Os painéis entre os seus
A obsessão da vida de Almada Negreiros realizada: a obra maior da pintura portuguesa na obra maior da arquitectura nacional, no seu espaço mais nobre.
Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]
A obsessão da vida de Almada Negreiros realizada: a obra maior da pintura portuguesa na obra maior da arquitectura nacional, no seu espaço mais nobre.
Depois de ler a belíssima declaração de interesses que está um pouco mais abaixo nesta mesma página, sendo também eu um apaixonado por bibliotecas, que em tempos lutou por uma nova na cidade onde hoje vivo, lembrei-me de que ainda não tinha aqui trazido o projecto que venceu o concurso da nova Biblioteca Central de Macau, o qual espero poder ver terminado tão depressa quanto possível para vir a gozá-la.
O atelier cuja proposta arquitectónica foi escolhida para desenvolver o projecto é holandês, mereceu o reconhecimento e prestígio internacionais por alguns dos seus trabalhos exactamente na área das bibliotecas, designadamente em Birmingham, Haia, Nova Iorque (Martin Luther King Jr Memorial Library) e em Tainan, mas convém dizer que qualquer umas das outras propostas (dos finlandeses da ALA Architects, da irlandesa Grafton e da suiça Herzog & Meuron) era excelente e todas elas mereciam um prémio.
A nova Biblioteca ficará situada numa praça central, integrada no centro histórico da cidade, que não obstante todos os atentados que diariamente são cometidos contra o seu património ainda ocupa um lugar entre os World Heritage Sites da UNESCO. Nesse local existia o defunto Hotel Estoril, que havia sido desenhado por um arquitecto português de origem macaense, de seu nome Alfredo Victor Jorge Álvares, onde abriu um casino em 1962 e que terá constituído ao tempo o primeiro "resort integrado".
Como poderão ver no pequeno filme que aqui deixo, o mural futurista do escultor italiano Oseo Acconci será preservado, embora sendo retirado da fachada e colocado no novo lobby interior, onde na minha opinião ficará muito bem e devidamente protegido do calor, da chuva e da humidade.
O que achei mais curioso foi a circunstância do arquitecto responsável pelo projecto da Mecanoo que dirigiu a equipa ser português. Confesso que fiquei bastante satisfeito, tanto mais que tenho sobrinhos arquitectos que não puderam realizar os seus sonhos em Portugal e hoje, tal como o Nuno Fontarra e muitos outros que tiveram de sair por falta de condições de vida e de trabalho, encontraram uma oportunidade lá fora, onde espalham o seu talento, criatividade e a excelência do ensino recebido na escola pública portuguesa em Melbourne e em Bergen.
Mas melhor do que tudo o que aqui poderia dizer sobre o projecto é verem o filme. E agradeço à Zélia pela lembrança. Que seja feliz por aqui.
A obra de conclusão do Palácio Nacional da Ajuda mereceu capa de jornais como raramente os projectos de arquitectura merecem. Além das imagens e do anúncio da realização da obra, todos os textos destacavam a autoria do projecto de um arquitecto da Direcção Geral do Património Cultural.
Dediquei-me, nos dias posteriores, a aplaudir a resiliência desta equipa de projecto sobrevivente à depauperação de técnicos e gabinetes de projecto a que o Estado foi sendo sujeito ao longo dos anos. Mas estava a ser enganado. Não havia equipa. Se parece ser verdade que quem assina o projecto é um técnico da DGPC, a própria instituição, alegando “falta de recursos internos”, contratou, por ajuste directo, uma empresa privada para “apoio na elaboração do projecto de arquitectura”. Ou seja, fugiu ao concurso público de concepção a que a lei obriga.
Infelizmente, a fuga ao concurso é a regra e perante o insuficiente escrutínio público e do Tribunal de Contas só nos resta o escárnio sobre o anedotário. Alguém ouviu falar das 20 contratações entre estudos, projectos e levantamentos para o Mercado do Bolhão, fraccionadas de modo a não atingir os 75 mil euros (limite para o ajuste directo), superiores em valor somado a 850 mil euros? Alguém foi confirmar se o projecto do campus da Universidade Nova, tão elogiado pelo Presidente da República, foi a concurso público como se escreve?
Até 10 de Outubro está para discussão pública uma nova revisão do Código da Contratação Pública. Apesar desta alteração ir, a meu ver, no bom sentido - assim que expurgada de alguns disparates como a possibilidade de haver júris de um indivíduo - não irá mexer no que é estrutural. No que faz com que, a partir de 2008, o concurso público de concepção tenha passado a ser raríssimo. Como não creio que a maioria dos decisores públicos sejam corruptos ou tenham arquitectos de eleição a quem queiram adjudicar trabalhos, entendo que o problema estrutural está no facto de ser muito mais simples e rápido fazer um ajuste directo a uma empresa do que padecer dos longos e intrincados processos de concursamento. A chave do problema está na inversão deste paradigma. Importa tornar mais complexa e fiscalizável a decisão de contratar sem concurso e mais céleres todos os procedimentos de concursamento.
Um dos carrinhos de supermercado estava cheio. O outro ainda podia levar mais algumas coisas. Para além desses dois carrinhos os pertences eram um conjunto de mantas e cartões dispostos de forma a tornar mais confortável aquele vão de porta. Num vão ao lado repetia-se o cenário. Sem carrinhos de supermercado desta vez. Eram dois homens. Pareciam ser eles os únicos ocupantes do edifício (se é que se pode chamar ocupante de um edifício a quem só ocupa o vão de uma porta).
Saberão eles que aquele é por quase todos considerado um óptimo exemplar de boa arquitectura e boa engenharia em Portugal? Que depois da Expo 98 várias utilizações esporádicas se foram sucedendo? Que a Câmara Municipal de Lisboa já o considerou o espaço ideal para aí instalar um equipamento cultural? Que a Parque Expo, ao ser extinta, transferiu o edifício para o Estado? Que o Governo o transferiu para a Universidade de Lisboa que supostamente o transformará num espaço dedicado à promoção cultural e científica? Que o próprio arquitecto Álvaro Siza Vieira, há uns anos atrás, chegou a dizer: "a solução mais lógica, depois de tantos anos passados, é demoli-lo"?
Saibam ou não provavelmente continuarão a dormir naqueles vãos. Pelo menos até que alguma das ideias que foram surgindo passem à prática. Quanto aos que passeiam sob a famosa estrutura continuarão a pensar que, pelo menos, no Verão, é muito agradável ter ali uma sombra. E isso, apetece dizer como no espaço de humor da TSF, já não é mau!
Nesta torrente de desaparecimentos de figuras públicas em que este mês de Janeiro de 2016 tem sido fértil quis o acaso que, com poucas horas de diferença, tivessem falecido duas figuras que, de uma forma indirecta, se cruzaram na minha vivência: Ettore Scola e o Arquitecto Nuno Teotónio Pereira.
Quando, em 1989, iniciei a minha vida profissional Oeiras era ainda um concelho com bairros degradados, alguns com uma dimensão significativa. Ao longo de 6 anos, tive contacto com quase todos e em muitos conheci aprofundadamente um grande número de famílias. Nessa altura algumas pessoas, em jeito de brincadeira, referiam “Feios, Porcos e Maus”, o filme de Ettore Scola, como o cenário onde eu passava os meus dias. Na verdade nunca me cruzei com uma família como a de Giacinto. Mas, se algumas das imagens apresentadas na estética grotesca do realizador italiano estavam acentuadas, outras havia que ficavam aquém de algumas situações com que me deparei e que aconteciam mesmo ao lado da minha porta, das portas de todos nós. O lado amoral e sórdido de algumas vivências (certamente presentes, também hoje em dia, em muitos locais) aproximavam, de facto, aquela Roma dos anos 70 dos subúrbios de Lisboa de finais dos anos 80. O filme de Ettore Scola, aliás, reflecte uma certa miséria humana presente em todas as sociedades ocidentais que se dizem ricas e modernas e se o humor predomina, o desencanto constante no filme perturba-nos.
A par do conhecimento dos “bairros de barracas” o trabalho da equipa na qual eu me integrava passava pelas acções de realojamento, materialização da política de habitação da autarquia. Foi nesse âmbito que me cruzei com o Arquitecto Nuno Teotónio Pereira que, com o Arquitecto Pedro Botelho, projectou, numa terra onde já tinha estado preso, um conjunto habitacional que mereceu o primeiro lugar no Concurso - Prémio INH de 1992.
Eu era uma miúda recém-licenciada mas não mais esqueci a sua figura calma e segura que sabia respeitar aqueles que com ele não teriam muitas afinidades (e para quem muitas vezes os especialistas nos assuntos não têm o que designam por paciência). Para além das reuniões com os técnicos, para as quais estava sempre disponível, recordo sobretudo o prazer com que, em assembleias muito participadas, com centenas de pessoas, nos barracões do refeitório da obra, explicava aos futuros moradores porque tinha desenhado o bairro e as casas assim e não de outra maneira, porque tinha escolhido aqueles materiais e não outros. Mas era sobretudo a atenção com que ouvia os futuros utilizadores daquelas casas, dos espaços que tinha criado, que me fascinava. Aquelas pessoas que lhe colocavam as questões mais óbvias ou as mais estranhas mereciam-lhe sempre uma reflexão e uma resposta clara.
Provavelmente os que participavam nessas reuniões não se apercebiam do privilégio de o ter ali à mão, pronto a responder-lhes a todas as questões, com a humildade de quem só sabe mais algumas coisas sobre o assunto.
Foi a ele que ouvi uma frase que ainda hoje por vezes cito e que dizia, mais ou menos assim: o principal problema dos arquitectos são as pessoas. Significava ela que ao projectarem determinado edifício, mesmo que se trate de uma encomenda para alguém em particular, a obra, que pode ficar perfeita, deixará de o ser quando for habitada, quando o uso deturpar a harmonia inicial do conjunto, introduzindo imperfeições mais ou menos relevantes. E no entanto é a vivência de um espaço que lhe confere o valor maior, o mais significativo, que lhe atribui a sua alma. Nuno Teotónio Pereira sabia disso. Por isso o respeito. Por isso o devemos respeitar.
Dei por mim a imaginar que o Arquitecto que hoje nos deixou talvez conseguisse projectar uma casa para a família Mazzatella. Pensando bem, tenho a certeza que sim.
Parte do texto foi recuperado daqui.
Este é o tema que o curador da Bienal de Arquitectura de Veneza de 2016, o chileno Alejandro Aravena, escolheu para a próxima edição que acontecerá entre Maio e Novembro do próximo ano. No documento em que caracteriza o que pretende que seja a Bienal, Aravena escreve que "Mais e mais pessoas no planeta procuram um lugar decente para viver e as condições para alcançá-lo estão cada vez mais difíceis.(..) Mas ao contrário de guerras militares, onde ninguém ganha e onde há um sentimento predominante de derrota, na linha de frente do ambiente construído há uma sensação de vitalidade, porque a arquitectura consiste em olhar para a realidade com uma proposta." (aqui pode ler-se uma explicação mais detalhada),
Entretanto, cada país posiciona-se neste importantíssimo debate. Shumi Bose, Jack Self e Finn Williams, curadores da representação britânica, propõe-se reflectir sobre as mudanças que podem vir a dar-se na forma de desenhar o espaço doméstico. O DAM será responsável pela representação alemã, afirmando a Alemanha como um país de acolhimento discutindo a questão dos refugiados. Como se pode ver nas notícias da Archdaily, cada país vai anunciando os seus curadores e representações oficiais afirmando a sua identidade e contribuindo para uma Bienal de expectativas elevadas.
Em Portugal, a cinco meses do início da Bienal, ainda não há fumo branco. Num momento em que as condições sociais e políticas do país foram devastadas por anos de políticas de austeridade, a representação de Portugal estará sob olhar atento do mundo inteiro. Espera-se que não se regresse ao modelo caduco de uma representação monográfica de arquitecto, ou daquilo que se entendeu chamar como "arquitectura portuguesa", abdicando-se de posicionar o país nas discussões da linha da frente.
Os assemble venceram o mais prestigiado (prémio de arquitectura) prémio de artes visuais* atribuído no Reino Unido. Os assemble, tal como tantos outros colectivos e ateliers que actuam pela Europa fora, demonstram a mais valia de um colectivo de arquitectura não ser um castelo de arquitectos, de que a arquitectura não é alheia às condições objectivas da realidade que a rodeia e que não é um acto apolítico.
A Ordem dos Arquitectos acaba de publicar no seu site este Regulamento de Inscrição e Estágio. Depois de seis anos (2001-2007) como seu dirigente, têm-me motivado pouco as suas discussões internas cada vez mais alheadas do mundo e do país.
Contudo, esta discussão interna - ou a falta dela -, motiva-me a alertar para o facto de, se nada se fizer, a Ordem dos Arquitectos continuar a fechar-se no seu castelo isolada do mundo, sob o olhar displicente da maioria dos arquitectos.
Aqui ficam algumas notas/observações públicas sobre este documento:
Enquanto o grande arquitecto vai pensando na renovação do Hotel Sun Sun, vou seguir a recomendação da minha amiga MJF e agendar uma visita à exposição das fotos de Fernando Guerra sobre a obra de Siza Vieira. Será um pequeno gesto de agradecimento ao homem que contribuiu para que hoje me possa sentar num aprazível jardim, durante as minhas horas de almoço, a ler os meus jornais. Em paz e sossego.