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Delito de Opinião

Astérix na Lusitânia

jpt, 07.03.25

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Recebo isto via Whatsapp e julgo que é um gozo, montagem. Mas parece que não, é mesmo uma publicação feita pelo deputado Ventura, professor universitário, antigo comentador futebolístico, candidato presidencial - e presumível futuro cabecilha da candidatura parlamentar do partido a que preside.
 
Que um partido tenha um deputado meio-maluco, que rouba malas e vende a roupa assim obtida? Enfim, é sintoma de alguma falta de critérios de selecção, talvez "dores de crescimento" rápido. Que tenha um dirigente que bebe até aos 2,3 ao balão? É grave - é o mais grave de tudo, entenda-se bem, muito mais do que "empresas de imobiliário" - mas é algo incontrolável pelos seus pares, "acontece nos melhores partidos". Que tenha um deputado que paga 20 euros a um rapazola para lhe chupar o pirilau? É uma desgraça!, pobre homem, que raio de vida, mas sabe-se bem, "acontece nas melhores famílias".
 
Agora que um partido tenha um presidente que se presta a estas figuras? Francamente, só mesmo o Chega! Que coisa...
 
(Chamem lá o Astérix e o Obélix)

Spam político

Paulo Sousa, 06.03.25

O sketch dos Monty Python em que o termo spam foi popularizado é um dos inúmeros clássicos deste fantástico grupo de humoristas. Todos os pratos do restaurante têm spam. Bacon e ovos com spam, ovos com salsicha e spam, spam com ovos, spam com spam, spam com spam e spam. A coisa levada ao exagero não deixa de ter graça.

Vem isto a propósito do próximo ano de André Ventura. Já sabíamos que no início de 2026 será candidato à Presidência da República, mas antes disso irá igualmente apresentar-se como candidato a Primeiro-Ministro. Não terá ele também interesse em liderar a Região Autónoma da Madeira ou a presidir uma, ou duas, Câmaras Municipais?

O que é que o Chega tem para apresentar ao país? Apenas spam com spam, ou então, spam com spam e spam.

Não CHEGA já?

jpt, 06.02.25

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Não se governa com moralismos, mas sim com pertinência decisória. Na política os discursos moralistas são sempre escalfetas para acalentar tendências ditatoriais - fascistas, comunistas -, colhendo acéfalos apoios naquilo "assim é que é!" (ou seja, "assim é que deve-ser!"). De resto, em todos os partidos, movimentos, ideologias e crenças há gentes muito diferentes, cada um de nós com suas "públicas virtudes, vícios privados", nisso mais ou menos avessos aos "valores" e "princípios" propagandeados pelas forças políticas a que aderimos.  Há nestas contradições uma diferença fundamental - quando uma organização política que se suporta em retórica moralista se contradiz institucionalmente (como agora na mariolice do BE com os seus empregados) é um fenómeno diferente de que quando membros individuais de uma força política têm actos avessos à retórica dos grupos que integram.

Ainda assim este caso do deputado Pardal Ribeiro do CHEGA - deputado municipal mas também integrante da candidatura à Assembleia da República - é politicamente avassalador. Nada tenho contra a prostituição. Desde que o prostituído seja dotado de total livre-arbítrio - e nisso incluo que não o faça constrangido por míseras condições de vida e falta de expectativas. Quanto à clientela, enfim... julgo uma tristeza, entre a desgraça pessoal e a extrema falta de tino haverá uma infinitude de motivos para levar alguém a pagar para ter sexo. Mas não é no caso pessoal que me centro - apesar do meu (malvado, confesso-o) sorriso, pois ver um ex-presidente da Associação Nacional de Toureiros nestes patéticos maus lençóis recorda-me o que sempre achei da estética da "Festa Brava", pois aqueles ademanes, roupas justas e berloques parecem-me, desde a juventude, uma coisa muito ... a la Rocky Horror Show, para não dizer outra coisa.

Mas ainda assim é impossível não convocar como o CHEGA cresceu, no vozear de falsidades, de exageros, de verdadeiros maldades dizendo malvados todos os outros, invectivando-os, invectivando-nos, como ladrões, corruptos, criminosos, imorais, até doentes. Ou, pelo menos, como acéfalos complacentes. E por isso Ventura e sua trupe tanto gritam contra ciganos, defensores da homossexualidade, muçulmanos, imigrantes, etc. E contra todos aqueles que tenham tendências ou ideias diversas dos que "os de Ventura" têm. Expulsar uns, prender outros, castrar aqueloutros, clamam.

E se esses discursos não são "aquilo que é preciso dizer", como tantos se deixam encantar, ainda menos o são quando quem os grita é esta tropa fandanga. Agora demonstrada à evidência por um mariola que rouba malas e vende os seus conteúdos por via postal através do parlamento, outro que sai a fazer felações a um miúdo de 15 anos em troca de 20 euros! O CHEGA, Ventura, Mithá Ribeiro e quejandos, são isto. Um bando de energúmenos que bolçam javardices e falsidades. E que  convocam para junto de si tudo o que venha à rede, queira "aparecer", "trepar"... Aquilo não é um partido, é um escarrador. 

A ver se os compatriotas - zangados, por razões que serão legítimas - entendem isso. E "castram" estas venturices.

O troca-tintas

Pedro Correia, 16.10.24

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Queria processar Marcelo Rebelo de Sousa por «traição à pátria» e acabou sentado no Conselho de Estado, órgão de aconselhamento do Presidente da República.

Reclamou uma das vice-presidências do parlamento, merecendo o apoio do PSD e do CDS, enquanto recusava eleger o social-democrata Aguiar-Branco como presidente do mesmo órgão.

Iniciou a legislatura apelando à «unidade da direita» pouco antes de alinhar três vezes seguidas com toda a esquerda em votações parlamentares, começando com o fim das portagens nas ex-SCUT.

Mal conseguiu eleger dois eurodeputados, mudou de família política no Parlamento Europeu, transitando da Identidade e Democracia, a que tinha aderido em 2020, para os Patriotas da Europa, liderados por Viktor Orbán.

Diz-se nacionalista, mas participou numa reunião com o Vox espanhol onde surgia um mapa com Portugal anexado pelo império castelhano.

Considerou «irrevogável» o chumbo do Orçamento do Estado para 2025 que primeiro ponderou aprovar em troca dum referendo à imigração e admitiu de novo viabilizar para «evitar uma crise política», mostrando-se disposto ao «diálogo com o Governo». Tudo isto antes de repor as primeiras duas letras na palavra irrevogável, sabe-se lá por quanto tempo. 

Desafiou o primeiro-ministro a processá-lo, sabendo que um deputado goza de imunidade parlamentar, e agora é ele quem se afirma disposto a processar o primeiro-ministro. A pretexto de uma reunião alegadamente «secreta» no gabinete de trabalho do chefe do Governo - e que afinal já passou de uma para cinco.

Sempre foi «de direita», mas votou em José Sócrates nas legislativas.

Diz tudo e o seu contrário para surgir a toda a hora nas notícias com o frenesim adquirido durante anos, na CMTV, como comentador de futebol e apoiante confesso de Luís Filipe Vieira - agora imputado pelo Ministério Público pelos crimes de corrupção activa, participação em negócio ilícito e fraude fiscal qualificada.

«Aparecer» é o maior vício de André Ventura. Para ele, funciona como uma droga dura. Isenta-o de assumir qualquer compromisso mínimo com a verdade.

Não acerta uma

Pedro Correia, 10.07.24

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Ventura com Orbán: diz-me que aliados escolhes, dir-te-ei quem és

 

Desde que fez um brilharete nas legislativas de 10 de Março, conseguindo eleger um grupo parlamentar com 50 deputados, André Ventura tem andado em evidente desatino. Não acerta uma.

O mais recente disparate protagonizado pelo líder do Chega foi a súbita mudança de família eleitoral. Decidiu abandonar a bancada da Identidade e Democracia, trocando-a pelo novíssimo grupo Patriotas Pela Europa, que tem como figura tutelar o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán. 

Problema: Ventura tomou esta iniciativa no dia em que Orbán abraçava em Moscovo o agressor da Ucrânia, agindo como cavalo de Tróia do ditador russo na União Europeia. Não podia haver pior ocasião para pôr o Chega a reboque do partido governamental da Hungria. «Um passo extraordinariamente perigoso para a Europa», como sublinhou El Mundo em editorial.

Quatro dias depois, os russos bombardearam Kiev, destruindo grande parte do maior hospital pediátrico ucraniano. Numa vaga de ataques que causaram pelo menos 38 mortos, incluindo quatro crianças. Novos quadros de horror, somados a tantos outros nesta criminosa violação do direito internacional que se prolonga há 29 meses.

Agora é oficial: Ventura, amigo do melhor amigo de Putin no espaço comunitário. Parceiros no Parlamento Europeu, cúmplices e compinchas, enquanto a Ucrânia sangra e sofre. 

Diz-me que aliados escolhes, dir-te-ei quem és.

Derrotado em 3091 freguesias do País

Pedro Correia, 13.06.24

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André Ventura não fazia a coisa por menos: anunciou aos quatro ventos que queria vencer as eleições europeias.

Inchou de tal maneira, tal como sucedeu à rã na fábula, que confundiu desejos com realidades. Sem perceber a diferença.

O tira-teimas aconteceu a 9 de Junho: fracassou em toda a linha. No país inteiro, ninguém apostou no Chega em lugar algum.

Perdão: Ventura conseguiu ser primeiro numa freguesia portuguesa. Gondoriz, no concelho de Arcos de Valdevez. Por apenas quatro votos.

Nas restantes 3091 freguesias só registou derrotas. 

A montanha-russa

Pedro Correia, 08.05.24

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Instaurar queixa-crime contra o Presidente da República por suposta «traição à pátria», como ontem André Ventura anunciou com base em putativos pareceres jurídicos de pai e mãe incógnitos, é ideia a tal ponto demencial que terá suscitado estupefacção até entre deputados do Chega.

Ventura está na política em loop contínuo: entra em ansiedade se permanecer um par de horas sem surgir na televisão. Ontem partilhou as prioridades noticiosas com José Castelo Branco - outro astro das pantalhas, agora suspeito de violência doméstica. Isto permite-lhe desviar atenções dos temas europeus, cada vez mais incómodos para o seu partido - que se prepara para integrar uma família política na Eurocâmara (o Grupo Identidade e Democracia, da ultra-direita) onde abundam os apoiantes de Putin. E ocultar as posições pró-Moscovo do candidato que escolheu para encabeçar a sua lista às eleições de 9 de Junho.

Mas tamanho frenesim não se explica apenas por estas considerações de mero cálculo político. O líder do Chega foi-se viciando em descargas de adrenalina próprias de quem se embriaga com as alucinantes reviravoltas da montanha-russa. Acabará por ser vítima delas: outros o forçarão a experimentar o seu próprio veneno populista, em dose redobrada. Mais cedo do que tarde, como se verá.

O Chega

Paulo Sousa, 12.03.24

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Depois de uma longa noite eleitoral, todos acabamos por ser surpreendidos por algo que já sabíamos que podia acontecer. Fez lembrar a “Crónica de uma morte anunciada”, não sobre a morte do Santiago Nasar, mas sobre a quadruplicação dos mandatos obtidos pelo Chega.

A análise desta surpresa anunciada pode ser feita sobre diferente aspectos, que aqui tentarei abordar.

Quando o autoproclamado Salvador de Portugal, por vontade de Deus, começou a aparecer na actualidade política, os apoios que ia recebendo não eram mais do que votos de protesto. As sociedades, tal e qual como têm sempre indivíduos que povoam o que designamos por margens, têm sempre dentro de si gente capaz de votar num palerma, não pelo que diz, mas apesar do que ele diz. E fazem-no por se quererem associar ao incómodo que este causa à maioria.

Eu conheço quem, por sentir que rapidamente fica fora de uma conversa sobre política, economia ou outro assunto mais elaborado, se contente com explicações simples sobre assuntos complexos. Daí até acharem piada ao tipo que comentava o futebol a dirigir-se em directo a Cavaco tratando-o por tu, vai apenas um passo. Muita desta gente, designada por Hilary Clinton como “os deploráveis”, vive nas periferias, fora da bolha mediática, trabalha, paga impostos, tem pouco poder de compra, vai de madrugada para a porta do Centro de Saúde para conseguir uma consulta, espera anos por uma cirurgia, não sabe se a maternidade onde era suposto os seus filhos nascerem irá estar aberta, não consegue colocar os seus filhos numa creche, irrita-se com muitos dos apoios sociais que sustentam as pastelarias a servir pequenos-almoços, farta-se de saber de casos de corrupção sem consequências e acha que os políticos são todos iguais. Todos menos o Ventura, que é maluco e manda umas bocas. E todos eles têm o direito a um voto.

Alguns dos portugueses que acham isto são jovens em início de vida. Não conseguem rendimentos que lhes permitam tornar-se independentes. Desde que se lembram de ser gente que se fala em crise. Desde sempre a economia está estagnada. Sabem que continuamos a ser ultrapassados por países que há poucos anos eram mais pobres que nós. Os mais interessados já sabem que no dia, que erradamente julgam muito longínquo, em que se reformarem terão apenas direito a menos de 50% do último ordenado. Todos conhecem um, ou vários, colegas da escola que emigraram e que no verão regressam à terra nos seus carros vistosos de matrícula da Suíça ou do Luxemburgo. Para eles, todo este mal-estar social tem um nome e chama-se Socialismo. Quem duvidar disso, verifique o perfil etário dos votantes do PS. Quem conhecer gente desta, portugueses como eu, olhará para o trajecto eleitoral dos últimos anos do PCP e conseguirá antever o futuro do PS. Quem não conhecer gente como esta, um dia irá ser surpreendido por mais uma “Crónica de uma morte anunciada”.

As causas da esquerda são também irritantes. A revolução sexual foi chão que deu uvas já nos tempos dos pais deles e não querem saber das causas ditas fracturantes para nada. Cada qual faz o que entende com a sua vida e o que os realmente incomoda são os sacanas com dinheiro a brincar com a justiça para evitar serem julgados.

O tempo avança em movimentos pendulares. Ser de esquerda é tão natural para uma parte da geração que assistiu ao início do regime como o contrário será no ciclo que, entretanto, já começou. Lembro-me perfeitamente do optimismo e dos ganhos objectivos que os portugueses sentiram no tempo que se seguiu à adesão à CEE e da forma como os governos de então conseguiram cavalgar aquela onda, mas muita desta gente ainda não era viva nessa altura. O desaproveitamento da anterior maioria absoluta do PS é como um pico de uma evolução no desapontamento com este regime.

Existe um factor regional que explica alguma da distribuição geográfica dos votantes no Chega. O país fundado a norte por uma aristocracia nobiliária não é igual ao sul dos concelhos, criados por cartas foral ao ritmo da reconquista. José Mattoso mostrou-nos isso n”O essencial sobre a formação da nacionalidade”. Vimos isso nos tempos do PREC, com uma fronteira informal em Rio Maior, e continuamos a ver o mesmo em cada acto eleitoral. Na Guerra Civil do século XIX, já os liberais se concentravam no norte, enquanto os miguelistas (anti-liberais) reuniam os seus maiores apoios a sul. A antiga tradição comunista no Alentejo faz parte do mesmo fenómeno, tal e qual o que acontece agora ao Chega.

Temos assim duas camadas sobrepostas de apoiantes de Ventura, a dos descontentes com os inconseguimentos de Abril, e da predisposição sociológica regional.

Este tipo de partidos não são novidade na Europa nem no mundo democrático. Se Trump é o mais conhecido dos lunáticos populistas democraticamente eleitos, não podemos esquecer o laboratório sempre precoce no lançamento de novos fenómenos políticos que é a Itália. Berlusconi foi o primeiro deste género que, entretanto, alastrou. Nas democracias europeias que já se viram a braços com o populismo de direita o primeiro impulso foi levantar a cerca sanitária. O resultado desta táctica foi o crescimento destes partidos e em nenhum deles a democracia foi posta em causa.

Nos casos da Hungria e Polónia verificaram-se ingerências políticas na justiça, mas foi no Portugal governado pelo PS, com MRS como Presidente, que o Caso Manuel Vicente foi enviado para Angola. E, arrisco, o Caso Influencer terá um desenvolvimento conveniente, em decisões e no calendário, às ambições políticas de António Costa. Será giro de ver como as exigências de asseio político para a entronização do próximo Presidente do Conselho só serão possíveis de cumprir depois de dar uns safanões no Ministério Público.

Regressando aos demais casos europeus, estes partidos só regrediram quando se envolveram na governação. Foi então que os seus apoiantes verificaram que afinal os temas complexos não têm soluções simples e todas as promessas feitas não se distinguiam das suas boas intenções. No momento seguinte, desiludidos com os populistas, regressaram à abstenção e aos partidos tradicionais, entretanto mais acordados sobre os reais problemas dos cidadãos. Eu, que nunca votarei no Chega, acho que, mais tarde ou mais cedo, acabaremos por assistir ao seu envolvimento num governo português. Graças aos tratados europeus, que nos garantem alguma decência democrática, conseguimos sobreviver a tanto desmando e irresponsabilidade nas últimas décadas, que não serão as palermices do quarto pastorinho afundar a nossa democracia.

E termino com a constatação de uma das características que fazem da democracia um sistema político com menos defeitos que os demais. O processo eleitoral garante válvulas de escape sociais. Sem elas, um destes dias seríamos surpreendidos com manifestações de desagrado bem mais graves do que ver um milhão de portugueses a votar num palerma.

Traidor, idiota útil, prostituta política

Legislativas 2024 (7)

Pedro Correia, 14.02.24

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Os debates, num registo frente-a-frente, têm sido entre líderes de partidos. Mas certos jornalistas que deviam moderá-los, em vez de se apagarem o mais possível, procuram concorrer com os políticos em fome de palco. Fazendo lembrar aqueles árbitros que roubam protagonismo aos jogadores em partidas de futebol exibindo cartões de várias cores a torto e a direito enquanto apitam a cada 30 segundos. Numa tentativa desesperada de serem o centro das atenções.

Infelizmente isto não acontece só nos estádios: passa-se o mesmo nos estúdios. Na segunda-feira de Carnaval, na RTP, o moderador do debate entre Luís Montenegro e André Ventura fez tudo para se evidenciar. E, de algum modo, concretizou o objectivo: naqueles 39 minutos conseguiu interromper 121 vezes os candidatos! Quase em partes iguais, com o presidente do PSD a ver as suas frases 61 vezes cortadas por João Adelino Faria, enquanto o mesmo sucedeu 60 vezes ao presidente do Chega.

«Quando estamos os três a falar, ninguém nos ouve», lamentou a certa altura o pivô da RTP. Num involuntário exercício de autocrítica, pois era incapaz de se calar enquanto os dois políticos se confrontavam.

«Temos muito pouco tempo», foi outra das suas frases, dignas de cronometrista. Além da bengala verbal «muito bem» que já se transformou numa espécie de senha no canal público de televisão. É raro o jornalista que ali não usa e abusa dela, mesmo totalmente fora de contexto. Já ouvi alguns dizerem «muito bem» até quando se fala de guerras, massacres, catástrofes climáticas ou epidemias. Vale para tudo.

 

Quanto ao debate em si, nos escassos momentos em que Faria deixou os participantes completarem três frases, a ideia dominante foi esta: o Chega funciona como aliado objectivo do PS. Daí ter sido eleito, durante toda a legislatura que agora termina, como interlocutor preferencial de António Costa nos confrontos parlamentares - imitando o precedente inaugurado em França, na década de 80, pelo socialista François Mitterrand com a ultra-direita de Jean Marie Le Pen.

Os socialistas, cá como lá, alimentaram o ovo da serpente. Na expectativa de assim neutralizarem a direita moderada, sua rival directa nas urnas. Em França, o tiro saiu-lhes pela culatra: o Reagrupamento Nacional, liderado pela filha de Le Pen, tem hoje 89 deputados na Assembleia Nacional enquanto o PSF não conseguiu eleger mais do que 24, entre 577 lugares, nas legislativas de 2022. Tornou-se um partido irrelevante.

 

Neste confronto na RTP, Montenegro fez o que lhe competia. Desmascarando a irresponsabilidade do Chega, que exige agora o direito à filiação partidária e o direito à greve aos elementos das forças de segurança sem avaliar as consequências do que propõe. E esclareceu que só as 13 medidas mais emblemáticas do pacote de promessas eleitorais do partido da direita populista custariam cerca de 25,5 mil milhões de euros se fossem postas em prática - o equivalente a 9% do PIB anual português.

Contas que aparentemente Ventura não fez: embatucou ao ouvir isto, ficando sem resposta. 

Argumentou como? À maneira dele: com insultos.

Acusou o PSD de «traição», de «espezinhar as forças de segurança», de «enganar os pensionistas há 50 anos», de ser «uma prostituta política». Montenegro, para ele, é «o idiota útil da esquerda» - representante «de um sistema que nos tem dado corrupção, tachos e bandidos à solta».

 

Eis o caudilho do Chega, uma vez mais, a funcionar como guarda avançada do PS. Nem lhe passaria pela cabeça chamar alguma vez «prostituta política» a António Costa...

Ventura berra tudo quanto for preciso para gerar títulos na imprensa e cliques nas redes sociais. Mesmo baixando cada vez mais o nível. Comparado com ele, o Tino de Rans faz figura de estadista.

Este debate confirmou que há sérios problemas de governabilidade à direita com o líder do Chega em cena. À esquerda, ninguém imagina uma peixeirada destas entre Mariana Mortágua, Paulo Raimundo e Pedro Nuno Santos.

Montenegro nunca governará com quem lhe chama idiota e traidor, nem se coligará com quem acusa o PSD de prostituição política. Há limites para tudo. De algum modo, beneficiou com a estridência insultuosa de Ventura: atraiu votos moderados, separando as águas. «Muito bem», como diria João Adelino Faria pela enésima vez, repetindo a bengala verbal tão em voga na RTP.

Afinal são mesmo todos iguais

Paulo Sousa, 13.01.24

O partido de um homem só, Chega, não se cansa de propalar que a sua pureza moral o coloca num patamar superior e isso lhe permite apontar os podres dos demais partidos, os partidos do sistema. Essa é a essência do populismo. André Ventura tenta fazer-se passar como o verdadeiro intérprete dos brados do povo português contra as elites corruptas. As sondagens dizem que tem sido bem sucedido nessa estratégia comunicacional.

Ontem, no último plenário da legislatura que agora termina, os partidos entenderam-se e, numa rara unanimidade, votaram o projecto de lei 999 que alarga os casos em que os deputados possam receber ajudas de custo. Pessoalmente, acho que os deputados não são assim tão bem pagos e todo o seu pacote remuneratório deveria ser reformado. É claro que este é sempre um assunto que proporciona bons soundbites e que por isso se torna delicado de alterar. Vai daí, os deputados de todo o hemiciclo escolheram a última sessão da legislatura para aprovar, em tempo recorde e sem debate no hemiciclo, uma alteração à forma como são remunerados. Mas atenção! Todos os deputados, excepto os do partido... não não, foram mesmo todos.

A Coelha Acácia

jpt, 20.09.22

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Longe vão os tempos em que quis usar blogs (ou "redes") para questiúnculas políticas, acima de tudo devido a, então quarentão, me ter deparado com a conivência e cumplicidade dos letrados lisboetas com o tétrico socratismo. Sigo agora neste aqui digital, já proto-sexagenário, entre algumas comezainas, um ou outro livro para o qual ainda me consigo concentrar, o meu Sporting, qualquer novidade moçambicana (lá de onde ficou o que de mim terá prestado). E, é certo, o revisitar da filmografia da Julia Roberts.
 
Ainda assim hoje atrevo-me a ir à política, mas agora sem acinte, pois na sageza etária resumo-me a que que cada um tenha as suas opiniões e as defenda com lisura. Mas, raisparta, tenho de me solidarizar com todos aqueles que anseiam por um líder coriáceo, até mesmo qual "capo", que venha a reengrandecer o Portugal pátrio, firme expurgando-o das aleivosias e estranhezas. E depois sai-lhes este tipo, a lamuriar-se em público, e mesmo num "até sempre", com a morte de um coelho! Isto só visto, pois tamanho cúmulo de ridículo se apenas contado ninguém acreditaria.

Ventura Strikes Again

jpt, 22.07.22

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(Fotografia de António Cotrim, Lusa)

O deputado Ventura clamou contra a chegada de estrangeiros - que não turistas, entenda-se - a Portugal. Entende-a como uma ameaça grave e um disparatado desperdício de recursos públicos. Para além de questões de princípios e do ordenamento jurídico internacional, será de olhar para os argumentos que costumam alimentar esta recusa dos estrangeiros (repito, que não dos turistas).  

Portugal tem apenas 5,4% de imigrantes. É um dos países da União Europeia que menos concede direitos de nacionalidade a estrangeiros. É, notoriamente, um dos países da União Europeia com menor fluxo de imigrantes (e a UE não é um dos maiores destinos de imigração - surge em 12º lugar neste documento, mas é uma posição algo artificial, mas é uma indicação que serve para matizar a ideia feita de ser o alvo primordial da mobilidade). É um dos países europeus com menor número de refugiados e de pedidos de asilo. Os estrangeiros residentes não têm elevada criminalidade. E a taxa de desemprego não está muito elevada.*

Já agora, e como quem não quer a coisa..., Portugal tem, pelo menos desde XIX, uma longa experiência de emigração (Brasil, América do Norte, Europa Ocidental, África, sucessivamente). E continua a tê-la - ainda que os propagandistas avençados pelo PS e os agitadores profissionais do BE continuem a reduzir a emigração em XXI a efeitos do satanismo liberal de Passos Coelho. Disso resulta termos centenas de milhares (pelo menos) de cidadãos emigrados e milhões de seus descendentes no estrangeiro - com direito a requerer a nacionalidade, se o entenderem. E é neste país, com este historial e este presente, que se botam estas tralhas.

Ou seja, o paleio de Ventura nada mais é do que um animar das suas hostes (morcãs). É um aldrabismo, boçal. Um vácuo tonitruar de quem pouco ou nada tem para adiantar sobre a situação nacional e sobre o que é necessário avançar. Isto é uma bosta intelectual e um escarro moral. Aliás, é André Ventura.

 

*As estatísticas vão variando de ano para ano, e de fonte para fonte. Deixo estas ligações, encontradas em rápida pesquisa no Google. Se o meu objectivo fosse fazer um ensaio, a selecção de fontes estatísticas teria de ser mais cuidada, fundamentalmente em termos da sua coerência. Mas isto é um postal de blog, assim sendo mais do que suficiente a opção por fontes avulsas, desde que credíveis.