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O Cristal Encantado
Título original: The Dark Crystal
Realização: Jim Henson e Frank Oz
Argumento: David Odell, com base numa história original de Jim Henson
Produção: ITC Entertainment e Henson Associates
Ano: 1982
Duração: 93 minutos
País: EUA
O Cristal Encantado é um dos mais originais filmes de fantasia alguma vez feitos.
Começo por pedir desculpa aos leitores pela batota, a primeira de duas que cometerei ao longo desta série de textos sobre cinema de animação (a segunda ainda poderá ser discutível, mas esta é descarada): O Cristal Encantado não é um filme de animação, mas um filme de marionetas. A sua produção envolveu a construção de cenários reais e a manipulação dos bonecos do Jim Henson Creature Workshop. Dito isto, se ao cinema de animação já custa livrar-se do estigma de desenhos animados serem infantis, para os filmes (cada vez mais raros) de marionetas essa tarefa será ainda mais difícil (sim, eu sei dos Marretas, obrigado), pelo que me parece encaixar bem aqui. E, claro, as marionetas têm uma característica em comum com a animação, para além da vida que ganham com o desempenho de voz: não envelhecem.
Claro que o motivo verdadeiro é outro: simplesmente apetece-me escrever sobre O Cristal Encantado, sem dúvida um dos meus filmes preferidos, que em 93 minutos mostra um breve momento de um mundo secundário fascinante, e que continua a ser uma revelação quarenta anos volvidos sobre a sua estreia. Aquele mundo, e as criaturas maravilhosas que o habitam, saíram da imaginação prodigiosa de uma das pessoas que mais admiro, e que perdemos demasiado cedo: Jim Henson. Da sua mente fértil saiu a Rua Sésamo, de longe a série mais importante da minha vida, saíram bonecos que se tornaram ícones mundiais, e saíram dois filmes magníficos: O Labirinto, com Jennifer Connely e o grande David Bowie, e este, O Cristal Encantado.
Mas O Cristal Encantado é de alguma forma um corpo estranho na obra de Henson: não só pelo detalhe da construção do universo ficcional de Thra, mas também pela trama mais adulta e mais sombria - a história, afinal, tem como ponto de partida um genocídio que não vemos mas que sentimos presente. Jen, um dos últimos Gelflings vivos, recebe dos enigmáticos Místicos com quem viveu desde criança uma missão: encontrar Aughra, recuperar o fragmento do Cristal Encantado e regenerá-lo, resgatando Thra do domínio cruel dos Skeksis e reestabelendo assim o equilíbrio natural do mundo.
É essa demanda que serve de fio condutor a O Cristal Encantando, levando o ingénuo Jen a descobrir todo um mundo de criaturas maravilhosas - algumas inocentes, outras nem por isso. A imaginação de Henson encontrou um par à altura no talento de Brian Froud, que elaborou a arte conceptual que está na base de Thra, e o talento do Jim Henson Creature Workshop deu vida aos pachorrentos Místicos, aos tenebrosos Skeksis (decerto as marionetas mais assustadoras de Henson, a par dos Garthim que eles usam em combate), aos inocentes Gelflings, aos efusivos Podlings, à rabugenta Mãe Aughra (com o seu assombroso planetário), ao maravilhoso Fizzgig - enfim, podia continuar a adjectivar cada uma das criaturas de Thra, e mesmo assim não faria justiça ao trabalho notável de Henson e Froud. Afinal, como esquecer a Mãe Aughra, ou o sinistro Chamberlain?
Este mundo, ao mesmo tempo tão detalhado e deixando adivinhar tanto que fica por mostrar, é que faz de O Cristal Encantado um filme tão singular: podemos reconhecer aqui e ali as suas várias influências, mas o todo que Henson, Oz e Froud construíram é absolutamente original, e a mestria técnica que lhe deu vida talvez não tenha ainda hoje paralelo, quarenta anos passados desde a sua estreia. Não há ali grandes efeitos especiais, tirando um ou outro efeito de luz (que envelheceram mal, ao contrário do resto): todos os cenários foram construídos, todas as marionetas foram montadas e animadas. É certo que a trama do filme encaixa com facilidade na clássica jornada do herói, mas as personagens que Jen encontra dão à sua aventura uma textura muito particular, conduzindo a um desfecho que, podendo ser algo previsível, não deixa de ser ousado. E se é verdade que há muito no filme que espectadores mais novos possam apreciar, também é possível que os Skeksis, e uma ou outra cena do filme, possam impressionar um pouco, fazendo de O Cristal Encantado um filme menos "familiar" do que o resto da sua obra.
Henson ainda chegou a imaginar uma sequela, mas as ideias que tinha partiram com ele, na sua morte prematura em 1990. O filme, porém, teve poder suficiente para perdurar, e o seu mundo secundário tem sido alargado ao longo dos anos por outros meios e noutros formatos. Em 2019 estreou na Netflix O Cristal Encantado: A Era da Resistência, uma série maravilhosa que combina efeitos digitais com marionetas extraordinárias, infelizmente só com uma temporada. Olho para as minhas estantes e encontro livros de ilustração, álbuns de banda desenhada e até uma Mãe Aughra a espreitar a um canto. E sei que regressarei ao filme, uma e outra vez, com o mesmo encantamento da primera.
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