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Delito de Opinião

A Assembleia da República e o policiamento comunitário

jpt, 09.10.24

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1. Fervilha o Whatsapp com o reenvio desta recomendação exarada pela Assembleia da República para que se alterem os processos de recrutamento de agentes da PSP e da GNR: mais pano para mangas para aqueles que "dizem o que é preciso ser dito", e que "ninguém tem coragem para dizer"...

Esta (de facto) propaganda parlamentar articular-se-á com a polémica em curso sobre o putativo aumento da criminalidade. É certo que Portugal é um país muito seguro. Mas muitos reclamam sobre a degenerescência actual dessa situação. Os números parecem indicar isso, ainda que estas estatísticas (como tantas outras) sejam sempre discutíveis, e discutidas... O governo, e outros, negam essa realidade, situando-a apenas na crescente sensação de insegurança subjectiva.

2. Não nego a hipótese da actual decadência da efectiva segurança pública (ainda que aqui nos Olivais tudo decorra na paz do Senhor...). Mas talvez muito deste debate público se origine na tal sensação de "insegurança subjectiva". Não creio que esta se deva à "imprensa", como muitos dizem - pois a atracção pelo tópico "criminalidade" é algo antigo na comunicação social. Porventura será alimentada pelas recentes (e legítimas) demonstrações de incómodo laboral efectuadas pelas polícias. E pelo eco (legítimo, ainda que um pouco "aproveitador") que o CHEGA foi fazendo disso.

Outro factor contribuirá para a tal "insegurança subjectiva", velho como o mundo, e nada nosso monopólio. Pois o recente surto imigratório faz medrar um desconforto face ao estrangeiro mais excêntrico, aos aportados menos parecidos com "turistas". É isso um erro de percepção: muita gente se arrepia, até cai num automático receio ali no metro ao ombrear com um uberista sikh ou trolha senegalês ou, já no restaurante, face a uma aparente vivandeira brasileira. Mas é uma reacção alienada - pois desconhecedora das verdadeiras condições de vida. Dado que as pessoas não se arrepiam aquando face a um qualquer facebuquista ou administrador não-executivo socialista, ou, pior ainda ("The horror, The horror"), se diante de um Medina ou uma Temido (nesta até votam em massa), gentes muito mais perigosas para a sua segurança pessoal, física e económica, actual e futura.

Também eu vou assim: há para aí um ano fui jantar com um bloguista do Delito de Opinião numa simpática esplanada em Alvalade. Cheguei antes e notei que ali estava Pedro Nuno Santos, então proto-chefe do PS. Resmunguei uns impropérios mudos e hesitei em telefonar ao amigo para mudarmos de sítio mas não o fiz, ele chegou e lá comemos, com gosto. Mas se no restaurante estivesse uma larga mesa advinda do "Chelas profundo", em obrigatório alarido, eu não teria hesitado no desvio comensal. Mesmo sabendo ser Santos muito mais perigoso para o parco futuro que me resta do que qualquer xunga vizinha...

3. Enfim, seja lá como for, é plausível a necessidade da melhoria nos formatos da acção policial, como até indicia a "recomendação" parlamentar. Não sabia o que é o "policiamento comunitário" - só conhecia a realidade em Moçambique, e presumi (acertadamente) que fosse algo diferente. Fui ler um texto da antropóloga Susana Durão. Do qual retirei tratar-se de uma dupla acepção: uma actuação policial mais interactiva com as populações; uma participação dos cidadãos no esforço de policiamento, sua planificação e enquadramento, talvez uma espécie de quase "cidadão-agente". O texto é de 2012, deixa entender que a via então em curso se centrava na acção dos agentes policiais. E vi ainda, muito em diagonal, o livro "Policiamento de Proximidade" do sociólogo Manuel Lisboa (que em tempos conheci quando cruzou Maputo) e Ana Lúcia Teixeira, também já com uma década. Enfim, de ambos os textos retirei que por cá se trata de um método de policiamento mais aproximado dos cidadãos, mais atento às preocupações destes. De certa forma é o "mais polícia na rua", mais segurança subjectiva e, porventura, objectiva. Algo que todos defenderão, tantos os que clamam a "desgraça" securitária actual como os que desta descrêem.

4. Assim o que esta "recomendação" parlamentar convoca não é o questionamento sobre a justeza do "policiamento comunitário". Mas a intervenção demonstra um pensamento pobre, e comprova ser já este pacificamente dominante, pois maioritário entre os partidos. Surgindo como se ungido pelas aparentes "boas causas" poucos criticam este rumo, esta crescente via do Estado em seccionar a população, postulando categorias sociais, instaurando-as nos censos e nas iniciativas estatais, promovendo quotas discriminatórias - agora até a elas apelando no recrutamento de agentes policiais. Tribalizando o país. Os partidos de esquerda anuem, claro - e os comunistas, principalmente os não-brejnevistas, pois esses mais atreitos ao "identitarismo", têm sempre a expectativa (utopia) de transformarem essas categorias-em-si em categorias-para-si ("comunidades-em-si" em "comunidades-para-si"), essa velha aspiração marxista de incrementar o conflito social para instaurar uma nova era. Também o PSD aprova - e nem supreendente é isso, consabido o rusticismo desse partido. Do póstumo CDS resta o jazigo. E surpreende-me nada ler sobre o que a IL diz disto (mas também, se calhar, não deveria esperar muito). E sobra o que sobra...

Esta tétrica mediocridade política portuguesa demonstra-se nos pormenores. Note-se na formulação da recomendação. Não apenas a utilização do termo "comunidades" - por mais habitual que seja hoje em dia, ainda custa não ver alguém dizê-lo impregnado do velho evolucionismo, da crença da passagem de grupos de solidariedade mecânica (rigorosa comunhão) para solidariedade orgânica (de complementariedade diversificada), da ascensão histórica de "comunidades" (simples) a "sociedades" (complexas). Entenda-se bem, "comunidades" é o actual sinónimo ideológico da velha "tribo", do cá esconso "clã", da racista "raça", do mais recente ademane "etnia". A crença, e a proposta, é que cada membro de cada uma dessa(s) "identidade(s)" tem características comuns, anseios comuns e "precisa" de políticas estatais específicas para o seu "grupo". Fazer ascender esta mediocridade à assinatura da 2ª figura do Estado apenas me convoca o desprezo.

Mas mais ainda, veja-se como escreve a AR e assina Aguiar Branco: "comunidades específicas" "incluindo" "pessoas LGBT+" - de que universo se está a falar, se nestes termos e se numa proposta destas? E "comunidades" (...) "migrantes" - quem as constitui? Açorianos vindos para o continente, os últimos alentejanos chegados às cercanias do Pinhal Novo? Ou seja, hipocritamente, a AR e o seu presidente Aguiar Branco querem elidir que falam de imigrantes. E há também as "comunidades" (...) "comunidades ciganas". Votámos em quem escreve assim? 

5. Para enfrentar esta tralha não tenho saberes suficientes nem talento particular ("engenho e arte", para citar o poeta que o agora colunista do "Público" esqueceu quando era ministro da Cultura). Apenas consigo resmungar, para isso convocando alguns sublinhados meus, leituras antigas. Há umas décadas Hannah Arendt bombardeou correctamente a boa consciência europeia, anunciando-lhe que a democracia e o universalismo de cidadania aposto na defesa dos direitos humanos, inexistia nas situações coloniais. Isso deu azo a críticas a esse universalismo - "republicano", diz-se em contextos mais francófonos. Depois outros apupos vieram à hipocrisia universalista dos "direitos humanos". Há quem os ancore num anticolonialismo. Esquecendo (ou fazendo por esquecer) que a crítica à defesa dos "direitos humanos", e seu concomitante universalismo, engrandeceu fundamentalmente por ter sido uma arma das ditaduras brejnevistas, grosso modo desde o Acordo de Helsínquia - já após o colonialismo, frise-se -, uma forma discursiva do comunismo combater as democracias.

O que se vive agora é o embate entre dois modelos de organização social, sempre vividos de forma algo ambígua. As sociedades ancoradas na laicidade, exemplificadas pela república francesa. Feita de cidadãos individuais - não que isso implique (como dizem os falsários detractores) que os cidadãos não tenham outras pertenças, mas sim que o Estado os considera por igual, sem mediadores, sem grupos  intermédios. E as sociedades ancoradas no secularismo, mais ligadas ao mundo anglo-saxónico, nas quais os Estados reconhecem categorias sociais intermédias de pertença e através dessas diferenciam os cidadãos, cujo maior exemplo actual radica nos EUA.

Por cá os defensores desta última opção - normalmente agentes ambicionando estabelecer-se como "intelectuais orgânicos" (e remunerados) dessas projectadas "comunidades-em-si" - criticam violentamente a falsidade e a injustiça do modelo universalista ("francês", para facilitar). E encontram - mesmo sendo de esquerdas radicais - virtudes no modelo particularista ("secular", "americano"), uma contradição ideológica absurda, na qual não reparam nem quando saem à rua gritando contra as desgraças americanas...

6. "Lá fora" já alguns falaram sobre isto. Restrinjo-me a alguns dos tais meus sublinhados. Por exemplo,  Zizek escreveu em 2004 (usando o termo "multiculturalismo" que desde então foi acriticamente criticado pelos "sábios" da moda): "O multiculturalismo é (...) a forma ideal deste capitalismo planetário, a atitude que, de uma espécie de posição global vazia, trata cada cultura local à maneira do colono que lida com uma população colonizada - como "indígenas" cujos costumes devem ser cautelosamente estudados e "respeitados" (...) é uma forma de racismo denegada, invertida, auto-referencial, um "racismo com distância", respeita a identidade do Outro, concebendo-o como uma comunidade "autêntica" fechada sobre si mesma..." (Elogio da Intolerância, Relógio d'Água, 78). O antropólogo francês Jean-Loup Amselle - que não é um lepenista - disse "En participant a l'élaboration d'un modéle d'une France multiculturelle, les partisans comme les adversaires du métissage ont en commun de vouloir faire exister ces groupes en tant que tels, faisant de leur nomination une partie intégrante de leur devenir (...) La multiplication par l'État des ethnies au sein de la société française ne résoudra aucunement le racisme, elle metra au contraire en relief les tares du modèle français d'assimilation qui, on l'a vu, repose sur une base raciologique. Car ce n'est pas le modèle républicain qui s'oppose à la résolution du racisme dans notre pays, ce sont les insuffisances mêmes, son incapacité à être républicain jusqu'au bout, c'est-à-dire universel, qui l'empêchent d'exercer pleinement son devoir de hospitalité et équité.(Lógiques Métisses, Payot, 1990, x-xi). E "Mais étrangement (...) la place de l'universalisme n'est occupée aujourd'hui que par une puissance déclinante - la France républicaine - de sorte que cette dernière a toutes les caractéristiques d'une curiosité culturelle alors que l'Empire multiculturel américain peut se présenter sous les traits d'une puissance universaliste. C'est en effet au nome de l'universalisation da la différence et en tant que strucutures d'accueil de toutes les singularités qu'une puissance globale comme les États-Unis peut faire valoir sa legitimité et prétendre au leadership mondial." (L'Occident Décroché, Stock, 2008, 36-37). Etc.

Em Portugal, por cá? Os políticos pensam e escrevem como se vê. Na imprensa os colunistas preenchem .... colunas. Nas ciências sociais há os... socialistas (e maçónicos) e ainda os bloquistas. E os que esperam, anseiam, pelos subsídios. Como ser incómodo? E nisso vai plácida esta deriva, este "comboio descendente", "todos à gargalhada", em busca da etnia ou raça de cada um...

Adenda: para os não francófonos deixo tradução dos excertos (não venham os habituais resmungões protestar com a sua qualidade, pois são via Deep L.): 

1. Ao participarem na elaboração de um modelo de França multicultural, os partidários e os opositores da mestiçagem têm em comum o desejo de fazer existir estes grupos enquanto tais, fazendo da sua nomeação parte integrante do seu futuro (...) A multiplicação pelo Estado dos grupos étnicos no seio da sociedade francesa não resolverá de modo algum o racismo; pelo contrário, porá em evidência os defeitos do modelo francês de assimilação que, como vimos, assenta numa base racial. Com efeito, não é o modelo republicano que impede a resolução do racismo no nosso país; são as suas insuficiências, a sua incapacidade de ser republicano até ao fim, isto é, universal, que o impedem de exercer plenamente o seu dever de hospitalidade e de equidade.

2. Mas, estranhamente (...), o lugar do universalismo é hoje ocupado apenas por uma potência em declínio - a França republicana -, pelo que esta última tem todas as caraterísticas de uma curiosidade cultural, enquanto o império multicultural americano pode apresentar-se sob a forma de uma potência universalista. De facto, é em nome da universalização da diferença, e como estruturas que acolhem todas as singularidades, que uma potência global como os Estados Unidos pode afirmar a sua legitimidade e reivindicar a liderança mundial.

 

O fim de uma tradição

Paulo Sousa, 27.03.24

As tradições garantem alguma previsibilidade e asseguram uma linha de continuidade ao longo do tempo. Com o avançar dos anos algumas acabam por desaparecer, deixando atrás de si a percepção de que com elas estávamos bem melhor.

Em 2009 José Sócrates ganhou sem maioria e Jaime Gama foi eleito PAR com 204 votos. Depois disso, em 2015 António Costa, o "génio da política", entre outros passes de mágica introduziu na Assembleia de República um sectarismo só visto nos longínquos tempos do PREC. Meio mundo aplaudiu tamanho truque, pois era a democracia a funcionar, esquecendo que esta depende de rituais e de tradições.

Com o objectivo de erodir a direita e assim assegurar a continuidade do PS no poder, o mesmo "génio da política" não perdeu uma única oportunidade para dar palco ao Chega. Manter o poder era o objectivo, nem que isso colocasse em causa a salubridade do regime e a governabilidade do país.

O que ontem assistimos na Assembleia da República até horas tardias,  foi mais uma consequência do "génio" político de António Costa.

A (vice-)Presidência da Assembleia da República

jpt, 26.03.24

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Começa hoje a legislatura - e mal, com a "simbólica" atribuição da presidência do primeiro dia ao putinesco António Filipe, em nome de uma veterania parlamentar, pois o agora regressado deputado comunista é o decano dos 230 empossados. Apaziguar o ambiente, celebrar um novo começo, um "natal" parlamentar, é bonito. Esquecer o frenesim anti-ucraniano de António Filipe, os sucessivos dislates que foi proferindo, os insultos a Zelensky quando discursou na AR, não é isso... É uma vergonha, sinal de uma casa sem  memória. E uma casa sem memória é uma casa "sem rei, nem roque", passível de sofrer xeque pastor.
 
Quanto ao resto, desde a manhã que as notícias falam da possível eleição como vice-presidente da AR do deputado Pacheco de  Amorim. Lembro-me de um postal que escrevi, a este propósito em 5 de Fevereiro de 2022. Sorrio (e resmungo, deviam pagar-me para ser comentadeiro político...). E cito-me para o comprovar: 
 
"Ainda nem acabou a contagem dos votos e já reina a primeira polémica da próxima legislatura, sobre a (vice-)presidência da Assembleia da República, com efervescentes opiniões sobre se deverá ou não o partido CHEGA ascender até a esse palanque, no qual consuetudinariamente se agregam representantes dos diversos grupos parlamentares. O relevo desta matéria é, acima de tudo, o de denotar como o debate político está transviado.
 
1. Muitos contestam a pertinência de que alguém do partido CHEGA assuma uma posição relevante na Assembleia da República, devido às antipáticas posições que aquele vem veiculando. Estique-se esse argumento até ao limite, um modo algo acurado de entender da robustez de um argumento: se em próximas eleições democráticas esse partido obtiver a maioria absoluta (longe vá o democrático agoiro) os outros partidos recusar-se-ão a ocupar os lugares e funções parlamentares para as quais tiverem sido eleitos, devido a discordarem de uma coabitação com o CHEGA? Pois agora é exactamente essa a lógica que defende uma exclusão parlamentar desse partido. 
 
Há também a questão do perfil político do deputado Pacheco de Amorim, apontado pelo seu partido como candidato a vice-presidente. E essa também deve ser abordada, pois esta eleição interna ao parlamento passa por um sopesar pessoal. (...)
 
Agora a pertinência - e mesmo a legitimidade democrática - da eleição de Pacheco Amorim é refutada devido à sua anterior militância no MDLP, organização que desenvolveu acções armadas contra partidos de esquerda logo após o 25 de Abril, e sobre a qual sempre correu que tinha uma ligação - ideológica, afectiva, porventura até organizativa - com o antigo presidente Spínola. Ora, e se assim foi, torna-se importante lembrar que o Marechal Spínola foi, após o seu exílio - e com extremo ênfase simbólico -, reintegrado na genealogia do regime democrático. E que, como tal, isso pelo menos implicitamente abarcou os seus então compagnons de route.
 
E neste caso é interessante notar que muitos dos mais exaltados invectivadores de Pacheco de Amorim, dizendo-o envolvido em manobras políticas violentas pós-25 de Abril, foram durante 2021 grandes paladinos da consagração póstuma de Otelo Saraiva de Carvalho (sobre isso botei aqui). Ora, e como também botei a esse respeito, estabeleceu-se na sociedade portuguesa um consenso de "que houve desmandos no PREC, houve violência (encetada pelos assassinatos perpretados pelos agentes da PIDE em 25 de Abril), mas que se constituiu um posterior consenso de que "o que aconteceu no PREC ficou no PREC.". Um consenso que os adeptos da extrema-esquerda (e de uma facção da esquerda PS) ainda querem deturpar, alargando-o para os desmandos assassinos ocorridos já após a institucionalização da normalidade democrática (pós-Constituição, para facilitar). Ou seja, os cultores de Otelo Saraiva de Carvalho não têm qualquer legitimidade intelectual (e como tal política) para negarem a pertinência de uma pretérita associação ao movimento anti-comunista MDLP como factor de elegibilidade democrática. E o historial da democracia portuguesa não suporta esse tipo de inviabilização, mesmo que por vontades de sectores mais abrangentes da sociedade. Isto não impede que se vote, racionalmente, contra o deputado, por discordância face ao seu perfil pessoal e/ou às suas opiniões políticas. Mas não permite que se clame qualquer ilegitimidade individual."
 
Pode ser que alguns tenham aprendido alguma coisa. Levaram dois anos, mas mais vale... devagar do que nunca.

A extrema-direita liberal

jpt, 10.02.22

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Com a conquista eleitoral segue o PS viçoso, dir-se-ia que até rejuvenescido, nesta sua condição maioritária. Mas, avisado, nisso não facilita, desde já preparando a maratona dos 4 longos anos. Olha à sua esquerda e, algo clemente, poupa invectivas (e até já preparará a protocolar eulogia) ao exaurido PCP, agora cadáver (menos) adiado. Tal como ao "cadáver esquisito" Bloco de Esquerda, que deixa entregue às irregulares inconsequências que lhe são essência, até porque entretanto este segue entretido nas discussões públicas das suas catedráticas "eminências pardas". Olímpico é também o silêncio que dedica aos afinal inúteis PAN, já entregue à co-incineração que nos foi legada pela tutela do incansável José Sócrates, e LIVRE, o qual ruma atarefado na contratação de um ror de assessores que "não advêm do marxismo", decerto que forma de combater a precaridade que aflige os investigadores científicos.

Assim algo descansado - ainda que nunca relaxado - pois "nada se passa na frente esquerda", o PS observa atentamente as movimentações das forças regulares alojadas à sua direita. Estando o CDS entregue aos intensivistas, os quais mantêm "prognóstico reservado" sobre o paciente - ainda que conste terem estes já, em privado, desiludido a família próxima -, a situação clínica do PSD é encarada com plácida solidariedade humana. Na crença de que a convalescença, a ser bem sucedida - o que não se toma como garantido -, será bem longa, e exigirá duro e enfraquecedor tratamento. Quanto ao pós-neófito CHEGA a estratégia está já delineada: sobre ele cairá algum fogo regular, a hora certa, para manter aquela força irregular em estado de exaltação. O qual será propício à sua emissão de disparates, dada a profusão de locutores encartados que agora nela se impuseram, lestos que assim serão eles a demonstrar a horda irreflectida que constituem, desde vereadoras a traficarem lixo, senadores a clamarem dislates desproporcionados até a anacrónicos "intelectuais orgânicos" a louvaminharem o Estado Novo.

Resta assim, nesses invasores redutos da direita, a pequena força da Iniciativa Liberal. E para não amansar as tropas, nisso relaxando-as, foi este o alvo escolhido pelo PS para pequenas investidas cirúrgicas, por enquanto conduzidas por batedores, rudes e tarimbados, irregulares locutores excêntricos à hierarquia. Acções essas que assim, se violando as tréguas pós-eleitorais, serão ditas como alheias aos ditames da hierarquia. De facto, o intuito deste pequena e marginal campanha é o de manter mobilizada a população na retaguarda, nisso despertada e mui atenta na luta contra o fascismo, o desses hunos que não só cruzaram as fronteiras da república como, ao que consta, investem já contra a paliçada do regime.

De facto, as novas dessas incursões vão promovendo o júbilo entre o povo cristão, aquando congregado em bazares, adros e rossios. Nelas é proclamada a tal Iniciativa Liberal como a verdadeira extrema-direita, o mais perigoso dos arietes fascistas, o satânico inimigo do bem-estar comum, os adoradores do anti-cristo "social". Consta isso nas páginas do boletim "Expresso", partilhado nas homilias e nos pregões. Clamam-no, nos seus palanques, alguns vultos sábios, como Maria José Marques (que eu desconheço) ou a célebre mestra Estrela Serrano, dita a Socratista. E há agora novidades de uma nova investida, particularmente bem sucedida: pois, ainda que já jubilado da sua carreira profissional de sobrinho, o veterano Alfredo Barroso regressou às lides demonstrando ser a tal Iniciativa (Neo)Liberal a reencarnação lusa de Augusto Pinochet, assim augurando-nos - se nos distrairmos - o destino de sermos encerrados em campos de futebol, e neles exterminados, por desígnios do perverso Cotrim.

Mas o relevante é o efeito que estas iniciais investidas estão a ter nas escassas forças liberais. Com efeito, chegam notícias que estas procuram deslocar-se, intentando assentar arraiais no planalto central da frente da batalha. Presumo que nisso procurando camuflar-se, salvaguardando-se de um ataque global, que julgam iminente, às forças do CHEGA - sitas num promontório vizinho - pois temendo com elas serem confundidas.

Não deixo de sorrir, diante destas frustres manobras dos jovens capitães liberais. Lembrando-me que desde há 47 anos as forças do PSD e do PS têm acampamentos limítrofes, nisso se ladeando. E que ninguém os confunde por isso - a vox populi até lhes exagera as diferenças. Não haja dúvida, estes recém-chegados têm ainda muitos montes e vales (de lágrimas) para percorrer. E muita saraivada para receber.

A Presidência da Assembleia da República

jpt, 05.02.22

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Ainda nem acabou a contagem dos votos e já reina a primeira polémica da próxima legislatura, sobre a (vice-)presidência da Assembleia da República, com efervescentes opiniões sobre se deverá ou não o partido CHEGA ascender até a esse palanque, no qual consuetudinariamente se agregam representantes dos diversos grupos parlamentares. O relevo desta matéria é, acima de tudo, o de denotar como o debate político está transviado.
 
1. Muitos contestam a pertinência de que alguém do partido CHEGA assuma uma posição relevante na Assembleia da República, devido às antipáticas posições que aquele vem veiculando. Estique-se esse argumento até ao limite, um modo algo acurado de entender da robustez de um argumento: se em próximas eleições democráticas esse partido obtiver a maioria absoluta (longe vá o democrático agoiro) os outros partidos recusar-se-ão a ocupar os lugares e funções parlamentares para as quais tiverem sido eleitos, devido a discordarem de uma coabitação com o CHEGA? Pois agora é exactamente essa a lógica que defende uma exclusão parlamentar desse partido. 
 
Há também a questão do perfil político do deputado Pacheco de Amorim, apontado pelo seu partido como candidato a vice-presidente. E essa também deve ser abordada, pois esta eleição interna ao parlamento passa por um sopesar pessoal. E, para frisar este aspecto, lembro que há uma década o PSD propôs para presidente da Assembleia, e repetidamente, o seu deputado Fernando Nobre (sobre o qual eu bem resmungara o seu inapropriado reaccionarismo cultural - algo que agora alguns não deixarão de concordar, vendo-o tão mistificador anti-vacinas, qual opositor oriundo desse estapafúrdio caldeirão ideológico anti-sanitário, uma verdadeira mistela new age/"marxista cultural"/alt-right alérgica à pérfida "biomedicina" capitalista). Algo que foi considerado inapropriado pelos deputados, tendo depois sido eleita Assunção Esteves, ainda que candidata oriunda do mesmo partido. 
 
Agora a pertinência - e mesmo a legitimidade democrática - da eleição de Pacheco Amorim é refutada devido à sua anterior militância no MDLP, organização que desenvolveu acções armadas contra partidos de esquerda logo após o 25 de Abril, e sobre a qual sempre correu que tinha uma ligação - ideológica, afectiva, porventura até organizativa - com o antigo presidente Spínola. Ora, e se assim foi, torna-se importante lembrar que o Marechal Spínola foi, após o seu exílio - e com extremo ênfase simbólico -, reintegrado na genealogia do regime democrático. E que, como tal, isso pelo menos implicitamente abarcou os seus então compagnons de route.
 
E neste caso é interessante notar que muitos dos mais exaltados invectivadores de Pacheco de Amorim, dizendo-o envolvido em manobras políticas violentas pós-25 de Abril, foram durante 2021 grandes paladinos da consagração póstuma de Otelo Saraiva de Carvalho (sobre isso botei aqui). Ora, e como também botei a esse respeito, estabeleceu-se na sociedade portuguesa um consenso de "que houve desmandos no PREC, houve violência (encetada pelos assassinatos perpretados pelos agentes da PIDE em 25 de Abril), mas que se constituiu um posterior consenso de que "o que aconteceu no PREC ficou no PREC.". Um consenso que os adeptos da extrema-esquerda (e de uma facção da esquerda PS) ainda querem deturpar, alargando-o para os desmandos assassinos ocorridos já após a institucionalização da normalidade democrática (pós-Constituição, para facilitar). Ou seja, os cultores de Otelo Saraiva de Carvalho não têm qualquer legitimidade intelectual (e como tal política) para negarem a pertinência de uma pretérita associação ao movimento anti-comunista MDLP como factor de elegibilidade democrática. E o historial da democracia portuguesa não suporta esse tipo de inviabilização, mesmo que por vontades de sectores mais abrangentes da sociedade. Isto não impede que se vote, racionalmente, contra o deputado, por discordância face ao seu perfil pessoal e/ou às suas opiniões políticas. Mas não permite que se clame qualquer ilegitimidade individual.
 
2. Todo este ruído sobre a (vice-)presidência parlamentar, e nisso sobre a relação com o CHEGA, torna-se um verdadeiro biombo que esconde a encruzilhada fundamental do regime neste início da legislatura. Pois em termos parlamentares o que é realmente relevante é quem proporá o PS para a presidência da Assembleia, estatutariamente a segunda figura do regime. Isto não será apenas uma dimensão simbólica. E menos ainda se prende a presumíveis capacidades individuais de dirimir o regimento do parlamento. Neste momento é, acima de tudo, uma mensagem para os agentes políticos e para a população, um sinal denotativo do estado em que se encontra o PS no dealbar desta legislatura que prosseguirá com a sua maioria absoluta.
 
Sobre o assunto as cúpulas do PS já colocaram a imprensa a ecoar dois presumíveis candidatos, num óbvio "apalpar do terreno", interno ao partido e junto da opinião pública. Um dos nomes aventados é Augusto Santos Silva, que muito provavelmente virá a ser eleito deputado (candidato no círculo "Fora da Europa"). Grande intelectual e homem de vastíssimo currículo governativo, sem qualquer dúvida que tem - e apesar de um passado, já algo longínquo, de polemista abrasivo - um conteúdo "senatorial" que se adequará a esse cargo. E é provável que, em querendo eximir-se às exaustivas funções de ministro dos Negócios Estrangeiros, não se desinteressará desta hipótese.
 
Mas a outra propalada candidata é Edite Estrela, anterior vice-presidente da Assembleia, cuja apresentação ao cargo é sempre acompanhada pelo enfoque na valorização das mulheres em cargos políticos. Ora o simples facto de se ensaiar esta candidatura através das correias de transmissão para a imprensa - e já nem digo caso ela se venha a efectivar - significa a inexistência de uma verdadeira reflexão interna no PS, demonstrando uma insensibilidade ética partidária, e de como é nesse ambiente de pérfida irresponsabilidade que se prepara para se articular com o país.
 
Durante a campanha eleitoral António Costa sossegou-nos face à hipótese de uma maioria absoluta, dado que o Presidente da República seria um impedimento de hipotéticos excessos do seu partido. E, depois, logo no seu discurso de vitória eleitoral reiterou que essa maioria não promoveria desvios autocráticos do seu partido. Tornou-se mais do que evidente que, antes e depois das eleições, Costa nos queria afiançar que não se virão a repetir os execráveis desmandos - não só pessoais - acontecidos durante a governação de José Sócrates, ainda que a este não nomeando - como é óbvio que não o poderia fazer.
 
Mas o "soprar" da hipótese de Estrela para nº 2 do Estado vem completamente ao invés dessa promessa de justeza na condução dos assuntos públicos, de definitivo apartar do legado político socratista. João Miguel Tavares já lembrou aos mais distraídos as íntimas relações, pessoais e políticas, entre Edite Estrela e José Sócrates, as quais - se o objectivo é garantir à população que não se repetirão os desmandos do socratismo -  deveriam ser suficientes para inibir qualquer hipótese de atribuir à deputada quaisquer funções de efectiva relevância. Pois elevar Estrela a um posto desta relevância significa a perenidade do socratismo, da "costela socratista" do PS, a ausência de uma auto-crítica partidária e do necessário expurgar dos agentes coniventes com o pior período da democracia portuguesa.
 
Mas há mais razões, mais actuais, não só para contestar a ascensão de Estrela a tais funções, como também de lamentar o simples aventar dessa hipótese. Não é preciso fazer uma grande memória sobre o que aconteceu o ano passado. Face à extrema crise provocada pelo Covid-19, na qual Portugal chegou a ser, durante o Inverno passado, o país mais afectado do mundo em termos absolutos, foi encetado o urgente processo de vacinação. Uma tarefa que exigiu um grande empenho da administração estatal e uma grande adesão cívica da população. Ou seja, algo que foi (e ainda é) de suprema relevância política.
 
Como sabemos o processo começou com alguns problemas organizativos. Mas também com vários casos de fraude vacinal, promovidos por alguns integrantes do sistema de saúde e por políticos com influência decisória, aproveitando essas influências para se vacinarem indevidamente. O eco mediático dessas fraudes incrementou a ansiedade da população, já de si extrema, perigando a necessária confiança nas instituições estatais para que o processo fosse bem sucedido através da adesão generalizada. Foi então preciso reestruturar o processo de vacinação, mudar as suas chefias, para optimizar o seu funcionamento mas também para trancar esse nepotismo sanitário. E assumir o valor fundamental da equidade vacinal. Como sabemos, e felizmente, a vacinação nacional teve enorme sucesso, demonstrando que o povo está disponível para ser mobilizado pelo Estado desde que a administração seja competente e surja decente.
 
Será agora conveniente lembrar que, ao que então constou - ainda que as notícias sobre o assunto sejam parcas é certo que não há desmentidos disponíveis nos arquivos digitais, e portanto é totalmente curial aceitar a veracidade deste facto -, antes dessa reestruturação administrativa se vacinou indevidamente o marido da agora putativa candidata a nº 2 do Estado, e então já responsável da organização da vacinação contra o Covid dos deputados. Não se trata de criticar alguém apenas pelos actos do seu cônjuge, como é tantas vezes comum e até injusto. Pois esta é uma matéria política, de extrema relevância - o que foi mais importante do que a luta contra a pandemia e a mobilização dos cidadãos para as políticas de prevenção anti-Covid 19 nos dois últimos anos? E é evidente, todos o sabemos, que ninguém - até pelo facto de se tratar de um processo sequencial - se vacinou à revelia dos seus cônjuges coabitantes.
 
Neste contexto é mais do que óbvio que alguém que tenha compactuado com fraudes destas (repito, se as notícias foram certas) - por mais humanamente compreensível que seja a angústia pela saúde dos amados - não pode ocupar funções políticas. Muito menos a presidência da Assembleia da República. E o PS, se se quer anunciar como um partido de boas práticas democráticas, tendo ultrapassado a deriva nepotista e clientelar que o minou há alguns anos, não pode fazer ascender esta sua deputada a funções de relevo. Aliás, nem sequer a devia ter candidatado à Assembleia, quanto mais à presidência desta. Não só pela sua conivente intimidade com o período socratista mas também por esta afronta ao contrato social que uniu o país durante a crise pandémica.   

Portugal-Bélgica (crónica)

jpt, 08.07.21

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(Já velho postal, colocado a 28.6.2021 no meu Nenhures)

Na véspera dos oitavos-de-final deste Euro 2020/1 fui infiltrado, o que me criou más expectativas para o encontro pois temi alterações nas condições físicas apropriadas. Mais ainda, no próprio dia recebi a novidade, esperada é certo, de que nas relativas cercanias do estádio de Wembley a minha filha, também ela, assinara pelo clube Pfizer. Algo que me causou uma enorme desconcentração, prejudicial ao embate face aos belgas.

Pois assim me mergulhei em memórias inúteis: de quando na época passada a aguardei, ela com traumatismo asmático, agravado no pesado calendário inglês, para logo nos confinarmos num Nenhures campestre, eu em pânico, inseguro sobre os efeitos que uma hipotética fractura covidesca poderia ter na carreira dela. E isso quando o Presidente da Federação, Sousa, e o director das Relações com as Filiais, Silva, nos garantiam da impossibilidade de fechar fronteiras, sendo que Sousa prosseguia entre festejos em estádios teatrais no reduto de Pinto da Costa. E Freitas, a responsável pelo departamento médico, nos pedia para visitarmos os núcleos de veteranos - onde a minha mãe, antiga campeã de paciência, viria a definhar e morrer enclausurada - e nos alertava para não usarmos máscaras nos treinos nem aceitarmos que nos fizessem testes anti-doping. Já para não falar de Antunes, responsável dos relvados de Alvalade e Alcochete, que se debruçava sobre possíveis transferências de jogadores para o campeonato chinês. Lembrei ainda os meus frémitos quando a minha filha, já nesta época regressada à Premier League, contraiu uma lesão no tendão covidiano, ainda por cima sem que eu tivesse total confiança nos fisioterapeutas do seu clube. Enfim, tamanho foi o meu alívio, até eufórico, com a sua transferência para o Pfizer, que no domingo me alheei dos cuidados tácticos face ao nº 1 do ranking mundial e à ponderação dos titulares necessários para cumprir as matizes estratégicas que se poderiam impor durante o tempo regulamentar e, mesmo, no sempre temível prolongamento.

Tão abstraído estava que nem verdadeiramente notei que a equipa nacional, após entoar o hino, se ajoelhou como se fosse uma qualquer equipa de futebol americano, nisso decerto que arrebitando os ademanes dos holigões socratistas do Sport Campo Grande, do Atlético de Campolide e do Académico de Coimbra, já para não falar do entusiasmo que decerto sentiram os literais "Black Panthers", recém-contratados pelo Desportivo da República, ao verem o enérgico Sanches de "Poder Negro" em riste.

Assim sendo só após soar o apito inicial pude constatar algumas evoluções na filosofia do Engenheiro Santos: poventura para mitigar o número de punhos racistas erguidos no início do jogo cuidou de enviar William Carvalho, sua excentricidade, para a bancada, e Danilo, seu óbvio talismã, para o banco de suplentes. Um pouco mais à frente tudo na mesma como a lesma - como diz o povo, na sua infinita sageza - com os alas da direita e da esquerda (se é que este o era) impassíveis, pobres avatares dos excelentes Bernardo Silva e Diogo Jota que ali estavam encarregados de representar. 

As equipas entraram em cuidadosa fase de estudo, a qual teve direito a 2ª chamada e se prolongou até à 2ª época, o que comprovou o acerto da escolha do Prof. (Jubilado) João Moutinho como titular. Nesse entretanto, e apesar de algumas irreverências do aluno Sanches, decerto que devidas a ser oriundo do ensino técnico-profissional, posso afiançar que foi o período em que mais estive em jogo. Pois decorreu um futebol mastigado, condizente com a nossa claque aqui presente, entregue ao manuseio de uns belos ovos com farinheira (cuja origem não averiguei), uns rojões com molho amostardado do mais fino recorte técnico, uns decentes camarões austrais cozidos debruados com a maionese caseira, tudo circundado com tremoços temperados bem frescos e o pequeno luxo de tijelas de castanha de caju, estas ali em homenagem aos sempre indefectíveis apoiantes africanos da selecção nacional, como bem o comprovou o hino da selecção, o "Vamos Com Tudo" de autoria e trinados do artista David Carreira. Mas nestas manobras reconheci o meu estado de abatimento, o qual nada de bom augurava para o desiderato final, pois acompanhei-as com apenas uma cerveja, a condignamente titular "Super Bock".

Enfim, cerca do final da primeira parte aconteceu o rude golpe belga, selecção que - reconheço-o - muita simpatia me convoca e não só devido a Moulinsart. Ao intervalo o nosso estado era de algum torpor, em murmurados lamentos face à opção de retirar o play-maker Ferro Rodrigues da equipa, substituindo-o por um apático e inexperiente Brandão Rodrigues. Pois não basta ser (quase) homónimo para se poder levar a equipa ao triunfo. Confesso que a segunda parte por cá encontrou uma moldura humana já mais rarefeita e ainda menos confiante. Foi reconhecida, com justiça, a (tardia) afoiteza do Engenheiro, o qual com sucessivas substituições tratou de "meter a carne toda no assador", tentando inverter o agora regressado triste fado luso. Ficará para sempre a dúvida sobre porque não o fez antes, pois foi óbvio - como o demonstrou a inútil arrochada do Tio Pepe, que lhe provocou a reprimenda arbitral - que a carne assada em tão pouco tempo se torna demasiado nervosa, dando-se pouco macia às gengivas adeptas. Ainda assim o Engenheiro não mereceu a traição cometida por Raphael Guerreiro, que decidiu atirar ao poste quando as instruções recebidas eram para repetir exactamente a manobra de Budapeste.

Terminado o confronto de Sevilha, constatado o atentado blasfemo à religião oficial de Estado, retirámo-nos acabrunhados sem mesmo escutar os sacristões congregados nos painéis televisivos. Já no leito algo me reanimei ao ler as doutas declarações do presidente da Federação, Sousa, afiançando-nos que tínhamos sido os melhores e que, mais importante, somos como os melhores. Nisso convocando o nosso fervor para 2022, ano no qual, prometeu o Engenheiro, seremos campeões do mundo. Adormeci, mais pacificado. E sonhei com múltiplas medalhas em Tóquio. E com Eduardo Ferro Rodrigues.

Luís Filipe Vieira na Assembleia da República

jpt, 11.05.21

(Cotrim de Figueiredo na audição de Luís Filipe Vieira na Assembleia da República)

Luís Filipe Vieira foi à AR falar sobre aquilo do BES. Começou por ler um texto, entre a justificação e a lamúria (à filme americano, qual Pacino by Coppola), invocando a sua condição de dirigente desportivo. O primeiro deputado que lhe fez perguntas - não sei quem nem de que partido, apenas retive que era jovem* - logo apartou as águas, explicitando que o Benfica não era para ali chamado. Chapeau!
 
À noite vejo vários "liberais", doutores da economia, da gestão, do direito, muitos com MBAs e até mais, partilharem ufanos esta saída do deputado IL, Figueiredo. Mandando a boca ao empresário sobre os resultados desportivos daquele clube, a piadinha para a câmera, misturando alhos e bugalhos. Avacalhando a coisa. Ainda mais, que isto já vai mal.
 
E votei eu nestes tipos! Imbecil jpt.
 
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O Parlamento e o Primeiro-Ministro

jpt, 24.07.20

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O fim dos debates quinzenais com o primeiro-ministro, aprovado pelo conluio entre PS e PSD, é interessante e surpreendente. Interessante porque mostra que há 40 deputados dos dois partidos que, ao votarem ao invés das indicações das suas chefias, conseguem mostrar restos de existência. É também de interesse psicanalítico, mostrando como a identificação com Costa de que Rio padece se torna, cada vez mais, um caso patológico. Digamos que nesse processo o homem se amenina, de Rio regride a Rui.

É certo que a vida, e como tal a própria acção governativa, muito mudou desde o (re)início da nossa democracia parlamentar. Mais que não fosse porque os primeiros-ministros viajam mais, feitos andarilhos europeus. Isso até poderia suportar o argumento da "falta de tempo" para os "encontros" parlamentares quinzenais. Mas não é preciso grande militância teleespectadora para se perceber que os primeiros-ministros também têm uma preenchida agenda de visitas "para eleitor ver", por vezes até trepidante. Não lhes faltará tempo para isso? 

Também se pode dizer que muito do que se passa nesses debates quinzenais é irrelevante, com uma troca de picardias mais ou menos sonoras, em busca de sonoridade mediática, a mostrar um autocentramento parlamentar, uma mera busca do "porreiro, pá!" entre colegas de bancada ou mesmo da palmada no ombro vinda de outras bancadas, claro que dada nos passos perdidos dos bastidores. Denotando a inconsciência, essa sim grave, da relativa irrelevância de todo aquele bramir, pois o debate político se deslocou para fora do parlamento, principalmente para a imprensa - esta muito untada e ungida por fundos estatais e para-estatais.

Mas ainda assim esta redução do debate entre a assembleia e o governo que dela emana é bastante surpreendente. Acima de tudo por duas razões, parece que esquecidas: o governo é minoritário - ainda que, de facto, não o pareça, tamanha a placidez com que segue, algemados os parceiros da esquerda, esclerosados os à direita. E porque exactamente nesta semana foi aprovada pela União Europeia uma (inédita) gigantesca modalidade de apoio ao país, a ser conduzida pelo governo, algo verdadeiramente relevante para enfrentar a enorme crise económica e social em que vive(re)mos.

Assim, escolher exactamente este momento para reduzir - e de forma tão marcante - a presença do primeiro-ministro no parlamento é mais do que tudo símbolo de uma aversão à democracia parlamentar, um fastio face à sua cultura. Algo que é muito mais do que um tique pois denota bem o estado de alma, a mundivisão, das direcções dos dois partidos centrais. Saúdem-se os 35 tipos das suas bancadas que votaram contra. E confortem-se os 5 que se abstiveram, mostre-se-lhes que estão no bom caminho, com um bocadinho mais de compostura ainda arribarão. E aos outros diga-se-lhes, também, o que são ... 

 

Crise no PAN?

jpt, 25.06.20

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Parece que o líder do aparente ecologista PAN está a ser contestado pelas suas hostes. Não será particularmente surpreendente. O partido cresceu imenso nas últimas eleições, a reboque da vaga internacional de preocupações ecológicas. Mas logo desapareceu da agenda mediática e mesmo da política, e não só pelo seu real vazio substantivo - que melhor contexto para afirmação poderia pedir um partido ecologista do que uma pandemia com estas características de emergência e difusão?, e o qual desaproveitou completamente dada a sua efectiva inexistência. Pois também se tratou de um eclipse comunicacional devido ao carinho da imprensa pelo "boi de piranha" espicaçado pelo PS, esse composto de histriónicos racistas e de assessores de saias, e o jeito que dão às audiências publicitárias as atoardas desventuradas. 

Mas as causas fundamentais deste triste espectáculo - um partido ecologista a desagregar-se devido a questiúnculas  em plena pandemia é verdadeiro manancial para um "estudo de caso" de ciência política - são mesmo internas.  Há algum tempo aqui deixei mostra de que André Silva, o inopinado líder de partido parlamentar, não aparentava possuir nem pinga de elegância devido a completa ausência de clarividência de atitudes, face à sua boçal pose em reunião de deputados com o presidente Sousa. Um rústico, por assim dizer ... E ao saber-se hoje, na sequência do abandono do deputado europeu e de outros eleitos autárquicos, que também sai a deputada por Setúbal, Cristina Figueiredo, lembro a patética figura que a pobre fez quando se candidatou, uma coisa mesmo inenarrável, uma mulher ignorante e desnorteada, adornando-se com todos os tiques do aldrabismo. 

Enfim, a renovação do sistema política é mesmo necessária. Mas, como é mais do que evidente, não é com gente desta. E com este impensamento.

Voto de pesar

jpt, 04.06.20

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André Ventura está contra o voto de pesar da AR dedicado ao assassinato no Minnesota. A argumentação dele é errónea, compara aquele crime com qualquer outro assassinato. Mas é errado porque se trata de um assassinato policial num país democrático e aliado.
 
Eu ligo a um postal com dois anos. A minha questão é a pertinência deste tipo de votos de pesar. A minha outra questão é a cedência a agendas externas, por legítimas matérias que abordem, e a colonização mental que isso significa. A minha última questão é a de que esta via tem uma retórica "moralista" mas é, de facto, estratégia de obtenção de recursos estatais, capitaneada por sectores corrompidos da pequena-burguesia.
 
Sobre votos de pesar parlamentares perguntei há dois anos qual a pertinência de se fazer um voto pesaroso pelo assassinato de uma vereadora de um município do Rio de Janeiro quando nada de similar se fizera aquando do recente assassinato do presidente do conselho municipal (câmara) de Nampula? Porque um, negro, teria sido morto por negros? (Ainda que a acusação inicial tenha incidido sobre asio-descendentes, um dos quais meu amigo). E a outra, "parda", deverá ter sido morta por brancos (ou assim se presumiu)? Ou porque o autarca moçambicano era assumidamente heterossexual e a brasileira era assumidamente homossexual? "Todas as vidas contam"? Mas umas mortes doem mais que outras para o Parlamento português, mesmo quando há homologia óbvias, políticos autarcas de países da CPLP mortos por "desconhecidos" e por razões políticas?
 
A AR entende ter espaço para votar o seu pesar pelo assassinato do americano George Floyd, às mãos de um gang policial, logo pressurosamente proposto pela coligação comunista. Pesar político, não se trata das nossas meras sensibilidades., do pesar pessoal diante do horror. Ora diante desta novidade googlei agora mesmo, mas não encontrei, fico em dúvida: será que esta AR tão pesarosa é, votou o seu pesar pela morte de Anastácio Matavele, moçambicano (negro, já agora), coordenador de ong "A Sala da Paz", envolvido na observação eleitoral, assassinado por um grupo de polícias moçambicanos (sim, negros) nas vésperas das últimas eleições nacionais? Drama que foi amplamente noticiado na imprensa, e lamentado nas redes sociais.
 
Não me parece que tenha votado, pois nem o sítio da AR nem o Google me confirmam isso. Julgo que não é preciso avançar muito mais. É o racismo americano tétrico. "Instituído"? Sim, mas o que também está instituída é a importação de uma visão das coisas, das hierarquizações dos problemas, das causas e soluções das questões. A colonização mental. Serve para intelectuais preguiçosos, e para claro, o pobre parlamento que temos poder parlamentar.
 
Mas serve também, e isso é a minha terceira questão, para suportar a propaganda de "bois de piranha", como se diz no Brasil, a cargo da camada mais corrompida da intelectualidade, mais acerada na demanda de recursos estatais - insistindo em causas e problemas sonantes, que obscureçam as verdadeiras agendas de políticas e económicas dos poderes fácticos (foi assim, lembrem-se, com a questão do casamento homossexual há apenas uma década). De facto, mais interessada nos ganhos com a agit-prop do que com aquilo, essencial, de que "todas as vidas valem". Mesmo as dos negros heterossexuais que não são mortos por brancos lá nos EUA.

Pluto e o racismo

jpt, 22.01.20

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Nas últimas eleições legislativas foram eleitas as duas primeiras deputadas negras em Portugal – o caso muito propalado de uma deputada negra “assimilada” nomeada durante o Estado Novo tardio, o do lusotropicalismo nas “províncias ultramarinas”, não tem nada a ver com isto, como qualquer pessoa com um pingo de intelecto pode entender.

Entretanto na última legislatura (e nesta também) foi escolhida uma mulher negra para o importantíssimo ministério da Justiça. Uso o superlativo pois a relevância do cargo foi potenciada – para a opinião pública – dado o caso “Sócrates”. Relevância que convocou a polémica, pois foi essa ministra (mulher negra, repito-o) a primeira locutora da substituição da Procuradora-Geral da República, por muitos vista (se bem ou se mal, é outra conversa) como um passo para o controlo das investigações judiciais sobre casos de corrupção no sistema político. E que, como tal, provocou acalorado debate no país. E, nesse, múltiplas invectivas à ministra.

Acontece que as críticas – um tal de “escrutínio”, diz-se agora, desde há pouco –, seus conteúdos ou particulares intensidades, à ministra Francisca Van Dunem e os olhares sobre as recentes duas primeiras deputadas negras do país, Beatriz Gomes Dias e Romualda Fernandes, não têm convocado particulares indícios de racismo, nem a elas dirigidos nem aos partidos que as integraram.

Entretanto foi também eleita outra deputada negra, a terceira na história da Assembleia da República. A sua postura, pessoal e política, convocou atenções. Bem como a da sua “entourage”. Antes e em especial após as eleições. Por essa postura, pessoal e política, vem sendo bastante criticada.

Leio agora no Facebook duas pessoas, que normalmente botam com tino, reclamar com o racismo português, a este atribuindo o exarcebado “escrutínio” sofrido pela deputada Katar Moreira. Não reparam, pelos vistos. São imunes, talvez, ao comparativismo. Ou, se calhar, apenas ao que não lhes dá jeito aos pressupostos arreigados. São mesmo epígonas do deus Pluto, o cego e coxo bem-intencionado. Entenda-se, são manipuláveis.

Ferro Rodrigues

jpt, 14.12.19

0378.jpgQuando vivia em Maputo contactei - por razões profissionais ou conjugais - com inúmeros governantes portugueses ali visitantes, na sua maioria socialistas. Oscilavam entre o pungente (Vitalino Canas era um exemplo tétrico de défice mental) à extrema compostura arguta (Sousa Franco ou Luís Amado foram disso exemplos). Isto não é uma avaliação política: um imbecil nunca poderá ser bom governante mas alguém muito decente e capaz pode falhar rotundamente. É apenas uma consideração pessoal. Recordo isto devido ao episódio "vergonha" que Ferro Rodrigues acaba de protagonizar na AR a que preside. Pois há cerca de duas décadas ele visitou Maputo como ministro e a impressão que deixou foi a melhor: educado, afável, muito bem preparado.

Politicamente pouco me interessa. Para mim ele é, acima de tudo, o homem que acabado de ser eleito presidente do grupo parlamentar do PS, sob o novo secretário-geral Costa, foi discursar ao parlamento reclamar o legado governativo de Sócrates (estava este, então recém-regressado ao país, a pavimentar a sua via para Belém, entre posfácios de Eduardo Lourenço, conferências sobre Rimbaud, e elogios alheios ao seu magnífico PEC4). O qual foi detido logo a seguir (julgo que até na semana seguinte). E deixemo-nos de coisas, se até eu, mero emigrante de longo prazo, vulgar antropólogo docente, sabia desde 2007/8 das trapalhadas da banca, das aleivosias da malta que o rodeava, das coisas bem estranhas dos negócios em Moçambique (sobre as quais ninguém fala), do combate à liberdade de imprensa - e do quão misteriosa era a fonte dos seus recursos pessoais - é completamente impossível que o seu predecessor no PS tudo ignorasse. Sabia-o perfeitamente, sabiam-no os seus mais próximos (como o sabiam todos os membros daqueles governos, e o pessoal "menor" circundante daquele poder). Ou seja, Ferro Rodrigues não foi apenas conivente com o socratismo. Reclamou-o como legado a preservar. E o seu opróbrio (vede como evito o termo "vergonha") é esse.

Pode agora surgir Ferro Rodrigues a querer censurar o léxico do extremo-direitista Ventura, erro crasso que este muito agradece, como é óbvio. Mas o que me nada me surpreende é a impudicícia (vede como evito o termo "vergonha") com que os socialistas defendem esta patetice. Explico-me melhor: acabo de ler no mural FB de um prestigiado socialista a sua reflexão sobre o caso, até elíptica. E no seu mural há um comentário que ele acolhe, e até responde plácido ainda que discordante: trata-se de uma veemente concordância com Ferro Rodrigues aposta por um deputado (poeta,filósofo, bloguista) importante deste poder. Porfírio Silva de seu nome, o homem que acusou Passos Coelho de usar o cancro da sua mulher como propaganda eleitoral.

A minha pergunta é esta: pode Ferro Rodrigues, que aceita ombrear no seu grupo parlamentar com um filho da puta destes, ter algum critério sobre o léxico alheio? E já nem pergunto o mais óbvio, pode alguém que aceita dialogar com um filho da puta daqueles colher algum respeito pelas suas opiniões?

No meio disto quem se sai a rir, claro, é o comentador da bola. Irá longe, parece-me.

O deputado da chiclete

jpt, 19.07.19

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Quando critico o pessoal político muitos reagem, invectivando-me de "ressentido", "neoliberal" ou, agora, "populista", enfim afascistando-me . Gostaria de saber se esta minha crítica merecerá essa definição:

O Presidente da República convida os parlamentares para um jantar, por ocasião do fim da legislatura. Todos os partidos se apresentam, uns deputados com vestes mais formais outros menos. Mas é um jantar com o PR, no desempenho de funções. Vejam no filme, a partir dos 59 segundos: antes da refeição, perfilando-se entre os presentes, ladeando a veterana comunista Heloísa Apolónia, está um deputado, que desconheço - não sei nem nome nem partido, nunca lhe vira a cara. Está, vejam bem, a mascar pastilha elástica, de boca aberta. E um ar algo embrutecido, claro.

Sumarizo: um jantar formal, o PR convida os parlamentares para celebrar uma legislatura, convoca a imprensa para assinalar a função. E um dos deputados vai para ali a mascar a chiclete.

Isto é um descalabro total. Onde encontram esta gente?

Adenda: um leitor avisou-me, o deputado morcão é Andrê Silva, o do PAN ...

Uma desgraça nunca vem só

Sérgio de Almeida Correia, 13.07.19

Compreende-se que deslocando-se a Macau e à China a convite do Embaixador da RPC em Portugal, a delegação parlamentar portuguesa chefiada pelo deputado Sérgio Sousa Pinto, presidente da Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas na AR, esteja limitada nas declarações que faz. Aliás, seria tão incompreensível que fossem deselegantes para com quem os convidou como que para o agradecimento tivessem de repetir a anterior distribuição de lambidelas.

Mas, convenhamos, dizer que o que se está a passar em Hong Kong com as leis da extradição não é preocupação da Assembleia da República, sendo preocupação dos parceiros europeus de Portugal, do Parlamento Europeu e dos portugueses, que ainda são, que aqui vivem, e ao mesmo tempo, e na posição em que está, vir discutir com a Secretária para a Administração e Justiça questões relativas ao protocolo entre a Ordem dos Advogados e a AAM, é não ter a mínima noção das prioridades. Nem dos dislates.

Com tanta coisa importante e a preocupar quem cá vive, até parece que esse seria assunto para os fulanos tratarem com a Dra. Sónia Chan.

Já não bastava José Luís Carneiro não ler jornais, e ter dito que nenhum português lhe fez chegar quaisquer preocupações sobre a eventual aprovação de uma lei de extradição, o que era mentira, como agora temos os assalariados parlamentares, dependentes profissionais dos compadrios da paupérrima política nacional, a colocarem-se na posição habitual dos meias-lecas de cada vez que saem em excursão para fora da pátria.

É o que dá andarem a ouvir quem não devem, sem se informarem convenientemente, antes de botarem discurso. Há mais mundo para fora das irmandades e confrarias habituais.

Greta Thunberg na Assembleia da República

Cristina Torrão, 25.05.19

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Imagem daqui

 

Depois de o meu colega de blogue jpt ter publicado este excelente texto sobre Greta Thunberg, hesitei em publicar o meu. Mas já o tinha alinhavado, desde que a decisão de convidar a activista sueca a discursar na Assembleia da República causou reacções indignadas nas redes sociais, e resolvi avançar.

Sabemos que a maior parte das crianças crescem super-protegidas e super-vigiadas, até se criou a expressão “pais-helicópteros” para designar os progenitores que constantemente “voam” à volta dos seus rebentos, não lhes permitindo um momento livre e/ou sem ser planeado. Há uma preocupação constante de afastar as crianças de tudo o que seja problema, polémica, ou má notícia. Não são introduzidas nas tarefas domésticas, tudo lhes cai sobre a mesa, como por milagre, as roupas aparecem lavadas nos armários, como por mão de fada invisível. São postas em colégios privados, para e de onde são transportadas de carro, e, chegadas a casa, aterram no sofá, onde se ocupam com os seus telemóveis ou a televisão. Passeios de fim-de-semana? Só se for no Centro Comercial. Quantas crianças tiveram já oportunidade de criarem os seus próprios passatempos, brincadeiras e brinquedos? Quantos adolescentes já deram passeios de quilómetros pela Natureza? Quantos foram sensibilizados para os problemas da pobreza, da discriminação e da solidão? Pais e sociedade queixam-se de que os jovens são preguiçosos, sem interesse por nada, nem sequer empatia pelo sofrimento alheio. Porque será?

Perante este cenário, como não admirar uma activista como Greta Thunberg? Eu admiro, acima de tudo, a sua coragem. Quantas miúdas de quinze anos se atreveriam a faltar às aulas para se plantarem em frente do Parlamento, com cartazes a exigir uma melhor política ambiental? Foi assim que ela começou.

Podem dizer-me que a maior parte dos que participam nas suas manifestações o fazem apenas para faltar à escola. Também me podem dizer que gritam pelo ambiente e contra as alterações climáticas, fazendo, eles próprios, uma vida consumista e sem abdicar dos seus confortos. Ora, este movimento é precisamente a melhor oportunidade para eles tomarem consciência do que se passa e mostrarem aos pais que a vida de todos tem de mudar. É uma boa oportunidade de mostrarem que, por mais boas intenções que os pais tivessem, ao poupá-los ao lado menos bom da vida, cometeram um erro. É nosso dever ouvir a sua voz e reflectir sobre o que os preocupa.

Há uns anos, a activista paquistanesa Malala Yousafzai ganhou a admiração e o respeito da civilização ocidental. Tinha quinze anos, quando sofreu o atentado, dezasseis (a idade de Greta Thunberg), quando discursou na Assembleia da ONU, dezassete, quando foi agraciada com o Nobel da Paz (como co-premiada). Porque se fala agora de infantilização do mundo, em relação à jovem sueca? Por ela dizer o que vai mal na nossa civilização, enquanto Malala Yousafzai atacava os “trogloditas muçulmanos”? É sempre mais fácil arranjar culpados exteriores a nós.

Considero a acção da jovem sueca tão importante como a da paquistanesa. «A nossa casa está a arder», disse Greta Thunberg, na reunião anual do Fórum Económico Mundial, em Davos, na Suíça. Chernobyl e Fukushima mostraram-nos que andamos realmente a brincar com o fogo. O trânsito insuportável nas grandes cidades e nas auto-estradas europeias mostram-nos que estamos a ir na direcção errada (todos os dias há engarrafamentos de dezenas, ou mesmo centenas, de quilómetros nas auto-estradas alemãs). Os voos baratos empestam o céu, assim como os cruzeiros empestam os mares e o ar que respiramos (nas suas deslocações europeias, Greta Thunberg viaja sempre de comboio, por ser um meio de transporte muito menos poluente que o avião). A nossa avidez por carne cada vez mais barata criou uma indústria desumana, em que pessoas trabalham em condições esclavagistas e em que animais deixaram de ser seres vivos para serem objectos que se podem manipular a nosso bel-prazer e em que a Natureza é destruída, a fim de produzir soja para os alimentar (cerca de 79% da soja no mundo é esmagada para fazer ração animal; é, por isso, desonesto dizer que são os vegetarianos/vegan os responsáveis pela destruição da floresta sul-americana, mesmo que todos eles consumissem soja, o que não acontece).

É uma ilusão acreditarmos que podemos dominar a Natureza, ou utilizá-la a nosso bel-prazer. A única hipótese que temos é de cooperar com ela. Na minha opinião, Greta Thunberg merece ser ouvida na Assembleia da República, quanto mais não seja, para que sirva de exemplo aos nossos preguiçosos e mimados jovens. Ela mostra-lhes que há problemas graves no mundo e que urge levantarem-se do sofá, adquirirem personalidade e tomarem posição. Ela mostra-lhes que é o futuro dos filhos e dos netos deles que está em causa. Ela mostra-lhes que a vida deles não consiste apenas na satisfação dos seus desejos, com fadas que tratam de tudo o que implique trabalho.

Ela mostra-lhes que vale a pena ter ideais.

“Não acredites em quem te diga que não podes mudar nada / Eles têm apenas medo da mudança.

A culpa não é tua de o mundo ser como é / Só seria tua culpa se ele assim ficasse”.

(excerto da letra de uma canção dos Die Ärzte, banda alemã; tradução minha, original em baixo):

 

Glaub keinem, der Dir sagt, dass Du nichts verändern kannst

Die, die das behaupten, haben nur vor der Veränderung Angst.

Es ist nicht Deine Schuld, dass die Welt ist, wie sie ist

Es wär nur Deine Schuld, wenn sie so bleibt.

O Hemiciclo Preparatório

Rui Rocha, 07.01.19

Certo. Devemos aos gregos a semente da democracia e às democracias liberais a ideia de que a uma pessoa corresponde um voto. Mas foi preciso chegarmos à segunda década do século XXI depois de Cristo para encontrarmos um verdadeiro salto em frente na prática da democracia representativa. E desta vez não é à Grécia ou às Ilhas Britânicas que ficamos a dever este feito extraordinário. É verdade. Foi mesmo aqui em Portugal que um grupo de valorosos parlamentares trouxe a um mundo embasbacado o princípio “um deputado, várias passwords, diversos votos”. É claro que, como sempre acontece, estas ideias revolucionárias enfrentam enorme resistência. E mais uma vez aí os temos, os do costume, a pôr em causa a bondade deste avanço civilizacional. Se virmos bem, são os mesmos que se insurgem contra a falsificação de assinaturas ou a venda da Torre de Belém a incautos, os que põem em causa os benefícios das pulseiras do equilíbrio e do Cogumelo do Tempo, os que gozam com a homeopatia, os que duvidam dos mails do Príncipe da Nigéria, os que esboçam um trejeito de desdém quando vem à baila o último acto altruísta do José Paulo Pinto de Sousa a favor do seu primo Zé Sócrates, os que fazem galhofa sempre que se refere a Ericeira, os que não resistem a um trocadilho estafado sempre que se fala em robalos. É sempre assim. Por incrível que pareça, ainda há por aí gentinha que não acha piada a vigarices. Mais. É bem provável que estes acabem por triunfar, que a tacanhez prevaleça. Vamos lá ver. O que é normal é uma pessoa esquecer-se da sua própria password. Vais ao Multibanco e tungas. De um momento para outro, aquele código que sabias de cor há mais de 20 anos varreu-se. Ou tentas aceder ao gmail e tufa. Será que a tua password era abcdefgh ou era isto em maiúsculas? Ou seria 123456789? De um momento para o outro, não sabes. Esforças-te, puxas pela cabeça, ficas com suores frios, mas nada, népias, nickles. E da outra vez foi a tentar fazer login no Facebook, não foi? Pois foi. Isto é mesmo assim. O ser humano está “programado” para, mais tarde ou mais cedo, em geral mais cedo do que tarde, esquecer-se da sua própria password. Mas há deputados, verdadeiramente sobredotados, passe o pleonasmo, que não só sabem o seu código de login como ainda se lembram do de vários colegas do Parlamento. É verdadeiramente assombroso. Tão assombroso que o mais certo é mesmo, como dizíamos, que a inveja venha a prevalecer, impedindo a Humanidade de chegar mais cedo ao futuro, derrotando esses portentos capazes de votar uns pelos outros. Agora, se tiver de ser assim, e por certo será, se o imobilismo tiver de prevalecer, e por certo terá, que tudo isto se faça ao menos de forma adequada. Há quem tente paralisar a façanha preconizando um sistema de reconhecimento da íris? Há. Mas, a íris é a parte mais visível (e colorida) do olho dos vertebrados, sendo esta uma condição que a maior parte dos deputados já perdeu há muito tempo, pelo que o método é, a bem dizer, inviável. A verdade é que se o que se pretende, vá lá saber-se porquê, é garantir que os nossos eleitos estão mesmo presentes, o melhor mesmo é o Dr. Ferro fazer a chamada. Deputado Carlos César? O deputado Carlos César pediu para informar que foi aos CTT levantar a duplicação do subsídio de viagens aos Açores e que vai chegar um bocadinho mais tarde, Senhor Presidente. Deputada Fertuzinhos? A deputada Fertuzinhos pediu para avisar que apanhou trânsito à saída da sua residência em Guimarães e que vai chegar um bocadinho mais tarde, Senhor Presidente. Deputada Isabel Moreira? Deputada Isabel Moreira? Deputada Isabel Moreira, eu estou a vê-la aí a pintar as unhas, importa-se de responder à chamada? Presente, Senhor Presidente. Ai, senhora deputada, senhora deputada, se continuar assim desatenta vou ter de chamar cá o seu paizinho outra vez. Deputado Duarte Marques? Presente vírgula Senhor vírgula Presidente. Deputado Silvano? Presente, Senhor Presidente. Deputada Cerqueira, escusa de fazer voz grossa para fazer-se passar pelo deputado Silvano que eu vejo-a bem daqui. Peço desculpa, Senhor Presidente. O deputado Silvano está ou não, deputada Cerqueira? O deputado Silvano está neste momento a tomar um banho de ética, Senhor Presidente. Demora muito? Demorará, Senhor Presidente, uma vez que a sujidade estava muito entranhada. Hmmm. Deputado Feliciano? Presente, Senhor Presidente. Deputada Maria das Mercês, escusa de fazer voz grossa para fazer-se passar pelo deputado Feliciano que eu vejo-a bem daqui. Peço desculpa, Senhor Presidente. O deputado Feliciano está ou não, deputada Maria das Mercês? O deputado Feliciano está neste momento a tomar banho com o deputado Silvano, Senhor Presidente. O ponto é este: a introdução do método de chamada, ademais de garantir a presença dos deputados, já que assim tem de ser, tomará tanto tempo que os impedirá de legislar, circunstância que só poderá reverter a benefício da Nação. Para além disso, é completamente adequado ao estádio médio de desenvolvimento de boa parte dos eleitos parlamentares que estará em linha com o da garotada que frequenta a escola primária ou, nos casos mais favoráveis, o ciclo. Nada melhor, portanto, que transformar a Assembleia da República numa espécie de hemiciclo preparatório com chamadas, faltas de material e recados nas cadernetas dirigidos aos encarregados de educação.

 

* publicado na edição de Dezembro do Dia 15.

Sopesar os pesares

jpt, 20.03.18

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Um voto de pesar da Assembleia da República convoca-me a pesquisar se um análogo terá sido feito há alguns meses. No "dia da Paz" em Moçambique, data da assinatura do tratado de Roma em 1992, que estipulou o final da guerra civil, foi no ano transacto assassinado o presidente do conselho municipal (o equivalente à câmara municipal) de Nampula. Eu cheguei à cidade uns dias depois, percebendo o trauma generalizado que vigorava. Para mais, foi-me descrito o assassinato por um amigo meu que o acompanhava naquele preciso momento. Nestes últimos dias aconteceram as eleições autárquicas, com vista a substitui-lo.  

Procuro agora no Google se a Assembleia da República se pronunciou sobre aquele atentado. Nada encontro, após várias buscas. Presumo pois que o facto tenha passado ao lado das preocupações e das agendas parlamentares portuguesas. Dos pesares dos senhores deputados e respectivas direcções partidárias. Se assim é (se o Google não estiver a esconder alguma referência ao assunto ...) isto demonstra bem a mundividência de centenas de parlamentares e de alguns milhares de influentes luso-opinantes.

Ou sej, uma vereadora do município do Rio de Janeiro, segunda cidade do Brasil, país da CPLP, é assassinada ("brutalmente assassinada" é uma redundância, e isso poderia ser ensinado aos deputados), e a AR vota o seu pesar. O presidente do município de Nampula, segunda cidade de Moçambique, país da CPLP, foi assassinado e a AR ignora o facto, não expressa o "pesar". Se não o votou porque será? Porque é em África, lá onde os gajos se matam uns aos outros, a necessitarem de umas "campanhas de pacificação"? Ou porque não pertencia ao partido feminista? Ou porque era homem? Ou porque, raisparta, o homem era negro, não uma mestiça (mulata/parda), bom material para os estes racistas subscritores do ideário "one-drop" a afirmarem "negra" ("preta", no português brasileiro)?

O recente assassinato é lamentável e indicia um ambiente político tétrico no Brasil. Mas a minha questão, antipática, é a dualidade de critérios analíticos da totalidade da elite política portuguesa, expressa na reacção a estes dois casos. No afã demagógico de seguir o agit-prop de agora, a abjecta filiação ao "correctismo", mostra-se bem a hierarquia de significados, importâncias e solidariedades. E transpira, de facto, bem lá no âmago, o fedorento racismo colonialista. Por mais tralhas intelectuais, a coberto da patetice dita "lusofonia", que regurgitem.

Agora vão lá agitar as caudas no Can-Can gauchiste.

Situação política

Tiago Mota Saraiva, 06.12.15

Foi particularmente interessante assistir aos debates parlamentares que decorreram durante a semana.
A maioria que sustentou o actual governo demonstra estar tranquila com a sua diversidade. Um governo do PS, uma maioria de esquerda à qual só faltará juntar um presidente de esquerda - mas esta questão fica para outros escritos.
A posição conjunta entre PS e BE, PCP e PEV é um bom ponto de partida que parece ser simpático para todos. Ainda assim, muitos desafios terão pela frente. Ao contrário do que a trupe de comentadores que se repete nas TV's, demasiado ocupados a papaguear questões financeiras, o grande engulho para a maioria parlamentar não será o orçamento ou o défice mas, muito provavelmente, as eleições autárquicas - caso não sejam preparadas em conjunto (que não quer dizer em coligação) e com tempo.
Ao invés, PSD e CDS, estão em processo de auto-flagelação. A tese da ilegitimidade e o ataque de carácter a Costa tem eco na população. O problema é que não se consegue resistir quatro anos a dizê-lo. O pico máximo de popularidade dessa tese ocorreu no dia em que foi declarada pela primeira vez. A partir daí só perde simpatizantes. Mais dia menos dia o PSD deverá ir para Congresso. Fora do poder, com um Passos Coelho radicalmente contra o governo de Costa e, muito provavelmente, com algumas das suas medidas sob investigação (política e judicial) surgirá, certamente, um candidato que procure retomar as pontes ao centro porque isso significa mais votos e muitos lugares na administração pública, mesmo com um governo do PS. Para já o CDS parece-me imprevisível. Veremos se os próximos tempos ajudarão a clarificar-se.