância dos chamados liberais com tudo o que seja noção de Estado forte ou intervenção de bom-senso dá para pensar. O autor que citei mais acima até pretende viajar para longe (ainda bem que pode) só para não ter de votar neste Governo. Tem a liberdade de o fazer, mas teria sido melhor acompanhar a revolta com uma pequena explicação sobre o método que devia ter sido usado para salvar os depositantes, salvaguardar os trabalhadores e a economia, sem prejudicar os contribuintes.

A crise do emprego

Luís Naves, 23.07.14

O João André escreveu mais abaixo sobre emprego e optimismo. Convém ler com atenção o texto e olhar o gráfico. Julgo que estas questões não deviam dar lugar a interpretações governamentais ou oposicionistas. Na realidade, só há lugar para interpretações honestas ou desonestas, certeiras ou ao lado. Julgo também que é preciso olhar para os números do INE usando séries longas e homólogas, sendo útil comparar o mesmo trimestre, pois as variações anuais podem ser enganadoras.

Como o número mais recente disponível é do primeiro trimestre de 2014, é possível construir uma série começando, por exemplo, em 2009, no início da crise financeira. No primeiro trimestre de 2009, havia 5099 mil pessoas empregadas em Portugal (5,099 milhões). Destas, uma estimativa de 3476 mil com escolaridade básica e 805 mil com curso superior completo. O desemprego afectava 495 mil pessoas.

Vejamos então o que aconteceu nos primeiros trimestres dos anos seguintes:

 

 

Atrocidades de guerra

Luís Naves, 18.07.14

Um avião comercial foi abatido por um míssil no leste da Ucrânia e morreram três centenas de pessoas, vítimas acidentais de uma guerra civil que não lhes dizia respeito. Até agora, o conflito era descrito em muitos artigos como opondo ‘ucranianos e russos’, o que permitia interpretações que desculpavam a evidente intervenção de Moscovo. Perante a nova atrocidade, a terminologia apaziguadora desapareceu de repente e isso diz alguma coisa sobre a forma como poderá evoluir a guerra.

 

 

Um erro de grandes consequências

Luís Naves, 24.06.14

Existe em certos círculos políticos uma ilusão federalista que está a contribuir para uma perigosa crise na Europa. O Conselho Europeu deverá discutir nos próximos dias a escolha do candidato a Presidente da Comissão e a insistência em Jean-Claude Juncker ameaça afastar mais um pouco o Reino Unido da UE. Esta escolha sempre foi feita entre os líderes, e por consenso, mas o primeiro-ministro britânico, David Cameron, ameaça desta vez forçar a votação, provável indicação de que dispõe de minoria de bloqueio.

Isto exige mínimo de quatro países com 35% da população. O Reino Unido parece ter apoio de Suécia, Holanda, Itália e Hungria, combinação que estará nos limites, mas a vitória inglesa seria vista como humilhação de Paris e Berlim.

Londres já antes se estava a afastar do núcleo duro da UE e o processo deverá continuar. Juncker não será mais do que uma nova gota de água a fazer transbordar o copo da impaciência inglesa. As três maiores potências não concordam com a actual evolução da organização, mas este conflito em torno de um nome não tem qualquer função e só pode aumentar as divisões, abrindo caminho à perversão dos tratados europeus.