Foto: Bruno Gonçalves / Sol
Uma entrevista pode ser um grande momento de televisão. Aconteceu na semana passada, no primeiro canal da RTP, no programa Grande Entrevista. António Barreto - um dos genuínos senadores portugueses - pensou em voz alta, durante quase uma hora, sobre algumas das mais relevantes questões nacionais. Com a eloquência habitual e uma notável capacidade de articular ideias. Sem enrolar palavras, sem fazer vénias, sem receio de dizer aquilo que realmente pensa.
Enfim, um sábio. Em diálogo com o jornalista Vítor Gonçalves, hoje um dos melhores entrevistadores da televisão portuguesa. Alguém que está ali realmente para ouvir os entrevistados e não para se ouvir a si próprio - o que vai sendo cada vez mais raro.
Gostei tanto que partilho convosco alguns excertos desta Grande Entrevista. Recomendando, de qualquer modo, que escutem a versão integral. Vale mesmo a pena. Por ser verdadeiro serviço público.
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«A dimensão [deste pacote financeiro de emergência da UE para enfrentar a crise pandémica] é muito superior à do Plano Marshall americano, depois da guerra, para toda a Europa. Haver um plano de recuperação económica que ultrapassa largamente a dimensão financeira do Plano Marshall é impressionante.»
«Lamento imenso ouvir pessoas dizer que querem "aproveitar a crise" da doença. Para acabar com o capitalismo, para criar Deus sabe o quê, para resolver os problemas... As crises não se aproveitam: o melhor é tratar delas. Ultrapassar a crise para voltar a adquirir meios para encontrar as soluções.»
«Os países do Norte [da Europa] têm razão quando exigem fiscalização e supervisão [das verbas]. Primeiro, e sobretudo, porque é dinheiro deles. Depois porque é dinheiro europeu, de nós todos. E em terceiro lugar porque emprestar ou dar sem saber para que serve é quase criminoso. Dizer isto em Portugal passa quase por traição à pátria, o que não me incomoda.»
«Parece uma especialidade nossa: nós perdemos muito tempo com a guerra colonial, com a revolução, com a nacionalização da economia, com a reprivatização da economia. Há cerca de 20 anos que o crescimento português é praticamente nulo.»
«Quase todos os países da Europa Central e Oriental que entraram depois de nós [na UE] souberam fazer mais rapidamente as reformas, souberam [criar] economias mais competitivas, souberam encontrar soluções adequadas e não ficaram eufóricos com a adesão. Portugal perdeu muito tempo, muito tempo, muito tempo.»
«Precisamos de quantidades enormes de capital de investimento, sobretudo privado. E de investimento produtivo novo, não é chegar cá e comprar o que já existe. É preciso fazer novas empresas, novos produtos, novas indústrias, novos edifícios... Mas precisamos de quantidades colossais. Se só tivermos este balão de oxigénio [da UE], não chega. Daqui a dez anos vamos encontrar a mesma vulnerabilidade, o mesmo tempo perdido.»
«[O caso BES] é um dos maiores crimes cometidos na história de Portugal, se tudo aquilo for provado. Crime de roubo, crime de desvio, crime de esbulho do País, das classes sociais que trabalham, esbulho do Estado, utilização intensiva de todos os meios de corrupção, de compra, de venda... Não há na história portuguesa nada que se pareça com isto... Eles contribuíram para dar cabo de Portugal.»
«Não devemos esquecer o que se passou nesses dez anos: o ciclo Sócrates mais as crises financeiras, mais a bancarrota (nós ficámos a dias da bancarrota), mais a austeridade, mais toda a questão dos fogos florestais, que parece de somenos mas não é. O BES, por cima disto tudo. E agora a pandemia. Este conjunto de fenómenos em dez anos é destruidor de uma geração, é destruidor do País.»
«Era bom conseguirmos castigar quem deve ser castigado. E há muita gente para ser castigada. Se a nossa justiça estiver à altura - e eu não sei se está - era bom castigar para dissuadir e para resolver este problema da corrupção, do nepotismo, do favoritismo e do esbulho dos recursos nacionais.»
«O BES foi autor, ou ajudou, ou empurrou, ou acarinhou a destruição do que havia melhor em Portugal do sistema financeiro, do sistema industrial e do tecido empresarial. Nas grandes destruições - estou a pensar na PT, por exemplo - esteve sempre o [Grupo] Espírito Santo.»
«Daqui a uns anos será interessante ver quem foi na conversa do Espírito Santo. Quase toda a gente: políticos, partidos, governos, empresários (pequenos, médios, grandes), quase toda a gente...»
«O Governo está num momento de ausência de oposição quase total, o que é péssimo. (...) Isto não faz bem nem a Portugal nem ao Governo.»
«O primeiro-ministro tem conseguido algumas vitórias importantes. Durar, já é uma vitória política. Tem sabido tratar com as oposições todas, tem sabido tratar com o Presidente da República, tem sabido libertar-se do pior deste Governo, que é a terrível herança Sócrates. Agora não tem nenhuma oposição séria, o que é muito mau.»
«Nunca vi um parlamento onde se berrasse tanto como o parlamento português. (...) Dar nobreza ao debate parlamentar era uma obrigação dos nossos políticos.»
«Vivi 40 anos em Portugal de concorrência institucional entre o Presidente e o Governo, aquilo que se chama - aflitivamente - o semipresidencialismo. Lembro-me dos problemas gravíssimos que houve entre todos os presidente e quase todos os governos. Estes [Marcelo e Costa] decidiram colaborar e cooperar. Aplaudo, acho bem. O País ganha com isso. Onde começa o problema? Da cooperação e da colaboração, é fácil chegar à cumplicidade. E creio que já lá chegámos. Não gosto da cumplicidade. Quero que o Presidente da República tenha recuo, altura, espaço para poder avisar, advertir, controlar, alertar, fiscalizar.»