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Delito de Opinião

Uns pândegos

Sérgio de Almeida Correia, 30.12.22

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(créditos: Macau Daily Times)

Até há algumas semanas, os estrangeiros estavam impedidos de entrar na China, qualquer que fosse a porta e a razão para quererem entrar, mesmo não estando infectados com Covid e com todas as doses e reforços de vacinas que a Medicina colocou aos dispor das nações. Pais ficaram anos sem poder ver os filhos, casais foram separados, filhos impossibilitados de acompanharem os pais à sua última morada. Mesmo aos nacionais e residentes permanentes que se ausentassem para o estrangeiro foram impostas quarentenas de 28, 21, 14, 10 e 5 dias, códigos vermelhos e amarelos, e inúmeras despesas supérfluas para se garantir a política de tolerância zero ou "zero dinâmico".

Agora, perante uma vaga de infectados sem precedentes na China, com milhões doentes, sem qualquer controlo, e com vacinas de eficácia muito questionável, há dois aviões procedentes deste país que à chegada a Itália apresentam cerca de 50% de infectados. E que faz o país de destino? Impõe restrições à entrada de viajantes, sem discriminação de nacionalidade, exigindo que sejam feitos testes de despistagem. Os EUA fazem o mesmo, anunciando que a partir de 5 de Janeiro de 2023, quem quiser entrar nesse país, procedente da China,  de Hong Kong ou Macau, terá de apresentar um teste PCR negativo. E tal como estes, outros mais (Espanha, Malásia, Coreia do Sul, Japão) farão o mesmo.

Não me parece que seja algo de excessivo ou incompreensível perante a situação que actualmente se vive e que os próprios órgãos de comunicação chineses têm difundido. A TDM tem passado no seu Telejornal algumas reportagens bastante esclarecedoras, algumas da CCTV, como sucedeu, por exemplo, nos passados dias 26 (minuto 12:40), 28 (minuta 13:40) e 29 de Dezembro (minuto 07:50). Repare-se que apresentar testes com resultado negativo para se entrar num país não é o mesmo que fechar fronteiras aos estrangeiros e não-residentes permanentes, ou criar obstáculos à saída de nacionais e obrigar os residentes a fazerem quarentenas pagas em hotéis e baterias de testes PCR à sua custa e com pagamentos antecipados para se poder viajar.

Curiosamente, depois de tudo aquilo que as autoridades chinesas fizeram, e das limitações que impuseram às suas próprias populações, aos residentes estrangeiros e a todos os nacionais de outros países que queriam entrar no país, até por razões humanitárias, veio o porta-voz do MNE chinês, Wang Wenbin, naquele estilo e com o adorável tom a que já nos habituou, com a maior desfaçatez deste mundo, dizer que, "para todos os países, as medidas de resposta à COVID têm de ser baseadas na ciência e proporcionais, e aplicar-se igualmente às pessoas de todos os países sem afectar as viagens normais e o intercâmbio e cooperação entre as pessoas", esperando que "todas as partes sigam uma abordagem de resposta baseada na ciência e trabalhem em conjunto para assegurar viagens transfronteiriças seguras, manter estáveis as cadeias industriais e de fornecimento globais, e contribuir para a solidariedade global contra a COVID e a recuperação económica mundial".

Para quem fez exactamente o contrário daquilo que afirma, inclusive contra as recomendações da Organização Mundial de Saúde, e que ainda em Outubro, no XX Congresso do PCC, reafirmava a linha da tolerância zero, não deixa de ser curioso que perante uma situação de quase catástrofe interna haja quem queira, agora, que os outros países deixem entrar livremente os seus infectados, com todas as variantes e mais algumas, e que façam aquilo que a China não fez durante quase três anos: acreditar na ciência, respeitar a proporcionalidade das medidas de contenção do vírus e não discriminar.

É só olhar para os exemplos recentes de Macau e de Hong Kong e para os custos sociais e económicos que foram impostos a estas regiões e às suas populações.

Há coisas que, de facto, não lhes faltam. Mas hoje vou respeitar a quadra, e o Pelé, e poupar-vos a lê-las.

Bom Ano para todos. Sem Covid, com saúde.

Maradona e o síndrome de impunidade dos artistas

João Pedro Pimenta, 06.07.18

Não há Campeonato do Mundo de Futebol que não traga estrelas das competições passadas. No que está a decorrer agora já pude ver o dinamarquês Schmeichel, o alemão Lotthar Matthaus, o brasileiro Ronaldo (o "Fenómeno") e os colombianos Higuita e Valderrama. E Maradona, claro. A fumar charuto em locais proibidos, a insultar adversários, a criticar opções dos treinadores ou a entrar em transe quando a Argentina marca um golo (ou a sofrer uma vertigem quando sofre outro), a estrela dos anos oitenta e campeão do México 86 está lá sempre.

 

Confesso que tenho pouca paciência para Maradona, para a impunidade dos seus actos e para a ideia que transmite de que pode fazer tudo e ainda assim é um injustiçado. Era o maior jogador do seu tempo, sim, e um dos maiores de sempre. Mas nunca vi Zidane ou Beckenbauer, tal como não via Eusébio e Cruyff, a fazer semelhantes figuras (Pélé é outro caso, diferente mas não necessariamente exemplar). Maradona critica tudo e todos, não raras vezes insultando, faz o que lhe dá na real gana, arma-se em entendido na matéria, quando como treinador se revelou um desastre, e para piorar as coisas ainda passa por moralista, quando as suas aventuras com a droga  - não esquecendo que no seu último Mundial acabou afastado por doping - não o aconselhariam. Para mais, não se exime a exprimir as suas ideias políticas, que passam por usar tatuagens de Che Guevara, tendo sido visita frequente de Fidel Castro, ou por oferecer os préstimos a Nicolás Maduro, participando em comícios do protoditador venezuelano ou oferecendo-se como "soldado da revolução bolivariana" para "libertar a Venezuela e combater o imperialismo", isso numa altura de fortíssima repressão do regime vigente, com visível desrespeito por pelo princípio da separação de poderes, e de uma crise económica generalizada. E como não podia deixar de ser há ainda as suas "opiniões" sobre a Guerra das Faklandsl/Malvinas, considerando que a Rainha Isabel II e o príncipe Carlos têm as mãos "tintas de sangue"; curiosamente, do tempo em que jogava, não se lhe conhecem grandes críticas à brutal junta militar que comandava a argentina e que deu origem ao conflito que seria o início do seu fim, e que só por isso haveria que dar elogios aos ingleses. Parece que finalmente Maradona culpou os militares pelo desastre dessa aventura. Foram precisos mais de trinta anos...

 

Tudo isso adorado por uma patética "igreja maradoniana", com ritos em tudo semelhantes aos da igreja católica mas colocando o nome do antigo craque no lugar dos santos, assim como em Nápoles o seu culto concorre com o de S. Gennaro. As declarações, imagens e situações descritas podem ser vistas no filme Maradona por Kusturica, em que o realizador sérvio faz uma hagiografia ligeiramente envenenada ao argentino, aproveitando para fazer uma crítica ao ocidente.

 

Toda esta bajulação não é muito diferente da que é feita a boa parte das gentes das artes e das letras, que por mais barbaridades que digam e façam têm sempre uma desculpa, ou no mínimo vêm os seus actos ou declarações sempre atenuados. Se compararmos com os políticos, verificamos que a tolerância para com os primeiros é sempre muito maior, ou, no mínimo, gera sempre menos indignação, esse sentimento tão comum hoje em dia. Nunca percebi bem porquê. Quanto maior é a notoriedade do artista, do escritor ou do desportista maior é a sua responsabilidade. E a ideia estapafúrdia de que um escritor tem de ser um exemplo moral, e que a sua vida reflecte as ideias contidas na sua obra é uma infantilidade que tarda em passar. É a velha discussão do valor da obra Vs a vida pessoal dos seus autores. Artistas há que criaram obras intemporais e magníficas mas que tiveram vidas a todo o título miseráveis. O mesmo se aplica aos vultos literários, e claro está, aos desportistas. Não percebo nada de psicologia, mas a falta de distinção entre obra e autor parece-me dos comportamentos mais irracionais que imaginar se possa. E no entanto é algo tão comum que quase parece natural. Talvez não valha a pena admirarmo-nos com os panos quentes que são passados nestes casos. Maradona poderá sempre proferir barbaridades enquanto fuma em locais interditos e se oferece como "soldado da revolução" que terá sempre um culto qualquer a louvá-lo. Desde que não nos proíbam de os criticar já não é mau.

 

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O tempo para mim parou

Sérgio de Almeida Correia, 05.02.16

Por este andar o PSD arrisca-se a fazer o percurso inverso e a regressar aos tempos de Francisco Sá Carneiro, sempre com o mesmo fiel. Com a deriva ideológica do PS e alguma sorte ainda se arrisca a pedir a adesão do partido à Internacional Socialista e a acabar os comícios a cantar a Internacional, como nos idos de 1974. Fazer o pino e dar cambalhotas já ele mostrou que é capaz de fazer sem se rir.

Valkyrie Octopus

Sérgio de Almeida Correia, 16.03.15

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Com vinte metros de altura, trinta e cinco de extensão e mil e duzentos quilos de peso, Macau viu ser oficialmente inaugurada a última obra de Joana Vasconcelos. Fruto de uma encomenda da MGM Macau e instalada na Praça do Rossio, a Valkyrie Octopus impressiona pela cor e dimensão. Certamente que haverá muita gente que não gostará do resultado final, mas goste-se muito ou pouco é um trabalho que pela criatividade, cor e arrojo não deixará ninguém indiferente. E deixa honrados os portugueses que vivem e trabalham na RAEM. A foto é do Consulado Geral de Portugal em Macau e Hong Kong. As restantes podem ser vistas aqui.

Comparações

Sérgio de Almeida Correia, 19.11.13

Um empresário de "sucesso" da hotelaria deu uma conferência promovida pela Microsoft Portugal para uma plateia de cem directores de escolas. Não estive lá, e duvido que se estivesse em Portugal lá pudesse ir. Mas os jornais para alguma coisa servem e, graças a eles, e à Internet, já agora, fiquei a saber que o referido empresário considera que gerir uma escola ou uma universidade é praticamente o mesmo que gerir um hotel. E exemplifica: "Vocês também têm clientes, os alunos são os vossos hóspedes, e têm de tratar deles. São donos de casa como eu, servem refeições na cantina como eu sirvo no restaurante, têm de assegurar a limpeza, a segurança". E continuou referindo que "vocês são empresários como eu. Gerem uma empresa sem fins lucrativos". (DE, 18/11/2013)

Não sei se alguém saiu da conferência antes do final. Ou se todos manifestaram concordância com o sentido do que foi dito.

Descontando o "vocês", típico de alguns meios e fruto de modismos recorrentes, foi este tipo de discurso que conduziu Portugal ao patamar miserabilista em que se encontra. Esta mentalidade simplificadora de cariz económico, que equipara escolas a hotéis, é a mesma que, certamente, tem equiparado hospitais e urgências hospitalares a casas de massagens, onde o valor/hora e o custo por cama devem ser avaliados em minutos e facturados em consonância. Ou que transformou escritórios de advogados numa espécie de sociedades anónimas onde se "enchem chouriços" com taxímetro à vontade do freguês, ou que fez de agências funerárias uma espécie de sociedades de exploração de estabelecimentos nocturnos, com serviço a la carte, cafés e bolinhos, enquanto se recebem as individualidades que se vêm despedir do falecido.

Quer o referido empresário queira, quer não, ainda há algumas diferenças substanciais entre escolas e hotéis. Não consta que nos hotéis os hóspedes, ou "clientes", como ele diz, sejam ensinados a ler, a escrever, a pensar ou até a comer. Desconfio que os seus "clientes" já cheguem ensinados. E também desconfio que as empresas que o dito empresário gere não sejam "sem fins lucrativos". Caso esteja enganado, então seria aconselhável que ele as transformasse em escolas, de excelência, de preferência, e sem fins lucrativos. E, já agora, que desse depois a receita a uns quantos estabelecimentos de ensino privado cujos proprietários passaram a deslocar-se em viaturas de alta gama, exploram os escolas como se fossem hotéis e ainda se permitem queixarem-se da insuficiência dos subsídios que recebem à custa dos impostos que milhões pagam e que todos os anos são desviados das escolas públicas para os sustentar.