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Há algum tempo botei aqui sobre o livro de António Cabrita, "A Maldição de Ondina", uma trama maputense originalmente editada no Brasil. Agora o Cabrita foi a Portugal, presumo que a banhos, e aproveita para presenciar a apresentação pública da edição portuguesa, na casa Abysmo. O evento acontecerá para a semana, o convite está aqui, informação para quem se encontre nos arredores naquela data (25 de Setembro). Não acredito que aconteçam chamuças (a crise e o etnocentrismo gastronómico dever-se-ão potenciar mutuamente) mas presumo que haverá verve. E livros.
(Re)acabei agora este "A Maldição de Ondina" de António Cabrita. O autor, patrício imigrado em Moçambique há uma série de anos, que o XXI vai passando, poeta, prosador, jornalista, argumentista, crítico, professor, bloguista, editor, tradutor, vai tendo por cá uma actividade intensa, constante e profunda, afixada em vários livros, disseminada em múltiplos textos, um ritmo que não lhe prejudica densidade e ponderação. Este romance, publicado inicialmente no Brasil (Letras Selvagens, 2011) sairá em breve em Portugal (Abysmo), e também por isso aproveito esta nossa "série" no Delito de Opinião para o anunciar, coisa que vem do interesse do livro e desta vontade de amiguismo, que o Cabrita é um tipo que vale a pena e também porque se o bloguismo vale para algo é para dar uns abraços a quem nos apetece.
Aqui deixa o seu olhar, desencantado parece-me, sobre o seu Moçambique, esse onde nos encastramos. Um verbe mais depurada do que a sua habitual. Sem pitada de exotismos, das belezas tropicais ou das pobrezas bíblicas, sem mistérios austrais ou abismos pós-coloniais, utopias desvanecidas ou boas causas, mais ou menos poetizadas, que abundam em tantos outros. Com recurso a uma linha policial - e nisso, só nisso, se aparentando a algumas outras construções ficcionais portuguesas recentes sobre o país -, que acaba por ser apenas o fio de prumo para equilibrar as múltiplas variáveis do bailado melancólico que avassala as personagens.
Um manifesto iluminista, até expresso no título, em que o Cabrita se insurge com a persistência da história (de uma tradição moderna, direi), que vê como desagregadora, violadora da reciprocidade necessária ao bem comum, comunitarista que assim se desvenda o autor. Ainda assim, talvez paradoxal, europeu desiludido, deixando entender como é a prática africana que alimenta a acção europeia - é assim que vejo a articulação entre os dois protagonistas, o moçambicano Raul e o pós-moçambicano César (neste habitando algo do próprio autor, digo eu). No final, optimista trágico (?), deixa o autor a ténue esperança de uma mitigada redenção.
Raramente gostei tanto de um livro com o qual tanto discordo. Leiam-no, é a minha palavra.
E a seguir virão as (actuais) leituras da Laura Ramos.