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Delito de Opinião

Os pupilos do professor Marcelo

Legislativas 2024 (20)

Pedro Correia, 08.03.24

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A campanha eleitoral termina hoje com bastante especulação, muito compreensível, sobre quem vencerá as legislativas. Mas uma coisa é certa: o jornalismo sai derrotado. Houve cedências crescentes e até chocantes ao infotainment - promíscua amálgama de informação com entertenimento, transformando as redacções em sociedades recreativas. Sobretudo na televisão.

Dúzias de jornalistas recriam-se como figurantes da política enquanto reality show. Procurando a notícia na rua, durante o dia, e encerrando-se à noite nos estúdios, investidos em comentadores do que haviam descrito horas antes - com o bitaite típico da conversa de café a roubar cada vez mais tempo, espaço e protagonismo à reportagem. Vários deles imitando velhos mestres-escola, distribuindo notas. Como pupilos do professor Marcelo, que inaugurou esta frívola modalidade de avaliação política há mais de 30 anos na TSF.

Confesso que abri a boca de espanto ao ver um deles, que sempre considerei um dos melhores repórteres portugueses, também reduzido agora à condição de avaliador numérico. Enquanto uma excelente repórter, que já cobriu guerras e outras calamidades em paragens longínquas, desperdiçava o talento com questionários aos líderes partidários mais próprios das revistas cor-de-rosa. Eis uma das perguntas: «Quando foi a última vez que escreveu uma carta de amor?»

 

Sim, o jornalismo sai derrotado desta campanha. Por culpa própria: anda há anos a esforçar-se muito para se tornar irrelevante. Assim não admira que Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos tenham recusado dar entrevistas ao Expresso, considerado o mais influente jornal português. Preferiram exibir-se perante a Cristina Ferreira nas manhãs da TVI ou marcar presença no programa humorístico do Ricardo Araújo Pereira nos serões da SIC. Faz sentido: se a cobertura jornalística adopta a lógica do reality show, siga-se o original em vez da cópia.

Pior ainda quando o modelo dos debates decalca o dos programas de bola, cheios de palpiteiros de cachecol clubístico, imitando claques de futebol. Sem o menor esforço de isenção, rigor, equidistância, frieza analítica, argumento racional: o que importa é exibir o emblema partidário.

O apogeu do ridículo talvez tenha sido esta nota 8 (em dez) atribuída quarta-feira por Ana Gomes na SIC-N ao candidato que entusiasticamente apoia enquanto aplicava ao candidato rival um metafórico pontapé nos fundilhos, brindando-o com implacável nota zero. 

É salutar que as pessoas estejam cada vez mais distantes destes alegados espaços informativos que nada têm a ver com jornalismo. Estou com elas. Se as opções à escolha forem Ana Gomes e Cristina Ferreira, não hesito um segundo em votar nesta. 

Presidenciais (14)

Pedro Correia, 22.01.21

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A CULPA FOI MINHA

Não sei se alguém chegou antes de mim, mas eu terei sido dos primeiros. Em Maio de 2015, numa série de textos aqui publicados e que acabaram por ser reunidos em livro, lancei no DELITO a pré-candidatura de Ana Gomes ao Palácio de Belém. Nessa prosa que lhe dediquei, enumerava prós e contras da embaixadora na corrida à Presidência, concretizada cinco anos depois. 

Alguns pontos favoráveis: «Seria a primeira chefe do Estado português do sexo feminino - e a primeira em regime republicano - desde a morte prematura da Rainha D. Maria II, em 1853. Xanana, de quem se tornou amiga, decerto não se importaria de viajar de propósito a Portugal para abrilhantar os comícios de campanha da ex-embaixadora portuguesa em Jacarta.»

Alguns pontos desfavoráveis: «A palavra voa-lhe por vezes mais veloz que o pensamento, como quando se apressou a invocar causas "sociais" para o morticínio no Charlie Hebdo. Alguns socialistas, que nunca integraram o seu clube de fãs, assumiriam sem hesitar qualquer outra opção de voto. Os cristais de Belém sofreriam eventuais danos irreparáveis nos momentos em que a voz dela se elevasse aos patamares característicos de Bianca Castafiore.»

 

Podem elogiar-me ou criticar-me à vontade: assumo toda a responsabilidade pelo que escrevi. Entretanto, permitam-me destacar esta frase premonitória: «Alguns socialistas, que nunca integraram o seu clube de fãs, assumiriam sem hesitar qualquer outra opção de voto.»

Assenta que nem uma luva a quase todas as actuais figuras gradas do PS - começando, naturalmente, por António Costa.

Presidenciais (10)

Pedro Correia, 21.01.21

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DESCUBRA AS DIFERENÇAS

Antigamente os jornais costumavam publicar dois desenhos que pareciam iguais mas afinal tinham pequeníssimos pormenores que os diferenciavam. Objectivo: desafiar os leitores mais argutos a descobrir as "sete diferenças".

Vem isto a propósito de Ana Gomes e Marisa Matias. Tento descortinar qualquer diferença programática, ideológica ou até de retórica política entre elas - sempre sem conseguir. Intriga-me, portanto, que ambas corram para Belém disputando o mesmíssimo eleitorado, sem terem feito aparentemente o menor esforço para convergir numa candidatura comum. O que só pode prejudicar ambas.

Admito, porém, estar enganado. Talvez existam entre elas as tais "sete diferenças". Alguém me ajuda a descobrir quais são? 

Presidenciais (4)

Pedro Correia, 11.01.21

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DEBATE GOMES-MARCELO

Há uma diferença enorme entre querer e poder. Esta foi a frase extraída de um western que me veio à memória mal terminou o frente-a-frente da noite de anteontem entre Ana Gomes e Marcelo Rebelo de Sousa na RTP, bem moderado por Carlos Daniel. 

Para azar da nossa antiga representante em Jacarta, este não foi apenas o debate que lhe correu pior: foi também aquele em que Marcelo se saiu melhor. Enquanto ela titubeava, ele ia espetando farpas. Sempre de largo sorriso no rosto, talvez para aliviar a dor da antagonista.

Mas foram farpas precedidas de anestesia. Como sempre fez nestes debates, o presidente recandidato começou por elogiar quem tinha à frente. Ana Gomes - sublinhou - «teve um papel muito importante para Timor-Leste e para Portugal num momento histórico». Pura técnica retórica, que Marcelo domina com requinte florentino. 

Produziu efeitos com a bloquista Marisa Matias: quase só faltou saírem ambos a valsar do estúdio. E começou por funcionar também com a candidata apoiada pelo PAN e pelo Livre, ao ponto de o moderador se sentir forçado a dar-lhe duas deixas para ela criticar Marcelo. Antes que os telespectadores, bocejando, mudassem de canal.

Foi Carlos Daniel a sugerir ligação entre o suposto falhanço da pedagogia presidencial e o brutal aumento dos contágios por Covid-19 com uma pergunta directa à ex-eurodeputada: «Responsabiliza o Presidente da República pelo que está a acontecer?» Foi ele também a introduzir o tema do homicídio no SEF, que tanto incomoda Rebelo de Sousa. «Esta é das matérias em que eu faria diferente», afirmou a antiga militante do MRPP.

 

Ia a coisa a meio quando começou a haver debate. Ana Gomes atacou Rebelo de Sousa por viabilizar a nova solução governativa dos Açores - elogiando de caminho Cavaco Silva por ter convidado inicialmente Passos Coelho, vencedor nas urnas sem maioria parlamentar, para formar governo no Outono de 2015. Carregou de achismos a sua arma verbal e disparou: «Acho grave, normaliza uma força de extrema-direita.»

Seguiu-se este diálogo, com Marcelo a falar cada vez mais depressa e Gomes a pisar o travão:

- Como é que o Presidente da República recusa uma maioria parlamentar? (...) A posição da senhora embaixadora é proibir, fazer cordão sanitário. Eu sou contra. Ganha-se no debate das ideias, não se ganha proibindo, não se ganha calando. Isso é vitimizá-los.

- Não se trata de proibir...

- Trata-se. Defendeu a ilegalização, é proibir.

- As democracias têm de se defender contra os intolerantes, já dizia Karl Popper.

- Defende-se com as ideias, não se defende policiando.

- Se estivesse... quando estiver no lugar de Presidente da República serei absolutamente incisiva.

- Nunca pediu antes a ilegalização do partido. Foi ao Ministério Público pedir? Como cidadã indignada, porque esperou para ser candidata para vir dizer isso?

 

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Em política, o que parece é. Há quatro meses, parecia que Ana Gomes não descortinava sombras no mandato presidencial. Por uma vez, o inquilino de Belém recorreu à cábula que trazia preparada, lendo uma declaração da candidata: «Faço um balanço positivo do mandato de Marcelo Rebelo de Sousa. (...) Foi muito importante a articulação entre os governos e o Presidente.» Data: 9 de Setembro. Conclusão do sorridente Marcelo: «Até ao dia seguinte à declaração da sua candidatura achava que a articulação tinha sido magnífica.»

Sentindo que os minutos se escoavam sem pontificar no confronto televisivo, a socialista abandonou por uma vez o tom diplomático. Aludiu à «relação de amizade» entre Marcelo e Ricardo Salgado, sugerindo interferências de Belém no passo de caracol a que segue o processo BES.

Pisava um terreno em que nem o rei das insinuações, André Ventura, ousou mover-se.

Isto permitiu que Marcelo desenrolasse um inventário: «No meu mandato, orgulho-me de terem avançado - com duas procuradoras, não só com uma - a Operação Marquês, a Operação BES, recentemente o julgamento de Tancos, a Operação Lex, operações contra magistrados judiciais. Avançaram, não pararam.» 

Permitiu-lhe também o contra-ataque. Em comparação subliminar com o líder do Chega, remeteu-a à gaveta dos que disparam primeiro e só pensam depois: «Não sei se percebe o quão ofensivo é aquilo que disse. (...) Atingiu a minha honorabilidade e a minha integridade. Eu nunca diria de si aquilo que disse de mim. Não vale tudo na política.»

A sua antagonista nada mais de relevante proferiu.

 

Este foi o debate em que emergiu um vencedor mais nítido. Marcelo, receando a abstenção por parecer vencedor antecipado, só mobiliza votos vitimizando-se. Precisava do pretexto que Ana Gomes lhe serviu quando cedeu à tentação da demagogia.

Na sombra, António Costa terá sorrido: o seu candidato saiu-se bem neste western da campanha, galopando em triunfo na pradaria.

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Frases do debate:

 

Gomes - «É preciso ter uma relação leal e franca com o Governo.»

Marcelo - «Quem disse que o primeiro-ministro era igual ao primeiro-ministro húngaro Orbán não fui eu, foi a senhora embaixadora.»

Gomes  - «Marcelo Rebelo de Sousa podia contribuir mais para as soluções.»

Marcelo  - «A senhora embaixadora tem de estabilizar a sua opinião.»

Gomes - «Eu sei que o senhor professor, ate pela sua relação de amizade com o dr. Ricardo Salgado, é certamente das pessoas com mais interesse em que o caso BES já tivesse sido esclarecido, que já tivessem sido apuradas responsabilidades.»

Marcelo - «Eu não distingo entre portugueses. Não tenho interesses especiais, no caso Rui Pinto... não tenho interesses especiais nenhuns.»

Gomes - O senhor fala sobre tudo...»

Marcelo - «Não falo sobre tudo, falo sobre o que é importante. Quem fala sobre tudo é a senhora embaixadora.»

Presidenciais (3)

Pedro Correia, 10.01.21

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DEBATE GOMES-VENTURA

Há quem se admire por esta campanha presidencial suscitar tanto desinteresse. Mas que emoção subsiste numa competição onde só o segundo lugar permanece em aberto? É como ver um filme com desfecho já conhecido.

Ana Gomes e André Ventura, valha a verdade, nem tentam disfarçar esta condição de actores secundários. O que ficou bem evidente no debate moderado por Pedro Mourinho que os colocou frente-a-frente, na noite de anteontem, na TVI 24. Ela exibindo esgares que lhe traíam o nervosismo, ele a debitar lugares-comuns em tropel contínuo. 

 

A candidata apoiada pelo PAN e pelo Livre tem muito mais experiência de campanhas do que o seu antagonista, mas é incapaz de ombrear com ele no domínio dos códigos televisivos. Com longo tirocínio no canal do Benfica e na CMTV, Ventura traz para a política o traquejo das discussões futeboleiras temperadas com o "livro de estilo" do canal da Cofina: falar em ritmo acelerado, levantando a voz para impedir o discurso alheio. Nesta peculiar linha de comunicação, a pausa e o silêncio são vistos como inimigos.

Em comparação, a escola do MRPP - onde Gomes recebeu o baptismo da militância partidária - pertence à era da pedra lascada. A antiga embaixadora de Portugal na Indonésia continua a cometer erros lapidares. Grita pela ilegalização de um partido avalizado pelo Tribunal Constitucional, acabando assim por fazer-lhe publicidade. Diz que não responde às provocações de Ventura, mas passa o tempo a descascar os amendoins que o caudilho do Chega lhe atira.

Pior ainda: proclama que o seu rival é Marcelo Rebelo de Sousa, esquecendo-se por completo de criticá-lo, como aconteceu neste debate. O único reparo ao campeão das sondagens veio de Ventura, mesmo a fechar: «Ficou muito mal a Marcelo Rebelo de Sousa colocar-se no debate comigo como Presidente e não como candidato e revelar conversas privadas no Palácio de Belém.»

Não custa dar-lhe razão nisto.

 

«Este senhor tem truques para tentar arrastar para a lama quem aqui vem debater com ele, para ficar parecido com ele. Não será o meu caso», jurou a candidata. Sem cumprir. Daí a nada já trocava galhardetes com o antagonista ao nível da subcave. Ele lançava anátemas contra Paulo Pedroso, director de campanha da ex-eurodeputada socialista. Ela trazia para a discussão «o amigo deste senhor, Luís Filipe Vieira», que «pregou calotes ao Estado português».

Inesperadamente, quem também ficou de orelhas a arder foi José Sócrates - como se fosse adversário de ambos no combate presidencial. Declarou o pleonástico Ventura: «Esta senhora andava aos beijinhos com ele há uns anos atrás!» Ripostava Gomes, visando o deputado com ar de nojo: «Um sujeito que, como funcionário da Autoridade Tributária, ajudou o patrão de Sócrates, Paulo Lalanda de Castro, a não pagar um milhão de impostos!»

 

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Parecia 2011, não 2021. Incapaz de subir ao nível de Marcelo, Ana Gomes optou por descer ao nível de André Ventura. 

O maior triunfador deste confronto de segundas linhas foi assim o grande ausente: Rebelo de Sousa. Aconchegado por todas as pesquisas de opinião e pela clamorosa inépcia dos adversários, o presidente recandidato só tem a recear uma abstenção elevadíssima.

Mas houve um segundo vencedor, que também não estava lá: António Costa. Cada vez mais gente percebe hoje por que motivo o primeiro-ministro recusou ungir a sua camarada Ana Gomes como candidata do PS, declarando apoio a Marcelo.

«O poder não é nada sem autoridade», diz a Rainha Isabel II interpretada pela actriz Olivia Colman na quarta temporada da magnífica série The Crown. Vejam-na, se puderem. Ensina mais sobre política do que todos os debates presidenciais.

 

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Frases do debate:

 

Gomes  - «Eu tenho aqui uma marca na cara que foi duma vergastada dum pide... uma cicatriz.»

Ventura  - «O nosso desafio é derrubar esta esquerda que tem dominado nos últimos 46 anos.»

Gomes - «Trabalhei durante 45 anos pela democracia e pela liberdade no nosso país.»

Ventura - «O meu partido está em terceiro nas sondagens, por muito que lhe custe.»

Gomes - «O partido deste senhor quer destruir a democracia! A democracia não pode ser tolerante com os intolerantes.»

Ventura - «Tem pouca gente a apoiá-la. Também, com as coisas que diz, não é de espantar.»

Gomes - «Este senhor nem no próprio partido dele manda, tanto que teve de impor a  lei da rolha aos seus próprios militantes, tal é o medo que tem do que eles possam dizer sobre a sua direcção.»

Ventura - «Você nem o apoio do seu partido teve, valha-me Deus! E vem aqui dizer que eu não tenho apoio. Os portugueses devem estar a rir em casa...»

Presidenciais (2)

Pedro Correia, 08.01.21

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UMA COISA EM FORMA DE ASSIM

As assessorias de comunicação e de imagem, por vezes, estragam mais do que ajudam. Repare-se em Ana Gomes: mal começou a campanha presidencial mudou por completo. Deixou de ser aquela estridente justiceira que surgia de dedo em riste nas pantalhas, num allegro molto vivace, para se recriar num pianissimo nada correspondente ao estilo a que nos habituou. Suavizou a voz, amaneirou-se, ganhou contornos de tia pronta a beber o chá das cinco em Seteais. Retirou os pontos de exclamação das frases, substituindo-os por reticências. 

Imagino os assessores a imporem-lhe o novo estilo: «Tem de conquistar os votos moderados, tem de ganhar terreno ao centro.» Cumprem o papel que lhes cabe: formatam e plastificam candidatos em função das sondagens e de pesquisas internas junto de segmentos do eleitorado.

Mas com ela não resulta: sai uma coisa em forma de assim, para usar a saborosa expressão imortalizada por Alexandre O'Neill. Isso ficou ainda mais evidente no debate de ontem à noite na TVI 24 com Tiago Mayan Gonçalves, em que o candidato liberal - muito menos rodado nestas lides políticas e mediáticas - suplantou sem esforço a sua adversária.

 

Falando em ziguezagues, sempre à defesa, Ana Gomes esteve irreconhecível. E respondeu de forma atabalhoada às perguntas da moderadora, Carla Moita. Nomeadamente a propósito da progressão galopante do novo coronavírus, que nas últimas 72 horas causou mais 30 mil infectados em Portugal.

Confrontada com o tema, a candidata filiada no PS respondeu assim: «Eu não... não queria ter a responsabilidade que hoje os governantes têm e acho que é difícil e confio neles, naturalmente no pressuposto que eles estão a ouvir os especialistas... os cientistas... e tomarão as medidas que forem melhores e estou disponível para... para considerar o que é que é necessário para fazer do nosso... lado como candidatos a estas eleições.»

 

Tive de ouvir duas vezes para acreditar. Uma candidata à Presidência da República afirma solenemente na televisão que não queria ter responsabilidades nesta hora difícil de combate à pandemia - verdadeira prioridade nacional. Então candidata-se para quê ao cargo supremo do Estado português?

A pergunta ficou por fazer no debate. Mas faço-a eu aqui.

A vacina de Gomes

jpt, 02.12.20

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A dra. Gomes vacinou-se por motu próprio. E disso se gabou, em molde crítico. Mas não insurreccional, note-se. Acontece que nisso cometeu uma ilegalidade, o que em muitos outros países seria virótico, até letal, para uma candidatura presidencial. Talvez não para a sua pois, antes de zarpar para as imediações do Bugio, sossegou os apoiantes invocando o seu "desconhecimento da lei" - o qual, como bem se sabe, no direito português inocenta qualquer prevaricador.

Muitos dirão que é coisa pouca para que seja ela criticada. Pois as preocupações com a saúde, acrescidas nesta era de "epidemia" (PCP, 2020), sobressaem face a minudências legais. Não os contestarei. Pois diante deste episódio só questiono: quem quererá como Presidente da República uma mulher que escreve desta maneira?

(Já sigo com saudades da dra. Roseira, a tão popular Maria de Belém ...)

Da candidata Gomes

jpt, 30.10.20

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Morreu Sindika Dokolo, genro de Zedu, marido de Isabel dos Santos, ao que foi noticiado devido a um acidente de mergulho. Goste-se ou não da elite angolana esta reacção da candidata Gomes é vergonhosa. Pois de imediato alude a teorias conspiratórias, típicas não dos informados analíticos mas dos desinformadores e dos ignorantes. Mas muito pior é esta reprodução de uma mísera "boca", a de que o sinistrado "morreu offshore".

Breve momento a mostrar o carácter e a mundivisão desta candidata Gomes. 

Líder da oposição

Pedro Correia, 16.10.20

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O Governo, denotando um autoritarismo galopante que o leva a remover personalidades incómodas, como a anterior Procuradora Geral da República e o cessante presidente do Tribunal de Contas, quer agora pôr as polícias a invadir a intimidade das nossas comunicações móveis.

Com o ar expedito que já adoptou para insultar médicos e apoiar a recandidatura do presidente do Benfica, António Costa anunciou o uso obrigatório, em contexto estudantil e laboral (começando pelos trabalhadores da administração pública), de uma aplicação com nome "amaricano" que coloca cada cidadão sob escrutínio permanente das autoridades sanitárias, fornecendo metadados aos gigantes da tecnologia digital Apple (iOS) e Google (Android). Em nome da "geolocalização de infectados" - empestados e leprosos do século XXI.

Esta medida, inexistente na União Europeia, foi instituída pela ditadura chinesa. Cenário distópico - digno das páginas do 1984, de Orwell - tornado realidade a pretexto do combate à pandemia. A mesma ditadura que impõe testes clínicos a todos os súbditos numa cidade com 9,4 milhões de habitantes em apenas cinco dias, apenas porque ali surgiram seis casos de infecção com o novo coronavírus. Quem recusar, fica sob a alçada imediata da "polícia de vigilância e defesa do Estado".

 

Acontece que não vivemos em ditadura: a polícia portuguesa não existe para violar a privacidade de cidadãos pacíficos. Aliás o Tribunal Constitucional já chumbou a utilização dos metadados de telecomunicações pelos serviços de informações para prevenir actos de terrorismo. Nada autoriza o primeiro-ministro a assinar decretos por capricho autoritário, vulnerando direitos fundamentais: o Governo tem de submeter-se ao império da lei.

Felizmente a nossa democracia conta com uma oposição activa e enérgica. «É inconstitucional tornar obrigatória a app #StayAwayCovid: além da violação da privacidade num país em que a Comissão Nacional de Protecção de Dados não tem dentes, da ineficácia e da análise custo-benefício, equivaleria a consagrar a discriminação contra pobres e idosos mais vulneráveis. Espero que a AR chumbe o projecto-lei», apressou-se a opinar a líder da oposição.

Sem papas na língua, como sempre.

Ana Gomes é a dama no tabuleiro de xadrez de Pedro Nuno Santos

Pedro Correia, 09.10.20

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Há neste momento uma guerra cada vez menos surda no PS, já a pensar no ciclo pós-António Costa.

Defrontam-se dois projectos, que não são apenas pessoais: são também políticos. Ou uma hipotética parceria de longa duração com o PSD, que encontraria em Fernando Medina o protagonista ideal, ou uma provável fusão a prazo entre socialistas e bloquistas, com Pedro Nuno Santos ao leme.

 

Esta facção acaba de receber um poderoso incentivo com a entrada em cena de Ana Gomes, que ao apresentar-se como candidata presidencial fez questão de proclamar os laços de amizade que mantém com Marisa Matias, sua concorrente na campanha. Algo que só terá soado estranho a quem ignore o conflito que germina nos bastidores do PS.

Costa tem uma aversão inata ao Bloco e detesta Ana Gomes. O instinto político diz-lhe que a ex-embaixadora funcionará, nesta corrida a Belém, como aliada objectiva de Pedro Nuno Santos na disputa pela liderança do partido. E não ignora que este grupo tem ligações estreitas a influentes sectores da comunicação social: filho de jornalista, irmão de jornalista, é-lhe fácil reconstituir o circuito de cada manchete na imprensa e cada abertura de telediário. Sabe que o intervalo de poucos dias entre o anúncio público da candidatura de Ana Gomes e a notícia do seu envolvimento no apoio a Luís Filipe Vieira no Benfica não foi coincidência.

 

Alguns analistas políticos asseguram que nas presidenciais o confronto principal será entre Ana Gomes e André Ventura: isso é próprio de quem só consegue ver a espuma dos acontecimentos.

O que interessa acompanhar verdadeiramente é a evolução de posições no processo de substituição de Costa, que de algum modo já está em marcha. E de que a mais recente substituição no elenco de secretários de Estado constitui indício. Não apenas do esgotamento da capacidade de recrutamento do primeiro-ministro, hoje incapaz de atrair personalidades fora do circuito partidário para o elenco governativo, como do reforço do peso relativo de Pedro Nuno Santos: duas das cinco mudanças ocorreram no ministério que lhe está confiado e simbolizam o avanço de peões num tabuleiro de xadrez.

Dama, já existe: é a candidata presidencial.

 

O dilema hamletiano de um PS liderado por Medina, que privilegiaria um novo bloco central, e um partido sob o comando do titular da pasta das Infraestruturas, dando prioridade absoluta a entendimentos à esquerda, dominará a partir de agora as movimentações internas no PS. Cabendo à desalinhada Ana Gomes um papel decisivo.

Na corrida a Belém, ela funciona como lebre de Pedro Nuno para o Largo do Rato.

Costa, Ventura, Vieira e Benfica

Pedro Correia, 14.09.20

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Vieira e Ventura: o criador e a criatura

 

Não sei se é a primeira vez que um chefe do Governo no activo integra a "Comissão de Honra" de um candidato à presidência de um clube de futebol. Mas é a primeira vez que surge na "Comissão de Honra" de um candidato arguido em processo-crime por grave suspeita de fraude fiscal (que resulta da Operação Saco Azul) e está indiciado noutros processos, nomeadamente por suspeita de corrupção, no âmbito da Operação Lex, que enviará para o banco dos réus pelo menos dois juízes, incluindo o ex-desembargador Rui Rangel.

 

Monumental escorregadela de António Costa, que noutras circunstâncias foi precavido ao ponto de ter recomendado aos seus ministros que «nem à mesa do café podem deixar de se lembrar que são membros do Governo» e fez até aprovar um código de conduta que impõe aos membros do Executivo que devam «abster-se de qualquer acção ou omissão, exercida directamente ou através de interposta pessoa, que possa objectivamente ser interpretada como visando beneficiar indevidamente uma terceira pessoa, singular ou colectiva»?

É óbvio que sim. O primeiro-ministro estava consciente dos potenciais danos deste apoio, mas confiou que só causaria brevíssima celeuma, logo sepultada na espuma dos dias. Ter-se-á tratado, em larga medida, de um risco assumido: Costa quer fazer marcação cerrada a André Ventura em matéria de benfiquismo militante, consciente de que o maior clube desportivo português pode ser um baluarte eleitoral em terreno político.

Não por acaso, Ventura é um dos raros opositores ao Governo que tardam a pronunciar-se sobre o apoio do primeiro-ministro ao presidente do SLB, a quem o actual líder do Chega deve tantos favores. Ao ponto de poder dizer-se que Ventura, iniciado nas lides mediáticas como escrevinhador do jornal do Benfica e comentador da Benfica TV, é uma criação de Vieira.

 

Acontece que Costa menosprezou a capacidade de indignação dos portugueses. Ao aceitar tornar-se "testemunha abonatória" de Vieira (tradução prática da inclusão do seu nome na tal "Comissão de Honra"), o chefe do Governo desautoriza as tímidas medidas legislativas anticorrupção anunciadas há dias pela ministra da Justiça e caminha sobre uma camada de gelo muito fino: Vieira integrou a lista dos maiores devedores do BES, causou perdas de 225 milhões de euros ao Novo Banco (de acordo com a auditoria feita pela Deloitte a esta entidade financeira) e poderá estar envolvido com a desacreditada construtora brasileira Odebrecht, implicada no escândalo Lava Jato.

Não faço ideia o que Vieira lhe terá dito como expressão do agradecimento pelo apoio do chefe do Executivo nesta campanha eleitoral em que enfrenta pelo menos três adversários à presidência do Benfica. Mas esta inconcebível trapalhada fornece um poderoso argumento à candidata presidencial Ana Gomes, que faz do combate à promiscuidade entre política e futebol uma das prioridades do seu discurso. Se Costa supunha que a polémica passaria depressa, enganou-se em toda a linha.

Ana Gomes: «Cada vez gosto mais do verde das plantas e das paisagens»

Quem fala assim... (1)

Pedro Correia, 19.06.20

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«Se os limites forem injustos, absurdos ou ilegítimos é bom transgredi-los. Convém mesmo transgredi-los sem hesitação»

 

Atendeu o telefone com prontidão e dispôs-se a retorquir sem gaguejar às perguntas que fui disparando, sem imaginar qual seria a questão seguinte. Hesitou pouco ou nada. Por vezes, antes de responder, soltava uma gargalhada, confirmando que preza o sentido de humor.

 

Tem medo de quê?

De ter medo.

Gostaria de viver num hotel?

Já vivi vários meses num hotel quando estava na Indonésia antes de ter casa lá. Tive imensa sorte: era um hotel maravilhoso. Claro que prefiro estar em casa do que num hotel, por permitir mais privacidade, mas não tenho nada contra hotéis.

A sua bebida preferida?

Água.

Tem alguma pedra no sapato?

Eu? Não. Procuro usar sempre sapatos confortáveis.

Que número calça?

38.

Que livro anda a ler?

Um livro de Amin Maalouf, Le Dérèglement du Monde

E que tal?

Estou a gostar muito.

Tem muitos livros à cabeceira?

Costumo ter muitos. E revistas. E papéis. Mas, infelizmente, é quase tudo relacionado com o meu trabalho no Parlamento Europeu [deixou de ser eurodeputada em 2019]. Questões relacionadas com direitos humanos, conflitos, desenvolvimento, a luta contra a corrupção, a resolução da crise financeira internacional. Não tenho conseguido tempo para ler e reflectir sobre mais nada.

A sua personagem de ficção favorita?

Nenhuma em especial.

Rir é o melhor remédio?

Rir faz muito bem, sem dúvida. Não sei se é o melhor remédio. Mas é um remédio essencial.

Lembra-se da última vez em que chorou?

Lembro.

Gosta mais de conduzir ou de ser conduzida?

Depende das circunstâncias. Depende também de quem é o condutor.

É bom transgredir os limites?

Também depende muito de quais são os limites. Se os limites forem injustos, absurdos ou ilegítimos, é bom transgredi-los. Convém mesmo transgredi-los sem hesitação.

Qual é o seu prato favorito?

Empadão de carne.

Qual é o pecado capital que pratica com mais frequência?

Talvez a gula.

A sua cor favorita?

Tem variado ao longo dos anos. Mas cada vez estou a gostar mais do verde. O verde das plantas, o verde das paisagens.

Costuma cantar no duche?

Não. Costumo cantar, mas não necessariamente no duche.

E a música da sua vida?

Petite Messe Solennelle, de Rossini.

Sugere alguma alteração ao hino nacional?

Gosto do hino nacional, embora as palavras sejam politicamente incorrectas - muito incorrectas mesmo. Comovo-me sempre que o oiço.

Com que figura pública gostaria de jantar esta noite?

Com Pascal Lamy, director-geral da Organização Mundial do Comércio [cessou funções em 2013]. É um socialista francês que muito admiro. Gostava muito de o ver como presidente da Comissão Europeia.

As aparências iludem?

Sim. E as iludências também aparudem.

Qual é a peça de vestuário que prefere?

As calças.

Qual é o seu maior sonho?

Sonho ver a humanidade mais justa. Sonho ver o mundo melhor, com mais equidade. Sonho poder contribuir para deixar um mundo melhor para os meus netos.

E o maior pesadelo?

O meu maior pesadelo relaciona-se com a crise económica do mundo actual. Apesar de todas as medidas que estão a ser tomadas, receio que esta crise acabe por avolumar as tensões sociais e políticas. Há sempre políticos populistas e xenófobos prontos a explorar o descontentamento popular devido à falta de perspectivas económicas. Em tudo isto vejo também, e com muita preocupação, um défice de intervenção da Europa.

O que a irrita profundamente?

A desonestidade intelectual. Na política, por exemplo.

Qual a melhor forma de relaxar?

Brincar com os meus netos.

O que faria se fosse milionária?

Financiava uma série de organizações não governamentais que fazem um trabalho extraordinário a favor dos direitos humanos e do desenvolvimento.

Um homem bonito?

Kevin Costner.

Acredita no paraíso?

Na Terra.

Tem um lema?

Dar o máximo.

 

Entrevista publicada no Diário de Notícias (4 de Abril de 2009)

Costa e a "diletância"

Pedro Correia, 18.02.19

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António Costa falou há pouco no Palácio de Belém, onde assistiu à posse dos novos ministros e secretários de Estado, na quarta remodelação governamental ocorrida nesta legislatura. Aproveitando o local e a ocasião para fazer propaganda política, já a pensar na eleição de 26 de Maio, que permitirá aos portugueses escolher os nossos próximos eurodeputados. No dia em que, segundo uma sondagem da Aximage, a sua avaliação é a mais negativa, aos olhos dos portugueses, desde que assumiu o cargo de chefe do Executivo.

Confrontado pelos jornalistas, acabou por dizer aquilo que talvez não pensasse inicialmente, omitindo o respeito institucional que lhe deve merecer o Parlamento Europeu. Pronunciando-se, ainda por cima, na sede do representante máximo do poder político português - que não é ele, como sabemos.

«É saudável que haja membros do Governo que estejam disponíveis a servir o País no Parlamento Europeu. O Parlamento Europeu não pode ser só um local de diletância política e de sound bites», declarou o primeiro-ministro. Pouco lhe faltou para apelar, ali mesmo, ao voto em Pedro Marques e Maria Manuel Leitão Marques, os ministros que acabam de sair para concorrerem ao órgão legislativo que tem sede em Bruxelas e Estrasburgo.

Vão substituir, no elenco de candidatos do PS, os eurodeputados Francisco Assis (que foi o cabeça-de-lista em 2014) e Ana Gomes. Ambos "diletantes", presume-se. E especialistas em sound bites. Terá sido por isso que Costa lhes passou guia de marcha? Devem estar ambos satisfeitíssimos por receberem estes doces qualificativos, da parte de quem por cá manda, na hora do regresso à pátria.

O melhor discurso do congresso

Pedro Correia, 27.05.18

Ana Gomes, ontem, na reunião magna do PS:

 

«Errámos deixando que o pântano atolasse o País.»

«Não vale a pena varrer para debaixo do tapete o que do passado nos pode enraivecer e envergonhar.»

«Contra a corrupção, tráfico de influências, portas giratórias entre Estado e consultadorias privadas, contra a impunidade, exige-se acção.»

 

(Só conseguiu falar enquanto decorria a final da Liga dos Campeões)

Pós-eleitorais (6)

Pedro Correia, 02.02.16

De todos os lamentos pós-eleitorais oriundos da área do partido do Governo, o mais original foi este veemente desabafo da inconfundível Ana Gomes: «Teria gostado que o PS tivesse apoiado claramente um candidato», disparou a eurodeputada. Bem prega Frei Tomás: muitos socialistas teriam gostado que Ana Gomes começasse por clarificar a sua própria posição em matéria de campanha presidencial. Foi ela quem lançou Maria de Belém como candidata para depois apoiar Sampaio da Nóvoa. Todo um modelo de coerência.