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Delito de Opinião

Vitaminas para o autoproclamado quarto pastorinho

Paulo Sousa, 30.05.23

Depois de, por afirmações de João Galamba (ministro que merece toda a confiança do PM), termos ficado a saber que o mesmo contactou o secretário de estado adjunto do PM para solicitar a intervenção do SIS, continuamos a aguardar pela confirmação disso mesmo por parte de António Costa ou por Mendonça Mendes. Esta dupla de governantes recusa-se ferreamente a qualquer declaração sobre este assunto.

Eu gostava de lhes perguntar o seguinte:

- Têm V.exas. consciência de que, ao optarem por não prestar explicações sobre a vossa actuação no já tão debatido episódio da intervenção do SIS estão a alimentar o desapontamento de quem quer acreditar nas instituições, de quem quer acreditar na responsabilidade política e na lisura de procedimentos, e dessa forma estão a promover as abordagens mais radicais que ameaçam a saúde da democracia?

Enquanto decorre a novela

Paulo Sousa, 18.05.23

A novela da CPI sobre a TAP vai batendo recordes de audiência. Mesmo quem não costuma acompanhar os assuntos políticos, anda pregado ao écran. Cá em casa, até já se sugere que se encomendem os serviços da Daenerys Targaryen, e de um dos seus dragões, para tratar deste governo.

Ao mesmo tempo, António Costa observa, silencioso e incógnito, os combates de vida e de morte entre diferentes membros do seu governo. O mote do mestre dos analgésicos é “doa a quem doer”, desde que não olhem para ele.

O ruído mediático é tanto, que facilmente passará despercebido os números divulgados sobre o SNS. O número de utentes sem médico de família aumentou 29% num ano.

A IL propôs uma alternativa ao colapso do actual SNS e os beneficiários da ADSE desataram-se a rir.

Imaginemos que as banais e frequentes análises ao sangue, realizadas por privados que competem entre si pelo serviço, dependiam também de um qualquer centro de saúde, ou hospital. Alguém acredita que receberia por email os resultados, meia-dúzia de horas depois da recolha de sangue? Agora imaginemos que o mesmo se aplicava a uma normal consulta médica.

O enquistamento ideológico das forças conservadoras não lhes permite imaginação para tal. Eles, os ditos humanistas, estão bem e os outros que se amanhem. Os números confirmam que Portugal é dos países onde a as despesas com saúde privada mais pesa no bolso das famílias, o que mostra como é deficiente o Serviço Nacional de Saúde e como se banalizou a lógica de que uma assistência médica eficaz depende da capacidade financeira.

Hoje, o walking dead Galamba vai ser ouvido na CPI sobre a TAP. Continua a novela e por isso esqueçamos as centenas de dias necessários para se conseguir uma consulta no SNS.

Difamação

Pedro Correia, 15.05.23

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António Costa chamou ladrão, em duas ocasiões diferentes, ao ex-adjunto do gabinete ministerial de João Galamba. O próprio titular das Infraestruturas fez o mesmo, visando Frederico Pinheiro, que há sete anos exercia funções no Governo e nele confiavam ao ponto de ter no seu computador portátil de serviço os planos "secretos" de privatização da TAP que o Executivo socialista persiste sem revelar aos portugueses.

Chamaram-lhe ladrão por ter sido autor de um "furto" (sem violência) ou de um "roubo" (furto violento) - com notória falta de rigor, acusando-o de reter indevidamente "propriedade do Estado". Afinal não terá havido nada disso. O computador não foi furtado nem roubado: foi devolvido pelo ex-adjunto a alguém que se fez passar na via pública por funcionário do SIS - em aparente violação da lei, pois um elemento do SIS não deve identificar-se como tal nem sequer junto dos familiares mais próximos.

Na Assembleia da República, o próprio director do SIS confirma a inexistência de crime. Terá sido ele a tomar a iniciativa de recuperar o computador portátil, algo impossível - também face à lei vigente - se estivesse em causa um furto ou um roubo, pois o SIS não tem poderes de investigação criminal, ao contrário do que sucede com a Polícia Judiciária, a PSP e a GNR.

Acresce que o cidadão difamado, Frederico Pinheiro, era à data dos acontecimentos membro de pleno direito do gabinete de Galamba. Mantinha acesso irrestrito ao computador e ao telemóvel de serviço, pois a sua exoneração só produziu efeitos a 10 de Maio,. Muito após os factos que lhe foram imputados pelo ainda ministro

Galamba imaginou-se por momentos na pele de Donald Trump no reality show televisivo The Apprentice, em que berrava no fim «You're fired!»

Acontece que em Portugal é diferente. Ninguém perde o vínculo laboral só porque um patrão berra «Estás despedido!». Muito menos no Governo. Muito menos num governo cheio de "sensibilidade social" que acaba de aprovar uma pomposa "agenda do trabalho digno".

Para todos, não só para os outros. O exemplo deve vir de cima.

Agora é que vai doer

Sérgio de Almeida Correia, 04.05.23

Rodrigo Antunes:LUSA.jpeg(foto: Rodrigo Antunes/LUSA, daqui)

A decisão do primeiro-ministro de manter em funções – admitamos por hipótese académica que contra a vontade do próprio – o ministro das Infra-estruturas, João Galamba, marca o fim de um ciclo e o início de outro, numa espécie de bailado a dois tempos.

Pouco importa saber se, como dizem alguns articulistas, os portugueses foram colocados perante uma encenação, ou várias produzidas todas ao mesmo tempo. Certo é que, desde ontem, a coabitação entre o Presidente da República, um encenador nato, e António Costa mudou de figura.  

Se, por um lado, tivemos uma afirmação de princípio e de liderança por parte do líder do governo, por outro passamos a ter um Presidente enfiado numa camisa-de-onze-varas. 

Convenhamos que Marcelo Rebelo de Sousa, até agora, e penso apenas no segundo mandato, tem sido igual a si próprio, discursando aqui e ali, lançando avisos e atirando reprimendas, dando uma no cravo e outra na ferradura sempre que pode, distribuindo sorrisos e selfies pelo povinho, colocando-se sempre no centro das atenções, como se fora um exímio e contentinho bailarino, com o seu palco e o seu público, muito popular e em permanente exibição, tão depressa embarcando num corridinho para logo a seguir envergar colete, cinta e barrete e fugir para um fandango, antes de se embrenhar num vira e receber os aplausos das moçoilas rosadas e viçosas. É a sua pele, é a sua natureza, e contra isso pouco ou nada se pode fazer. 

António Costa, foi e continuará a ser criticado pela sua decisão. Porém, neste momento, depois de tudo o que assistimos, a presença de Galamba no Governo, tirando o facto de se ter tornado num nado-morto político, pouco ou nada o afectará. Nem ao desempenho do Executivo.

A borrada está feita, não há como esconder o urso com um lençol, e o remédio é, sem esquecer a monumental galambada e a vaia que lhe sucedeu, seguir em frente e procurar tirar partido da conjuntura para segurar as finanças públicas e colocar o país num patamar superior, controlando a inflação, criando emprego, "inventando" um aeroporto para as cercanias de Lisboa, enfim, fazendo render o maná de fundos europeus colocados à nossa disposição com horizonte numa remodelação cada vez mais indispensável. 

O fantasma da dissolução poderá continuar a pairar por aí, sem prejuízo de Montenegro – não se riam – estar embrenhado na preparação, de “forma preliminar”, de um novo governo, em caso de eleições antecipadas, o qual admite ser minoritário (vd. Diário de Notícias, de hoje, p. 5), o que diz bem sobre a sua figura, noção de estabilidade política, confiança que pode transmitir aos portugueses numa altura de crise como a que atravessamos – só pode ter estado à conversa com Miguel Relvas e o Santana da Figueira – e a ideia (qual?) do que poderá vir a fazer nessas circunstâncias.

Bem sei que o líder do PSD se reuniu com Rui Rocha, mas depois daquela outra manifestação, misto de ingenuidade política e espírito de surf fácil, de que a Iniciativa Liberal começa ultimamente a dar mostras, com a visita de um tal de Tiago Paiva à Assembleia da República, que acabou com um pedido de desculpas e um vídeo no YouTube, não será fácil recuperar o que tem vindo a perder em tão pouco tempo para conseguir dar uma imagem de um pouco mais de seriedade para quem aspira ser o fiel da balança.

Chega, Bloco de Esquerda e PCP continuarão sem saber muito bem o que fazer. Se o primeiro se dedica às suas especialidades, berrar sem sentido enquanto promove garraiadas parlamentares e os marialvas lançam piropos e insultam quem passa, já o BE continua à procura de uma liderança e de uma agenda, vendo “a juventude” do PCP discutir, na mesa dos fundos, a queda do Muro de Berlim e as teses para o próximo congresso.

O panorama não é brilhante. Prever o futuro também não é a minha praia.

O baile ainda não acabou, o espaço não abunda no palco e há muita gente aos saltos. Porém, de uma coisa poderemos estar todos certos: não vai ser fácil perceber quem, a partir de agora, estará disposto a querer brincar aos governos antes de sair de cena, de ser “remodelado” ou de ir a votos.

Bem sei que agora será mais difícil ver o Aramis do brinco por aí, de espada em riste, em duelos de norte a sul, sendo por isso mais difícil admitir que algum dia chegará a superior geral dos jesuítas do Rato. Mas se ainda tiver aspirações a tal, convém que não se esqueça que Augusto Santos Silva já está de volta da Ucrânia, não se sabendo quando irá à Venezuela; Carlos César tem uma especial apetência por microfones; o ministro Adão e Silva, além de especialista em rock alternativo, possui uma vasta experiência a virar discos nas noites de Lisboa, e o SIS pode sempre voltar a emitir um comunicado se lhe disserem que de uma janela de São Bento saiu um computador a voar. Ele que se cuide.

Quanto ao Costa, a partir de agora é usar um capacete. Daqueles amarelos das obras. Já o tenho visto com alguns, e sempre a rir-se. Até ver.

A TAP é o maior partido da oposição

Pedro Correia, 03.05.23

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Como é óbvio, António Costa decidiu ontem romper a relação institucional com o Chefe do Estado só com um objectivo: forçá-lo a dissolver sem demora a Assembleia da República e a convocar eleições legislativas antecipadas.

Com a dissolução, cai a legislatura. O que implicaria o fim prematuro da comissão parlamentar de inquérito à TAP, de longe o maior pesadelo do primeiro-ministro. Ao ponto de podermos hoje dizer que o maior "partido de oposição" ao poder absoluto do PS tem a sigla TAP.

Se o inquérito parlamentar em curso chegar ao fim, os actuais sintomas de agonia do governo irão acentuar-se - como vêm alertando socialistas mais atentos, incluindo Carlos César, Alexandra Leitão, Francisco Assis e Sérgio Sousa Pinto.

 

Naturalmente, agora que a guerra entre Belém e São Bento deflagrou, Marcelo Rebelo de Sousa não fará a vontade a António Costa: vai dissolver, sim, mas apenas no momento em que entender. Que será, não por coincidência, quando der menos jeito ao primeiro-ministro

Só depois de Costa engolir até à última gota as conclusões do inquérito parlamentar à TAP - onde ainda irão desfilar Pedro Nuno Santos, Hugo Mendes e João Galamba, entre outras luminárias socialistas metidas até ao pescoço na monumental trapalhada em que a gestão desta empresa pública se tornou. 

 

Costa pagará com juros a sua bravata de ontem, comportando-se perante os portugueses como se comesse Marcelo de cebolada a pretexto de segurar in extremis um dos ministros mais desacreditados do actual elenco, algo tão desproporcionado que soa a falso desde o primeiro minuto. Entrámos numa nova etapa, nada edificante: um dos piores conflitos institucionais de que há memória entre um Governo e um Presidente - logo este, que durante cinco anos quase levou o Executivo ao colo. Episódio digno de figurar em qualquer antologia da ingratidão.

De Gaulle dizia que o poder usa-se, não se delega. Mas Costa é fraco aprendiz do velho general: a bravata irá sair-lhe cara. Mais cedo do que pensa.

O país de papelão*

José Meireles Graça, 21.04.23

Helena Garrido, que não tem a reputação de ser uma feroz reaccionária, fez há uns tempos  um excelente libelo contra o Governo de António Costa. Não era, nem podia ser, exaustivo, senão o artigo ficaria demasiado extenso. Mas falava da TAP, da “reversão” da austeridade, da distribuição de dinheiro para manter eleitores, dos empregos para rapazes e raparigas do PS, da captura do Estado, da descapitalização, degradação e desmoralização dos serviços públicos, da Educação que teve 7 anos de sucessivos anunciados progressos para (conclusão minha) chegar à derrota final, e ainda da habitação, sector que agora o Governo tem envidado esforços para acabar de demolir.

A isto acrescentou um sortido de asneiras demagógicas costianas, apesar do que, se feito por mim, o libelo seria muito mais virulento – o nosso Primeiro é uma manifestação evidente do princípio de Peter, sendo que no caso dele a presidência da Câmara de Lisboa já foi o patamar que não deveria ter ultrapassado, e onde a sua vacuidade só não foi notada por ser quase uma tradição nas funções.

E também não deixaria de falar em impostos, cujo nível é suicidário para um país como o nosso, nem no peso do Estado que é para todos os países uma mochila necessária que carregam às costas mas cuja dimensão num caminhante débil que precisa de andar mais depressa que os outros é um factor determinante do arrastar de pés.

Sucede que o Estado, que Costa engordou, e os impostos, que o celebrado Centeno aumentou enquanto catedratizava sobre a fantasia de os estar a reduzir, e que a inflação agora engorda ao mesmo tempo que o Governo “dá” umas migalhas sortidas para não deixar fugir eleitores, fazem parte do pacote de problemas cuja resolução é necessária para sair do marasmo. Vamos sair? Claro que não, até onde a vista alcança, mas talvez um pouco, se o PS for varrido.

Ao contrário do que se diz, Costa sempre teve uma ideia para o país, que partilha com boa parte do PS, do PSD, da comunicação social e da intelligentzia. Há diferenças entre a esquerda que o PS representa (a outra é ou fóssil ou demente) e a chamada direita, mas sobretudo de grau, não de essência. Mesmo que esta diferença fosse suficiente para reverter a colonização do aparelho de Estado pela cáfila voraz dos portadores do cartão PS, fazer alguns modestos cortes na despesa inútil que permitissem dar algum sangue ao anémico SNS, estancar o crescimento do Estado, cortar nas tácticas desonestas dos focus groups, e de modo geral conferir à política um módico da nobreza e decência que não tem tido.

Quem quiser ver que ideias são essas para o país defendidas consistentemente poderia entreter-se a exumar as prestações de António (como lhe chamavam carinhosamente os companheiros de painel) na Quadratura do Círculo. Exercício aliás pedagógico para os eleitores que votaram e revotaram naquele mal-entendido em forma de pessoa, tal é o abismo entre o país ambicionado e o real.

Uma é a educação. Guterres, sempre a esponja da intelectualice pateta que anda no ar da modernidade de esquerda, que deixou, juntamente com o pântano, a memória da paixão pela educação que abrasava o seu coração engenheiral, achava que era ela a mola do desenvolvimento. E deixou essa herança, que Costa glosa de mil maneiras. Porém, se sem educação não é possível desenvolvimento, daí não decorre que a educação, por si só, o promova. De resto não há nenhum factor isolado, absolutamente nenhum, que por si seja a pedra filosofal do desenvolvimento

Os países comunistas sempre privilegiaram a educação, mas foram pela escada abaixo sobretudo por não terem podido produzir sociedades que economicamente pudessem competir com o Ocidente. E as resmas de arquitectos e dentistas, por exemplo, que agora produzimos e que nos custam os olhos da cara vão alimentar o Dubai, o Reino Unido e outros lugares, mas a terra que os formou não. Assim como todos os anos as universidades despejam no mercado gestores e economistas que se distinguem por não fazer empresas, embora estejam prontos a ministrar conselhos a quem as fez e a engordar os organismos onde se projecta o futuro e se criam empecilhos ao sector produtivo. As empresas nascem onde não há entraves à sua criação, existe capital disponível, liberdade económica, respeito do direito de propriedade, que inclui uma fiscalidade que não seja predatória, tribunais (e câmaras municipais, e autoridades disto e daquilo) que funcionem, não se tenha a pretensão de inventar um capitalismo sem defeitos nem desigualdades, e muitos outros requisitos – todos identificados avulsamente há muito.

Outra é a formação, parente da primeira, e assenta no equívoco de se achar que o poder sabe, mas os empresários não, quais são as formações necessárias. Daí que uma parte dela seja eventualmente útil; e a maior parte consista em pessoas que fingem que ensinam a pessoas que fingem que aprendem conhecimentos que de todo o modo não servem para nada. Um entendimento correcto das funções do Estado consistiria nisto: Querem os empresários fazer formação porque dela precisam? Façam-na – à custa deles e sem ajudas.

Outra é o apoio da Europa, que se materializa em subsídios. Já é assim desde 1986 e o bodo sempre se destinou a assegurar a convergência, a qual já existiu num período relativamente curto mas se esfumou entretanto – há mais de 25 anos, com excepção daqueles em que, por causa das dificuldades da Alemanha e da Itália, se deu uma ilusória aproximação à média. Extraordinário que se acredite que é com subsídios a fundo perdido que as diferenças se esbatem: o Norte da Itália é, comparativamente ao Sul, rico, e assim se mantém não obstante as transferências de meios; e os países que escalaram lugares no desenvolvimento dentro da EU não dispuseram de mais abundantes recursos alheios que nós, que deslizamos em direcção ao produto por cabeça da Albânia. Ao qual sem dúvida chegaremos se o eleitorado continuar a ser comprado a esmolas que acredita serem triunfos e munificências que julga não lhe saem do bolso.

Claramente: O mecanismo dos subsídios garante o poder da burocracia europeia (ao qual não nos podemos subtrair porque Portugal, embora não se tenha ainda reparado, há muito deixou de ser um país independente), o da burocracia política caseira, isto é, o PS e o PSD, o das agências governamentais que vivem da selecção das candidaturas, e o dos gurus da economia que têm visões para o país, todas redentoras, todas a apostar que agora é que vamos dar o salto, e todas falhadas. O exemplo mais recente é o PRR, que está a servir para financiar o Estado e dar uma aparência de crescimento, que porém não será sustentável (com perdão da expressão, tirada do jargão de economista).

Garante isto. E também a corrupção, o financiamento da concorrência desleal e a torrefacção de fundos em projectos ocos ou faraónicos. Finalmente, e talvez não em último lugar, a ideia de que o investimento privado é uma coisa que não é pensável sem apoio do dinheiro dos contribuintes é um dano permanente à sanidade da economia.  

Outra é o papel central do Estado. O Estado de Costa sabe, os cidadãos, mormente os empresários, ignoram. E é precisa a mão reguladora, permanentemente em estado de diarreia legislativa, que diz o que se deve produzir, onde, de que forma, com que regras, tudo salpicado de autoridades e multas, as primeiras pesporrentes e metediças, as segundas terroristas.

Outra é a igualdade. A igualdade é uma maldição de esquerda que a direita comprou. A dignidade humana impõe que não haja pessoas na miséria, e que o mínimo de subsistência, ajuda na saúde, na justiça e na educação estejam assegurados. Mas lá onde a obsessão com a igualdade económica implica, como entre nós, praticamente o achatamento da classe média e a decapitação dos ricos, e por conseguinte da acumulação de capital, o que sobra, na ausência de crescimento, é a distribuição da pobreza para uns, e da mediania pobreta para outros. Estes últimos, se tiverem formação (e têm, crescentemente) e forem novos dão à sola para mais verdes pastagens. É uma das realizações de Costa, e o mais seguro testemunho, pelas suas consequências, do manto negro que pousou sobre o país.

Outra são as gloriosas conquistas de Abril, em particular o SNS. Este serviço, por ter sido concebido como universal e gratuito, só pôde funcionar nesses termos enquanto a dívida pública crescia sem rei nem roque, e distinguiu-se por progressos assinaláveis nos indicadores de saúde. Desde a falência socratiana, porém, o PS interiorizou a convicção de que não é boa ideia ignorar os credores e os nossos patrões europeus. E logo o SNS mostrou o ligueiro, sendo agora uma ruína grotesca, tão completa que a maior parte das camas já estão no sector privado; e a verdadeira saúde tempestiva é coisa para quem a pode pagar depois de ter pago os impostos que sustentam a outra. Há um sítio, um sítio apenas, onde o socialismo funciona bem – é no papel.

Há mais, muito mais: a economia circular, as energias renováveis para combater o aquecimento global, e dezassete outras ideias moderníssimas que vamos seguir dando o exemplo a um mundo admirativo, desde que a UE apoie – e apoia, graças a Deus. Daqui a dez anos as ideias serão outras, como as de hoje não são as mesmas de há vinte.

De modo que não é verdade o que, sobre Costa, diz a Helena:

“Sim, temos alguns objetivos com os quais todos estamos de acordo, entre eles aumentar o rendimento por habitante e especialmente reforçar o peso dos salários no PIB. Mas como é que lá vamos chegar? Não sabemos e temos todas as razões para crer que o Governo também não sabe”.

Eu, que se me perdoe a petulância, sei alguma coisa. E também a sabe Helena Garrido e todos os que, não sendo comunistas nem aparentados, ganharam alguma impermeabilidade à propaganda, que, juntamente com a eficácia terrorista da AT, são os únicos sectores em que os dois últimos governos brilharam.

Crescer? Costa não sabe, mas tem a excelente desculpa de nunca ter sabido.

* Publicado no Observador

A resposta é sempre a mesma

Paulo Sousa, 06.04.23

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É aceitável deixar mais de duzentas pessoas penduradas em Maputo, como resultado de um voo adiado por motivos políticos?

É aceitável acabar com as PPP na saúde, mesmo sabendo que nesse modelo de gestão se consegue prestar melhor assistência aos cidadãos e com menor custo para o contribuinte?

É aceitável empurrar, sem qualquer planeamento, o SEF para um limbo de incapacidade apenas para tentar defender um ministro de uma situação indefensável? 

É aceitável consumir 1/3 do orçamento do Ministério da Educação para salvar uma empresa “estratégica” (as caravelas do Sec. XXI !!) para que, logo depois de se saber que esse valor foi perdido para sempre, se opte pela sua re-privatização?

É aceitável virar portugueses contra portugueses, inventando culpados para tudo o que corre mal, mesmo tendo governado em 70% do tempo desde 1995? Os culpados vão variando ao longo do tempo. Podem ser os turistas, o alojamento local, os senhorios, os supermercados, as empresas ou os partidos que não estão no poder.

É aceitável atacar as escolas com contrato de associação, dizendo defender a ”escola pública”, quando se tem os filhos no Colégio Alemão?

É aceitável anunciar grandes dotações orçamentais para tudo e mais um par de botas, para depois, além de não cumprir com o prometido, se recuar para os valores de há muitos anos atrás?

É aceitável que membros do governo se reúnam para combinar estratégias com Oliveira e Costa, Dias Loureiro, João Rendeiro ou Ricardo Salgado, na véspera destes terem sido inquiridos em comissão parlamentar de inquérito? (A reunião com Christine Ourmières-Widener é em tudo comparável a estes meus exemplos).

A resposta é sempre a mesma:

- Se isso for do interesse do PS, é óbvio que sim. Os interesses dos portugueses e o asseio democrático são variáveis que não pertencem à equação do poder do actual PS.

Deixei muitas outras perguntas por fazer. Alguém me pode ajudar a completar o postal?

A força da falta de carácter

Paulo Sousa, 27.02.23

No passado dia 21 de Maio, António Costa deslocou-se a Kyiv numa visita diplomática em que pretendeu mostrar o apoio de Portugal à dificil situação que se vive na Ucrânia.

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Foto Jornal de Negócios

Bem sabemos como é fácil uma pessoa se entusiasmar com o calor do momento. E bem sabemos também, quão farto está António Costa das tricas da política tuga, dos seus casos e casinhos, de aturar jornalistas avençados e mais farto ainda de aturar os que não aceitam avenças. Não será necessário um grande esforço para imaginarmos como lhe deve ser agradável mudar de ares de vez em quando. Do ponto de vista profissional, olhando para o que já fez na vida, ele anseia é por aquilo, por viajar, cumprimentar, sorrir, prometer, dizer banalidade redondas e logo depois seguir viagem. Aturar jotinhas radicais disfarçados de gente séria? Fonix. Quem quiser que os ature.

Ter estado ali, ao lado de Zelenski, é mesmo por aquilo que ele anseia. Acelerar a fundo contra a realidade é a estratégia que já delineou. O mandato de Charles Michel termina a 30 de Novembro de 2024, o relógio não pára e até lá tem de se livrar dos parolos.

Em Kyiv, no calor do momento, Costa não foi curto nas promessas e toca de garantir uma ajuda portuguesa de 250 milhões de euros. A foto ao lado do presidente ucraniano já ninguém lha tira e já estará, certamente, na sua galeria pessoal, entre uma foto dele com o Cristiano Ronaldo e outra com José Sócrates.

Entretanto, já regressado ao que Eça classificou como choldra, alguém lhe terá dito que tinha estado a fazer contas e tal, e como as coisas estão sempre mudar, também ele teria de ajustar a promessa. Costa podia contrapor com aquela conversa da palavra dada, mas Zelenski nem sequer vota cá, que se lixe.

Com o savoir faire reservado aos habilidosos, António Costa não quis assim deixar de assinalar o aniversário da invasão russa e por isso ajustou a promessa feita para 55 milhões. É poucochinho, mas é de boa vontade.

A justiça dos patrícios

Paulo Sousa, 24.02.23

Segundo o Expresso, o julgamento do ex-primeiro-ministro está paralisado devido a uma falha do atual Governo.

Entretanto, em 2024 alguns dos crimes de que é acusado, irão prescreve.

Estou certo que os mais convictos apoiantes do poder socialista justificarão esta falha como resultado da incompetência que já assistimos em tantos outros casos, e não a um propósito deliberado.

Eu acho que os socialistas no poder são muito incompetentes mas, antes disso, têm também um forte sentido gregário de protecção mútua. Por isso, atrevo-me a afirmar que se António Costa não dissesse o que disse quando visitou Sócrates na prisão (que ele era um lutador naquilo que acreditava ser a sua verdade – a frase politicamente mais mortífera da última década), agora não lhe poderia fazer “o jeito” de o poupar a um julgamento.

Pelo caminho António Costa já o acusou de “aldrabar” o PS. Para o partido que tomou o poder em Portugal, essas afirmações serão o julgamento que conta. E que a justiça dos plebeus não se atreva meter o bedelho onde não é chamada.


Foto: DR

Qual será o próximo a sair de cena?

Pedro Correia, 16.02.23

A análise política que importa

Paulo Sousa, 04.02.23

Ouvi há pouco em podcast a última edição do programa Geometria Varável da Antena 1 em que todas a semanas Maria Flor Pedroso com Nuno Severiano Teixeira e Carlos Coelho analisam os assuntos que acham mais relevantes. Entre outros assuntos, um dos pontos abordados esta semana foi a mais recente entrevista de António Costa à RTP. Sobre ela Nuno Severiano Teixeira disse o seguinte:

- Eu acho que nesta entrevista o Primeiro Ministro esteve bem, particularmente nos aspectos performativos (…). A dimensão performativa é nesta entrevista a mais importante (…), porque o décor onde ele estava era bonito e sóbrio, muito sóbrio, bom design português, boa pintura, as cadeiras não eram cadeirões e, portanto, ele não estava recostado, estava numa posição de respeito para com o seu interlocutor, e isso é importante.

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Algures pelas redes sociais já tinha também tropeçado noutro ponto importante desta entrevista, que provavelmente terá passado despercebido ao comum cidadão, e que consistiu no facto de António Costa ter mudado de óculos. Nuno Severiano Teixeira, ficou-se pela decoração e não aprofundou a sua análise à estética pessoal do entrevistado.

Eu, que apenas prestei atenção às reacções da entrevista, tenho a dizer que sendo fraco comentador de entrevistas, o sou ainda mais fraco de decoração e mobiliário. Sobre os óculos, acho que António Costa fez mal em trocá-los, pois era a parcela da sua imagem que menos me custava a suportar.

Outra promessa de António Costa a voar

Do programa eleitoral do PS em 2015 à governação actual

Pedro Correia, 24.01.23