Antecipação
Maria Dulce Fernandes, 14.10.22
É já amanhã.
Depois de quase duzentos dias em travessia neste deserto repleto de gente, ruído, confusão, problemas, tristezas e alegrias, chega finalmente avalon.
Eu sei que estou a ser precipitada, que estou a salivar por antecipação, que estou a criar demasiadas expectativas, mas pensar nesse porvir tão perto, tão alcançável, tão apetecível e precioso, torna-me mais leve, mais alegre e bem disposta.
Hoje ouvi música.
Oiço música todos os dias. As falas são música, os motores são música, o tinir do vidro que choca levemente, os cliques dos obturadores que fecham e abrem... passos apressados são música, o som do vento que sopra, o cristal da água que corre, o crepitar do doce aroma fervente, tudo é beleza, som e música... Leio música nas palavras e oiço palavras na música que folheio e que sigo religiosamente dia após dia.
Hoje ouvi a minha música, aquela que me fala aos sentidos e provoca sentimentos e que tomo como minha, porque me pertence, me preenche e me faz vibrar. Deixo o som invadir-me, elevar-me o espírito, tomar-me nos braços e falar-me de mansinho tudo aquilo que quero ouvir. Fecho os olhos, vejo o filme da minha vida a preto e branco, sinto o a luz refractar-se, cheiro a proximidade da cor que me cobre, como um bálsamo e expludo em lágrimas de cansaço e sorrisos de gratidão.
Mais poderoso que o som do silêncio, só o som da tua vida.
É já depois de amanhã que soltarei notas ao vento e inalarei profundamente os acordes que a luz do sol fará entrar por aquela fresta minúscula, onde num rodopio as claves tensas dedilharão cordas insanas e eu, esfomeada de mim, mergulharei no frenesim do prazer dos sons e serei una outra vez.
(PS. Não encontrei Avalon este ano)
(Imagem Google)