Pensamento da semana
Alguns animais têm mais sorte do que muitas pessoas.
Este pensamento acompanhou o DELITO DE OPINIÃO durante toda a semana
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Alguns animais têm mais sorte do que muitas pessoas.
Este pensamento acompanhou o DELITO DE OPINIÃO durante toda a semana
(créditos: daqui)
Confesso que ainda estou chocado.
Nos últimos dias tenho pensado muitas vezes no que aconteceu. E só de pensar imagino-me a contorcer-me e a sentir o sofrimento atroz que foi infligido a um homem, preso, que condenado à pena capital em 1988 assistiu 34 anos depois ao falhanço, com sequelas, da primeira tentativa para a sua execução, cuja macabra concretização só ocorreu há alguns dias.
Da primeira vez, em Novembro de 2022, o desgraçado estivera durante quatro horas amarrado a uma maca para ser depois devolvido à sua cela devido à manifesta incompetência dos seus carrascos, incapazes de encontrarem uma veia adequada para lhe injectarem o líquido letal antes de expirar o prazo para execução da sentença de morte.
A opção, desta vez, passou por fazer do preso uma cobaia e matá-lo por asfixia usando uma máscara para onde foi bombeado nitrogénio. Fazendo-o respirar o gás e sofrer até que a asfixia fosse completa, de modo que pudesse viver cada segundo de agonia a plenos pulmões. Com outros a assistir ao espectáculo do sofrimento, como se este fosse uma espécie de justiça divina carregando em si a reconciliação e a esperança.
É óbvio que quando um dos carniceiros que faz de Solicitor General do Alabama diz que o processo escolhido foi “o menos doloroso e mais humano que se conhece”, LaCour só mostra porque não passa de um primitivo saído do largo esgoto do trumpismo, com vasto cadastro em matéria de direitos humanos, que justifica a barbárie em pleno século XXI e os procedimentos macabros de execução do prisioneiro usando uma linguagem só compreensível para si e para cafres de igual linhagem.
Estranho, em particular, nesta miséria global em que vivemos e não conhece fronteiras, que tantas organizações devotadas à protecção e ao bem-estar animal não se tenham insurgido e manifestado em todo o lado e a toda a hora, com a mesma veemência com que o fazem contra as touradas, perante aquilo a que assistimos no Alabama, continuando todos sentados no conforto dos seus gabinetes, enquanto tomam um cafezinho e discutem a emergência climática com o vizinho que está de comando na mão a regular a temperatura do ar-condicionado ou a fazer zapping para ver as diatribes dos ignaros que por aí se dedicam a invadir museus e a destruir património que pertence à memória de todos os povos, pensando que com isso arregimentam adeptos para a sua causa.
Tirando uma ou outra peça nos noticiários, um artigo nos jornais e as tomadas de posição de algumas organizações de defesa dos direitos humanos, esta selvajaria, que remete os EUA e a Humanidade para um estado pré-animalesco, onde desprovidos de tudo, de intelecto, da mais leve racionalidade ou de qualquer sentimento conhecido, nos dedicamos à grotesca exterminação da nossa própria espécie, infligindo o maior sofrimento possível ao condenado, sem qualquer ponta de compaixão ou remorso, aconteceu sem que as nações que se consideram civilizadas se levantassem em uníssono a condenar o sucedido.
Ignorou-se a imposição de sanções, como tantas outras vezes se faz por questões menores, a começar pela União Europeia, e esqueceram-se de colocar os carniceiros numa qualquer lista de pessoas a evitar, impedindo-as de viajar e entrar em países terceiros, sujeitando-as internacionalmente a perseguição criminal.
Como se LaCour ou os executores do homicídio de Kenneth Smith fossem melhor que os projectistas da "Solução Final", os funcionários de Treblinka ou de Auschwitz-Birkenau, os suicidas do Hamas, os seus sósias da IDF, os carniceiros putinescos, a escória fardada do Mianmar, os talibãs afegãos, ou tantos outros vermes que andam por aí à solta sem que nada lhes aconteça.
Sim, porque se mais não se ouviu da parte dos defensores e das organizações protectoras dos direitos dos animais, não terá sido por falta de vontade, de meios ou de megafone, mas antes porque a preocupação com os maus-tratos às galinhas ou aos bovinos, inteiramente devida, certamente terá uma qualquer outra dimensão, inatingível para mim, que a torna incompatível com a protecção da nossa própria espécie e os remete ao silêncio.
Uma democracia que se preze, um Estado de direito, um país que queira ser visto pelos outros como civilizado e desenvolvido, não pode continuar a conviver com a pena de morte como se fosse uma qualquer teocracia fundamentalista ou uma dessas autocracias "democráticas" da Ásia. Muito menos permitindo execuções com o grau de sadismo imposto ao condenado do Alabama.
É em momentos como o que correu nos EUA que sinto verdadeiro asco por alguns dos meus semelhantes; como se não fossemos todos da mesma espécie, não tivéssemos direito a respirar o mesmo ar, numa espécie de sentimento misto de desprezo e revolta que com todas as forças procuro combater, para não ser como eles, e que jamais conseguirei compreender.
Antes o regresso à guilhotina, ao tiro na nuca ou ao pelotão de fuzilamento.
Nesta data celebra-se O Dia Mundial do Animal
"O Dia Mundial do Animal festeja-se anualmente a 4 de Outubro. Foi escolhida em 1931, numa convenção de ecologistas em Florença, dado ser dia de São Francisco de Assis, santo patrono dos animais e padroeiro da ecología.
Para promover os princípios da Declaração Universal dos Direitos do Animal, a Direcção–Geral da Educação propõe o debate das seguintes temáticas:
• sensibilizar a população para a necessidade de proteger e respeitar os animais e contribuir para a preservação das espécies;
• lembrar a importância dos animais na vida das pessoas;
• celebrar a vida animal em todas as suas vertentes."
Mais um dia dedicado aos nossos amigos animais, que nos acompanham, nos transportam, nos divertem, nos aquecem, vestem, calçam e alimentam. Na verdade a evolução humana deve tudo às outras espécies que sustentaram o seu crescimento a todos os níveis.
A 4 de Outubro assinala-se O Dia do Médico Veterinário
"No dia 4 de outubro de 1991 foi publicado o estatuto que criou a Ordem dos Médicos Veterinários. A data coincide no calendário litúrgico com o dia de São Francisco de Assis, santo protector dos animais, a quem são atribuídos milagres de cura.
Neste dia do veterinário são entregues pela Ordem aos novos médicos veterinários os diplomas de compromisso solene perante a sociedade do desempenho profissional."
Não tenho boas recordações das idas ao veterinário. Para as vacinas, os chips, etc, sempre foi o meu marido. Quando os bichinhos estavam em fase terminal, sempre me calhou a mim. Felizmente encontrei sempre pessoas boas, todas as vezes que aconteceu. Estou-lhes muito grata.
Este é O Dia Europeu da Depressão
"A Organização Mundial da Saúde estima que mais de 350 milhões de pessoas sofram de depressão à escala planetária. Só na Europa, haverá mais de 30 milhões de pessoas a sofrer deste mal. A depressão é uma das doenças mais comuns na União Europeia.
O tratamento é importante para conter a evolução da doença, sendo o suporte familiar e social um complemento importante do tratamento médico."
O stress é consequência ou causa da depressão? É uma pergunta tão pertinente como a do ovo e da galinha. Sabemos que uma coisa leva a outra. E que é necessário e urgente identificar e controlar.
No dia 4 de Outubro festeja-se O Dia da Vodka
“Em 1865, na Rússia, o renomado cientista Dmitri Ivanovich Mendeleev decidiu misturar álcool e água em diferentes proporções durante um ano. Depois de várias experiências, encontrou aquilo que seria o ideal: 40% de álcool e 60% de água.
A vodka é a bebida nacional da Rússia e da Polónia. Chama--se assim por ser o diminutivo de água em diversas línguas eslavas. O processo de fabricação da vodca é parecido com o do uísque, mas enquanto este último é destilado a baixas temperaturas - o que dá o sabor aos cereais -, a vodca é destilada a temperaturas elevadas e submetida a filtragens químicas para neutralizar os seus aromas, além de ter água adicionada à produção."
Bons tempos em que, para beber vodka e comer caviar à colher, num barco no meio do Neva num lusco-fusco de meia noite, não era necessário ser lambe-botas de um meia-leca nazi e insano, que se tivesse cabelo faria lembrar o Chucky...
(Imagens Google)
Hoje é O Dia Mundial do Mosquito
"Esta data recorda a descoberta de Sir Ronald Ross (1857-1932), em 1897, na Índia, da transmissão de malária ao homem pelos mosquitos fêmea. Desde 1930 que a London School of Hygiene & Tropical Medicine celebra este dia com exposições e outros eventos de divulgação. O objectivo principal do Dia Mundial do Mosquito é divulgar as causas da malária e esclarecer as pessoas sobre a prevenção, sobretudo nos países mais afectados por esta doença.
O mosquito continua a matar dois milhões de pessoas por ano no mundo. Podendo assim considerar-se um dos animais mais perigosos do planeta. Além da malária, também transmite a febre amarela, a filaríase e o dengue, entre outras doenças.
Dicas fundamentais para prevenir ataques de mosquitos, que são mais frequentes no Verão:
Serei uma vítima ou uma pessoa doce? A resposta a essa questão depende dos pontos de vista do agressor e do agredido. Para a mosquitagem devo ser um manjar dos deuses. Numa festa com 100 pessoas, muito provavelmente após um menu degustação, sou sempre eu a escolhida como prato principal. Parece que é coisa de família. O meu irmão veio de Cuba com cerca de 200 picadas nos braços e nas pernas após um jantar na praia. Eram bastantes os participantes, mas apenas ele foi jantado com requinte.
Não posso deixar de referir esses seres de culto nas nossas vidas, aos quais vulgo chamamos melga. Quem nunca experimentou uma noite de concerto de trompete? Não tenho ideia de animal mais irritante e enervante, que nos compele para a auto-agressão. Não existe repelente que nos salvaguarde de tal praga. Detesto insectos à minha volta, mas intrinsecamente, mais do que baratas ou moscas, odeio melgas.
Mas isso sou eu, que conheço muitas melgas.
A 20 de Agosto assinala-se O Dia Internacional do Animal Abandonado
"Esta data, assinalada desde 1992 no terceiro sábado de Agosto, visa promover adopção de animais abandonados e sensibilizar as pessoas para não abandonarem os animais.
Todos os dias são abandonados animais à sua sorte nas ruas, nas estradas ou no campo, ficando dependentes da bondade de estranhos ou de instituições de abrigo para sobreviverem. Em Portugal, são abandonados cerca de 10 mil animais por ano. Existirão hoje mais de meio milhão de animais sem dono no país.
Neste dia centenas de animais abandonados são transportados, por canis e associações, para locais públicos com o objectivo de lhes proporcionarem novos donos que queiram dar-lhes acolhimento em suas casas."
Abandonar um animal é um acto perverso. Com tantos canis e gatis a quem pedir ajuda, a falta de vergonha ou a impunidade de gente imbecil continua a não ter limites.
Há muitos anos tivemos uma cadelinha, a Delilah, uma rafeira arraçada em pequinois, que pariu duas vezes, ambas planeadas. Da segunda vez teve três canitos. Uma minha colega de escola que vivia com a irmã, o cunhado e o sobrinho no prédio em frente ao nosso tinha pedido para ficar com uma das crias. Assim foi. Era um encanto ver a ternura do animal e a alegria com que as crianças brincavam com ele. Cerca de dois anos depois, deixámos de ver o cãozinho. Perguntei à minha colega se tinha acontecido alguma coisa e ela respondeu, chorosa e a medo, que o cunhado o tinha levado quando foram à terra e o teria largado pelo caminho. Fiquei para morrer. Contei à minha mãe, que impotente para reverter a situação, mas revoltada, não se conteve em dizer umas verdades ao intragável familiar da minha colega. Não era boa pessoa. Contínuo numa escola de rapazes, era autoritário e mau. Não acabou bem. Por vezes penso que a providência tarda, mas não falha.
(Imagens Google)
Nestes dias em que a campanha eleitoral absorve as nossas atenções e o espaço mediático, a entrevista da rádio Observador a George Stilwell terá passado sem o destaque merecido.
Esta entrevista seguiu-se a uma outra a José Rodrigues dos Santos, em que o seu livro “O jardim dos animais com alma” foi assunto. Às páginas tantas o autor terá comparado os métodos de extermínio de Auschwitz com o que se passa nos matadouros. A partir deste tópico e olhando para o título do livro é fácil concluir a temática em causa. E que tal ouvir o que um veterinário tem a dizer sobre isto?
Fazer aqui um postal que resumisse a entrevista a George Stilwell seria redutor de tudo o que ali disse. Por isso, o melhor mesmo é ouvir a entrevista toda. Está também disponível em podcast.
Termino dizendo que a opinião positiva que tinha de George Stilwell, resultante de um curto contacto, saiu deveras reforçada.
O meu pai morreu novo. O passamento foi rápido e fulminante como uma vela que se apaga sem a chama tremeluzir. Para o meu pai acabou o mundo e para nós, os que ficámos por cá sem saber como reagir aquele vazio que de repente se instalou, começou uma dura caminhada de revolta, conformação e aceitação que dura até hoje, como um livro no qual não conseguimos escrever o capítulo final.
Meses depois da tristeza se instalar, decidiu a minha mãe arranjar um bichinho de estimação que nos distraísse e nos animasse. Depois de estudar e aprofundar várias hipóteses, decidiu-se, com o beneplácito do meu irmão mais novo, por um husky de olhos azuis, estouvado e brincalhão, que fez as delícias de miúdos e graúdos.
Veio para a nossa família com três ou quatro meses, um traquinas com pedigree e um nome todo pomposo e impronunciável na caderneta do Clube de Canicultura, mas como tinha uma mancha na fronte, passou a ser o Gorby, sem títulos nem berço. Era o nosso cão.
A casa dos meus pais em Belém num espaçoso terceiro andar, tinha a vista para o Tejo mais bonita das redondezas. Tinha também a escada mais íngreme e desgastante de subir de que tenho memória num prédio de três andares. Isto aliado ao gosto eclético da minha mãe por peças de decoração e mobiliário que atafulhavam profusamente toda a área, tornou a vivência do Gorby lá em casa algo limitada. Ao princípio, enquanto cachorrinho, esgueirava-se facilmente por entre os exíguos espaços vazios. Depois cresceu. Cresceu muito. A mesa da sala debaixo da qual gostava de se refugiar, perdeu em tamanho e tornou-se numa armadilha com a pesada pedra de mármore a cair com estrondo sempre que o Gorby se levantava e a carregava nas costas.
E ir á rua? Só o meu marido e os meus irmãos tinham arcaboiço para a proeza, pelo que se iam revezando todos os dias.
Passados cerca de dois anos, sempre dócil e brincalhão jogava qualquer de nós de cangalhas em brincadeiras, tal não era a sua força. Com a patas dianteiras nos meus ombros, quase ficávamos equiparados em altura. Todos os dia tinha ralhete por destruir qualquer coisa lá por casa.
Um fim de semana, o padrinho do meu irmão mais novo foi de visita à minha mãe e encantou-se com o Gorby. Morava numa casa com jardim ali para os lados da Fonte da Telha e ofereceu-se para levar o Gorby por uma semana para a minha mãe descansar. Tinha crianças pequenas e foi uma alegria. O Gorby esteve dois dias tristonho, com saudades, mas depressa se habituou aquela casa e aquela gente que tão bem o tratava e lhe dava espaço para correr e o levava em longos passeios na praia todos os dias ao entardecer.
Depressa entendemos que aquela semana de férias duraria uma eternidade e que o “lado de lá" se tornaria em peregrinação obrigatória de muitos fins de semana.
Falar no Gorby trouxe lágrimas por muito tempo, mas também exultação com os vários prémios que ganhou em concursos nacionais e estrangeiros e muitas gargalhadas com as histórias das suas tropelias.
Nunca se esqueceu de nós nem da nossa casa. Quando chegava nas imediações começava a ficar inquieto e a ladrar de satisfação. Cada visita era um acontecimento de afagos e lambidelas.
Viveu uns felizes 15 anos.
Nunca mais quis ter um cão.
A forsythia, ou forsítia, é um símbolo da Páscoa, na Alemanha. Floresce num amarelo vivo, fazendo lembrar a luz do sol e dando cor a uma época em que a Natureza se encontra ainda em hibernação. É um arbusto abundante, por aqui, pois aguenta frio, neve e gelo, mas também calor e alguma falta de chuva, no Verão.
Temos algumas forsítias no nosso jardim. Esta, ainda pequena, tem um significado especial para nós: as cinzas da nossa cadela Lucy foram espalhadas à sua volta, debaixo das pedrinhas. E agora, com a chegada de mais uma Páscoa confinada, ao deparar com a luminosidade das florinhas, lembrei-me de um texto que escrevi em alemão, sobre a Lucy, cerca de dois meses antes da sua morte. Foi escrito com a intenção de participar num passatempo organizado pelo jornal local de Stade, no Verão de 2019, intitulado Mein Tier und ich (“O meu animal e eu”). Consistia num pequeno texto a ser publicado, assim como a imagem do respectivo animal.
Decidi deitar mãos à obra, pois apanhou-me numa altura difícil, em que prescindíamos voluntariamente de coisas que gostaríamos de fazer, mal sabendo que, num futuro próximo, seríamos obrigados a prescindir de muito mais. Infelizmente, acabei por me distrair com o prazo e não cheguei sequer a enviar o texto.
Fui agora procurá-lo, já nem me lembrava bem do que tinha escrito. E resolvi traduzir para português as palavras gravadas a 11 de Agosto de 2019, quando, apesar das restrições que nos impúnhamos, ainda íamos ao restaurante, visitávamos parentes e amigos e actuávamos com o nosso coro. A Lucy morreria cerca de dois meses mais tarde.
«A nossa Lucy tem 15 anos e 9 meses, está surda e quase cega. Mas isto nem é o pior. O coração dela está muito enfraquecido, o que lhe provoca desmaios. Estes podem acontecer a qualquer momento, também a meio da noite e, por vezes, fazem-na ganir alto, acordando-nos em sobressalto.
A Lucy tem, porém, ainda qualidade de vida. Recuperada dos desmaios, readquire a sua alegria habitual. Come muito bem, não prescinde dos seus pequenos passeios e continua interessada em tudo o que se passa dentro de casa.
O Horst eu estamos muito presos, nem sequer podemos sair nas férias. A Lucy já não aguentaria uma viagem e, deixá-la aos cuidados de alguém, está fora de questão. Ela veio para nossa casa com apenas oito semanas de vida, não conheceu outra família. Além disso, a sua situação exige cuidados especiais. Os comprimidos têm de ser dados a horas certas, os seus desmaios não são fáceis de aguentar e, como toma um diurético, a fim de não acumular líquido nos pulmões, a bexiga funciona com frequência. Tem de se conhecer muito bem o ritmo dela e andar muito atento.
Antigamente, a Lucy era uma cadelinha muito activa e acompanhava-nos nas férias. Conhece meia Europa, viajou muitas vezes de carro entre a Alemanha e Portugal. Mas também nos acompanhou noutros passeios: caminhadas no Parque Nacional do Harz, no vale do Rio Mosela, pelos montes luxemburgueses, além de várias vezes ter andado no ferry-boat do Lago Constança entre a Alemanha, a Suíça e a Áustria.
Agora, que nada disto é possível, não a deixamos sozinha e tentamos tornar-lhe tão agradável quanto possível o tempo que lhe resta. Na sua fragilidade, ela confia totalmente em nós. E uma confiança destas não deve ser nunca traída».
A Páscoa também é confiança. Na vitória da vida sobre a morte.
Boa Páscoa!
Arturo Pérez-Reverte é um dos meus escritores espanhóis preferidos, entre os contemporâneos - a par de Javier Marías e Antonio Muñoz Molina. Autor prolífico, com uma longa tarimba de repórter de guerra, não padece de angústias existenciais nem enfrenta o dilema da ausência de ideias ao ser colocado perante a folha em branco: boas ideias nunca lhe faltam. Por isso ele é também um dos meus cronistas de eleição. Desde logo por se demarcar em absoluto da cartilha politicamente correcta, por negar vénias e salamaleques às bempensâncias de aluguer, por escrever sem reticências aquilo que realmente pensa. E por nunca mandar recados por terceiros nem se refugiar em entrelinhas. Ao contrários de tantos outros, também por cá.
Não esconde a nostalgia de um tempo em que ainda era possível encontrar homens verdadeiramente livres - gente que não se circunscrevia às engrenagens da trituração & consumo nem se deixava manipular por algoritmos. O que não admira: se existe hoje alguém a quem possamos considerar um homem livre, é precisamente o autor d' A Tábua de Flandres. Que no próximo mês terá mais um livro seu lançado em português: o romance Cães Maus Não Dançam, publicado originalmente em 2018.
Acabo de ler uma excelente entrevista dele à revista do Expresso, muito bem conduzida pela jornalista Luciana Leiderfarb. Merece destaque, merece elogio. E merece ser citada. É o que farei nos parágrafos seguintes: eis Pérez Reverte em discurso directo. Com a devida vénia à autora da entrevista e àquele semanário que saía ao sábado mas passou a sair à sexta-feira.
«O ser humano é a soma daquilo que viveu e do que leu.»
«É impossível digerir bem o resultado da vida se não houver livros que o permitam.»
«A vida como repórter tirou-me ou diminuiu muitas palavras que antes eram importantes, como pátria, religião, Deus. Deixou-me poucas palavras, e entre elas está dignidade, respeito, honra, lealdade. Os cães são isso tudo, sobretudo leais. E a maior virtude do ser humano é a lealdade.»
«Numa luta entre cães, quando um deles se rende, oferece o pescoço ao vencedor e este deixa-o viver. Se o venceu, não o mata. O ser humano é o único que mata aquele que se rendeu. Isso vi-o com os meus olhos, ninguém me contou.»
«Houve um tempo em que havia homens livres. Havia desertos, estepes, bosques, campos, lugares onde o ser humano podia ser dono de si mesmo. Hoje, a televisão por satélite, o telemóvel, as telecomunicações, a internet, mataram o homem livre.»
«A tecnologia cria uma armadilha. Não mata o homem, mas encerra-o. Mete-o num campo de concentração tecnológico levando-o a acreditar que é livre quando não é. O homem perdeu a liberdade no momento em que o mundo se converteu num lugar controlável tecnologicamente.»
«O cão tem sentimentos extremamente refinados, elevados. É sensível ao amor, ao calor, à companhia, à bondade, à maldade. Não há cães maus, há homens maus.»
«O homem peca contra a natureza. Estamos continuamente a cometer pecados contra ela. Se existisse uma moral cósmica, estaríamos em pecado mortal, porque usamos a natureza e a abandonamos. Usamo-la como usamos os cães. A Humanidade vive em pecado mortal há muitos séculos.»
«O mundo é um lugar perigoso e hostil, onde o mal é frequente, onde a ambição, a luxúria e a crueldade são constantes e por vezes não são só características humanas, mas regras cósmicas - porque também o cosmos é cruel, aí estão os tsunâmis, os terramotos, as inundações.»
«Há uma frase que uso há muito tempo: se juntar um malvado com mil estúpidos, terá mil e um malvados. O mal é contagioso, mas, se não houvesse tantos estúpidos, os malvados não teriam tanto poder.»
«Hoje em dia todo o escritor, desde o maior génio da literatura ao medíocre junta-letras, tem sobre si a guilhotina terrível da estupidez.»
«Se tivesse que dividir o mundo em dois grandes núcleos de pessoas, não seria entre bons e maus. Seria entre os que sabem que vão morrer e os que não o sabem. As pessoas que sabem que vão morrer são melhores - são realmente humanas.»
«Vivi uma vida inteira a acumular possíveis "últimas vezes". Isso deu-me uma forma de olhar o mundo que não pode ser igual à de uma pessoa que não teve esse tipo de experiência. Não é uma queixa: gosto dessa espécie de melancolia, de me sentir incerto. Gosto de ter 70 anos (vou fazer este ano) e continuar a acreditar que no fim da madrugada cinzenta pode não haver nada, pode não haver outra noite. Desse modo vivo organizado, tenho tudo preparado.»
«A escrever ainda posso ser jovem, seduzir mulheres, lutar contra inimigos, bater-me em duelo, viver guerras. Acordo com a ilusão de ser capaz de contar bem aquilo que estou a contar. É um motivo excelente para viver e para envelhecer com dignidade.»
Até há poucos anos, era padrão corrente o excesso de formalismo no modo como as pessoas se dirigiam umas às outras na televisão. Recordo uma entrevista conduzida por Judite Sousa na RTP em que a jornalista tratou cerca de trinta vezes o seu convidado por sôtor. Sem ninguém a ter advertido, antes ou depois, que duas vezes já é de mais.
De repente, passámos para o extremo oposto. Hoje quase toda a gente se trata por tu. Ontem à noite, uma dessas jovens certamente mal pagas mas com "bom visual" postas à frente da pantalha para apresentar alegados espaços informativos tratava por tu um convidado com idade para ser seu avô enquanto este resistia à tendência, tratando-a respeitosamente por você.
São sinais dos tempos. Por óbvia importação da televisão americana, onde as formas de tratamento "igualitário" se tornaram de uso corrente, facilitadas pela inexistência de diferença entre tu e você (you, em ambos os casos) no idioma inglês.
Acho muito bem que se desengravate a linguagem. Andámos demasiado tempo amarrados a pompas retóricas, em parte relacionadas com supostos graus académicos de que se usava e abusava nas formas de tratamento verbal. Hoje nem no Parlamento se emprega a antiga excelência, salvo para uso sarcástico.
Mas há o risco de cair no exagero contrário. Reparem, uma vez mais, no que sucede nas televisões: quase todos os intervenientes num debate ou numa entrevista se tratam hoje pelo nome próprio. Como se fossem velhos conhecidos e estivessem a dialogar em ameno convívio nos sofás lá de casa. Também aqui por óbvio mimetismo dos EUA.
Já temos o "Presidente Marcelo", as bloquistas Catarina e Marisa, o comunista Jerónimo e até o cê-dê-esse Chicão. Nisto o partido fundado por Freitas do Amaral e Amaro da Costa tornou-se precursor: não tarda muito, teremos a proliferação dos diminutivos (embora Chicão pretenda ser aumentativo). Uma vez mais, seguindo o exemplo dos States, onde já houve um presidente chamado Jimmy e outro chamado Bill - que assinavam assim até em documentos oficiais. Não custa vaticinar que também por cá surgirão um Jaiminho ou um Gui na caça ao voto.
Enquanto isto sucede, inversamente, a forma de tratamento dos animais torna-se mais solene, grave e reverente. Verifico isso agora com frequência, quando caminho nas ruas do meu bairro. Não faltam damas e cavalheiros a tratar por você os cães que levam a passear, o que para mim constitui novidade absoluta. Nunca tinha ouvido nada semelhante, nem na Lisboa mais snobe.
«Sente-se aí, dê a pata, não seja mau, mostre como é bonito.» São exemplos de frases que vou escutando, reveladoras da fulgurante ascensão canídea na hierarquia urbana deste nosso século XXI. Por vezes atrevo-me pensar que anda tudo um bocado às avessas. Mas é capaz de ser defeito meu, por absoluta incapacidade de acompanhar a marcha imparável do progresso.
Como qualquer de nós, vou-me adaptando. Há dias, pedi ao canário: «Canta para mim, Caruso.» Mas logo emendei: «Cante para mim.» E ele cantou.
Claro que há quem fique indiferente às imagens dos galgos de João Moura. Ele há gente para tudo. Mas imagino que entre as pessoas que considero decentes e fazem do ódio ao PAN uma bandeira, haja bastantes que agora estejam com problemas na cervical. De tanto virarem a cara para o lado...
Medida 673 do programa eleitoral do PAN:
«Rever os critérios legalmente estabelecidos para o abate de animais de companhia por parte dos CRO [centros de recolha oficial], clarificando os casos em que é possível a occisão dos animais, nomeadamente, afastando essa possibilidade por motivos de doença infecto-contagiosa que seja tratável, assim como por motivos comportamentais reversíveis, permitindo que, nesses casos, seja possível a recuperação do animal e o seu encaminhamento para adopção ao invés do abate.»
Medida 702 do programa eleitoral do PAN:
«Proibir o abate [de pombos] como método de controlo da sobrepopulação.»
Medida 871 do programa eleitoral do PAN:
«Despenalizar a morte medicamente assistida, por decisão consciente e reiterada da pessoa, com lesão definitiva ou doença incurável e irreversível e que se encontra em sofrimento duradouro e insuportável.»
Jardim do Campo Grande, 28 de Dezembro de 2019
A partir de certo momento na infância, e em toda a adolescência, éramos seis irmãos à mesa. Não havia mimos para ninguém, muito menos fora das horas das refeições, e portanto nunca ninguém sofreu de falta de apetite. Pelo contrário: o que havia era alguma atenção, não fosse algum dos mais velhos apropriar-se indevidamente de mais do que a sua ração.
Com a estadia de um primo angolano largado pelos pais durante quatro dias em nossa casa, fiquei a saber coisas portentosas: o primo em questão, para comer, precisava que lhe contassem histórias, porque sofria de fastio; e com esse meritório propósito existia em Luanda uma empregada que, abençoada, tinha um jeito especial para ultrapassar a dificuldade, narrando ao menino coisas de espantar.
O primo, na primeira refeição, não comeu nada; e, esboçando um princípio de choraminguice porque queria um bifinho, recebeu, no silêncio geral, um olhar severo do meu Pai, que o transiu.
A cozinheira, a quem se dirigiu fora de horas, informou-o de que não se comia a não ser à mesa ou ao lanche; e que este consistia numa fatia de sêmea e um copo de leite.
Na segunda refeição talvez tenha debicado alguma coisa; e ao terceiro dia era um de nós.
Esta experiência, que me revelou aos seis anos que havia estranhos mundos muito diferentes do meu, foi complementada algum tempo depois com outra ainda mais exótica: havia mães que, doentes de ansiedade pelo pouco que os meninos estavam dispostos a comer, e esgotados os artifícios – só havia sobremesa se comesse a sopinha, eram só duas colheres, se não comesse não crescia, etc. etc. – lembravam que havia no mundo muitos meninos pretos, coitadinhos, a morrer de fome. O argumento perturbou-me porque não percebia por que forma é que o que ficava nas travessas haveria de chegar aos pretinhos – o meu primeiro livro era justamente sobre um menino que ia numa atribulada viagem de barco para África, e durava semanas.
O tempo explicou-me as coisas e acabei por perceber que acabar com a fome não depende de haver menos obesos, nem menos desperdício, mas da liberdade de comércio, das boas vias de comunicação e da gestão inteligente dos países. Dito de outro modo: em África, onde há fome sem guerra há governos corruptos e ineptos, quase sempre de esquerda porque foi a esquerda que patrocinou os movimentos de libertação.
Ou seja: a diminuição da abundância, ou da riqueza, de uns, não se traduz automaticamente no consolo de outros. E todavia:
Esta notícia ofende quem ache que os animais não são pessoas; e que é imoral que, no mesmo país em que tanta gente morre por falta de assistência médica tempestiva, se invistam milhões para prolongar a vida de cãezinhos e gatinhos.
Sempre tive cães, livres de entrarem e saírem de casa quando queiram, bem alimentados e tratados e, salvo no que toca a alguma disciplina básica de higiene e convívio, completamente deseducados. Mas nunca fui paizinho senão das minhas duas filhas; a lamechice de tratar os bichos como “filhos”, e a dona da casa como “mamã” dos bichos, suscita nojo; e a maneira correcta de tratar um animal em sofrimento, se a doença for incurável ou requerer dispendiosos e longos tratamentos, é abatê-lo sem sofrimento.
“A clínica abre agora ao público também com consultas de especialidade e meios de diagnóstico analíticos, radiologia convencional, ecografias e modalidades de reabilitação tais como electromioestimulação, magnetoterapia, ultrassons, terapias com laser e hidroterapia, entre outras, dedicadas a animais”.
Nem vou ver quantas câmaras hiperbáricas tem o país, que doenças tratam ao certo tais equipamentos, e de que montantes estamos a falar. E pode bem ser que esta loucura, se sustada, não se traduzisse em qualquer benefício, tal como a comida desaproveitada não alimenta ninguém.
Mas numa sociedade onde, entre consultas e cirurgias, há mais de 120.000 pessoas em lista de espera há mais de um ano; e onde as redes sociais estão pejadas de animais cuja etologia é ignorada, por ser substituída por antropomorfizações como se vivêssemos num filme de Disney: a notícia pode encher de regozijo os 166.000 votantes no PAN; mas de indignação os restantes.
«Esta é uma luta de todos - inclusive dos animais. Como podem ver, há ali um cão que também tem algo a dizer.»
Em declarações à SIC, uma participante na "greve mundial pelo clima" que hoje reuniu cerca de cem pessoas (e um cão) junto ao Jardim Botânico, em Coimbra
Chipar ou não, eis a questão
Este ano, vou de férias levando pela primeira vez a minha neta comigo.
Dizer que vou com o credo na boca e já estou a sofrer por antecipação é pouco.
O meu marido, com todo o pragmatismo que sempre lhe assistiu, retorquiu meio ironicamente que poderia chipar a criança, à semelhança do que brevemente terei que fazer aos gatos, que sempre estiveram em casa e que servirá para rigorosamente nada, mas que parece que vai ser legislado em conformidade.
Esta situação traz-me à ideia uma outra, há muito, bem, há algum tempo atrás, tanto quanto cerca de 33 anos, não numa galáxia muito distante, mas já ali ao lado na Rua Duarte Pacheco Pereira, quando me escondi por detrás de umas árvores a aguardar a partida da carrinha com destino à praia de Sto. Amaro de Oeiras no âmbito da acção escolar Praia e Campo, partindo seguidamente numa corrida desenfreada para a estação da CP de Algés, onde apanhei o comboio para a mesma localidade, apenas com o intuito de espiar.
Espiar, por Deus! Eu a espiar se a minha filha estava bem! Perguntam-me, e bem, se eu não tinha confiança nas educadoras, porque é que a deixei ir?
Porque iam todos. A garota ficaria destroçada se lhe negasse a Praia e Campo! E claro que tinha plena confiança nas educadoras, mas eram apenas três e uma auxiliar para 27 crianças!
Será isto o chamado instinto de maternidade levado ao exagero, ou apenas práticas controladoras de uma mente doentia?
É claro que a auxiliar deu comigo por detrás da banca que vendia panamás e fiquei de cara no chão. Tenho a vaga ideia de me ter furtado em ir ao colégio até ao fim das actividades lúdicas ou seja, até ao final do ano lectivo, não que isso esponjasse o sentimento de vergonha que me assolou.
Não tendo a minha neta idade para telemóveis e não é animalzinho de companhia para o dito chip, tem seguramente idade para uma pulseira GPS infantil.
Por outro lado, mesmo sendo o livre arbítrio coisa que não a assiste com esta idade, mesmo sendo muito opinativa e mais teimosa do que eu, não deixo de pensar que lhe estou a aplicar uma medida de coacção apenas porque quero estar mais sossegada e poder ter tempo de férias para mim também.
Nietzsche e o Cavalo, quadro de Eric Drass
Em 1889, Nietzsche vivia na praça Carlos Alberto, na cidade italiana de Turim. Nesse ano, viu ali um cocheiro a chicotear sem piedade um cavalo. Saiu em defesa do animal, abraçando-se a ele e beijando-o com fervor. O episódio, segundo rezam as crónicas, terá servido para atestar a propalada loucura do filósofo, pondo fim ao seu percurso público: a partir daí, e até à morte, ficou confinado aos muros de uma clínica para tratamento psiquiátrico, em Basileia.
Os tempos são outros: hoje ninguém considera louco quem possa beijar um bicho, até na boca, com as prováveis excepções de tarântulas ou jibóias. Mas sair em defesa de um animal maltratado pode custar uma carreira política, ainda que incipiente. Que o diga uma deputada municipal do PAN na Moita, forçada a resignar por ter feito esta observação no exercício das suas funções autárquicas: «Verifica-se que existe uma etnia que se multiplicou e que todos os dias se passeia pela Moita e arredores, [com os elementos] empilhados em cima de carroças puxadas por um único cavalo subnutrido, espancado, a desfazer-se em diarreias por não ser abeberado e alimentado sequer e que, por vezes, [cai] na via pública, não suportando mais.» Isto numa moção em que recomendava a identificação dos «detentores dos cavalos que se encontram abandonados, amarrados e sem alimento, no sentido de sensibilizar os mesmos para estes actos cruéis que levam os animais a situações de doença, exaustão e morte».
De nada lhe valeu o amor ao bicho vergastado, comprovando o seu zelo militante. Nem ter omitido o vocábulo "cigano". Aquelas palavras bastaram para configurar delito de opinião: foi acusada de xenofobia e viu o PAN retirar-lhe a confiança política num comunicado da Comissão Política Permanente que lamenta «profundamente a situação» e pede desculpa a todos os que se possam ter sentido «discriminados ou desidentificados com esta referência imprópria». Noutro contexto, talvez não faltassem acusações de sexismo e misogonia ao afastamento da senhora, que vê abortada a sua fugaz carreira política. Felizmente sem necessidade de internamento psiquiátrico.
Do animal escravizado e flagelado nunca mais ninguém falou - ao contrário do cavalo de Nietzsche, ainda lembrado 130 anos depois. «Até para se ser animal é preciso ter sorte», como dizia a minha avó. Jamais imaginando que haveria de existir um partido animalista em Portugal.
André Silva nunca pediu desculpa pela mais aberrante frase proferida por um político português nos últimos anos: «Há características mais humanas num chimpanzé ou num cão do que numa pessoa em coma.» Tendo em conta que este dislate já data de 2015, numa entrevista ao Expresso, devemos concluir que o porta-voz do PAN, se nem sempre é pessoa para pensar no que diz, pelo menos diz aquilo que realmente pensa.
Com o brilharete conseguido a 26 de Maio, ao superar os 5% e eleger um eurodeputado, o PAN goza dias de glória. Levado em ombros pelas mesmas trombetas mediáticas que quase o ignoraram na recente campanha eleitoral (houve até um canal televisivo que o excluiu do debate entre os cabeças de lista de maior relevo, optando em seu lugar pelo partido unipessoal de Marinho e Pinto, que saiu das urnas com 0,5%).
Mas toda a medalha tem um reverso. O partido animalista que ultrapassou a CDU em sete dos 20 círculos eleitorais e ficou à frente do CDS em Faro e Setúbal vai finalmente ser escrutinado – como aliás devia ter acontecido logo em 2015, quando André Silva se estreou como deputado. Com um atraso de quatro anos a comunicação social descobre só agora, muito surpreendida, que o PAN celebra congressos à porta fechada, quer impor a utilização do «copo menstrual» às mulheres e orgulha-se de ter conseguido nesta legislatura uma redução do IVA no consumo de algas. Entre os devastadores incêndios de Junho e Outubro de 2017, que causaram 116 mortos, entreteve-se a legislar sobre a admissão de animais de companhia nos restaurante citadinos, o que define bem as suas prioridades.
Eis um partido new age, digno de subscrever proclamações pela «paz no planeta» com a convicção de qualquer candidata a Miss Universo. Um partido «ideologicamente amorfo», segundo o rótulo que alguns politólogos contemporâneos adoptaram para caracterizar este pensamento capaz de cruzar o melhor do Dalai Lama com o pior de Paulo Coelho.
O maior indício da consistência gelatinosa do PAN detecta-se, aliás, no facto de já ter mudado duas vezes de nome desde que surgiu, faz agora dez anos. Começou por chamar-se Partido Pelos Animais. Em 2011 registou-se no Tribunal Constitucional como Partido Pelos Animais e Pela Natureza. Três anos depois, num dos tais congressos interditos a jornalistas, adoptou a actual denominação pleonástica: Pessoas-Animais-Natureza.
André Silva recorre às técnicas dos pregadores evangélicos, alternando o discurso do medo, próprio dos milenaristas de antanho, com a invocação subliminar do halo de santidade só ao alcance dos convertidos. Arauto da virtude, lança anátemas aos que insistem em repudiar o tofu: apenas um mundo convertido ao veganismo e ao ciclismo sobreviverá à inevitável catástrofe ambiental. Ele e os seus acólitos, magnânimos, estão dispostos a conceder-nos a absolvição dos pecados da carne e do plástico desde que cumpramos a indispensável penitência e abracemos «um novo paradigma disruptivo», seja lá o que isso for.
Quem ousar dizer o contrário, já está em coma, embora ainda não saiba. Desceu abaixo de chimpanzé.
Publicado originalmente no jornal Dia 15.
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