A pequena maçã e as decisões de consumo
Mais uma vez, a Apple enfrenta tumultos numa das unidades da Foxconn que produz os seus iGadgets. Os trabalhadores chineses, transportados aos milhares de uma fábrica para outra consoante as necessidades, alojados em dormitórios, vigiados em permanência, enfrentam as piores condições de trabalho por alturas do lançamento de novos produtos Apple. Porquê? Porque, apesar de muitas outras marcas também produzirem na Foxconn, a política de secretismo e de lançamento em força da Apple obriga a que todas as peças para os novos produtos sejam produzidas em elevadas quantidades, quase em cima do lançamento. Há uns meses, revelando insuperável consciência social (digna, afinal, desse anjo chamado Steve Jobs que, nos tempos de desenvolvimento do Macintosh, perante o cansaço dos trabalhadores, mandou distribuir t-shirts com a frase Working 90 Hours a Week and Loving It), a Apple assegurou que os erros do passado seriam corrigidos e que nenhum trabalhador chinês teria de trabalhar mais de 60 horas por semana. Com as encomendas do novo iPhone precisando de ser satisfeitas, é duvidoso que mesmo tão simpático valor esteja a ser cumprido. E isso traz-me ao ponto mais importante: no Ocidente teme-se que os direitos sociais desapareçam, que um destes dias as condições de trabalho sejam parecidas com as existentes na China. E, todavia, europeus e americanos fazem filas para comprarem produtos fabricados nestas condições em vez de, deixando de os comprar, forçarem mudanças nas condições de trabalho na China. Não basta boicotar uma marca? Basta, se a marca for bem escolhida. Torna-se, aliás, curioso pensar que, há cerca de duas dezenas de anos, os consumidores ocidentais obrigaram a Nike a melhorar as condições de trabalho nas suas fábricas do Extremo Oriente. Hoje, esses mesmos consumidores e os seus descendentes parecem pouco preocupados com tais detalhes: exigindo os direitos sociais que foram adquirindo, querem também (talvez ainda mais) usufruir dos produtos da moda, fabricados por gente para quem esses direitos são uma miragem. Na Europa, como na América do Norte, parecemos hoje mais ocos, mais – sim, vou usar o termo – cigarras. Liderando o trajecto à frente de outros conglomerados (que no fim de contas gosta de se dizer vanguardista), a Apple agradece.