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Delito de Opinião

Um futuro cada vez mais quente

João André, 30.06.23

A temperatura não existe. ou melhor, existe, mas é uma medida da energia de um sistema. Quanto maior a energia de um sistema, mais a temperatura pode subir, desde que esse sistema se mantenha constante. Se o sistema puder mudar, a temperatura pode manter-se inalterada. Uma forma de pensar nisto é através de diluição de algo que esteja ao lume. Se adicionarmos mais água a uma temperatura mais baixa, a temperatura da água ao lume reduz-se. Outra forma seria pensar no aquecimento de um gás. Se se permitir que o gás a ser aquecido se expanda, ou seja, se "estenda" por um volume maior, a temperatura não mudará. O oposto, como é óbvio, também é verdade: se comprimirmos um gás sem o aquecermos, a temperatura aumentará, porque aumentará também a interacção entre as moléculas do gás. A temperatura é assim uma forma de medir a actividade termodinâmica de um sistema, como se podem usar os testes Pisa para avaliar um sistema de ensino.

Porquê referir isto? Porque quero falar de Aquecimento Global (AG) mas para o fazer preciso de começar por explicar que "aquecimento global" é apenas uma forma de olhar para fenómenos termodinâmicos na nossa atmosfera à escala... bem, global.

Nota prévia antes de continuar a ler este longo post. Nos comentários não aceitarei ataques às ideias de Aquecimento Global, a sua origem antropogénica ou aos seus efeitos nas Alterações Climáticas. Estes são hoje factos científicos e não estou para aceitar negacionistas. Todos os comentários nesse sentido serão apagados. Quem quiser discordar comigo na análise em si, pode fazê-lo, mas não vou debater se a realidade é real.

O que é o Aquecimento Global?
Quando falamos em AG estamos a referir-nos ao aumento das temperaturas médias que se tem verificado por todo o planeta ao longo de sensivelmente o último século e meio. Quando falamos em temperaturas médias estamos a falar em todas as temperaturas que são medidas ao longo de todo o dia, em todos os dias do ano, em milhares de localizações distintas por todo o planeta. Todas estas medidas são somadas, divididas pelo número de medições e lá temos a temperatura média (hoje em dia será simultaneamente mais complexo e mais simples mas manterei as explicações a um nível mais básico). Por exemplo, se medirmos a temperatura em Lisboa, Faro e Porto em 3 momentos distintos do dia teremos um total de 9 medições as quais podem ser adicionadas e divididas por 9 para dar um valor médio. Se fizermos o mesmo para os 18 distritos (do continente) e por hora, seriam 432 pontos por dia e fazendo o mesmo para todos os concelhos e também por hora ao longo do ano estaríamos a falar em quase 2,7 milhões de medições.

A importância de fazer estas ressalvas tem a ver com a necessidade de olhar para lá de "estamos há uma semana com calor, prova de AG" ou "se há AG como explicam este frio?". Haverá sempre temperaturas extremas numa e outra direcção, mas em si mesmas não significam nada (embora tomadas em conjunto até sejam indicação de AG, mas já lá chego). Seria o mesmo que ver um eucalipto no Pinhal de Leiria e propôr a mudança de nome do mesmo.

O Aquecimento Global é real e está perfeitamente documentado. Há hoje muito poucas pessoas que se deêm ao trabalho de o negar. Haverá quem proponha razões alternativas (de forma séria ou nem por isso) mas o aumento das temperaturas a nível global é indesmentível. Para facilitar a compreensão, podem olhar para o vídeo abaixo, que apresenta de forma visual esta evolução.

Se damos então por aceite que as temperaturas estão a aumentar, porque razão se está isto a passar? Como já toda a gente saberá, o principal culpado é o dióxido de carbono, CO2 na sua notação química. O CO2 é um gás com efeito de estufa, tal como muitos outros, mas para entender o que isso quer dizer precisamos de compreender o conceito de efeito de estufa. Como sabemos, a principal fonte de calor para o nosso planeta é o Sol. A radiação solar chega ao nosso planeta especialmente na forma de ultravioleta e luz visível e aquece as moléculas que com ela interagem (parte da energia é reflectida de volta ao espaço). Esta radiação aumenta a energia dos objectos (aqui objectos é tudo desde moléculas a montanhas e oceanos) e estes depois libertam parte dessa energia na forma de radiação infravermelha, menos energética que a ultravioleta e visível.

Ora, as moléculas de gases tendem a absorver radiação em comprimentos de onda distintos, ou seja, em partes específicas do espectro. A ragião na qual o CO2 se especializa é precisamente na zona da radiação infravermelha, o que significa que o CO2 tem tendência a absorver a radiação que deixa o nosso planeta e, em condições normais, voltaria ao espaço. Note-se que não é a única molécula que o faz. A água, muito mais presente na atmosfera, tem também o mesmo efeito de estufa, tal como metano ou ozono e muitos outros. E ainda bem que assim é. Sem o efeito estufa destes gases, o nosso planeta não teria uma temperatura média por volta dos 14 ºC mas uma temperatura média inferior a 0 ºC e a Terra parecer-se-ia então mais com Europa, o satélite de Júpiter, que com este globo azul.

Ao longo da História do planeta, as concentrações destes gases mudaram muito na nossa atmosfera. Há múltiplas razões para isso, algumas internas (vulcanismo, geologia) e outras externas (ciclos de Milankovitch - ou Milanković - que determinam a quantidade de radiação solar a que o nosso planeta está exposto e causam efeitos na biosfera que levam a mudanças na composição da atmosfera). Só que estas variações habitualmente ocorrem ao longo de milhões de anos. Para a escala de tempo que nos interessa, a de seres humanos, a concentração destes gases com efeito de estufa tem estado mais ou menos constante ao longo dos últimos 12 mil anos, especialmente no caso do CO2, que se manteve entre as 260 e 270 partes por milhão (ppm) na atmosfera. Isto é, até cerca de meados do século XIX.

Por essa altura, como se sabe, começou a Revolução Industrial, que foi alimentada graças às reservas de carvão - primeiro - e petróleo - posteriormente - que foram sendo encontradas no nosso subsolo. Carvão e petróleo são compostos de carbono que quando queimados na presença de oxigénio formam dióxido de carbono entre outros compostos (a química é como uma criança em idade pré-escolar, uma desarrumada). A partir do início da Revolução Industrial, as necessidades de energia explodiram o que levou a uma explosão do consumo de carvão e petróleo e à libertação de CO2 para a atmosfera. Isto levou a um círculo virtuoso no efeito que a ciência e tecnologia tiveram na sociedade e vicioso no efeito que as inovações daí resultantes tiveram na atmosfera. Um exemplo: o aumento de indústria permitiu um aumento de eficiência na agricultura, o que levou a uma redução na mão de obra necessária para a mesma e aumento na produção de produtos alimentares. Isso levou a um aumento da mão de obra disponível para a indústria, o que exacerbou o efeito inicial e levou a um aumento da população - coajudado pelas melhorias científicas no combate às doenças. Tivemos então necessidade de descobrir melhores formas de produção na agricultura o que permitindo a descoberta do processo de Haber-Bosch para fixação de azoto para fertilizantes, processo o qual exigiu o uso de grandes quantidades de energia. E etc.

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Evolução da concentração de CO2 ao longo dos últimos 40 mil anos. Medidos a partir de gelo do Árctico e do Observatório de Mauna Loa.

A concentração de CO2 na atmosfera explodiu assim, dos sensivelmente 270 ppm em 1880, até aos 410 ppm actuais. Normalmente o nosso planeta controla o nível de CO2 através do ciclo de carbono, onde o CO2 que é libertado por processos naturais (decomposição, respiração, processos geológicos ocasionais ou regulares de baixa intensidade) é compensado pela absorção através de fotosíntese (terrestre ou aquática) e sequestro no subsolo (como quando matéria orgânica fica enterrada). Historicamente houve momentos ocasionais em que o planeta libertou mais CO2 que aquele que era habitualmente absorvido, tipicamente através de vulcanismo, ou outros em que a fotosíntese foi comprometida a nível global devido a catástrofes repentinas (como supervulcões ou impactos de asteróides) ou mais progressivas (como mudanças climáticas causadas por mudanças geográficas, por exemplo o fecho do istmo do Panamá).

No entanto, a queima de combustíveis fósseis - os tais que resultaram do sequestro de matéria orgânica no subsolo ao longo de milhões de anos e subsequente transformação em carvão, petróleo ou gás natural - acabou por causar um desequilíbrio no ciclo de carbono que não pôde ser compensado no curto período de tempo que passou desde que a industrialização em massa começou. Aliás, olhando para o gráfico acima até se pode ver um ligeiro aumento na concentração de CO2 desde há 6-7 mil anos até sensivelmente o século XIX, o qual é atribuído por muitos ao surgimento das civilizações humanas, que dominaram o fogo e foram desflorestando partes do planeta. Claro que tais acções terão no máximo causado um ligeiro aumento na concentração de CO2, e que, sendo muito gradual, ajudaria a Natureza a equilibrar tal aumento.

Nota: o último máximo glacial teve lugar há cerca de 20-26 mil anos, um período que terá começado há cerca de 33 mil anos e a "deglaciação" (as minhas desculpas pela tradução canhestra de deglaciation) há cerca de 19-20 mil anos. Estas datas são muito fluidas, devido a estes momentos terem começado em períodos diferentes no globo. O importante a reter é como isto se reflecte também nos níveis de CO2 no ar. Não falarei sobre as origens da glaciação, mas note-se que no período do máximo glacial o nível do mar reduziu-se bastante e grande parte da superfície do planeta, sobre terra ou água, foi coberta por gelo que é, na maior parte das vezes, opaco. Isto terá reduzido a fotosíntese mas também a respiração, resultando (ou reforçando) a queda nos níveis de CO2. Já agora, essa queda do nível da água do mar também permitiu a criação de uma ponte terrestre entre a Ásia e a América e a migração de humanos para esse continente. De notar também que ainda vivemos num período glacial, ou seja, ainda estamos numa Idade do Gelo. Isto porque ter gelo de forma permanente nos pólos ou a altitudes relativamente baixas não é comum na história do nosso planeta. Ou seja, a história da humanidade existe num período glacial.

Resumindo: CO2 é um gás com efeito de estufa e fundamental para manter a temperatura no planeta mais alta do que seria sem ele. Ao longo dos últimos 150 anos temos enviado mais CO2 para a atmosfera que aquele que o nosso planeta pode remover, levando a um aumento da concentração do CO2. Isto tem levado a um aumento da temperatura média global até aos cerca de 1,2 ºC mais que no período pré-industrial e que terá certamente alguma influência num planeta que tem existido num estado de era glacial desde que os seres humanos modernos surgiram.

Alterações Climáticas
Como acima falei no conceito de Aquecimento Global (AG), tenho agora que falar no conceito de Alterações Climáticas (AC). Enquanto AG se refere a um efeito termodinâmico como referi acima, AC refere-se ao efeito que tal aquecimento tem no clima em geral. Antes de mais é necessário distinguir entre Clima e Tempo (no sentido metereológico, claro). O primeiro equivale a uma muito extensa floresta, enquanto que o segundo equivale mais a uma árvore, bosque ou a um pequeno sector na dita floresta. Quando adicionamos "Global" a Clima, então as escalas mudam completamente e o próprio termo deixa de fazer sentido. Não existe "Um Clima" global, antes uma colecção de climas mais localizados, mesmo que muito mais (e às vezes menos) extensos que uma região de um país. Um Clima também descreve uma dinâmica, enquanto que o Tempo descreve um momento. Podemos ter microclimas causados por montanhas, vales, lagos ou desertos e que se estendem por áreas comparativamente reduzidas. O Tempo, por sua vez, é uma descrição das condições num período e geografia reduzidos.

Usando estas definições podemos então olhar para a relação entre AG e AC. Como indiquei acima, o aumento de temperatura global médio no período industrial é de 1,2 ºC. Como comentei no início do post, a temperatura não existe por si mesma, sendo antes uma indicação da energia de um sistema. Assim sendo, é possível fazer uma estimativa de quanta energia é necessário adicionar à atmosfera do nosso planeta para aumentar a temperatura média em 1,2 ºC. Aqui, e como gosto de experimentar coisas novas que me poupem trabalho porque sou algo preguiçoso, recorri ao novo e famoso ChatGPT para me simplificar a tarefa. Pelos seus cálculos, e sabendo uma estimativa do volume e massa totais da atmosfera, bem como a sua capacidade calorífica em J/kg.ºC - Joules por kilograma e graus Celsius (um valor de 1 J/kg.ºC significa que 1 Joule de energia irá elevar em 1 ºC uma quantidade de 1 kg do material em causa) - podemos multiplicar a massa da atmosfera pelos 1,2 ºC e chegar a um valor de 6,6 x 10^21 Joules adicionados à atmosfera terrestre por acção da industrialização do planeta [para explicação: dado que o sistema de edição de texto do SAPO Blogs não me permite usar a notação habitual de potências, usarei o conceito de 10^x para o descrever. Para quem não esteja acostumado a isto, 10^x é um "1" com um número de zeros igual ao valor de x. Assim, 10^2 é 100, 10^0 é 1 e 10^20 é um 1 com 20 zeros.]. Para dar uma perspectiva, é um valor equivalente a 15 vezes o consumo global de energia em 2019 (ou para sermos apocalípticos, 110.000.000 - 110 milhões - de bombas equivalentes à de Hiroshima). Note-se que este valor refere-se ao aumento de energia na atmosfera, mas não à energia que nós próprios libertámos com o consumo de combustíveis fósseis (e outras actividades). A essa energia também se adiciona a energia que, como explicado acima, deixou de ser libertada para o espaço (mais uma fonte para dados sobre energia).

Se hoje deixássemos de aumentar as nossas emissões (ou seja, se mantivessem ao nível presente, o chamado "Net Zero"), é provável que a temperatura aumente a um ritmo de 0,2 ºC por década, chegando a cerca de 1,5 ºC em 2050. [Não encontro a fonte de onde retirei este valor. Este outro artigo fala num aumento total de 0,3 ºC mas baseia-se num artigo de 2010, quando os modelos era muito menos robustos e quase não levavam em conta outros factores]. Esse aumento corresponderia a cerca de 8,25 x 10^21 J de energia mais que nos níveis pré-industriais e um aumento de 1,65 x 10^21 J de energia nos próximos 27 anos. Ou seja, imaginemos que estaríamos a rebentar 27.500.000 (vinte se sete milhões e meio) de bombas de Hiroshima, ou um milhão de bombas de Hiroshima por ano (sem os efeitos de radioactividade, claro).

Qual a importância desta energia então? Bom, o problema é que o nosso planeta não é homogéneo. Os sistemas complexos têm o hábito de querer homogeneizar tudo ainda mais que burocratas em Bruxelas. Isso significa que zonas que estão quentes tentarão "ir" para zonas frias, mas como isso só é possível movendo massas de ar, quando o fazem também "empurram" as massas de ar dessas zonas frias, que depois podem ir para onde não se espera. É em parte (e de forma extremamente simplificada) que um aquecimento da atmosfera no Ártico pode levar a temperaturas muito baixas em zonas onde isso não se esperaria, por empurrar o ar mais frio para Sul. Outras complicações ocorrem quando os oceanos são levados em conta. O valor de energia que referi acima corresponde apenas ao aumento de energia na atmosfera necessário para chegar aos 1,2 ou 1,5 ºC. Mas os oceanos também absorvem energia, e em maior quantidade que a atmosfera (porque são muito massivos e porque a água tem grande capacidade absorção de calor, para não falar na vida, que também absorve a sua parte). Isso significa que a energia libertada foi provavelmente maior que aquela que apontei acima (para valores mais sólidos teria de se falar com especialistas em climatologia).

Isso significa que não só a atmosfera aquece, mas também que os oceanos estão a aquecer. Aliás, sem o efeito moderador dos oceanos, o aumento de temperatura teria sido provavelmente muito superior (note-se: é também por isso que as estações tendem a "mostrar-se" mais tarde que a data em que começam, porque os oceanos ou absorvem parte do calor extra da nova estação ou compensam o arrefecimento libertando parte do seu calor da estação anterior). Mas isso significa também que a temperatura dos oceanos aumenta o que, além de diversos efeitos na vida aquática, tem duas imediatas consequências: aumenta a evaporação de água e perturba a circulação termoalina. Vamos explicar estes conceitos e seus efeitos.

A evaporação é mais simples de compreender, como é claro. A temperatura aumenta, a água evapora mais facilmente e assim introduz-se mais vapor de água na atmosfera. Isto tem dois efeitos: a humidade aumenta e a quantidade de nuvens também. A influência destes dois factores é complicada de determinar, mas a humidade poderá ser a mais importante (isto é avaliação pessoal). As nuvens sobem à atmosfera e, sendo compostas de cristais de gelo, aumentam o albedo (uma medida de capacidade de reflexão de luz, servindo para "medir" quão branca uma superfície é) do nosso planeta. Isso faz com que mais energia solar seja reflectida de volta ao espaço e ajuda a diminuir o aquecimento. Por outro lado, a humidade tem o efeito contrário: o vapor de água é também um gás com efeito de estufa e o seu aumento na atmosfera levará a que mais calor que chegue ao planeta fique preso na atmosfera em vez de ser irradiado de volta ao espaço. Por outro lado, nuvens são passageiras e podem formar-se menos em temperaturas mais elevadas. A humidade total não muda significativamente, dado que efeitos de redução (saturação e chuva) levam a que a água chegue ao solo ou oceanos de onde se voltará a evaporar. (por isso a minha observação pessoal que o efeito de humidade contribui mais para o aquecimento que as nuvens para o arrefecimento). Claro que a humidade e nuvens não se dispersam igualmente por todo o planeta, pelo que mais água e nuvens levarão a um aumento, potencialmente brutal, da precipitação em determinadas zonas.

Representação da circulação termoalina.

Já a circulação termoalina é mais complexa. Refere-se a uma circulação da água nos oceanos causada por diferenças de densidade da água a profundidades distintas. Há aqui alguns aspectos a reter. À medida que a água arrefece, a sua densidade aumenta. À medida que água é retirada ao oceano, seja por evaporação ou congelação, a água líquida que fica no oceano tem uma salinidade maior e fica igualmente mais densa. Isto, juntamente com ventos e outros fenómenos, é responsavel pela circulação termoalina, a qual se pode resumir (de forma extremamente simplificada) da seguinte forma. A água que vem do equador e trópicos, quente e à superfície do oceano, segue na direcção dos pólos. À medida que se aproxima dos pólos vai arrefecendo devido à diferença de temperatura e evaporação (a evaporação causa uma baixa de temperatura do líquido que evapora, chama-se a isso arrefecimento por evaporação). Isto faz com que a água fique mais densa (temperatura mais baixa e salinidade mais elevada) e vai assim afundando para o fundo do oceano. A isto acrescem fenómenos extra relacionados com o congelamento da água, mas estes são complexos e não entrarei por aí. À medida que afunda, esta água vira em direcção ao equador e trópicos e volta a aquecer e a ascender, numa troca com a água mais quente e menos densa acima.

O processo descrito acima, que como disse simplifiquei enormemente, permite transportar enormes quantidades de calor e equilibrar o clima no planeta. A forma como se distribui é fortemente responsável pelo facto de o Porto e Nova Iorque terem climas bastante distintos apesar de estarem sensivelmente à mesma latitude. A circulação termohalina transporta a água mais quente mais perto da Europa que da América do Norte, pelo que acaba por influenciar os climas nos dois continentes.

Só que também aqui pode haver problemas. O AG está a causar um aumento das temperaturas em todo o lado, especialmente em certas regiões. uma delas é o Ártico, que está assim a derreter mais que normalmente seria o caso. Isto não causa o problema que a maior parte das pessoas poderá imaginar: o nível das águas do mar não aumenta significativamente porque o gelo no círculo polar ártico está na sua grande maioria a flutuar na água, pelo que se derreter não causará aumento do nível da água (não contabilizo aqui a Gronelândia). Só que esse gelo é de água essencialmente pura, a qual iria então diluir as águas ao redor e assim perturbar a circulação termoalina. Isso sucederia porque ao introduzir água pura no oceano e diminuir a salinidade da água, iria impedir que a mesma afundasse da mesma forma. Isso poderia levar a uma perturbação das correntes o que mudaria completamente a forma como o calor é transportado pelos oceanos. Isto pode parecer pouco, mas deixo um exemplo da sua importância. Há cerca de 3 milhões de anos, o Istmo do Panamá fechou, eliminando a circulação entre os oceanos Atlântico e Pacífico. Isto causou enormes perturbações no clima a nível global, tendo possivelmente sido responsável por uma desertificação de grandes partes de África, levando a que certas regiões passassem de florestas a savanas e outras ficassem completamente desertificadas. Uma teoria é que tais modificações climáticas e do terreno terão levado a que as florestas de que dependiam os nossos antepassados desapareceram levando a que tivessem que se adaptar (evoluíssem) para uma posição mais erecta e assim iniciassem o percurso que levou ao Homo sapiens (isto seria apenas uma contribuição para essa evolução, tais adaptações nunca resultariam de apenas um tipo de pressão ambiental).

E isto é só a introdução.

Sistemas complexos e mudanças metereológicas
Em qualquer sistema, as dinâmicas são tais que o sistema procura o equilíbrio. Este equlíbrio pode ser muito simples ou mais complexo. Se abrirmos as portas e janelas de nossa casa, aquecida, o sistema atmosférico rua-casa irá mudar de forma a criar um novo equilíbrio, no qual a temperatura e pressão é igual em todo o lado. A casa arrefecerá e a rua irá aquecer, mesmo que de forma insignificante (devido à grande diferença de volumes). Quando temos um sistema em equlíbrio, não devemos no entanto pensar que o mesmo se manterá sempre em equilíbrio ou que perturbações no equilíbrio levarão a ajustes simples. Quanto mais complexo o sistema, mais probabilidades há para variações fortes ou inesperadas devido às muitas interdependências entre os factores (temperatura influencia pressão que influencia volume, que influencia circulação de ar, que influencia evaporação, etc...). Este tipo de reacções, onde as consequências de uma variação ou perturbação são inesperadas ou não proporcionais à dita perturbação podem indicar não-linearidade do sistema, ou seja, não há relação directa entre a acção e a reacção (uso aqui linguagem o mais simples possível para descrever conceitos que são essencialmente matemáticos e que não domino suficientemente). Um exemplo de um sistema que parece não-linear aos nosso olhos é o conceito de drifiting com automóveis: quando um carro faz uma curva em grande velocidade e começa a deslizar com as rodas traseiras. O instinto de um condutor é de virar o volante na direcção da curva para endireitar o carro, mas isto apenas resulta num pião. A solução passa por virar o volante na direcção oposta à curva e deixar o carro continuar a deslizar enquanto completa a curva. Conceito explicado de forma interessante e acessível aqui.

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Visualização de um exemplo de perturbação do equilíbrio de um sistema (aqui unidimensional, por isso numa linha) retirado daqui. Note-se como o ponto de equçíbrio pode ser encontrado de novo (a linha recta no meio) mas pode não ser estável.

Voltando a sistemas complexos, quando a perturbação não só é introduzida no sistema como continua a ser introduzida, as consequências podem ser bastante inesperadas. A contínua emissão de gases de efeito de estufa para a nossa atmosfera é um exemplo de um sistema complexo (a nossa atmosfera, o clima, os oceanos, o planeta em si) a ser alterado por uma perturbação constante (e crescente) ao longo de um período de tempo muito longo (as emissões). Neste caso, pode até acontecer que, se amanhã deixássemos de emitir gases com efeito de estufa, o sistema não encontrasse um novo ponto de equlíbrio senão ao fim de períodos de tempo muito longos, certamente mais que vidas humanas. Poderíamos até encontrar pontos semelhantes ao nosso equilíbrio anterior (relativamente ao ciclo de carbono) mas que não estivessem em equilíbrio, porque as perturbações levaram a outras modificações no sistema que contribuem para uma convergência do sistema muito mais difícil e longa que aquela que seria possível sem a perturbação. No nosso caso, isto pode acontecer graças a pontos de inflexão na Natureza. Alguns deles são:

  • alterar os oceanos o suficiente para que extinções massivas de plankton tenha lugar e assim desapareça um dos maiores reservatórios de CO2.
  • as temperaturas sobem o suficiente para que o permafrost em latitudes elevadas comece a descongelar significativamente e a libertar as suas imensas reservas de metano, que é um gás com efeito de estufa cerca de 20x mais forte que o CO2.
  • A floresta amazónica é reduzida e perturbada o suficiente para que a sua dinâmica deixe de ser orientada pra regeneração e comece a causar a sua auto-destruição. Isto não é causado apenas por AC, mas pela desflorestação, mas as AC podem ser depois responsáveis por um empurrar da floresta para o precipício.
  • O gelo nos pólos (especialmente na Antártida e na Gronelândia) derrete o suficiente para criar uma situação onde mesmo que a temperatura voltasse a diminuir, o gelo continuaria a derreter, devido a menor albedo (superfícies mais escuras absorvem mais calor), lubrificação por água líquida do espaço entre gelo e rocha (que levaria a deslizamento mais rápido dos glaciares para o mar).
  • Derretimento dos gelos em montanhas como os Himalaias, que fornecem água a alguns dos mais importantes rios na Ásia. Esses rios (por exemplo o Ganges e o Indus) podem então perder caudal o que, além de potencialmente levar a fomes a escalas inacreditáveis, poderia levar também a desertificação da região e assim fazer perder um enorme reservatório de carbono.

Para ser claro: não é certo que os pontos referidos acima venham a suceder e há estudos que apontam para a sua improbabilidade, mas a comunidade científica identificou estes e vários outros pontos de inflexão que podem não só perturbar o complexo sistema que é o clima global como inclusivamente acelerar e alimentar essa perturbação. Um exemplo de uma perturbação que poderia levar a uma consequência oposta refere-se à circulação termoalina. Tal como se comenta de forma canhestra no filme The Day After Tomorrow, a perturbação da circulação (como referi acima) poderia reduzir o transporte de água mais quente para os pólos e assim causar uma queda de temperatura no hemisfério norte, levando assim a uma glaciação mais semelhante aos últimos picos de glaciação (mas não em dias, como no filme, antes em séculos). Não é claro se isso realmente aconteceria (a circulação termoalina e a sua influência no clima é um outro sistema tão complexo que não o compreendemos completamente), mas essa possibilidade existe definitivamente.

Este é apenas um dos aspectos que aponta para como a evolução de sistemas complexos e perturbações ao equílibrio nos mesmos podem parecer um contrasenso. Um aquecimento global leva a um arrefecimento localizado mas vasto, por exemplo. Nalgumas zonas as chuvas aumentam e noutras o clima fica mais seco. Há várias consequências imprevistas quando conduzimos uma experiência não monitorizada num sistema complexo, como é o caso da industrialização contínua (ainda hoje prossegue) do nosso planeta no meio de uma atmosfera e uma hidrosfera que mal compreendemos. A isto ainda acrescem outros pormenores que à partida não consideraríamos. Um exemplo pode ser o aumento de chuvas que leve a uma desertificação de certas regiões. Isto pode suceder se, numa região cuja geografia, geologia, fauna e flora, estão habituadas a um determinado padrão de precipitação, o clima mudar de forma a que esta precipitação aumente ou, alternativamente, se concentre em períodos de tempo mais curtos. Neste caso, chuvas mais intensas poderiam causar um lavar dos solos mais intenso que o habitual, assim removendo a camada superior dos mesmos (que albergará a maior parte dos nutrientes necessários para as plantas) e assim cause uma diminuição da cobertura verde. Os animais acabam igualmente por desaparecer (morrendo ou migrando) o que exacerba o problema ao perturbar ainda mais o equilíbrio (animais consomem plantas e pestes, introduzem nutrientes no solo, ajudam com a polinização, etc). O desaparecimento de plantas também retira capacidade de retenção de água ao solo e na ausência de raízes saudáveis, deixa igualmente de proteger essa camada superior de solo. Ao fim de algum tempo, a região poderá ter mais chuva, mas reter menos água e vegetação, assim ficando mais desertificada (note-se que a desertificação por seu turno provavelmente reduziria depois a precipitação na região).

De certa forma, podemos pensar de forma extremamente simplificada e grosseira no nosso clima como se fosse um anel elástico em volta de um dedo e o qual esticamos com o outro. Esticamos um pouco e depois relaxamos, esticamos e relaxamos, de forma contínua e sem parar. É um ritmo constante e existe algum equilíbrio. Contudo, a perturbação pode ser se começarmos a esticar mais mas a relaxar menos. A tensão no elástico cresce e até pode acontecer partir ou escapar do nosso dedo. A direcção que tomaria seria impossível de prever apenas saberíamos que o equlíbrio deixaria de existir. O mesmo acontece, mas em ordens de grandeza extraordinariamente maiores, com o clima. É por isso que termos dias frios no Verão ou mesmo toda uma estação de Verão ou Primavera mais fria que o habitual não nega um aquecimento global. Pode até ser uma confirmação do mesmo.

A árvore e as florestas
Note-se que embora um qualquer extremo meterológico (calor, frio, inundações, secas) possa estar ligado ao AG e às AC, não quer dizer que o possamos dizer. Temos vindo a ver as notícias sobre fogos, inundações ou outros eventos e os comentários, frequentemente precipitados, de jornalistas sobre estarem ligados às AC. Isto é precipitado porque não podemos dizer, de forma inequívoca, que um evento específico não teria lugar sem o despejar massivo de gases com efeito de estufa na atmosfera. Aquilo que podemos frequentemente fazer é apontar para um aumento da frequência ou intensidade de eventos extremos como indicação das AC. Aqui não falamos de ver tais tendências (aumento de frequência e intensidade) e usarmos esse argumento para defender um ponto de vista. Essas tendências eram esperadas pelos cientistas há já muito e seriam previsíveis por qualquer pessoa que compreenda sistemas complexos.

Estes extremos em si mesmos são obviamente um problema grave, mas não são sequer toda a história. Um dos seus efeitos é que podem em si mesmos ampliar o problema em si. Secas podem fazer desaparecer reservas de água como lagos que ajudam a um arrefecimento localizado e suportam vegetação. O aumento de temperaturas diminui a cobertura de gelo em glaciares que ajuda a reflectir luz do sol e reduzir temperaturas. Tempestades costeiras podem ajudar a erodir as próprias costas e a fazer desaparecer protecções naturais contra o mar.

Pegando neste último aspecto, há ainda que notar que aparentes pequenas variações em certos parâmetros (como uma subida de cerca de 20 cm do nível do mar desde 1880) podem ter consequências muito piores do que pensamos. A Natureza, não costuma funcionar de forma gradual, antes tende a absorver mudanças até atingir a sua capacidade máxima de o fazer e depois reagindo de forma mais intensa. Isso significa que um aumento do nível do mar de 20 cm pode parecer pouco, mas dado declive muito gradual de muitas zonas costeiras (como praias), a perda de terreno pode ser muito mais grave. A regra geral é dizer que cada 1 cm que o nível do mar sobe causa a perda de 1 m de praia (com variações acima ou abaixo destes valores, dependendo da situação). A perda de 20 cm significa então a perda de 20 m de praia. Se isto parece pouco, consideremos outros aspectos: a perda de praia também aumenta a erosão e a intrusão de água salgada no subsolo; torna o terreno sobre o qual erguemos as nossas construções menos firme e assim arriscamos maiores danos estruturais entre outros riscos. Pior ainda são as variações. O nível da água do mar não é constante, como qualquer pessoa que vê marés sabe. É antes uma medida média, como a da temperatura. As marés mudam o nível e as estações do ano também. Quando existem tempestades, o nível da água pode ser vários metros mais elevado, o que é amplificado ainda mais quando existe uma subida da água do mar pré-existente.

Neste caso temos então na nossa analogia uma dependência entre as árvores (episódios isolados) e a floresta (a multiplicidade de tais incidentes) no sentido que embora não possamos identificar Alterações Climáticas através de episódios localizados no tempo e no espaço, podemos com enorme margem de segurança apontar para um aumento destes episódios como indicativos das AC. Ainda mais, tais episódios têm o potencial de amplificar as tendências globais, seja de forma directa, seja de forma mais indirecta, para não falar nos efeitos cumulativos de tais episódios no planeta.

A direcção a tomar
É neste momento que os leitores esperarão o meu comentário sobre energias renováveis, racionalização do uso de energia (vulgo: melhorar a poupança da mesma) ou até mesmo uma diatribe contra um mundo moderno que dá prioridade a desenvolvimentos económicos predadores do sistema global em que vivemos. Nenhum destes pontos estará errado e longe da minha mente. No entanto tenho uma visão diferente e mais fatalista: penso que nada funcionará e que estamos a caminho da catástrofe climática e que não vamos conseguir evitá-la de forma nenhuma.

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Comparação dos custos de energia por tipo e por região para 2020 (fonte aqui).

Antes de mais uns pontos sobre o que fazer para mitigar esta situação ou, se possível, revertê-la. As tecnologias para geração de energia existem. As energias fotovoltaica e eólica estão hoje bem estabelecidas e perfeitamente competitivas, com um custo por MWh consistentemente competitivas com, ou abaixo dos, de combustíveis fósseis, mesmo sem contribuições de subsídios ou benefícios fiscais. À medida que se vai aumentando a capacidade instalada, estes custos continuarão a cair, assim como com a melhoria da tecnologia disponível (incluindo a reciclagem dos materiais para produção de moinhos e painéis). A estas tecnologias acrescem outras como a geotérmica, o biogás, a hídrica ou o nuclear. Não sou um adepto da energia nuclear, mas vejo o risco para o clima como sendo várias ordens de magnitude superior ao risco da energia nuclear, desde que devidamente gerida e actualizada de um ponto de vista tecnológico. Energia das marés está no entanto ainda a vários anos de distância e o mesmo se pode dizer, mas de forma ainda mais certeira, sobre a fusão nuclear. Note-se que o uso de combustíveis fósseis é inevitável no curto (e talvez também médio) prazo, dado que demorará ainda algum tempo até que se consiga instalar suficiente capacidade de geração de energia a partir de fontes renováveis para substituir as actuais centrais.

Outras medidas necessárias estão no campo da racionalização do uso de energias. São as medidas que, a nível privado e doméstico, passam por coisas como isolamento térmico ou uso de bombas de calor em casa. Também na indústria há muitas medidas que se podem tomar e que existem há já muito e só não são tomadas de forma mais diversificada porque exigem investimentos. Estes passam pela recuperação de recursos na produção, uso de tecnologias alternativas ou melhoramentos dos equipamentos e processos para reduzir o uso de energia. Em alguns casos até podem passar por questões logísticas onde produtos são transportados para a frente e para trás por questões logísticas (um exemplo real que conheço: uma bebida que é produzida numa fábrica, transportada em tanques para outra onde se enchem as latas e transportada de volta à primeira para as latas serem colocadas nos packs de 6 ou 12 para venda).

Teríamos outras opções ainda que passam por questões como o uso de fontes de energia alternativas para o transporte (baterias, e-combustíveis, hidrogénio, etc) ou mudanças nos hábitos pessoais (diminuição de consumo de carne, uso de transportes públicos ou bicicletas, redução no consumo de outros produtos como roupas). Até mesmo aceitar que os nossos efluentes, após tratados, sejam reutilizados e recolocados na nossa rede de distribuição de água seria importante para reduzir o desperdício de recursos. Estes aspectos exigem em grande parte uma mudança de mentalidade que não se consegue de forma fácil e exigiriam medidas pouco populares para serem alcançadas (proibições não fariam sentido, mas medidas populares como impostos também não seriam fáceis de implementar).

Há ainda opções como tentar reverter a presente situação, como com a descarbonização da atmosfera, seja de forma natural através de mais áreas verdes que absorvam o CO2; através de medidas tecnológicas para remover o CO2 e depois o usar (em químicos ou e-combustíveis) ou sequestrar; ou até mesmo através de geoengenharia como as ideias para arrefecer o planeta usando alguma forma de redução da exposição solar ou promoção de crescimento de fitopláncton nos nossos oceanos. É muito possível que uma combinação destas e outras soluções venham a ser necessárias para ajudar a reduzir a temperatura - ou no mínimo limitar o seu aumento - mas estamos longe de as conseguir, seja por motivos económicos, práticos ou devido à incerteza das mesmas.

Ao mesmo tempo vemos que o mundo continua a consumir cada vez mais energia e continua a ser mais fácil para a maioria das empresas e países reverter para as tecnologias mais antigas como carvão ou gás do que optar por soluções renováveis. Em parte isto deve-se a conservadorismo de empresas e engenheiros, mas igualmente devido à pressão exercida por grupo de interesse na indústria fóssil para manter o status quo da forma mais longa possível. Onde as indústrias renováveis não têm ainda a mesma eficiência é no lobbying, onde as indústrias de combustíveis fósseis levam um século de avanço e sabem como manipular os políticos e os eleitorados, inclusivamente criando imagens "verdes" das suas próprias indústrias para disfarçar as sua políticas reais e falam em opções tecnológicas que, parecendo apoiar uma descarbonização da economia, na realidade perpetuam a mesma (basta olhar para o conceito do "hidrogénio azul").

O futuro
Sei que isto soa fatalista quando olhamos para tantos avanços nas últimas duas décadas, mas a realidade é que não avançamos depressa o suficiente. Penso que iremos viver num mundo cada vez mais quente e onde o aumento de temperatura irá acelerar constantemente. Isto porque os modelos climáticos que vemos e que referem consenso são conservadores. Para que se entenda: um consenso de 1,0-2,5 ºC, por exemplo, não corresponde a uma maioria de opinião ou sequer a um aceitar de toda a gente que esses valores são os mais prováveis. Um exemplo com 3 cientistas diferentes seria dos seguintes intervalos: 1,0-3,0 ºC; 3,0-5,0 ºC; 1,5-2,5 ºC. Aquilo com que o três cientistas concordariam é que o planeta aqueceria no mínimo 1,0 ºC e pelo menos poderia chegar aos 2,5 ºC. Mesmo o que previria o intervalo entre 3 e 5 ºCaceitaria um mínimo destes valores. O consenso acabaria assim por ser o valor menor.

Por isso creio que os aumentos serão maiores. A cada dia se descobrem novos dados que apontam para um reforçar do ciclos de feedback no clima, onde consequências do aumento das temperaturas amplificarão esse efeito (descrevi alguns acima). Os modelos também são por força conservadores por não poderem integrar todos os dados possíveis, em grande parte devido à complexidade dos modelos matemáticos e em parte devido à capacidade de computação disponível. À medida que os modelos melhoram e os computadores aumentam a sua capacidade de processo, vamos vendo novos dados, a maioria dos quais tendem a rever os aumentos de temperatura para cima. Uma vez que ainda mal estamos no início do processo de descarbonização da economia, que há pouca vontade política para forçar estados, empresas e público e tomar as medidas necessárias e que as empresas do status quo continuam a beneficiar de apoios e a poder influenciar a narrativa, tudo isto me faz pensar que o futuro não é verde. É muito escuro.

As consequências serão enormes. A agricultura será provavelmente a mais clara vítima à medida que certas regiões que alimentam grande parte do planeta deixem de o conseguir fazer devido às alterações climáticas. A tecnologia ajudará, mas mesmo esta contribuirá para a libertação de CO2 e acredito que não avance depressa o suficiente para compensar uma aceleração do deteriorar das condições. Depois teremos os deslocados do clima, pessoas que fugirão das águas que subirão, de terrenos que não suportem as suas construções, de economias que cairão ou chegarão mesmo a colapsar por não serem possíveis com as mudanças climáticas. Também teremos muitos que irão simplesmente ansiar por um clima mais ameno e onde não haja risco de vida por saírem de casa para ir buscar a pouca água disponível à única fonte da região. Ainda veremos as migrações de fauna e flora, que levarão doenças a zonas onde elas não existiam e reduzirão a presença de animais e plantas que sempre fizeram parte da região. Tudo isto aumentará a tensão entre regiões e países, que lutarão por acesso a recursos e para evitarem serem invadidos por refugiados climáticos ou sequer para manterem as suas posições priveligiadas.

Note-se, isto não acontecerá amanhã ou no próximo ano, antes ao longo de décadas. Creio que nasci numa das últimas décadas de acalmia climática que as novas gerações irão sofrer muito. É uma visão pessimista e não sei como explicar o quanto desejo estar errado. Mas sinto não o estar.

 

PS - este texto foi escrito durante um relativamente longo período de tempo. Por isso o estilo pode mudar ao longo do mesmo, devido à diferente perspectiva de como o escrever que terei tido em diferentes dias. Peço a vossa tolerância para tais falhas.

Não há planeta B

Mas há burros no planeta

Paulo Sousa, 22.04.23

Talvez sensibilizados pela manifestação pelo clima que decorreu durante a cerimónia do 50º aniversário, o PS pôs a mão, não na manifestação, mas na consciência.

Urgia fazer algo mais para salvar o planeta. Até porque não existe um planeta B.

A ideia surgiu numa agitada sessão de brainstorming. Para além de ser uma boa ideia, pois obterá os resultados pretendidos e permitirá olharmos para o futuro com mais optimismo, tem as características necessárias para calar os críticos que sempre repetem a conversa de que este governo é incapaz de fazer reformas estruturais.

Assim, aqui vai:

A partir de 1 de Julho, os voos em jactos privados, com capacidade até 19 passageiros, passam a pagar uma taxa de carbono de 2 (dois euros) por passageiro.

Quem é que não é visionário?

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Ciclo de inundações, meteorologia, clima e mais catástrofes

João André, 19.07.21

Como será do conhecimento geral, na semana passada a Alemanha, a Bélgica e a Holanda sofreram chuvas intensas que levaram a inundações causando imensos danos e várias mortes. Estas inundações foram bastante intensas também na região onde vivo, sul de Limburg, onde fica Maastricht. Felizmente nada sucedeu no meu caso. O rio Maas subiu bastante, o passeio pedonal alo lado do rio ficou inundado, mas isto é também a intenção da sua existência, dado que existe mais uma barreira antes que atinja a rua. O local onde vivo fica a cerca de 50 metros do rio, mas o único risco que corri foi uma inundação da garagem pública onde deixo o carro.

Não foi assim em todo o lado. Em Maastricht 3 bairros tiveram que ser evacuados por receio de inundações depois de um dique ter ficado com um buraco. Segundo entendo, acabou por não haver problemas e as pessoas puderam regressar a casa depois de menos de 24 horas. Um pouco mais a norte houve outras roturas de diques que causaram inundações de algumas aldeias, onde os danos foram mais substanciais. Perto de Maastricht, em Valkenburg, uma vila muito popular para turismo na Holanda, o rio subiu imenso e inundou parte da localidade, causando danos a muitos cafés, restaurantes, lojas e várias residências.

Claro que isto não foi nada comparado com a Alemanha e Bélgica. Na Bélgica uma amiga teve as águas a parar a 10 metros de casa. Outra família de amigos teve de evacuar por dois dias enquanto esperavam. Felizmente voltaram para casa sem mais que um pequeno filme de água na garagem, sem danos importantes. Na Alemanha, uma colega teve sorte na aldeia onde vive porque tem a casa numa elevação, mas ficou sem água, luz e gás por 3 dias. E foi quem teve sorte, pois vários vizinhos ficaram sem casa. Ela tem agora em casa dela uma família de amigos, incluíndo um bebé de 10 meses, que ficou na prática sem casa, dado que a água rompeu pela parede do 1º andar e levou quase tudo, inclusive os que havia nos quartos. Várias pessoas morreram, presas nas caves e garagens (a tentar salvar pertences) e muitas outras estão desaparecidas (certamente que haverá mais mortes). Outro colega está desde quinta feira a "viver" num pavilhão porque a água atingiu metro e meio no rés do chão e ainda não recuou o suficiente.

E há ainda as muitas pessoas que morreram noutras zonas da Bélgica e, especialmente, da Alemanha. Parte do problema foi que o sistema de prevenção e comunicação não funcionou (as autoridades irão diagnosticar as falhas durante meses) e não se tomaram as medidas necessárias a tempo. Algo que não se pode dizer com certeza é que estas chuvas foram resultado das alterações climáticas. Houve vários aspectos que tiveram que suceder para estas chuvas acontecerem da forma que aconteceram, nomeadamente a acumulação de humidade no ar, a permanência das nuvens sobre uma região deliminatada durante muito tempo, etc, mas é impossível, pelo menos para já, dizer com elevado grau de certeza que estas cheias específicas foram resultado das alteações climáticas (AC) causadas pelo aquecimento global (AG).

Isto é porque certos eventos não podem ser relacionados especificamente com certas causas. Da mesma forma que não se poderá necessariamente apontar uma estrada deteriorada como causa de um acidente (o condutor poderá não tomar atenção, o carro poderá ter travões em mau estado, poderá haver excesso de velocidade e/ou álcool, um acontecimento imprevisto, etc), um evento meteorológico não pode ser apontado como consequência de uma situação climática. No entanto há já muito que se apontam chuvas intensas mais fortes e frequentes (causando inundações) como uma das consequências das ACs. Há várias causas, mas uma delas é que o aumento das temperaturas levará a um aumento evaporaçã e da capacidade do ar para absorver humidade, o que faz com que quando as chuvas sucedam, sejam mais intensas. Este mês de Junho foi o mais quente na Holanda desde que há registos.

Aquilo que esta situação está a fazer pensar é que as consequências que os cientistas previram para começar por meio do século XXI não estarão já a aparecer. Sejam estas chuvas na Europa, sejam as ondas de calor na América do Norte e norte da Rússia. Isto poderá indiciar que o complexo sistema que é o clima da Terra já estará desestabilizado o suficiente para causar já eventos extremos. Isto é algo que é comum ver em sistemas complexos, sejam eles de que tipo forem. Quanto maior for o sistema, maior pode ser a variação em relação ao ponto equíibrio quando este desaparece. Isto poderá estar agora a acontecer. Durante muito tempo, os oceanos absorveram grande parte do calor e do CO2 que foram gerados pela nossa actividade. Se atingiram a sua capacidade máxima de absorção, a energia poderá agora estar a ser libertada novamente e, se isso suceder, teremos talvez os chamados feedback loops em que cada nova consequência poderá ampliar o problema (exemplo: derretimento de permafrost na tundra canadiana ou siberiana libertando metano que vai exacerbar o efeito de estufa).

Vi várias vezes duas opiniões qeu acabam no mesmo: i) que a catástrofe deveria ter sido evitável, e ii) que estas situações não deveriam acontecer em países desenvolvidos (como Alemanha, Bélgica e Holanda). Que a catástrofe poderia ser evitável, parece claro. Acidentes podem sempre aocntecer, mas melhor coordenação evitaria pelo menos a perda de vidas e talvez muitos dos danos. Já que estas situações não deveriam acontecer nos países desenvolvidos é mais complicado. A Natureza acaba sempre por poder sobrecarregar quaisquer medidas que tomemos. A Holanda, mesmo com a sua maravilha de engenharia que são as Deltawerken, poderá um dia ser esticada para lá do seu limite. Não é preciso ir para o Burundi ou as Honduras para descobrir desastres naturais. E, co o caminho que o planeta está a seguir, esses serão cada vez mais parte do dia a dia.

Que diferença

Pedro Correia, 23.06.21

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No final do mês de Junho de 1962, esteve um calor de rachar em Lisboa. Como comprova este relato de primeira página do Diário de Notícias sobre esse início da época estival, faz agora 59 anos. 

«Ontem, primeiro domingo de Verão, Lisboa ficou deserta e as praias estiveram à cunha...», titulava o jornal na edição de 25 de Junho, ao estilo peculiar daquela época. Era um jornal de grande formato e com títulos quilométricos.

Na foto principal via-se a praia de Carcavelos, repleta de banhistas. 

«O lisboeta aligeirou o traje, abriu as janelas de par em par, sorveu gelados e refrigerantes», especificava o jornal. 

Reparo nisto e penso: que diferença em relação ao que se passa nestes dias. O Verão entrou tristonho e enevoado, com aguaceiros, quase a imitar Outono. 

E no entanto em 1962 ainda não tinha sido "inventado" o aquecimento global, ao contrário do que sucede agora.

Dias inteiros sempre a chover

Paulo Sousa, 17.12.20

Lembro-me de ser pequeno e ouvir com frequência queixas atormentadas com medo do fim do mundo. Os mais antigos, mais devotos e mais “tementes a Deus”, garantiam com quantos dentes tinham (e que só eram abundantes quando postiços) que se durante o dilúvio bíblico Deus tinha recorrido à água para nos castigar, da próxima vez recorreria ao fogo. Daí até à terceira guerra mundial e ao holocausto nuclear era apenas um saltinho do tamanho de um copo de abafado. Por não conseguir argumentar que a confirmar-se esse caso, talvez os comunistas cumprissem algum desígnio divino, ficava apenas com medo. O sentimento generalizado era de que antigamente é que era bom. Mesmo com a guerra e a fome nada era comparável ao Apocalipse em forma de cogumelo.

Os anos foram passando, foram assinados tratados de não proliferação nuclear, reduziu-se o arsenal do Juízo Final e finalmente pudemos respirar de alívio.

Ainda estávamos a inspirar livre e profundamente pela primeira vez, e logo começámos a ser flagelados pelas notícias do buraco no ozono. A culpa era dos aerossóis e dos gases CFC que existiam também dentro dos frigoríficos e dos ares condicionados. Sem a protecção do ozono seríamos cozinhados pelos raios ultravioleta. No melhor cenário os cientistas garantiam cancros na pele para todos, sem apelo nem perdão. O sentimento generalizado era de que antigamente é que era bom. Mesmo com a ameaça da guerra nuclear, nada era comparável a ser transformado em torresmos.

Os CFCs foram banidos e retirados do mercado e, para gáudio de toda a vida na terra, em poucos anos as medições feitas pelos satélites garantiam que o buraco do ozono estava bem menor.

Quando nos aliviámos pelo fim de mais esta ameaça, o novo fim do mundo passou a ser o efeito de estufa e o aquecimento global. Depois de uns invernos com frio de rachar, a ameaça terá ido ao registo civil e passou a chamar-se Mudanças Climatéricas e Fenómenos Extremos. Quase como que uma revelação do fim dos tempos, chegou a nevar em Évora. Era um fenómeno nunca visto em mais de cem anos. Ninguém perguntou como é que poderia ter nevado em Évora no século XIX, mas o sentimento generalizado era de que antigamente é que era bom. Pelo menos podíamos andar de carro à vontade, sem nos sentirmos culpados de cada redução de caixa para fazer uma ultrapassagem. Pior que saber que a carga fiscal de cada litro de gasolina ascendia aos 70%, era saber que íamos morrer asfixiados e cozidos a vapor.

Mais ou menos na mesma altura ainda houve tempo para aterrar o mundo com o bug do ano 2000, também conhecido pelo Y2K bug. As datas em informática tinham sido criadas numa base de seis dígitos, DDMMAA, e o ano 2000 iria ser confundido com o 1900. O cálculo de juros de um dia poderia ser transformado num século, e mesmo quem não estava endividado temia o caos que seria desencadeado pela queda dos satélites, que começariam a chover em cima das nossas cabeças, e aquilo era coisa para aleijar. Antes ser cozido a vapor do que levar com um satélite no cachaço. Fonix! 

Durante cada um destes tormentos o sentimento foi sempre de que vivíamos tempos mais ameaçadores do que os vividos no passado.

Eu acho que isto se deve a que a nossa memória de ameaças passadas seja minimizada pela ameaça presente. A ameaça actual é que é efectiva, as outras já lá vão. Tudo aponta para que, neste jogo de sobre-avaliação das dores potenciais, acabamos por não saborear devidamente as garantias do presente.

A pandemia em curso mete no bolso qualquer dos terrores de outros tempos. Nós é que estamos a sentir os efeitos e isto ainda vai piorar. O futuro nunca foi tão incerto, até porque o futuro no passado nunca se comparou ao futuro da actualidade. Além disso, a pandemia é só mais uma camada em cima das Mudanças Climatéricas. Os octogenários da minha terra garantem com quantos dentes têm (e que só continuam a ser abundantes se forem postiços) que nos invernos de antigamente chovia durante dias e dias seguidos, sem parar. Olhando para as medições pluviométricas deste início de Dezembro, as crianças que hoje frequentam a primária poderão garantir o mesmo quando também forem octogenárias. Só não sabemos se nessa altura terão ou não próteses dentárias.

A ansiedade e a incerteza matam mais que o Covid. Usufruamos pois dos pequenos prazeres, dos momentos em que não temos dores físicas, de quando nos aquecemos com um café, de quando saboreamos o sol na testa, de quando somos prendados pelos sons da natureza ou apenas pela ausência de ruído. Saboreemos a vida, em vez de sofrer por antecipação.

E não tenhamos dúvidas que, passada esta, a próxima ameaça será a mais assustadora de sempre.

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Foto de Irene Pereira tirada no Parque Natural Serra de Aire e Candeeiros a 15 de Dezembro de 2020

Alterações climáticas, modo de usar

José Meireles Graça, 20.10.19

Há pouco mais de 15 dias, soprava um vento de loucura naquela parte do mundo em que os políticos vivem no afã de agradar à opinião pública, e que se traduziu em manifestações gigantescas, ansiosas pela çalvação da Terra (grafo assim em homenagem à literacia das gerações mais bem formadas de sempre e para traduzir o respeito que me merecem estas exaltações), e no endeusamento de uma pobre rapariga que o acaso, e uma obsessão doentia, catapultaram para as gordas dos jornais e os areópagos onde se reúnem os grandes deste mundo, onde aponta o dedo tremente e acusador ao nosso egoísmo, ao capitalismo, à sociedade de consumo e às palhinhas de plástico.

Roubaram-lhe os sonhos e a infância, dizia a moça, insultando sem maldade as crianças, e são milhões, que não têm nem escola, nem alimentação decente, nem assistência na doença, nem sapatos, tudo o que ela teve, e que não terão nunca a maior parte dessas coisas se o crescimento económico for peado por fundamentalismos ambientalistas. Greta, ao crescimento, chama “conto de fadas”.

Nada de novo: a boa menina não é decerto comunista, nem o são os milhões de jovens que se manifestam a favor do ambiente, enquanto deixam atrás de si mares de embalagens dos produtos industriais com que se alimentam, e da propaganda engenhosa, às vezes divertida, que empunham em cartazes de “luta”, sem todavia os usarem para rebentar a cabeça dos poluidores que, se não forem funcionários públicos,  empregam os seus pais – uns queridos. Eles não são comunistas mas uma parte deste discurso é, e toda a Esquerda o compra, mas nem toda a Direita. Compreende-se: Todos os regimes comunistas falharam miseravelmente na criação de sociedades de consumo, mas não desapareceu em muitas pessoas o anseio pela igualdade material que mora no coração dos invejosos, dos generosos ingénuos e de muitos que não entendem o motor da criação de riqueza, que é a diferença e não a igualdade. Ora, se há uma tese, que tanta gente compra, de que o consumo é o inimigo, tanto melhor, chega-se lá por outro caminho; e nas variantes social-democratas o apelo não é a demência igualitarista mas o reforço dos poderes do Estado, coisa para a qual na maior parte tais doutrinas não têm suficientes anticorpos.

Tudo isto tem um lado estranho porque sobre as leis da termodinâmica, ou da relatividade, não há divergências; mas sobre o aquecimento global, reciclado no redundante alterações climáticas – as alterações são inerentes ao clima – há. Isto decorre de na comunidade científica começar a desenhar-se um princípio de consenso sobre a existência das alterações a um ritmo superior ao do passado, o que causa grande consternação; e de a origem dessa aceleração sermos nós, ou melhor aqueles de nós que comem melhor, viajam mais, e se rodeiam dos mais diversos aparelhos para tornar a vida cómoda e leve. Mas o consenso, por definição, nada tem de científico, a não ser nas ciências sociais, que são sociais mas não são ciências; e por cada três albardados de doutoramentos que, com olhos pávidos, nos intimam a mudar de vida e adoptarmos a miséria dos países em que, por se consumir pouco, pouco se polui, há pelo menos um, igualmente qualificado, por muito que se lhe chame velho, ou vendido a interesses obscuros, ou carecido de formação específica na área, que diz que os dados não são de confiança. É pouco provável que as nossas actividades tenham tanta importância e produzam tantos efeitos quanto os que se lhes atribui, mas quase certo que no modelo de raciocínio, e previsional, dos catastrofistas, faltam elementos. Para não falar dos que, aceitando que o aquecimento existe, e são cada vez mais, nele veem algum benefício a par de enormes problemas.

Talvez faltem elementos, e por isso as melhores cabeças, e os organismos mais sérios, revestem as suas previsões de inuendos e ressalvas, que após tradução em jornalistês chegam à opinião pública em forma de hecatombe. E depois, é grande a lista das desgraças para as quais, desde o fim dos anos 60, os especialistas nos preveniram: nova Idade do Gelo, desaparecimento da camada de ozono, eliminação da vida nos lagos por causa das chuvas ácidas, desaparecimento de ilhas – as Maldivas, coitadas, viram o seu funeral previsto para 2018, e ainda lá estão – fome para 2012 se não deixássemos de comer peixe, carne e produtos lácteos, desaparecimento por exaustão dos combustíveis fósseis… a lista é enorme, recheada de nomes ilustres na ciência e estrelas como Al Gore, o profissional mais conhecido de previsões falhadas e tretas sortidas. De resto, a tendência acentua-se: não há uma semana em que não sejamos informados que vamos morrer aos milhões daqui a alguns anos (os prazos têm aumentado porque quando chegarem ao termo convém que quem os estabeleceu, e com isso ganhou fama e proveito, já cá não esteja). Não que interesse muito: dantes as pessoas confiavam no padre e na Santa Madre Igreja da qual ele era o representante; e agora acreditam no cientista que vem à televisão e diz que o mundo vai acabar se continuarmos a cometer pecados. Tal como dantes, porém, é pouco provável que o pecado acabe, por muita manifestação às sextas-feiras, concorrida por moços com acne, e por muito que os políticos jurem que vão descarbonizar e não sei quê: a doença da juventude cura-se, na maior parte dos casos, com a idade; os jovens, por cujos interesses todos juram e cujas opiniões todos lisonjeiam, são uma minoria crescentemente minoritária; e os adultos estão dispostos a fazer alguma coisa, mas não a ver a vida a andar para trás..

Os grandes do mundo fingem-se contristados, e os mais ingénuos de entre eles talvez estejam. Mas todos os que governam países onde a opinião pública está amordaçada, como na China de Xi Jinping, ou a Índia, onde os habitantes estão excessivamente ocupados a encontrar o que comer, brilham pela discrição, mesmo que se encontrem nos lugares cimeiros do pódio da poluição. Fazem bem.

Não há planeta B, disse com gravidade o nosso Presidente, e temos a meta ambiciosa de descarbonizar o país até 2050, anunciou com determinação o nosso PM, que poderá repoltrear-se nessa grandiosa conquista na condição de reformado. Ambos se situam bem no campeonato do paleio da moda progressista, mas não são excepção – por todo o lado os governantes e candidatos em eleições se apressam a lisonjear a opinião pública aflita.

Não está mal, é aliás inevitável e um módico de prudência aconselha a olhar para estas questões sem parti-pris dramáticos mas também com a cabeça suficientemente fria para evitar males maiores, se forem credíveis, amaciá-los onde possa ser, e sempre tendo presente que não há poluição de origem antropogénica sem pessoas e estas multiplicam-se mais no mundo subdesenvolvido. No desenvolvido, mormente no que se autoflagela sob o peso da culpa, a população tende a diminuir.

Que deve então fazer o bom cidadão antigamente temente a Deus e hoje à Autoridade Tributária, aflito para chegar ao fim do mês e que não consegue evitar a coorte de investigadores, universitários sortidos, agitadores, propagandistas, políticos, que o intimam pela televisão e pelos jornais a mudar de vida?

Algumas coisas: i) Não confiar em nada do que digam pessoas que queiram contrabandear, à boleia de problemas ecológicos, reais ou imaginários, modelos de sociedade alternativos que se parecem excessivamente com os que foram enterrados com o esboroar da URSS; ii) Procurar, sempre que são citados estudos de fontes prestigiadas, ir ver as fontes e não confiar em resumos – quem resume simplifica, trunca, distorce, elimina reservas, e com frequência vende um drama certo, e uma solução simplista, para um problema que não o será tanto, e cujo remédio, por ser com frequência político, raramente é único, muito menos simples, e pode implicar trade-offs; iii) Se se tratar de personalidades singulares, convém saber quem são, que currículo têm, que interesses servem, se alguns, quem os financia (estudos sérios são caros), e o que dizem adversários, no caso de terem qualificações do mesmo grau; iv) Adoptar uma atitude de cepticismo militante em relação a cientistas, quando o discurso tresande a savonarolas ou malagridas. Os cientistas, como os magistrados, os professores universitários, os médicos e os burocratas de organismos supranacionais, tendem, se os deixarem, a reivindicarem para si o papel de pastores da grei, e não apenas conselheiros. Isto porque eles sabem enquanto nós somos ignorantes. Mas os próprios sapateiros, se os deixassem, haveriam de estabelecer regras osteopáticas severas para aqueles cidadãos, e são muitos, que têm o hábito deplorável de cambar mais os sapatos de um dos lados; v) Sempre que a recomendação para adopção de novos hábitos (por exemplo, substituição de plásticos por materiais biodegradáveis ou redução do consumo de combustíveis) se faça pela via da impostagem, exigir que o acréscimo de receita pelo novo imposto, ou pelo aumento do velho, seja compensado (efectiva e automaticamente, e não apenas como promessa) por redução de outros, pelo menos no mesmo montante; v) Ter presente o peso insignificante de Portugal no mundo, seja demograficamente, no PIB ou na poluição, e evitar a tentação voluntarista de ser campeão das medidas quando outros, mais desenvolvidos e/ou mais poluidores, mas menos ingénuos, arrastam os pés  para as pôr em prática; vi) Desconfiar sempre de limitações à liberdade individual em nome de bens maiores colectivos. Comprimir a liberdade dos outros é natural para trezentos tipos de iluminados e reformadores sociais sortidos, mas é uma porta que é tão grave abrir ainda mais que, para a fechar, se justifica desobediência civil; vii) Confiar em que uma das razões por que as previsões tendem a falhar, além das afloradas, é que as projecções para o futuro nunca entram, nem podem entrar, em linha de conta com o progresso científico e tecnológico. E se alguma coisa deveríamos saber é que só não morremos quase todos de fome (não obstante as muito científicas, e reiteradas, previsões de que isso sucederia) porque a ciência e a tecnologia intervieram, produzindo-se hoje muito mais em muito menos terra.  A ciência não acaba, e os seus prodígios também não: até mesmo para algumas espécies extintas (um aparte: o desaparecimento de espécies É, efectivamente, um empobrecimento da humanidade) há agora esperança legítima de renascimento, como no fascinante caso do auroque; e já há, diz-se, bactérias engenheiradas que se alimentam de plástico – entre outras maravilhas; viii) Não perder o sono. O pessoal político, nas ditaduras, não é suicida, nem necessariamente demente, nem tem dificuldades em impor comportamentos, se forem absolutamente necessários, para além dos que já são para permitir a sobrevivência do regime, a benefício do ambiente;  e nas democracias há cinismo que chegue, e calculismo que sobre, para casar as ansiedades das pessoas com a necessidade de medidas. Se algum risco há, é o do exagero. Finalmente, gente ansiosa e crédula tem interesse em ler mais romances policiais ou clássicos, a gosto, e menos notícias de desgraças, contemporâneas ou previstas: os ansiolíticos e os barbitúricos não fazem bem à saúde e, mesmo fora do prazo de validade, chegam ao ambiente causando grandes danos.

Sobre o fim do mundo

Paulo Sousa, 17.09.19

O terramoto de 1755 - Pintura de João Glama Strobërle que pertence ao espólio do Museu Nacional e Arte Antiga

 

Se a vida na terra tivesse 24 horas, o ser humano teria aparecido apenas nos últimos minutos. Isto significa que o conceito do "fim do mundo" é geologicamente recente pois só existe desde que o primeiro humano formulou esse pensamento. Antes disso existia apenas mudança permanente e que afinal nunca foi interrompida.

Os equilíbrios da natureza são importantes porque dependemos deles, mas não são estáticos nem são definitivos.

A extinção de espécies é algo que aconteceu regularmente ao longo do comprido dia da vida na terra. Uma imensidão delas nem sequer fósseis nos deixaram e isso coloca-as em pé de igualdade com os dragões que, esses sim, nunca existiram. É triste saber que os ursos polares, uns animais fantásticos, irão provavelmente desaparecer, mas isso aconteceu regularmente desde que existe vida na terra.

Sem o aquecimento global que se verificou há cerca de 10.000 anos o gelo cobriria toda a Europa. A civilização como a conhecemos não teria acontecido e não estaríamos aqui a trocar ideias através da blogosfera, algo cujo conceito seria difícil de explicar há 50 anos.

Alguns ambientalistas criticam a espécie humana por se comportar como se estivesse no centro de toda a vida na terra. No minuto seguinte usam o futuro das próximas gerações de humanos como argumento de defesa das suas convicções. Não fazia mais sentido defender a natureza pelo que ela tem de fantástica?

O ponto óptimo de poluição não é a ausência de poluição. É claro que vivemos muito acima desse ponto óptimo e devemos fazer um esforço para a reduzir. Estou convicto da necessidade de se fazer um esforço para minimizar o impacto na natureza, principalmente porque… esta é extremamente bela.

Na dinâmica do combate às alterações climáticas, que no fundo não é mais do que um combate contra a mudança, existe uma histeria e uma vertente de fé que faz lembrar períodos na história em que se verificaram grandes catástrofes, como o terramoto de 1755 ou a peste negra. Nesses períodos conturbados sempre surgiram os pregadores do fim do mundo. Estas figuras apresentam-se como explicadoras do inexplicável e fonte de conforto a todos quantos queiram ouvir a mensagem de uma entidade superior.

Surgem ora com um sino, ora com um grande crucifixo, ora com os dois e garantem que todos os que almejem salvar a respectiva alma imortal devem deixar de pecar, arrepender-se, devem orar e devem sacrificar-se.

Actualizando a mensagem recomendo que:

Onde se lê deixar de pecar pode ler-se comprar um carro eléctrico.

Onde se lê arrepender-se pode ler-se viver como os Amish.

Onde se lê orar pode ler-se votar no PAN.

Onde se lê sacrificar-se pode ler-se ir de avião semanalmente para Bruxelas mas descarregar a consciência pagando a taxa de compensação pelas emissões de CO2.

Esta é a postura do PAN, da menina Greta e da sua legião de globetrotters passageiros frequentes das companhias de low cost.

Profetas do apocalipse existiram em todos os tempos e em todas as latitudes e sempre tentaram mudar o comportamento dos outros.

Se a mudança é permanente e se de facto estivermos a viver um período especial, o mais ajuizado será estarmos alerta e para tentar ser capaz de, como nos ensinou Darwin, se adaptar. A confirmar-se o que nos garantem os profetas desta nova religião, alguns territórios que agora tem um clima ameno podem vir a tornar-se inóspitos assim como o contrário. A geografia sempre foi um factor determinante no equilíbrio dos povos e das nações e isso não se alterará.

Só falta mesmo esperar pela confirmação das profecias.

Greta Thunberg na Assembleia da República

Cristina Torrão, 25.05.19

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Imagem daqui

 

Depois de o meu colega de blogue jpt ter publicado este excelente texto sobre Greta Thunberg, hesitei em publicar o meu. Mas já o tinha alinhavado, desde que a decisão de convidar a activista sueca a discursar na Assembleia da República causou reacções indignadas nas redes sociais, e resolvi avançar.

Sabemos que a maior parte das crianças crescem super-protegidas e super-vigiadas, até se criou a expressão “pais-helicópteros” para designar os progenitores que constantemente “voam” à volta dos seus rebentos, não lhes permitindo um momento livre e/ou sem ser planeado. Há uma preocupação constante de afastar as crianças de tudo o que seja problema, polémica, ou má notícia. Não são introduzidas nas tarefas domésticas, tudo lhes cai sobre a mesa, como por milagre, as roupas aparecem lavadas nos armários, como por mão de fada invisível. São postas em colégios privados, para e de onde são transportadas de carro, e, chegadas a casa, aterram no sofá, onde se ocupam com os seus telemóveis ou a televisão. Passeios de fim-de-semana? Só se for no Centro Comercial. Quantas crianças tiveram já oportunidade de criarem os seus próprios passatempos, brincadeiras e brinquedos? Quantos adolescentes já deram passeios de quilómetros pela Natureza? Quantos foram sensibilizados para os problemas da pobreza, da discriminação e da solidão? Pais e sociedade queixam-se de que os jovens são preguiçosos, sem interesse por nada, nem sequer empatia pelo sofrimento alheio. Porque será?

Perante este cenário, como não admirar uma activista como Greta Thunberg? Eu admiro, acima de tudo, a sua coragem. Quantas miúdas de quinze anos se atreveriam a faltar às aulas para se plantarem em frente do Parlamento, com cartazes a exigir uma melhor política ambiental? Foi assim que ela começou.

Podem dizer-me que a maior parte dos que participam nas suas manifestações o fazem apenas para faltar à escola. Também me podem dizer que gritam pelo ambiente e contra as alterações climáticas, fazendo, eles próprios, uma vida consumista e sem abdicar dos seus confortos. Ora, este movimento é precisamente a melhor oportunidade para eles tomarem consciência do que se passa e mostrarem aos pais que a vida de todos tem de mudar. É uma boa oportunidade de mostrarem que, por mais boas intenções que os pais tivessem, ao poupá-los ao lado menos bom da vida, cometeram um erro. É nosso dever ouvir a sua voz e reflectir sobre o que os preocupa.

Há uns anos, a activista paquistanesa Malala Yousafzai ganhou a admiração e o respeito da civilização ocidental. Tinha quinze anos, quando sofreu o atentado, dezasseis (a idade de Greta Thunberg), quando discursou na Assembleia da ONU, dezassete, quando foi agraciada com o Nobel da Paz (como co-premiada). Porque se fala agora de infantilização do mundo, em relação à jovem sueca? Por ela dizer o que vai mal na nossa civilização, enquanto Malala Yousafzai atacava os “trogloditas muçulmanos”? É sempre mais fácil arranjar culpados exteriores a nós.

Considero a acção da jovem sueca tão importante como a da paquistanesa. «A nossa casa está a arder», disse Greta Thunberg, na reunião anual do Fórum Económico Mundial, em Davos, na Suíça. Chernobyl e Fukushima mostraram-nos que andamos realmente a brincar com o fogo. O trânsito insuportável nas grandes cidades e nas auto-estradas europeias mostram-nos que estamos a ir na direcção errada (todos os dias há engarrafamentos de dezenas, ou mesmo centenas, de quilómetros nas auto-estradas alemãs). Os voos baratos empestam o céu, assim como os cruzeiros empestam os mares e o ar que respiramos (nas suas deslocações europeias, Greta Thunberg viaja sempre de comboio, por ser um meio de transporte muito menos poluente que o avião). A nossa avidez por carne cada vez mais barata criou uma indústria desumana, em que pessoas trabalham em condições esclavagistas e em que animais deixaram de ser seres vivos para serem objectos que se podem manipular a nosso bel-prazer e em que a Natureza é destruída, a fim de produzir soja para os alimentar (cerca de 79% da soja no mundo é esmagada para fazer ração animal; é, por isso, desonesto dizer que são os vegetarianos/vegan os responsáveis pela destruição da floresta sul-americana, mesmo que todos eles consumissem soja, o que não acontece).

É uma ilusão acreditarmos que podemos dominar a Natureza, ou utilizá-la a nosso bel-prazer. A única hipótese que temos é de cooperar com ela. Na minha opinião, Greta Thunberg merece ser ouvida na Assembleia da República, quanto mais não seja, para que sirva de exemplo aos nossos preguiçosos e mimados jovens. Ela mostra-lhes que há problemas graves no mundo e que urge levantarem-se do sofá, adquirirem personalidade e tomarem posição. Ela mostra-lhes que é o futuro dos filhos e dos netos deles que está em causa. Ela mostra-lhes que a vida deles não consiste apenas na satisfação dos seus desejos, com fadas que tratam de tudo o que implique trabalho.

Ela mostra-lhes que vale a pena ter ideais.

“Não acredites em quem te diga que não podes mudar nada / Eles têm apenas medo da mudança.

A culpa não é tua de o mundo ser como é / Só seria tua culpa se ele assim ficasse”.

(excerto da letra de uma canção dos Die Ärzte, banda alemã; tradução minha, original em baixo):

 

Glaub keinem, der Dir sagt, dass Du nichts verändern kannst

Die, die das behaupten, haben nur vor der Veränderung Angst.

Es ist nicht Deine Schuld, dass die Welt ist, wie sie ist

Es wär nur Deine Schuld, wenn sie so bleibt.

Greta D'Arc

jpt, 24.05.19

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Nas últimas semanas fui vendo em blogs e no Facebook vários pequenos textos de gente que leio com atenção e até de amigos bem próximos, que surgiram azedos sobre Greta Thunberg, a jovem sueca tornada ícone ambientalista. Alguns até partilhando um texto viperino, gozando com a propalada condição da jovem, dita com o síndrome de Asperger. Trata-se de um meio intelectual definível, ainda que algo heterogéneo ideologicamente: é gente que se revê num "centro", "direita" ou até "extrema-direita", que anuncia filiação a um conservadorismo ou a um liberalismo, ou mesclando-os, às vezes de forma um pouco atrapalhada. O argumento é sempre similar: o aquecimento global é um mito, ouvir uma jovem é um populismo e/ou uma infantilização da vida política. Alguns complementam sobre a impossibilidade desta adolescente ter a solução para o problema, ainda que este inexistente, segundo as suas perspectivas, um oxímoro argumentativo que parece escapar a estes locutores.

Foi comentando um desses textos, oriundo de um intelectual português que bem aprecio, que me surgiu a ideia - a qual, de tão óbvia me pareceu, porventura outrem já terá avançado mas se assim aconteceu desconheço-o - que esta adolescente é uma Jeanne D'Arc actual. Pois, lendo a história da donzela de Orleans, tornada símbolo da cristandade e do seu país, de facto do polissémico "morrer pela Pátria", como não intuir que aquele comportamento obsessivo da adolescente camponesa poderá ter sido originado numa peculiar condição? E com toda a certeza, como aliás comprova o seu final, também ela incomodou os sábios "bloguistas" e "facebuquistas" de então. Apesar de ter sido útil ao reino.

Daí esta minha Greta D'Arc, obsessiva na sua dedicação à causa ambientalista. E que tanto incomoda tantos locutores. Esta dedicação extrema teve impacto. Ela apareceu induzindo um movimento ecologista geracional. Se em Outubro os iniciais pequenos grupos ecologistas deste movimento tinham ainda alguma dificuldade em chegar à fala com o secretário-geral da ONU (ainda que acolhidos pelo seu gabinete), agora Thunberg, a sua inspiradora, é recebida, sinal da crescente consciência de alguns líderes políticos da gravidade da situação. Uma esmagadora maioria dos cientistas está convencida que o problema é enorme e urgente. Uma minoria nega-o. Como se sabe, na história nem sempre a maioria dos cientistas (a "ciência normal") tem a razão face às minorias. Mas este argumento tem uma fragilidade nesta questão: as minorias que estavam certas normalmente (ainda que nem sempre) fundamentavam-se em hipóteses e métodos inovadores, afrontando as perspectivas vigentes. Neste caso as minorias renitentes não apresentam essas características inovadoras. Mas mesmo assim é possível que os que negam a hipótese do aquecimento global poderão estar certos - e que bom que será se assim for. Mas ainda que assim seja, que não estejamos na alvorada de uma dramática mudança climática causada pela humanidade, algo é inegável: a degradação ecológica é gigantesca.  E universal. E justifica toda a atenção.

Os que negam a hipótese de aquecimento - e a pertinência de atentar nesta jovem ícone e no actual movimento ecologista juvenil - são também um fenómeno intelectual interessante: os que se dizem conservadores alheiam-se de um tradicional item das agendas políticas conservadoras, a protecção ecológica; e os que se dizem liberais, estão totalmente alheados de uma visão capitalista, se se quiser da "destruição criativa" (eu sei que Schumpeter não é o arquétipo do liberal mas não pode ser dito como um radical anti-liberal), das imensas possibilidades lucrativas de novas políticas ecológicas (nas várias áreas da actividade). Ou seja, nestes locutores não é um conservadorismo e muito menos um verdadeiro liberalismo que vigoram. É um mero atavismo. Não de agora. O sufragar das posições americanas sobre o assunto mostram-no bem: há quase duas décadas, no seu primeiro discurso de tomada de posse presidencial, George W. Bush anunciou o seu distanciamento ao protocolo de Quioto por este ser adverso ao "american way of live". Dizer (resmungar) na altura - e depois - que tal afirmação era vácua, pois o tal "modo de vida" assentou na vigorosa abertura a transformações, devida à capacidade inovadora, organizativa e tecnológica, de uma sociedade cheia de recursos e livre de imensas barreiras institucionais que vigoravam nas suas concorrentes industrializadas de então, surgiria como uma resposta "comunista" ou parecida. Mas é uma coisa tão óbvia ...

Este atavismo impensante dos irritados com o impacto de Greta Thunberg, e do movimento que ela simboliza (e induziu), nota-se num aspecto e prova-se noutro. É comum (porventura como o foi nas gerações precedentes) ouvir os actuais adultos menorizarem as práticas da juventude actual: não são dados à leitura, atentam em youtuberes vácuos, não brincaram na rua, seguem sobre-protegidos e assim alheados da natureza, não socializam, encerrados em consolas de jogos e telemóveis, na futilidade da internet imediatista, são consumidores mimados, são totalmente apolitizados, etc. Subitamente, no espaço de um semestre, um movimento internacional de jovens cresceu: na sua heterogeneidade não surgem folclóricos, presos a velhas pantominas hippiescas; não são um culto de falsos heróis que encestam bolas em redes; nem cultuam LSD ou heroinas, que tanto maceraram as gerações precedentes; não destroem as propriedades públicas e privadas, como os seus "tios" vestidos de coletes amarelos; não saíram dos "seminários de insurreição" promovidos em acampamentos de maoístas e trotskistas; não têm como ídolos um qualquer Ernesto Guevara ("fuzilamos e continuaremos a fuzilar") em frémitos de utopias devastadoras; não seguem perversos pregadores hindús, islâmicos ou evangelistas, advogados de uma "purificação" das almas. Querem, e para isso se manifestam ordeiramente, numa saudável heterogeneidade de estilos, uma mais ampla informação sobre o estado da situação ecológica, e que se desenvolvam políticas de protecção ambiental - questão que há décadas está na agenda internacional mas que não tem conhecido grandes progressos, devido às resistências das elites político-económicas. Querem isso e assim se mostram jovens cidadãos. Interessados e empenhados, bem ao contrário do que deles dizem os mais-velhos, que os proclamam alienados.

Uma questão recente mostra, provando-a, a radical superficialidade destes críticos. Ou a sua estreita visão do futuro: há duas semanas Mike Pompeo - antigo director da CIA e agora ministro dos negócios estrangeiros americano, como tal alguém bem mais importante e escrutinável do que Greta Thunberg - discursou no Conselho Ártico e disse: "Because far from the barren backcountry that many thought it to be in Seward’s time, the Arctic is at the forefront of opportunity and abundance. It houses 13 percent of the world’s undiscovered oil, 30 percent of its undiscovered gas, and an abundance of uranium, rare earth minerals, gold, diamonds, and millions of square miles of untapped resources. Fisheries galore. 

And its centerpiece, the Arctic Ocean, is rapidly taking on new strategic significance. Offshore resources, which are helping the respective coastal states, are the subject of renewed competition. Steady reductions in sea ice are opening new passageways and new opportunities for trade. This could potentially slash the time it takes to travel between Asia and the West by as much as 20 days. Arctic sea lanes could come before – could come the 21s century Suez and Panama Canals."

Passados dias percebe-se que nem um dos incomodados com a visibilidade de Thunberg, desta Greta D'Arc de hoje, e do juvenil movimento ecológico, comentou estas declarações do governante americante. Omnívoras, demonstrando uma visão do mundo até demencial. Nem um, que tenha eu reparado, destes locutores portugueses as comentou. Nem um. Nem um ... 

Isto em Pompeo, e no mundo "trumpiano", é um fundamentalismo mercantil (não liberal, entenda-se bem) patético, tal e qual como os fundamentalismos desses radicais de outros cultos. E nestes luso-locutores (até nos meus amigos próximos que assim bacocam) é muito um mero blaseísmo, a patetice do fastio. Pois ficam muito enfastiados com a agitação alheia, destes "jovens". Isto não é "direita", nem "extrema-direita", nem "centro". É só parvoíce. Perversa. E carregadinha de presunção, a presunção da "distinção". Que gente ... Que se julga, saber-se-á lá porquê, que por intelecto não é, com toda a certeza, acima do vulgo. De nós, comuns. Vão nisso enganados, pois se, como disse Ulianov, "o esquerdismo é a doença infantil do comunismo", este blaseísmo nada mais é que a doença senil do capitalismo. O tal atavismo ...

Marcha pelo clima

jpt, 15.03.19

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Em imensos países os estudantes saem hoje à rua, exigindo melhores e urgentes políticas de protecção ambiental. Em Novembro aqui deixei nota de uma primeira manifestação estudantil, em Bruxelas. Organizada por um pequeno grupo ecológico da Escola Europeia, e já reflectindo o exemplo da estudante sueca Greta Thunberg (com a qual este núcleo tem até algumas relações pessoais prévias), tornada símbolo de um movimento geracional contra a inconsciência produtivista da corporação etária no poder: pois ninguém das gerações adultas quer prescindir de nesga que seja dos seus "direitos adquiridos" ao consumo para assumir as medidas drásticas necessárias. As grandes empresas veiculam a ideia de que é preciso "reciclar" e aumentar os preços dos combustíveis, qual panaceia. Os (neo)comunistas dizem que não, que o necessário é controlar as grandes empresas. Ou seja, sobre isto apenas reflectem a "luta de classes". Nenhum tem razão, pois todos têm razão. É preciso prejudicar todos, para a todos beneficiar. É isso que os putos, tão mais esclarecidos e cultos do que as bestas adultas que ocupamos todos os tipos de poder, nos estão a dizer. Desde então, em constantes (semanais) manifestações, num movimento crescente em vários locais do mundo, em mais de 100 países (notícias indicam 123).

Nota: no postal que fiz há meses recebi um conjunto abjecto de comentários boçais, os imundos patetas negacionistas - epígonos do bloguismo "Blasfémias", tudo reduzindo à crença de que se a livre empresa é virtuosa e a intervenção estatal prejudicial então o aquecimento global é um mito (chinês, dizem agora os trumpianos) para minar o "ocidente". Não tenho qualquer paciência nem respeito por esse lixo humano. Poupem-se ao teclar, mal me assome esse mau hálito apagarei sem ler.

A árvore e a floresta

João André, 20.01.17

Vou a caminhar pelo Pinhal de Leiria e a certa altura, ao passar por uma clareira, dou de caras com uma sequência de eucaliptos. Sigo através deles por mais uns 10 ou 200 metros e regresso aos eucaliptos. Dou um suspiro. O Pinhal de Leiria não se transformou num Eucaliptal de Leiria.

 

Muita gente que fala da neve no Algarve no âmbito das alterações climáticas teria a visão oposta.

Arrefeçamos a discussão sobre o aquecimento global, pode ser?

João André, 25.09.13

Saquem das camisolas de lã que afinal os cientistas estão todos errados e não há aquecimento global mas sim um arrefecimento global como prova o aumento do gelo do Ártico.

 

Certo? Bom, nem por isso. Vou tentar ser um pouco metódico e explicar algo que muitas vezes escapa no meio do ruído: as tendências climáticas não são feitas ano a ano. Especialmente por variarem com a estação, as comparações devem ser feitas ao longo de vários anos, preferencialmente décadas e idealmente séculos. É nessas escalas de tempo que os climatologistas se movem. Os meteorologistas (notaram a diferença nos termos?) podem falar em mudanças de climas em termos de horas, dias ou semanas, mas para os climatologistas, se a temperatura for de 35 graus hoje e 12 graus dentro de um ano, eles nem piscam os olhos. É como comparar a vida de um elefante com a de um mosquito.

 

Há no entanto mais questões a considerar. Parece que o aquecimento está a abrandar. Isso em si seria uma boa notícia. Repito para que fique claro: eu, que concordo com a existência de um aumento global das temperaturas no planeta e que concordo que tem origem antropogénica, ficaria muito feliz por estar errado. Eu e a esmagadora maioria dos cientistas que concordam com esta tese (e com muito melhores argumentos). Esses cientistas, na ausência de financiamento para estudar o aquecimento global, teriam financiamento para estudar outros fenómenos. O dinheiro não desaparece e ainda há muito para compreender no clima.

 

Ainda assim, vou abordar os pontos em questão. Primeiro ponto, o "aumento" do gelo no Ártico. Primeiro que nada, como se refere neste artigo, a "recuperação" do gelo é relativa. Há mais área gelada que no ano passado, mas ainda é muito pouco gelo. Por outro lado há a questão da espessura: sabemos que se houver menos área, teremos quase de certeza menos volume de gelo. Se a área aumentar, isso não significa que o gelo seja espesso, pelo que o volume total de gelo pode ser reduzido. Não há ainda evidências numa ou noutra direcção, mas serve para arrefecer ânimos (bad pun alert). Resumindo: há mais gelo que no ano passado mas ainda é muito pouco. Há mais área com gelo, mas não temos dados sobre o volume. Conclusão científica? Nenhuma: teremos que esperar mais uns anos.

 

Temos agora a questão do abrandamento do aquecimento. Os cientistas não sabem por que razão o aquecimento está a abrandar, mas isso não é o mesmo que dizer que não vão estudar as hipóteses que estão a formular. Os cientistas, por natureza, não dão opiniões profissionais sem terem uma boa noção daquilo que vão dizer. Nisto diferem dos opinadores profissionais e amadores, que dão opiniões opostas em dias consecutivos porque são pagos (ou não) para darem opiniões de forma interessante, não pela qualidade ou exactidão das mesmas. É por isso que os cientistas não se excitam quando começam a ver os sinais de aquecimento global (já têm décadas) e não se excitam quando este começa a abrandar. São apenas novos dados para tentar estudar o que se passa.

 

O que se poderá então estar a passar? Não sou climatologista, apenas um engenheiro químico, mas poderei avançar algumas hipóteses:

1. Ciclos solares: são ainda mal entendidos e o actual ciclo solar poderá corresponder a uma diminuição da energia que o Sol envia para a Terra. As temperaturas poderão descer. Isso poderá também significar que o efeito do CO2 antropogénico é menor que o previsto.

2. Oceanos: caso nos estejamos a esquecer, os oceanos cobrem cerca de 70% da superfície da Terra. Aliás o planeta poderia muito bem chamar-se "Água" (como refere Bill Bryson). Estes, especialmente devido às propriedades termodinâmicas da água (não vos vou aborrecer com isso) e à influência da vida, poderão estar a absorver o CO2 ou simplesmente a absorver o excesso de calor (são como um reservatório de frio, se quisermos). A sua influência não tinha sido correctamente descrita em modelos anteriores e por isso as previsões podem falhar.

3. Evaporação e degelo: mais uma vez devido à termodinâmica, quando uma substância derrete ou evapora, precisa de uma determinada quantidade de calor (pensem na acetona a arrefecer a mão enquanto evapora). Esta contribuição pode não ter sido levada em conta. Por outro lado, uma das consequências do aquecimento são as alterações climáticas, as quais podem estar a levar à presença de mais nuvens. Ainda que o vapor de água também tenha um forte efeito de estufa (é uma das teorias que explicam Vénus), o início poderá ser visto mais como um para-sol gigante que aumenta a área de sombra.

4. Partículas na atmosfera: os vulcões que entraram em erupção nos últimos anos enviaram partículas para a atmosfera que reflectem raios solares para o espaço. Por outro lado, as necessidades energéticas de algumas nações têm sido resolvidas com centrais termo-eléctricas, as quais poderão não ter filtros para captação de partículas resultantes da combustão. Apesar de enviarem muito CO2 para a atmosfera, estas centrais iriam no curto-prazo provocar poluição atmosférica que reduziria a temperatura (tal como nos anos 70-90, antes de se tomarem medidas contra essas partículas que, por exemplo, também provocavam chuvas ácidas).

5. Outros: como disse, não sou climatologista e não conheço os cenários todos. Gente muitíssimo mais capaz que eu poderá propor outras hipóteses, provavelmente mais realistas.

6. Os modelos estão errados e teremos vivido apenas um ciclo de aquecimento que nenhuma influência humana teve. Seria mau para a ciência, mas bom para a humanidade. Eu ficaria feliz por isso.

 

Haveria mais coisas sobre as quais eu poderia escrever, como a diferença entre temperaturas médias e temperaturas máximas ou mínimas, aquecimento global vs alterações climáticas, capacitância de um sistema, química da molécula de CO2, etc. Creio, no entanto, que já chateei o suficiente quem quer que tenha lido tudo. Fico-me por aqui. Deixo apenas o esclarecimento: quaisquer erros e barbaridades científicas que estejam aí para cima são da minha autoria. Nao levem as minhas opiniões como as da comunidade científica. Trata-se de gente geralmente respeitável e que dá o seu melhor sem excessivos preconceitos. Não merecerão ser colocados no mesmo cesto que eu.