Os burros felizes
A relação da esquerda bem-pensante com os estrangeiros é profundamente bipolar.
Sempre que alguém questiona a política de portas escancaradas do governo anterior, desatam a disparar acusações de xenofobia fascista. Eles sim, são os donos dos bons sentimentos, do humanismo que recebe, que apoia e que abraça. Degredados do mundo, uni-vos e ponde os pés aos caminho. Com os socialistas a mandar, basta assinar (ou pôr o dedo) na manifestação de interesse e automaticamente ganham o direito a poder acampar nos passeios deste país de brando clima e amenos costumes.
Mas, atenção! Têm de ser pobres!
Se tiverem com que comprar uma casa, então o melhor é irem andando lá para os lados de quem vos fez as orelhas. A falta de habitação em Portugal é causada pelos ricos que vêm para cá gozar a reforma. Mundo daqui para fora! (esta é uma expressão que a minha avó usava quando os gatos cruzavam a porta da cozinha atrás do cheiro a sardinhas, e que recordo com saudade). Aliás, não há casas para os jovens por causa dos estrangeiros, pois são eles que alimentam o negócio do Alojamento Local, que está na mão dos patos bravos, dos gananciosos, que deviam lembrar-se que é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha, que um rico ... ah não, isso é outra história, é a mesma raiz de pensamento mas com outra roupa. Mas, dizia, esses gananciosos que têm a mania que são espertos e que se atrevem a fazer pela vida sem andarem de mão estendida para com o estado. Ah isto agora é assim? Devem pensar que têm a liberdade de ter um negócio próprio! Não foi para isso que se fez Abril!
Daí até desatarem a condicionar o flagelo do AL foi um instantinho. O governo humanista do PS, amigo dos emigrantes pobres, que o que mais apreciam neste rectângulo é a calçada à portuguesa, onde montam as suas tendas, sensível ao pulsar da esquerda bem-pensante, logo se encarregaram de criar zonas de contenção absoluta para poderem acabar com esse tormento que é o AL. Escusado será dizer que esta medida mereceu o aplauso convicto da esquerda mais radical, anti-capitalista e alter-mundista.
Entretanto o governo caiu, o ex-secretário de Estado do Turismo foi eleito presidente da Associação de Hotelaria de Portugal e depois disso soubemos que só em 2019, nas freguesias lisboetas incluídas na designada zona de contenção absoluta ao AL, abriram 41 hotéis, que poderão alojar 3248 turistas e que em termos médios têm uma capacidade de alojamento dez vezes superior ao dos AL na mesma área.
E é neste momento que reparamos que o impensável aconteceu. O grande capital, e a esquerda que o odeia, estiveram unidos no aplauso às mesmas medidas. E é nesta altura que eu me lembro da piada daquele burro que come palha seca, mas se tiver uns óculos com lentes verdes, fica bem mais feliz porque esta lhe passa a saber a erva tenra, e sorrio. É sempre agradável ver um burro feliz.
Imagem gerada pelo DALL-e