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Delito de Opinião

Olhar para os animais e ignorar as pessoas

Pedro Correia, 15.05.24

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Sempre que se anuncia uma grande obra pública, o PAN está contra. Invocando motivos ambientais.

Após 55 anos de estudos, avaliações, documentos de todo o género, relatórios intermináveis, acaba de ser enfim anunciada a localização do futuro aeroporto que servirá Lisboa: o actual campo de tiro de Alcochete - na verdade pertencente aos concelhos do Montijo (75%) e de Benavente. 

Reacção imediata do partido animalista? Quer mais estudos, mais relatórios, mais papelada, mais discussão, mais demora, mais paralisia. Como se cinco décadas e meia não bastassem. Porque - alega Inês Sousa Real - a decisão agora anunciada «não tem em consideração as preocupações ambientais nem a qualidade de vida das populações, nomeadamente quanto à produção de ruído».

 

Extraordinário. Nunca me lembro de ver este partido insurgir-se contra a manutenção do aeroporto da Portela, situado dentro do perímetro da cidade de Lisboa, rodeado de áreas residenciais. Cada vez que um avião descola da velha pista inaugurada em 1942 lança mais de uma centena de emissões de CO2 sobre a cidade. Acrescidos de «óxidos de azoto, partículas ultrafinas (penetram profundamente nos pulmões e são absorvidas pela corrente sanguínea, chegando a todo o organismo) e compostos orgânicos voláteis», como sublinha Pedro Nunes, da associação ambientalista Zero.

Além da poluição atmosférica, com péssimas consequências para o sistema respiratório, a manutenção da Portela provoca gravíssimos danos auditivos a quem vive ou trabalha na zona dos corredores aéreos. Cerca de 388 mil pessoas são directamente afectadas pela poluição sonora. Segundo a Zero, o nível de ruído dos aviões é «quase quatro vezes maior do que o limite previsto na lei». Incluindo durante a madrugada, quando há dezenas de descolagens e aterragens. Sei do que falo, porque vivo no bairro de Alvalade, talvez o mais afectado.

Sem esquecer que constitui ameaça gravíssima para a segurança dos lisboetas. Em concreto, para os 400 mil que frequentam diariamente as áreas percorridas a baixa atitude pelas aeronaves. Incluindo funcionários e utentes do Hospital de Santa Maria e da Biblioteca Nacional, além dos alunos de várias faculdades da Universidade de Lisboa e outros estabelecimentos de ensino, como o Colégio Moderno, o Colégio de Santa Doroteia e o Externato de São Vicente de Paulo.

 

Factor de perigo permanente: nestas décadas, esteve várias vezes para acontecer uma tragédia de dimensão incalculável sobre o centro da cidade. «Até ao fim do período de concessão do aeroporto, 2062, a probabilidade acumulada de haver um acidente aéreo grave em Lisboa é de aproximadamente 52%. Alguma desta probabilidade é de que o acidente aconteça dentro do aeroporto, mas em larga medida é fora, principalmente sob os corredores aéreos», acentua ainda Pedro Nunes, no Público

É poluição ambiental que não preocupa o PAN.

É poluição sonora que não preocupa o PAN.

É um sério factor de risco que não preocupa o PAN, mais atento às avezinhas de Benavente do que aos seres humanos. E aos potenciais danos atmosféricos no campo de tiro de Alcochete do que aos reais danos para quem tem o seu lar, as suas salas de aula, o seu comércio ou o seu posto de trabalho em Lisboa.

Inversão total do que devem ser as prioridades de um partido político, esta de pôr os animais à frente das pessoas. Tento compreender tal lógica, mas confesso: não sou capaz.

Reflexão do dia

Pedro Correia, 19.03.23

«O idadismo é uma doença social que prova uma crescente desumanidade. Num mundo em que o cãozinho ou um gatinho provocam mais comoção do que um velho doente ou um refugiado, esta produção de mensagens que tem como objectivo afastar os mais velhos da vida política parece normal. Mas não é. (...) A transferência do afecto e preocupações, muito visível nos últimos tempos, dos humanos para os animais é um sinal de miséria e decadência.»

Ana Sá Lopes, no Público

Um visão sóbria sobre a nossa relação com os animais

Paulo Sousa, 13.01.22

Nestes dias em que a campanha eleitoral absorve as nossas atenções e o espaço mediático, a entrevista da rádio Observador a George Stilwell terá passado sem o destaque merecido.
Esta entrevista seguiu-se a uma outra a José Rodrigues dos Santos, em que o seu livro “O jardim dos animais com alma” foi assunto. Às páginas tantas o autor terá comparado os métodos de extermínio de Auschwitz com o que se passa nos matadouros. A partir deste tópico e olhando para o título do livro é fácil concluir a temática em causa. E que tal ouvir o que um veterinário tem a dizer sobre isto?
Fazer aqui um postal que resumisse a entrevista a George Stilwell seria redutor de tudo o que ali disse. Por isso, o melhor mesmo é ouvir a entrevista toda. Está também disponível em podcast.
Termino dizendo que a opinião positiva que tinha de George Stilwell, resultante de um curto contacto, saiu deveras reforçada.

A natureza fora das marquises

Paulo Sousa, 11.06.21

Um pouco por todo o mundo rural e longe da bolha urbana, os ataques de cães errantes em matilha são cada vez mais frequentes.

O aumento dos incidentes foi há dias notícia no quinzenário do meu município, O Portomosense. A foto que ilustra a notícia pode incomodar pessoas mais sensíveis.

A notícia retrata um desses episódios, dentro de uma sequência de vários. Para quem queira evitar a foto acima referida, passo a transcrever.

“O rebanho de Cesaltina Jorge foi atacado na noite de 7 para 8 de maio. Muito perto de sua casa, em Penedos Belos, seis ovelhas foram mordidas e sofreram ferimentos graves, sendo que três delas poderão ter mesmo a sua vida ameaçada, segundo nos explicou a proprietária: «Tenho três que, coitadinhas, não sei o que vai ser delas, andam a levar injeções… Andam aos pulos, não conseguem andar sobre as mãos da frente. Na parte de baixo da mão, estavam a deitar pus. Curo-as todos os dias antes de ir trabalhar», conta.

Cesaltina Jorge lembra que, naquela manhã de sábado, se levantou por volta das 7h30 e viu sangue na estrada. No entanto, não deu logo importância, «pensava que tinham atropelado algum cão». No entanto, quando depois voltou a prestar atenção, reparou que «o sangue era muito» e deu conta que «o portão das ovelhas» estava no chão. Quando chegou perto dos seus animais, percebeu que lhe faltava meia dúzia, que foi encontrar, espantados, em vários locais diferentes. A sua primeira reação foi ir ver os cães da vizinhança para procurar algum que tivesse sangue, mas em nenhum encontrou. Por isso, afirma que não faz ideia que cães atacaram o seu rebanho. «A minha vizinha diz que ouviu cães pequenos a ladrar durante a noite, eram cinco e tal da manhã. Como eu tinha tomado um comprimido para dormir, não ouvi nada», relata. Na mesma noite, segundo conta a O Portomosense, numa casa perto da sua, outro rebanho foi também atacado, registando-se igualmente seis ovelhas mordidas.

«Sou castigada quase todos os anos», refere Cesaltina Jorge, indicando que estes ataques são frequentes: «Já é a terceira ou quarta vez, no ano passado não aconteceu…», indica. O prejuízo, esse, é grande e acompanhado de tristeza: «Uma pessoa faz pelas coisas… Estava para matar três no final do mês e já não posso. Agora não podem ser mortas por andarem a levar injeções. E aquelas três estão muito mal, abro-lhes o portão e vêm de rastos, comem deitadas, é triste…», conclui.”

Ontem de manhã soube de outro ataque que ocorreu aqui perto de mim. As imagens são também violentas. As ovelhas de um vizinho, já com queixas anteriores, foram atacadas. Nesta última frase poderia acrescentar um advérbio, e ficaria assim: “As ovelhas de um vizinho (…), foram selvaticamente atacadas”. Dessa forma estaria a incorrer no pensamento dos animalistas, para os quais, tal como nos desenhos animados, existem os bons e os maus. E nós, que somos naturalmente bons, defendemos os nossos e abominamos os maus. Essa é a lógica maniqueísta de quem vive dentro da bolha urbana e que da natureza conhece apenas o que viu através dos écrans e ouviu em dolby surround.

Com os canis municipais cheios, os cães errantes são cada vez mais. Agrupam-se por instinto gregário e à solta na natureza tentam sobreviver. Por isso, para saciar a fome, reúnem-se em matilha e assim conseguem melhores resultados. Multiplicam-se ao ritmo da natureza e não há forma legal de os travar. Não atacam selvaticamente os rebanhos, pois simplesmente tentam sobreviver. É a lei do mais forte, e essa o PAN nunca poderá abolir.

Há dias num passeio pelas Aldeias de Xisto da Serra da Lousã passei pela Aigra Velha. Segundo os relatos dos seus últimos habitantes, a aldeia tinha um sistema de defesa contra lobos. À noite, a única rua da aldeia era entaipada e existiam ligações internas entre as casas de forma a se poder circular em segurança. Este mundo, em que o humano tenta sobreviver na natureza, onde luta de igual para igual com os animais, já não existe. Apesar disso, na moção Y apresentada no recente congresso do PAN, proclamam que "Interagir com outros animais permite-nos reconectarmo-nos com a natureza e pacificarmo-nos com a nossa condição animal". Certamente que estes autoproclamados defensores dos animais imaginam esta pacificação à escala das suas marquises e varandas. É nessa linha que decidiram tornar veganos os animais de companhia. É claramente mais um avanço numa linha utópica totalitarista. Assistimos assim à criação do “animal novo”, coisa feitas pelos iluminados, e tal como os soviéticos, não precisam de saber das necessidades ou preferências dos visados. A moral de marquise dos animalistas irá moldar as leis da própria natureza.

E é assim que estamos.

No dia em que alguém seja violentamente atacado, ou morra, na sequência de um ataque de cães errantes, estaremos mais perto da pacificação que defendem.

PAN = PS's pet

Paulo Sousa, 24.06.20

Como o Pedro Correia já aqui tinha referido, o PAN tem beneficiado de uma brandura de escrutínio, que explica a surpresa da recente ruptura do seu único deputado no PE.

Segundo o que o Observador apurou, os assessores políticos parlamentares deste partido eram remunerados pela Câmara Municipal de Lisboa dentro da rubrica orçamental relativa ao seu deputado municipal.

Além da questão do recurso aos recibos verdes, práctica criticada pelo partido, dos referidos assessores terem um email no domínio pan.parlamento.pt e ainda assim emitirem os seus recibos em nome do município lisboeta, temos o grande detalhe de que na prática a socialista Câmara liderada pelo Sr. Medina apoia a vida parlamentar deste recente partido.

Em política o que parece é e, perante isto, entendemos que a permanente sintonia política entre o PS e o PAN ultrapassa qualquer coincidência.

De tanto conviverem com os seus animais de estimação, os animalistas do PAN projectaram essa relação com o PS e acabaram por se tornar, eles próprios, num partido de estimação. Com trela, biscoito e caixinha de areia.

Quinta dos animais

José Meireles Graça, 11.11.19

A partir de certo momento na infância, e em toda a adolescência, éramos seis irmãos à mesa. Não havia mimos para ninguém, muito menos fora das horas das refeições, e portanto nunca ninguém sofreu de falta de apetite. Pelo contrário: o que havia era alguma atenção, não fosse algum dos mais velhos apropriar-se indevidamente de mais do que a sua ração.

Com a estadia de um primo angolano largado pelos pais durante quatro dias em nossa casa, fiquei a saber coisas portentosas: o primo em questão, para comer, precisava que lhe contassem histórias, porque sofria de fastio; e com esse meritório propósito existia em Luanda uma empregada que, abençoada, tinha um jeito especial para ultrapassar a dificuldade, narrando ao menino coisas de espantar.

O primo, na primeira refeição, não comeu nada; e, esboçando um princípio de choraminguice porque queria um bifinho, recebeu, no silêncio geral, um olhar severo do meu Pai, que o transiu.

A cozinheira, a quem se dirigiu fora de horas, informou-o de que não se comia a não ser à mesa ou ao lanche; e que este consistia numa fatia de sêmea e um copo de leite.

Na segunda refeição talvez tenha debicado alguma coisa; e ao terceiro dia era um de nós.

Esta experiência, que me revelou aos seis anos que havia estranhos mundos muito diferentes do meu, foi complementada algum tempo depois com outra ainda mais exótica: havia mães que, doentes de ansiedade pelo pouco que os meninos estavam dispostos a comer, e esgotados os artifícios – só havia sobremesa se comesse a sopinha, eram só duas colheres, se não comesse não crescia, etc. etc. –  lembravam que havia no mundo muitos meninos pretos, coitadinhos, a morrer de fome. O argumento perturbou-me porque não percebia por que forma é que o que ficava nas travessas haveria de chegar aos pretinhos – o meu primeiro livro era justamente sobre um menino que ia numa atribulada viagem de barco para África, e durava semanas.

O tempo explicou-me as coisas e acabei por perceber que acabar com a fome não depende de haver menos obesos, nem menos desperdício, mas da liberdade de comércio, das boas vias de comunicação e da gestão inteligente dos países. Dito de outro modo: em África, onde há fome sem guerra há governos corruptos e ineptos, quase sempre de esquerda porque foi a esquerda que patrocinou os movimentos de libertação.

Ou seja: a diminuição da abundância, ou da riqueza, de uns, não se traduz automaticamente no consolo de outros. E todavia:

Esta notícia ofende quem ache que os animais não são pessoas; e que é imoral que, no mesmo país em que tanta gente morre por falta de assistência médica tempestiva, se invistam milhões para prolongar a vida de cãezinhos e gatinhos.

Sempre tive cães, livres de entrarem e saírem de casa quando queiram, bem alimentados e tratados e, salvo no que toca a alguma disciplina básica de higiene e convívio, completamente deseducados. Mas nunca fui paizinho senão das minhas duas filhas; a lamechice de tratar os bichos como “filhos”, e a dona da casa como “mamã” dos bichos, suscita nojo; e a maneira correcta de tratar um animal em sofrimento, se a doença for incurável ou requerer dispendiosos e longos tratamentos, é abatê-lo sem sofrimento.

“A clínica abre agora ao público também com consultas de especialidade e meios de diagnóstico analíticos, radiologia convencional, ecografias e modalidades de reabilitação tais como electromioestimulação, magnetoterapia, ultrassons, terapias com laser e hidroterapia, entre outras, dedicadas a animais”.

Nem vou ver quantas câmaras hiperbáricas tem o país, que doenças tratam ao certo tais equipamentos, e de que montantes estamos a falar. E pode bem ser que esta loucura, se sustada, não se traduzisse em qualquer benefício, tal como a comida desaproveitada não alimenta ninguém.

Mas numa sociedade onde, entre consultas e cirurgias, há mais de 120.000 pessoas em lista de espera há mais de um ano; e onde as redes sociais estão pejadas de animais cuja etologia é ignorada, por ser substituída por antropomorfizações como se vivêssemos num filme de Disney: a notícia pode encher de regozijo os 166.000 votantes no PAN; mas de indignação os restantes.

Direitos sem obrigações

Paulo Sousa, 22.09.19

Ontem um cão de um vizinho conseguiu passar a rede que separa as duas propriedades e matou a nossa galinha preta. Chamávamos-lhe Unita. Quem não conhece o símbolo deste partido angolano achava que o nome era "bonita", o que também era verdade. Quando soube do desaparecimento dela fui perguntar pelo cão ao vizinho. Antes de chegar à porta dele encontrei logo o bicho no seu jardim a deliciar-se com a pobre da Unita.

Além da questão patrimonial que acabou por se acertar, questionei-me se a minha Unita, um dos nossos animais de companhia - com uma quase insignificante pegada de carbono - tinha perdido direitos pelo facto de ter sido atacada por um outro animal de companhia.

A lei protege-a de maus-tratos perpetrados por um humano. Li algures que um dos founding fathers dos EUA, corrijam-me se estiver errado no autor, disse que num sistema legal justo o mais fraco dos homens não tinha o que temer do mais forte e poderoso de entre os seus semelhantes.

O cão tem o direito de não ser mal tratado mas é inimputável quando dá largas ao seu instinto de caçador.

O que é que os founding fathers do animalismo têm a dizer sobre isto?

Os Verdes do Bloco

João Pedro Pimenta, 12.07.18

O frentismo, ou se preferirem, a criação de vários grupos, partidos ou organizações sob a mesma orientação ideológica (a que o Pedro já se referiu há uns tempos) é, como se sabe, uma das tácticas preferidas do PCP. Desde 1976 que o decano dos partidos portugueses não concorre sozinho, indo sempre à luta eleitoral "coligado" com outras formações, seja o já extinto MDP/CDE, sejam Os Verdes ou a associação política Intervenção Democrática, uma cisão do MDP cujo único membro conhecido é o sempre disponível Corregedor da Fonseca. E depois há as inúmeras actividades extra-parlamentares desenvolvidas pela CGTP, pelo CPPC, e restantes organizações satélite.

Aparentemente, na interessante luta pela hegemonia da esquerda mais radical em Portugal, o BE resolveu utilizar as armas do PCP e recorrer ao frentismo como forma de influenciar a sociedade. Para isso, tem também ele uma espécie de Verdes, que se distinguem da formação de Heloísa Apolónia por sempre terem concorrido sozinhos e porque na sua génese não tinham grandes afinidades com o Bloco. Chama-se ele PAN - sigla de Pessoas, Animais e Natureza - e tem um deputado no Parlamento chamado André Silva.

Nesta legislatura, raras são as ocasiões em que o Bloco e o PAN não votam nos mesmos projectos, ou em projectos próprios similares, como os sobre a eutanásia. Estiveram juntos na aprovação de animais domésticos em cafés, na mudança de género aos 16 anos, na legalização do cultivo de cannabis, e mais recentemente na tentativa de proibição das touradas, entre muitas outras. De facto, difícil é descobrir um assunto em que não tenham estado de acordo.Desconfio que Os Verdes estiveram mais em desacordo com o PCP do que o Bloco e a formação animalista. 

Claro que o PAN corre riscos, apesar da grande vaga actual para os animais: é que as pessoas tendem a preferir o original à cópia, e como tal a novidade PAN pode-se esgotar. Talvez por isso, é notório que o BE é mais assertivo nas questões mais fracturantes e de costumes, ou as económicas, e o PAN manifesta-se mais ruidosamente no que toca aos animais; na prática, estão quase sempre do mesmo lado.

Não sei se tudo isto é combinado ou coincidência, mas a verdade é que quase nada os distingue. É claro que o partido mais antigo e mais abrangente tende a dominar o mais pequeno, por isso o BE ficará sempre a ganhar. Veremos se continuam a concorrer separadamente, mas não me admiraria se para o ano já houvesse um qualquer acordo nas europeias. Se o PAN estagnar, o Bloco tem aqui uma oportunidade de explicitamente juntar mais um movimento ao seu agregado de partidos, substituindo desse modo a ausência da FER, e a formação de André Silva terá sempre alguns lugares assegurados. Cada partido tem Os Verdes que merece. E será mais um motivo para seguir o particular duelo do domínio da esquerda à esquerda do PS.

 

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Grandes animais

Pedro Correia, 28.04.17

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Nestas coisas nunca sei o que me choca mais: se aqueles que são capazes, aos milhares, de subscrever um abaixo-assinado contra o abate de um rottweiler que segundo fonte policial deixou  praticamente desfigurada uma criança de quatro anos na via pública (faltando saber se os mesmos ou outros militantes animalistas já se mobilizam em defesa de um arraçado de Serra da Estrela que arrancou uma orelha a outra criança, esta de nove anos), se aqueles que são capazes de desejar a morte de um menino de seis anos só porque teve a desdita de confessar que gostaria de ser toureiro.

Que uns e outros são grandes animais, não me restam dúvidas. Acrescento que, ao contrário do que os visados possam supor, isto não constitui um elogio.

Os talibãs e a tentação da carne

Pedro Correia, 28.03.17

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 Um touro desenhado por Picasso

 

Sinto uma aversão inata a todo o tipo de extremismos. Por mais em voga que estejam. Isto inclui o extremismo animalista, povoado de fanáticos com vocação para policiar comportamentos alheios. Não tenho a menor dúvida: hoje invadem ruedos e cercam ganadarias, exigindo a abolição imediata das touradas. Amanhã assaltarão instalações agro-pecuárias reivindicando o fim do abate de aves e gado. Depois de amanhã patrulharão restaurantes para impedir os incautos de consumir iscas ou bifanas.

As minhas últimas dúvidas dissiparam-se ao ler há dias, numa revista feminina, a exaltada proclamação de uma activista vegan contra os agricultores que se atrevem a colher leite em vacarias e ovos em capoeiras. Eis a tese marxista da luta de classes aplicada à relação entre o homem, as vacas e as galinhas. “Os animais trabalham indevidamente para servir os seres humanos”, escandalizava-se esta animalista, insurgindo-se contra o “stress e o sofrimento dos animais quando estão em fila para o sacrifício” em aviários e matadouros.

 

Se pudessem, no seu incansável proselitismo, estes devotos da rúcula e do agrião decretavam o consumo exclusivo de produtos macrobióticos. Aboliriam rodízios e encerrariam churrasqueiras. Proibiriam a extracção de mel das colmeias para não beliscar o labor das abelhas. A matança de porcos, frangos e coelhos seria rigorosamente interdita. No limite, todas estas espécies – só existentes pelo seu valor alimentício e, portanto, comercial – extinguir-se-iam, para deleite destes supostos defensores dos direitos dos animais. Antes vê-los desaparecidos de vez do que em “sofrimento potencial".

Como mandam as cartilhas, tudo isto ocorre em nome de autoproclamados princípios éticos, levando as falanges animalistas mais extremas a entrincheirar-se sem um esgar de hesitação contra os bípedes no milenar confronto entre homens e bestas. A exemplo daquela talibã “antitaurina” que nas redes sociais em Espanha desejou a morte imediata de um rapazinho doente de cancro só porque o miúdo teve a desdita de confessar que quando fosse grande queria ser toureiro.

“Devias morrer já”, assanhou-se a meiga patrulheira, acusando o menino de querer “matar herbívoros inocentes”.

 

Quem é capaz disto é capaz de tudo. Capaz inclusive de exigir a extracção compulsiva dos dentes caninos à população humana para evitar a proliferação do pecado entre quase todos nós, aqueles que continuamos a ceder à tentação da carne.

Já estivemos mais longe.