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Delito de Opinião

O Affaire Coimbra (5): o processo colocado por Boaventura Sousa Santos

jpt, 24.11.24

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Ao longo dos anos em blog de vez em quando abordei Boaventura Sousa Santos (em particular no velho ma-schamba). E quando, recentemente, surgiram as denúncias do seu continuado assédio sexual e moral escrevi alguns postais sobre isso - intitulei-os "Affaire Coimbra" (1, 2, 4) mas não os resumirei agora. 
 
Conheci-o em Maputo em 1997. Logo o percebi como um tipo indecente. Também com as mulheres, mas sem poder afirmar ou mesmo imaginar coisas desta gravidade. Mas era-me evidente, então nos meus 30 anos, a cagança fálica do sexagenário diante das mulheres que o seguiam.
 
Lembro-me de ter sido convidado (devido às funções laborais que tinha), um ano depois, para jantar em casa de um casal amigo, por ocasião de uma sua visita. Estavam 4 casais à mesa, junto a ele e à sua (implícita evidência) namorada. E a forma boçal como ele se lhe dirigia. Pouco me interessa como os casais se tratam entre si - quantas vezes isso é refracção, até inconsciente, da sua intimidade sexual - mas aquele autoritarismo era ofensivo para os convivas. "Caramba, à mesa está a minha mulher, que é uma Senhora, e tem de assistir a esta cena?!", pensei. E entre nós, logo no carro de regresso a casa, comentámos a miserável situação.
 
Sousa Santos coordenou um projecto de investigação em Moçambique, para isso congregando o escol nacional das ciências sociais. Ao longo de anos visitou o país, e as histórias da sua irascibilidade eram recorrentes. Eu sofrera-a, com completo despropósito, "ossos do ofício" sossegou-me o embaixador meu chefe, que era um verdadeiro Senhor.
 
O velho coimbrão disparatava com tudo e (quase) todos - talvez não fiasse fino, sempre o pensei, com uma sua colaboradora que me pareceu muito estruturada, rija, tanto que décadas depois veio a ascender a biombo do famigerado Silva Pereira. Mas o resto da corte ida de Coimbra tremia, como capim.
 
O pessoal local também sofria as iras do lente coimbrão. Um dia, tive de chamar à razão um amigo, que estava imensamente indisposto devido a (mais) uma birra boaventuriana: "ouve lá", disse-lhe, "tu não estás a ver bem! Ele lá na terra dele é apenas um professor, a merda de um mero professor. Tu aqui, na tua terra, és um órgão de soberania. Põe-no em sentido! Ou julga ele que veio à "colónia"?". E o meu amigo assim o fez!!!
 
Enfim, as histórias sobre o "Boaventura" são imensas. Muito para além da vacuidade demagógica daquela tralha toda - já o escrevi em tempos: deram-me o calhamaço "Crítica da Razão Indolente", li a introdução. Aquilo é uma patacoada, de ágil retórica mas apenas isso. Escrevi emails a um punhado de colegas em Portugal, num "já leram isto? não há um antropólogo que desmonte isto?", recebendo um timorato "não te metas com o Boaventura" vindo de um sénior da disciplina.
 
A pompa "teórica" e demagogia "libertária" dos "movimentos sociais" não é agora o fundamental. Mas é evidente que essa propaganda de um "messias teórico" de movimentos políticos lhe alimentou a ideia de "império" pessoal. Pois quantas vezes me contaram a história, que talvez seja apócrifa - mas se non è vero, è ben trovato - de ser ele recebido num qualquer encontro no pobre Brasil com "investigadoras" "activistas" em êxtase, cada uma com uma letra na t-shirt, alinhando-se depois para formarem o "Boaventura". Pois o poder é erótico e a revolução libidinosa. E BSS talvez tenha aprendido isso, já quarentão, nas suas visitas solidárias à democrática e revolucionária Albânia do Enver Hoxha.
 
Enfim, tudo isto, o "Boaventura" e o seu séquito de "activistas", seria ridículo se não fosse tétrico. Há agora um punhado de mulheres que fizeram queixa dele, do seu assédio sexual e do seu assédio moral. Serão um pequeno núcleo daqueles que ele martirizou durante anos. E daqueles que ele recompensou, já agora - entenda-se, nenhum de tantos aparecerá a dizer "pois eu ganhei este emprego/trabalho porque lhe fiz isto e aquilo".
 
Às queixas o velho coimbrão resmungou umas inanidades, dizendo-se ofendido. E agora colocou um processo a 4 das queixosas: pois às residentes em Portugal exige-lhes o silêncio e a "desculpabilização", o desdizerem-se. De uma delas, a Sara Araújo, sou amigo, distante. A última vez que a vi foi há já um bom par de anos. E conto como, pois tão denotativa foi a cena... Fui a Coimbra para o seu doutoramento, em cujo júri pontificava BSS. A sessão foi na patética de anacrónica Sala dos Capelos - a qual tanto diz sobre aquela universidade, e concomitantes práticas, de docentes e... de discentes. Depois ela ofereceu um lanche num bar óptimo na cidade que estava em voga (não recordo o nome, que era qualquer coisa industrial). Estávamos ali, em alegre convívio, família, amigos e colegas quando apareceu ele, impante de chapéu. Lembro-me de ter pensado "que pavão, não sabe que numa sala se descobre a cabeça?". Tudo demonstrando a arrogância malcriada e egocêntrica do lente.
 
À Sara Araújo conheci-a para aí há vinte anos, quando jovem investigadora chegou a Maputo, na companhia de uma outra colega e amiga. Logo a percebi imensamente empenhada, inteligente, jovial. Uma miúda giríssima (vá lá, não me acusem de mansplaining...). E completamente embrenhada nas teorias boaventurianas. Sobre as quais se veio a doutorar. Com competência e brilho - o seu "oponente" foi o António Manuel Hespanha, grande intelectual, grande académico e homem decente.
 
Há poucos meses li o seu nome no rol de queixosas. Fiquei estupefacto. "Até com esta menina ele se meteu?" ("menina", sim, eu ainda tenho a imagem dela quando recém-chegada a Maputo). Destratou uma mulher que o reverenciava? Claro que exclamei o óbvio: "filhodamãe".
 
Nesta reportagem com dois episódios do canal Now (sábado 16.11. 22.30 h.) (sábado, 23.11., 22.30 h.), a Sara dá a cara, tal como outras queixosas. Conta o acontecido, o sofrido. Com coragem! "É de Homem!" dizia-se antes. "É de Mulher!!!". O que estas mulheres contam é verdadeiro. O pior nem será, digo eu, o afago mariola. Será mesmo a devastação das expectativas pessoais e profissionais, o amesquinhar do quotidiano, a angústia sobre o futuro. E, até mais, o rombo na personalidade.
 
Boaventura Sousa Santos não é o único, nem de perto nem de longe, a usar posições de poder, económico, estatutário ou intelectual, para cometer assédio sexual ou, talvez ainda mais comum, assédio moral/laboral. Mas será o mais escandaloso, pois isto é completamente ao invés de tudo o que andou a perorar durantes décadas, diante de tanto silêncio e de tamanha anuência encomiástica.
 
E o velho, nos seus 84 anos, não tem ninguém à sua volta - família, fiéis - que lhe diga "Acabou! Vai para casa, deixa de importunar os outros. As outras!". Provavelmente porque está como merece. Só! Espero que o juiz lhe diga isso.

Ainda o Affaire Coimbra

jpt, 25.03.24

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Há algum tempo rebentou a escandaleira do CES da lusa Atenas. Deixei aqui eco desse "Affaire Coimbra" (1, 2, 3  e este extra), que apontava dois tipos consabidamente imprestáveis - só não vira antes quem não quisera ver -, e uma rede eunuca de conúbio. O assunto foi muito falado e depois sendo esquecido. Agora, saiu o resultado do inquérito, nem sequer fui ler as notícias, apenas me sobressaiu um cabeçalho que indicava não terem sido nomeados os mariolas, e que o sénior se declarava "muito sossegado" com os resultados. Sorri, num muito esperado "Safaram-se!!".
 
Dias depois recebo um email circular - decerto que por ter blogado sobre o assunto, pois foi entregue no email do blog - contendo a reacção das queixosas. As quais, afinal, louvam a investigação... Leio com atenção o texto, e constato que os resultados são verdadeiramente letais. Para os malandretes, e para a tal rede conivente. E só percebo que o sénior esteja "muito mais sossegado", tal como os seus sequazes, se presume a continuidade da inércia institucional, a do CES e a das suas tutelas.
 
E é contra isso que - muito avisadamente - as queixosas exigem a acção correctiva e preventiva, no CES, na vetusta universidade dos lentes coimbrões, e nos poderes políticos que a tutelam. A ver vamos, menos distraidamente.
 
Há uma coisa importante no acompanhamento geral deste tipo de casos: não devem ser resumidos à questão sexual, sempre passível de compreensão, mesmo que sarcástica, nisso do ser "normal", "humano", o prof. mais velhote querer "comer a pitazita jeitosa", nisso do marialva "quem nunca pecou que atire a primeira pedra", etc.
 
De facto o que acontece é muito pior e mais alargado, é o culto do revanchismo. Pois se a "miúda" (quantas vezes senhora bem crescida) - ou o efebo - se recusa, e até mesmo quando anui, o que se segue é o longo acabrunhar, menorizar, da sua capacidade, o espezinhar perpétuo. E o minar, torpedear dos percursos, o obstar às carreiras profissionais. Impondo o exílio intelectual, quantas vezes mesmo pretendendo o assassinato moral. E isto não se passa só quando existe a tensão sexual - e até acontece mais vezes sem ela.
 
É uma coisa tétrica, esta autocracia do homo academicus luso. Dela ouvi falar nas gerações anteriores, conheci vários desses monstros - sempre saudados por inúmeras mesuras encomiásticas -, soube de várias situações dessas, mais suaves ou agrestes, na minha geração, algumas sofridas por gente que me é ou era bem próxima. E nem era de sexo que se falava, mas sim do cruel espezinhar, de verdadeira psicose laboral.
 
Também a mim me aconteceu. Não que algum professor me tivesse querido sodomizar - também deveria ser óbvio que arrancaria o falo ao pontapé ao primeiro dengoso que se me chegasse... Mas lembro que eu, e alguns outros colegas, fomos sonegados de bolsas de investigação de dois anos apenas por termos contestado a superficialidade das aulas de mestrado de um professor. E que década depois ainda estive dois anos à espera de um contrato (e cinco meses a trabalhar sem receber) devido aos obstáculos que ele me colocava na administração pública. Como podia tal? Devido à intocabilidade do estatuto de funcionário público, somado à mescla da influência das redes maçónicas e dessa difusa "esquerda católica", esta alimentada da mitografia do "reviralho". Por vezes gente que me conhece diz que eu tenho mau feitio, que me "sobe a mostarda ao nariz". Pois contesto, e recordo que um dia, depois disto tudo, lá no campus da UEM em Maputo, me entrou gabinete adentro o tal ex-padreca antropólogo, a querer falar comigo. E eu falei, aturei. Não o insultei. Nem lhe bati. Sou um santo, estóico.
 
Mas isso dá-me a empiria própria, "o saber de experiência feito", para olhar atento para estes casos, os dos porcos que querem levar as alunas e as assistentes para a cama a troco de (hipotéticos) favores, e os dos escroques que perseguem quem não lhes é fiel, e pisoteiam os que o são.
 
Têm razão as queixosas do "Affaire Coimbra", é necessário uma purga institucional, uma refundação dos procedimentos institucionais, um assumir da tal vetusta universidade que trata os seus mais jovens investigadores-docentes como futricas medievais. E é preciso, em todo o lado, lutar contra esta cultura da apropriação pessoal e do revanchismo. A qual se justifica, legitima como "natural", através de um mito: o da meritocracia.
 
Entretanto, peço a alguém que conheça o tardio enverhoxista e ladino retórico Sousa Santos, que o informe que este "diplomorto etnocêntrico" lhe está "a cuspir na campa". Apenas por desprezo.

Este filme acaba sempre mal

Pedro Correia, 19.01.18

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 Woody Allen, de 82 anos, durante a rodagem de A Rainy Day in New York, ainda por estrear

 

 

«O maior dos tormentos humanos é ser julgado sem lei.»

Camus

 

Nos dias que correm há novas "bruxas de Salem" lançadas às fogueiras mediáticas. A certos actores, como James Franco e Aziz Ansari, de nada valeu surgirem na recente cerimónia de distribuição dos Globos de Ouro vestidos de negro e emblema anti-assédio na lapela: também eles já estão a ser queimados.

O primeiro passou a engrossar a lista dos molestadores, com ou sem aspas, mal recebeu o Globo de Ouro para melhor actor em cinema. Já nem compareceu na noite da atribuição dos prémios da Crítica de Los Angeles, apesar de ter sido novamente designado melhor intérprete masculino pelo seu desempenho em Um Desastre de Artista.

Ansari, recém-galardoado como melhor actor televisivo pelo seu desempenho na série Master of None, não tardou também a ser alvo de acusações por parte de alguém que a acoberto do anonimato o apontou a dedo perante o mundo inteiro, alegando que com ele teve a "pior experiência alguma vez ocorrida com um homem".

Como tantos outros, passou de bestial a besta num abrir e fechar de olhos. Mas desta vez a sensação de injustiça foi tão manifesta que o caso está a dividir até algum feminismo mais radical.

 

Como não há coincidências, uma das enteadas de Woody Allen surgiu entretanto em directo na televisão revelando  "pormenores chocantes" do comportamento do cineasta, que se apressou a  desmentir as acusações sobre  alegados factos supostamente ocorridos há um quarto de século e então investigados não apenas pela imprensa mas pelas próprias autoridades, que ilibaram o realizador de qualquer suspeita.

De nada valeu o firme desmentido: a acusação soou muito mais alto. E logo um conjunto de actrizes e actores se apressou a confessar em público um enorme pecado, seguido do acto de contrição: trabalharam com o realizador mas juram não entrar em novos filmes dele per saecula saeculorum

Um desfile que tende a aumentar. Por enquanto integra Mira Sorvino, Ellen Page, Greta Gerwig, Colin Firth, Rebecca Hall, Thimotée Chalamet, Griffin Newman. A primeira, que deve o estrelato (e um Óscar) a Allen, fez publicar uma carta aberta em que se confessa "horrivelmente arrependida" de ter sido dirigida por ele em Poderosa Afrodite. Os três últimos anunciaram que entregarão a movimentos anti-assédio os salários recebidos pela participação no mais recente filme de Allen, A Rainy Day in New York, ainda por estrear.

Apenas Alec Baldwin se atreveu a sair em defesa do cineasta galardoado em 1978 com o Óscar de melhor realizador pelo seu filme Annie Hall - um dos mais subtis e ternos retratos de mulher que o cinema nos proporcionou. Louvo a coragem do actor: pelo rumo que as coisas levam, é um candidato ao desemprego em Hollywood, onde as opiniões politicamente incorrectas são alvo de duras punições.

 

O que mais me choca neste incessante caudal de tochas incendiárias não é o facto de todos os dias provocar novas vítimas, numa espécie de "maccartismo sexual", como alguém já lhe chamou com muito acerto. O mais chocante é verificar que a presunção da inocência que reivindicamos para as restantes actividade ilícitas das sociedades contemporâneas estar ausente de todas as imputações de assédio sexual. Como bem alertou a insuspeita Margaret Atwood, o que lhe valeu um indignado coro de críticas.

Os novos empestados ardem na fogueira sem lhes ser reconhecido o exercício do contraditório. Ou, se o fazem, ninguém os escuta. Porque estão condenados à partida. E não há recurso da sentença.

Já vimos este filme. Noutras épocas e sob outras alegações. Acaba sempre mal, como sabemos.

Contra as novas censuras

Pedro Correia, 18.01.18

O video da semana e uma certa esquerda presa no seu próprio labirinto

Rui Rocha, 02.11.14

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O video da semana mostra uma mulher que percorre as ruas de Nova Iorque durante 10 horas. A jovem mulher é abordada constantemente. Como a Fernanda Câncio sublinha, o que o vídeo evidencia é o carácter repetitivo, importunador, exasperante do "piropo". Mostra como sair à rua é, para qualquer mulher, um estado de alerta permanente, o de quem sabe que a qualquer momento pode ser abordada por um estranho com ofertas de sexo e sujeita a apreciações, mais ou menos alarves, sobre o seu aspeto. Esta parece ser uma descrição objectiva dos factos. Seria, portanto, de esperar que a partir deles se gerasse um amplo movimento de condenação das atitudes retratadas no video. E que essa condenação fosse consensual nos sectores à esquerda do espectro político, que reivindicam para si o património histórico da promoção dos direitos das mulheres. Surpreendentemente, nomeadamente nos EUA, é da própria esquerda que chegam vozes que questionam as conclusões aparentemente óbvias que resultam do video. O problema, ao que parece, reside no facto de a protagonista ser uma mulher branca. E de as abordagens filmadas serem quase sempre protagonizadas por homens de raça negra. Não tardaram vozes como a de Kristin Iverson que denuncia no video uma clara intenção de defender e proteger "a mulher branca inocente", isto é, a "estrutura social de poder existente". Rapidamente o argumento foi mais longe. E logo surgiu quem afirmasse que o video tem claros propósitos racistas. Dion Rabouin di-lo com todas as letras: há uma clara intenção de passar a ideia de que as mulheres brancas não estão a salvo de "sex-crazed black and brown men". Na escalada de argumentos, Aura Bogado refere um viés intencional no video: as filmagens teriam sido feitas deliberadamente em bairros em que os residentes são maioritariamente negros com o objectivo de perpetuar o mito de que estes são os responsáveis por todos os aspectos negativos da humanidade e que é preciso salvar a mulher branca. A solução seria, ao que parece, filmar um novo video com um elenco universal, em que a protagonista seria "a black trans woman". Mas houve quem fosse ainda mais longe. Emily Gould justifica as abordagens como sendo uma forma de grupos marginalizados ajustarem contas com quem (a estrutura social de poder branca existente) os condena a estarem à margem. As ondas de choque foram de tal forma intensas que o grupo Hollaback que promoveu a divulgação do video já veio a público reconhecer que este pode ter ferido a susceptibilidade de alguns sectores mais sensíveis. Como refere Charles Cooke na ampla resenha que faz sobre o assunto, o que subjaz à incomodidade provocada pelo video nestes sectores é a ideia, também tão cara da esquerda, de que os autores das abordagens são meras vítimas das circunstâncias e que foram forçados, pelas suas condições, a importunar uma mulher branca inocente. O problema é que a injustiça não se apresenta, na realidade, em silos estanques e segmentados. As camadas de injustiça sobrepõem-se, interpenetram-se e multiplicam-se. E essa esquerda que se esqueceu das grandes ideias gerais como a igualdade e cedeu ao apelo da apropriação da injustiça minoria a minoria, caso a caso, perdeu-se no seu próprio labirinto. Daí que lhe falte critério quando é confrontada com escolhas definitivas: radicalismo islâmico ou direito das mulheres. Radicalismo islâmico ou direito à orientação sexual? Direitos das mulheres (sejam elas brancas, baixas, altas ou negras) ou paternalismo para determinados comportamentos?