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Delito de Opinião

O caviar da "verdadeira esquerda"

Pedro Correia, 05.04.23

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Este maravilhoso governo, enfim consciente de haver um milhão de "famílias carenciadas" e mais de três milhões de "portugueses vulneráveis", deu o dito por não dito anunciando o IVA zero para um cabaz de produtos alimentares. Após meses a jurar que jamais tomaria tal medida - pelas vozes autorizadas do ministro das Finanças, do ministro da Economia e do próprio primeiro-ministro. Exemplos de marxismo, tendência Groucho: se os meus princípios não agradam, arranjo outros.

António Costa, agindo como se não houvesse na sua equipa governativa alguém que ainda se intitula ministra da Agricultura e da Alimentação, decidiu ser ele próprio a comunicar a boa nova aos compatriotas: 44 produtos alimentares isentos de IVA durante pelo menos seis meses. 

Na Assembleia da República, esta lista - que entrará em vigor, já em forma de lei, no próximo dia 18 - foi aumentada.

Passa a incluir, por proposta do PAN, «bebidas e iogurtes de base vegetal, sem leite e lacticínios, produzidos à base de frutos secos, cereais, ou preparados à base de cereais, frutas, legumes ou produtos hortícolas».

Também se alarga, por proposta do PSD, ao «leite de vaca em natureza, esterilizado, pasteurizado, ultrapasteurizado e fermentado».

Fora desta isenção ficam outras reivindicações do partido animalista: soja, lentilhas, tofu e seitã. Tal como a «alimentação dos animais de companhia», incluindo canários e peixinhos de aquário.

Mas o mais criticável, sem dúvida, é a exclusão do caviar - alimento vital de muitos radicais-chiques. Esta injustiça deve ser reparada sem demora. Como ensinou um dos vultos mais eminentes da "verdadeira esquerda", Boaventura Estaline da Silva, «nem só de pão vive o homem - o caviar também faz falta».

A Alimentação Escolar

jpt, 19.08.21

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Quando aos 18 anos tirei a carta de condução herdei o Fiat 600 (DI-51-56) da minha mãe. O carro não tinha cintos de segurança, nem isso era obrigatório pois já algo antigo. Antes eu, como tantos outros, crescera a andar no banco da frente - e lembro-me de um magnífico volante de plástico, com manete de mudanças e ventosa para colar ao tablier, que tive cerca dos meus 8 anos. Pois até isso era costume. Só anos depois de eu conduzir é que começou o controlo do consumo alcoólico aos condutores - e de início apenas se os procurava sensibilizar (e aos polícias) para o assunto. Entretanto perdi alguns amigos no asfalto. E, para ser honesto, tantos de nós estamos aqui apenas porque "ao menino e ao borracho põe Deus a mão por baixo". Lembro-me bem que todas essas alterações e as campanhas que as acompanharam foram acompanhadas dos exaltados dislates de muitos - clamando contra o Estado totalitário, fascista/comunista, a intrometer-se nas questões da liberdade individual, etc. 

Agora o governo decidiu proibir a venda nas escolas de uma série de produtos alimentares prejudiciais. É consabido que há um crescendo de obesidade infantil/juvenil, principalmente entre os mais pobres. E de imediato, de novo, surge o mesmo tipo de gente aos gritos, defendendo o que julgam ser as tais liberdades individuais. Ora o Estado existe para isto, não para termos um primeiro-ministro corrupto, um ministro de negócios estrangeiros "parolo" conivente com essa corrupção, ou um secretário de estado também conivente com essa roubalheira e que depois vai para presidente da câmara denunciar cidadãos a países estrangeiros. Isso é que são os inaceitáveis ataques às liberdades individuais. Ao contrário, regulamentar algo racionalmente a dieta que se vende nas escolas é o necessário exercício estatal. 

Os pretensos inteligentes dirão que estes meus exemplos, a segurança rodoviária e a alimentação escolar, são diferentes coisas. São, claro, mas não seja por isso: há cerca de uma década o governo regulamentou o nível máximo de sal a incluir na produção panificadora. Instaurou-se o fascismo? O comunismo? Fomos acorrentados a uma hidra dietética?

A montanha mágica

Maria Dulce Fernandes, 06.01.20

O peso dos anos e o peso das ancas, quando unidos, conseguem seguramente desmoralizar um monge tibetano. Nada que não pudesse ter sido evitado, portanto, mas tirando um bom livro ou uma viagem sonhada, que outros prazeres mundanos e reconfortantes nos restam?
As festas deixaram de ser as festas como as conhecíamos, à medida que os presentes à mesa se foram fazendo representar por uma ausência doída. É verdade que a alegria das crianças é contagiante e balsâmica, mas também sublima a saudade e agiganta o apartamento.

 

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Encontrar o caminho para o lenitivo espiritual através do estômago é a fórmula milenar mais básica e mais cliché que existe, mas também a mais praticada. E já que a carne é fraca, coma-se em dobro.
Janeiro é o mês da montanha mágica, aquele excesso acumulado na cintura de muitos hidratos de carbono, açúcares, lípidos e imoderações proteicas. O nosso Castorp interior transforma num ápice três semanas em sete anos ou numa eternidade, porque a nossa montanha desafia o tempo e a vontade.
O peso da corpulência está em proporção directa ao peso da consciência e inversamente ao da tendência feita carência, derrotando em toda a linha a paciência.
A solução é simples acrescida de um tremendo grau de dificuldade, e é aí que nos agarramos ao tempo, porque o tempo das pessoas não interessa para nada e é bem quantificado ao mês.
Em assim sendo, respiramos fundo e assentamos todos os meses voltar à montanha mágica no mês seguinte, subindo e descendo as assomadas em frequentes oscilações alimentares.

Fora da caixa (14)

Pedro Correia, 23.09.19

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«Adoro as espetadas madeirenses.»

António Costa, ontem à noite, na sede do PS 

 

O secretário-geral do PS reagiu de forma original, no Largo do Rato, à derrota eleitoral do seu partido na eleição para a Assembleia Legislativa da Madeira. Com esta declaração de amor ao principal cartaz da gastronomia insular, alicerçado na comprovada excelência do gado bovino.

Fiquei preocupado. Isto vai trazer-lhe imensos dissabores junto do lóbi animalista, da vetusta academia coimbrã e até no seio do seu próprio governo (espero que as patrulhas me autorizem a escrever a expressão "no seio", de que tanto gosto).

 

Já antevejo o reitor Falcão enraivecido de indignação, de dedo acusador apontado a Costa, repetindo o que o levou a interditar a carne de vaca nas cantinas que tutela: «Vivemos um tempo de emergência climática e temos de colocar travão nesta catástrofe ambiental anunciada.»

Antevejo também o titular da pasta do Ambiente a balbuciar protestos à entrada do próximo Conselho de Ministros, lembrando ao chefe do Executivo o compromisso governamental de declarar o País «neutro de carbono» até 2030 e a recentíssima declaração do próprio Costa sobre a substituição da carne por peixe nos jantares oficiais. Malhas que a correcção política tece.

 

Basta olhar para o líder socialista para se perceber que é bom garfo: imagino-o a deliciar-se com um leitão à Bairrada ou um chacuti de cabrito. Para ele, deve ser uma tremenda chatice aturar os fiéis devotos da rúcula e os talibãs do tofu.

Serei o último a admirar-me de o ver mais vezes na Madeira nos meses que vão seguir-se, até em incursões clandestinas, para matar saudades das suculentas espetadas em pau de loureiro. É verdade que o PSD continua ali a ganhar eleições, mas quase ninguém vota no PAN e o boicote à boa carne ainda não contaminou a Pérola do Atlântico.

 

De Costa podemos esperar muita coisa, mas sou incapaz de imaginá-lo convertido ao feijão maduro cozido com um fio de azeite, apregoe frei André Silva o que apregoar.

Percebo cada vez melhor que prefira entender-se com Jerónimo de Sousa. Não tanto por uma imperiosa necessidade de convergência política mas pela possibilidade de ambos partilharem mão de vaca com grão ou ensopado de borrego, tudo regado com tinto alentejano. A "descarbonização" pode esperar.

Contra a tentação da carne

Pedro Correia, 18.09.19

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Pensava eu que uma universidade era um espaço de liberdade. Afinal não: é um espaço de interdição. Mais de meio século após a proclamação de Maio, que proibia todas as proibições, eis que a reitoria coimbrã, confundindo a academia com uma creche, restabelece a velha ordem com novos rótulos, tratando estudantes adultos como membros de um rebanho pastoreado pelos tele-evangelistas de turno que anunciam pragas bíblicas a quem ceder à tentação da carne.

«Razões ambientais» estarão na origem da decisão de eliminar o consumo da carne de vaca nas 14 cantinas a cargo da academia coimbrã, que se ufana assim de ser a «primeira universidade portuguesa neutra em carbono». Eis ao que chegámos: à universidade "neutra", onde a unicidade impera e os mais recentes dogmas em matéria de pureza alimentar são aceites sem um assomo de rebelião juvenil. «Vivemos um tempo de emergência climática e temos de colocar travão nesta catástrofe ambiental anunciada», anuncia com requintes de terror milenarista o douto reitor, Amílcar Falcão. Não podia ter retórica mais adequada nem apelido mais propício ao aplauso do partido animalista.

Os puritanos norte-americanos na década de 20 impuseram a Lei Seca. Agora os mastigadores de rúcula cá do burgo, com igual fúria proibicionista, pretendem impor com força legal os seus hábitos alimentares invocando - como os prosélitos de qualquer fé - o primado da moral pública, que se quer descontaminada e sã. Nada de novo debaixo do sol. Só me espanta o silêncio resignado - ia a escrever bovino - das associações de estudantes de Coimbra. Comem (algas e tofu) e calam. O que vai seguir-se? Substituição compulsiva da cerveja por água da bica? Imposição de cintos de castidade em material biodegradável? Recolher obrigatório para cumprir as horas de sono que as normas sanitárias recomendam?

Os basbaques erguem hossanas em louvor ao "progresso" contido nas novas tábuas da lei. Muitos totalitarismos começam assim: com caução "científica" e proselitismo higienista em nome de um ideal de pureza, sem um sopro de contraditório. Nunca é de mais recordar que o maior tirano que o mundo conheceu era vegetariano militante, muito amigo dos animais e quis impor o seu padrão alimentar ao mundo inteiro.

Complicar o que é simples

Pedro Correia, 28.09.18

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Compro uma embalagem de lombos de atum em conserva. Bom atum, açoriano, da ilha de São Jorge.

Reparo no rótulo da embalagem: é um modelo de correcção política. Além dos elementos básicos, relativos aos ingredientes e ao prazo de validade, sou municiado com um estendal de "informação nutricional".

Energia.

Lípidos.

Lípidos saturados.

Açúcares.

Hidratos de carbono.

Fibras alimentares.

Proteínas.

Sem esquecer o sal. 

Mas não fica por aqui. Garante-me a pequena embalagem de atum Santa Catarina que o atum foi capturado com recurso a "pesca salto e vara": não percebo o português, mas devem querer dizer que o bicho não sofreu no momento da captura. Asseguram-me que o atum é "laborado manualmente": continuo sem entender o português, mas parece algo destinado a apaziguar por antecipação a minha suposta ira contra a morte de seres vivos destinados à alimentação humana, como se eu fosse um feroz militante animalista. 

O espaço é curto, mas os dados informativos estão longe de esgotar-se. "Pescamos artesanalmente à cana" e "protegemos os golfinhos", proclama ainda a simpática indústria conserveira de São Jorge.

 

Tudo numa simples lata.

Enquanto cozinho sem peso na consciência o meu prosaico esparguete de atum com molho de tomate e cogumelos, vou pensando que, de ansiedade em ansiedade, passamos hoje o tempo a complicar o que é simples. Depois não nos sobram horas, por vezes sequer minutos, para as coisas verdadeiramente importantes. 

Digerindo o relatório da OMS

Teresa Ribeiro, 30.10.15

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Nada disto é novidade. Notícia foi a OMS tê-lo assumido, contra o poderosíssimo lobby dos produtores de carne. Chapeau!

Não li o relatório e através dos media não apurei o principal. E o principal seria saber quanta carne se pode consumir sem arriscar um cancro. Um bife, duas vezes por semana, pode ser? Um cozido só no pino do Inverno e de 15 em 15 dias é razoável? 

A moderação, sobretudo num tempo em que praticamente nada do que se consome para alimentação é isento de contraindicações, é tudo. 

Dito isto, o alerta da OMS pode suscitar alarmismos se não convenientemente enquadrado, mas tem o grande mérito de nos chamar a atenção para a percentagem de carne que a nossa cultura alimentar nos coloca no prato. Com ou sem cancro no horizonte, comê-la quase todos os dias é uma escolha que nos é induzida pela indústria, que está sempre atenta às nossas necessidades e fraquezas. Necessidade, temos sempre a de poupar tempo. Fraqueza temos a da preguiça de cultivarmos hábitos mais saudáveis, mas que dão trabalho. Da sandes de fiambre, à bifana, passando pela empada de galinha e o icónico hamburguer, é de carne que se fazem quase todos os expedientes a que recorremos para saciarmos a fome sem grandes maçadas.  

Proibido comer

José Gomes André, 21.11.14

O nutricionismo é uma notável invenção do século XX, mas corre o risco de ser uma praga do século XXI. À força de sermos todos muito saudáveis, e de dosearmos e seleccionarmos os produtos ideais para a nossa dieta quotidiana,tomámos a via sacra do niilismo alimentício. Não há um santo dia em que não apareça um programa televisivo, um debate na rádio, ou uma reportagem no jornal sobre os “malefícios” de uma dieta “inadequada”, inevitavelmente acompanhados de uma lista de “produtos a evitar”. E é aqui que reside o busílis da questão.
Os doces têm muito açúcar. O pão engorda. O azeite e a manteiga aumentam o colesterol. O leite pode causar pedras nos rins. Os iogurtes e as natas também. Os frutos secos têm valores calóricos excessivos. Os legumes provocam soltura e, em alguns casos, diarreia. Os ovos podem estar contaminados por salmonelas. Enchidos e salgados, é melhor nem falar. Pastelaria diversa? Voltamos ao início. As carnes vermelhas têm demasiada gordura. A das vacas pode estar louca. Mas, pelo sim, pelo não, é melhor evitar frango e peru, por causa da gripe das aves. Fruta verde faz mal aos intestinos. Grão, feijão, ervilhas e castanhas são de difícil digestão: abstenha-se. Azeitonas e ameixas? Hemorróidas. A comida japonesa – aparentemente uma boa alternativa – tem níveis excessivos de mercúrio (e isso não pode ser bom). O arroz branco tem falta de nutrientes. E por causa da concentração de gordura, os fritos são um horror; os assados fazem crescer a conta do gás e os grelhados enchem a casa de fumo.
A continuar assim, ainda acabamos todos a comer raízes.

Estranhos víveres

Teresa Ribeiro, 17.06.13

Os talos dos agriões, antes tenros e delgados, agora concorrem com os das nabiças, que por sua vez apresentam folhas tão largas e tão espessas que mais parecem as das couves, embora a sua configuração menos recortada e longilínea lembre a dos espinafres. As alfaces também mudaram de aspecto. Tornaram-se enormes e de folha grossa. Os morangos estão cada vez maiores e as maçãs, muito polidas, dobraram o volume. As nêsperas, as ameixas e os pêssegos  cresceram, mas à razão inversa do seu perfume e sabor. Fora do frigorífico não aguentam mais de dois dias. Algumas espécies de fruta desapareceram. Lembro-me que quando era miúda me deliciava com as pêras pérola e as carapinheiras, de sabor tão característico, hoje praticamente extintas.

O feijão verde alargou e já nem lembro em que época do ano chegava aos mercados quando apenas se consumia o que a terra dava em cada estação. As cebolas, por exemplo, já não são as mesmas. Apodrecem com manha. Por fora perfeitas e nas camadas interiores putrefactas. As batatas também  enganam. Muitas parecem sãs mas estão pôdres. Diz que é dos químicos. Até o pão já leva aditivos, por isso é que no dia seguinte se transforma numa borracha inodora.

Se os produtos da terra mudaram, dos alimentos de origem animal é melhor nem falar. Os ovos andam estranhos, demasiado quebradiços e com corantes a pintar as gemas. O peixe, contaminado pela poluição das águas, não se recomenda. O melhor é consumir o de plástico, alimentado a ração. A carne, já se sabe, provém de animais criados à pressão, sob stress tão intenso desde que nascem até que morrem que só podem sofrer de grandes perturbações. Alimentamo-nos pois de animais loucos, a que dão antibióticos para se aguentarem dentro dos padrões considerados próprios para consumo até ao dia do abate.

Ingeridos diariamente mesmo que em pequenas doses ao fim de umas décadas os químicos às vezes viram químio. Há cada vez mais informação sobre isto.

Chamam-lhes frescos no supermercado, para distingui-los dos produtos embalados. Frescos como a indústria que os pôs.