Olhar para os animais e ignorar as pessoas
Sempre que se anuncia uma grande obra pública, o PAN está contra. Invocando motivos ambientais.
Após 55 anos de estudos, avaliações, documentos de todo o género, relatórios intermináveis, acaba de ser enfim anunciada a localização do futuro aeroporto que servirá Lisboa: o actual campo de tiro de Alcochete - na verdade pertencente aos concelhos do Montijo (75%) e de Benavente.
Reacção imediata do partido animalista? Quer mais estudos, mais relatórios, mais papelada, mais discussão, mais demora, mais paralisia. Como se cinco décadas e meia não bastassem. Porque - alega Inês Sousa Real - a decisão agora anunciada «não tem em consideração as preocupações ambientais nem a qualidade de vida das populações, nomeadamente quanto à produção de ruído».
Extraordinário. Nunca me lembro de ver este partido insurgir-se contra a manutenção do aeroporto da Portela, situado dentro do perímetro da cidade de Lisboa, rodeado de áreas residenciais. Cada vez que um avião descola da velha pista inaugurada em 1942 lança mais de uma centena de emissões de CO2 sobre a cidade. Acrescidos de «óxidos de azoto, partículas ultrafinas (penetram profundamente nos pulmões e são absorvidas pela corrente sanguínea, chegando a todo o organismo) e compostos orgânicos voláteis», como sublinha Pedro Nunes, da associação ambientalista Zero.
Além da poluição atmosférica, com péssimas consequências para o sistema respiratório, a manutenção da Portela provoca gravíssimos danos auditivos a quem vive ou trabalha na zona dos corredores aéreos. Cerca de 388 mil pessoas são directamente afectadas pela poluição sonora. Segundo a Zero, o nível de ruído dos aviões é «quase quatro vezes maior do que o limite previsto na lei». Incluindo durante a madrugada, quando há dezenas de descolagens e aterragens. Sei do que falo, porque vivo no bairro de Alvalade, talvez o mais afectado.
Sem esquecer que constitui ameaça gravíssima para a segurança dos lisboetas. Em concreto, para os 400 mil que frequentam diariamente as áreas percorridas a baixa atitude pelas aeronaves. Incluindo funcionários e utentes do Hospital de Santa Maria e da Biblioteca Nacional, além dos alunos de várias faculdades da Universidade de Lisboa e outros estabelecimentos de ensino, como o Colégio Moderno, o Colégio de Santa Doroteia e o Externato de São Vicente de Paulo.
Factor de perigo permanente: nestas décadas, esteve várias vezes para acontecer uma tragédia de dimensão incalculável sobre o centro da cidade. «Até ao fim do período de concessão do aeroporto, 2062, a probabilidade acumulada de haver um acidente aéreo grave em Lisboa é de aproximadamente 52%. Alguma desta probabilidade é de que o acidente aconteça dentro do aeroporto, mas em larga medida é fora, principalmente sob os corredores aéreos», acentua ainda Pedro Nunes, no Público.
É poluição ambiental que não preocupa o PAN.
É poluição sonora que não preocupa o PAN.
É um sério factor de risco que não preocupa o PAN, mais atento às avezinhas de Benavente do que aos seres humanos. E aos potenciais danos atmosféricos no campo de tiro de Alcochete do que aos reais danos para quem tem o seu lar, as suas salas de aula, o seu comércio ou o seu posto de trabalho em Lisboa.
Inversão total do que devem ser as prioridades de um partido político, esta de pôr os animais à frente das pessoas. Tento compreender tal lógica, mas confesso: não sou capaz.