Aldeias com histórias: Juízo
Era uma vez uma aldeia beirã, dessas como há tantas no nosso Portugal profundo. Pequena, longe de tudo, com gentes que viviam da agricultura de subsistência e trabalhavam de sol a sol para sobreviver. A sua história é idêntica à de muitas outras: viu os jovens partirem em busca de melhores condições de vida, a população residente envelhecer, as suas casas e património ruírem aos poucos, a desertificação a aproximar-se.
Só que… talvez por se chamar Juízo, talvez por ser bonita, talvez por sorte, a história desta aldeia tem um final feliz – ou, melhor dizendo, uma continuação feliz, porque o fim não está nem à vista.
A aldeia
Podemos dizer o mal que quisermos do turismo – que é poluidor, consumidor de recursos, descaracterizador, incomodativo e tudo o mais que é habitual dizer para o denegrir (e com alguma parcela de razão) – mas a verdade é que toda a actividade que se desenvolve em torno desse tipo de lazer constitui parte de uma solução para insuflar vida (e alguma prosperidade) a lugares que de outro modo já teriam sido completamente abandonados. Por muito que doa, esta é a realidade dos nossos dias, mais de um quinto já passado deste século XXI.
A aldeia do Juízo é disto um excelente exemplo. Povoada desde a época da Península Ibérica pelos romanos, habitada em tempos por um juiz (de quem lhe vem o nome), tem hoje em dia uma população permanente de apenas 15 habitantes, que felizmente é agora “engrossada” com alguma frequência pelos visitantes que a escolhem para passar um fim-de-semana ou uns dias de férias.
E escolhem muito bem. Encarrapitada num planalto entre as serras da Estrela e da Marofa e com um troço da GR22 a passar-lhe à porta (o percurso entre Castelo Rodrigo e Marialva da Grande Rota das Aldeias Históricas), é uma aldeia desafogada, rodeada de belíssimas vistas sobre os verdes e castanhos da paisagem serrana da Beira Alta, e muito acolhedora. Apesar de fora das rotas turísticas habituais, está centralmente localizada em relação a muitos locais de interesse e é, ela própria, um riquíssimo baú de vestígios históricos e cultura popular.
As ruas da aldeia enrolam-se umas nas outras, passando entre casas de granito amarelo ou com cores desmaiadas – algumas recuperadas, outras desabitadas e meio em ruínas. Em cada recanto encontramos pormenores rústicos e deliciosos: canteiros de pedra com flores, uma pipa sobre uma carreta de ferro, um tanque daqueles já quase desaparecidos, uma alminha, uma fonte com uma frase divertida, um antigo sinal do posto dos correios, pedras com gravações centenárias. E as cores de Outono das folhas caídas e das vinhas despojadas dos seus frutos condizem bem com esta aldeia.
As ruas têm placas novas com os seus nomes. A bonita casa que em tempos foi uma escola está também renovada; tem um portão de ferro forjado pintado de verde-escuro e na entrada há hortênsias e um loendro. Na aldeia há um cemitério bem arranjado e duas capelas. Uma delas, a do Juízo, foi já completamente restaurada. Tem um altar novo de granito com linhas depuradas mas o Cristo na cruz que está pendurado por cima, com ar de sofrimento, é naif e muito antigo.
Esta é uma terra rica em amêndoa, azeite e vinho; na verdade, é a região com maior número de vinhas da Beira Interior. Mas há mais. Há colmeias e há rebanhos de ovelhas, e um lindíssimo bosque de azinheiras que tem o nome de Carrascal do Juízo – porque aqui chamam carrascos às azinheiras. Um passeio pelo Carrascal desvenda-nos as poldras da ribeira do Porquinho (que praticamente não tem água, depois deste Verão tão seco), onde uma mó sobrevivente mostra que houve ali um moinho em tempos já idos. O Carrascal é zona protegida, tem árvores com líquenes tão antigos que já foram objecto de estudo, árvores fantasmagóricas, esqueléticas e belas, que parecem pertencer a uma outra dimensão.
Daqui avista-se uma paisagem infinda de serrania, com algumas aldeias dispersas. Das aldeias históricas, Marialva é a mais próxima, cerca de 12 quilómetros a noroeste. Trancoso fica a 25 quilómetros, Castelo Rodrigo a 30, Almeida está a 45 e até Castelo Mendo são 47 quilómetros. A aldeia do Juízo é o local ideal de onde partir para as visitar a todas.
As Casas do Juízo
O recente renascimento da aldeia deve-se ao facto de algumas das casas recuperadas estarem a ser disponibilizadas como alojamento turístico rural. São as Casas do Juízo, adaptadas e geridas com empenho e bom gosto pelo Sr. José Guerra e pela D. Isabel, que velam pelo bem-estar dos seus hóspedes até ao mínimo pormenor. São já oito as casas renovadas, cada uma com um nome que evoca as suas antigas funções, todas elas mantendo a traça original e a rusticidade mas totalmente equipadas e dotadas do conforto que hoje em dia não dispensamos. O complexo, dividido em dois núcleos que funcionam como condomínios fechados, tem capacidade para alojar até 30 pessoas e oferece várias outras comodidades: uma piscina coberta, estufa com produtos biológicos, sala para eventos e diversos espaços de lazer. Associado às Casas existe um restaurante, a Taberna do Juiz, que serve petiscos e pratos tradicionais confeccionados na sua maior parte com produtos da aldeia e da região.
Melhor anfitrião que o Sr. José não pode haver. Conhece todos os segredos da aldeia e das redondezas, leva-nos em passeio, conta histórias locais cheias de graça, chama a atenção para pormenores curiosos – como a oliveira que já pertenceu a dez pessoas ao mesmo tempo, a sepultura antropomórfica que agora é canteiro de flores, ou a inscrição numa pedra que puxa pela nossa imaginação para percebermos o que é. E além das caminhadas há várias actividades tradicionais da aldeia que se mantêm vivas e nas quais os hóspedes das Casas podem participar, dependendo da altura do ano.
No largo principal da aldeia, uma das fontes sugere que umas quantas cabeçadas são maneira garantida de ganhar juízo. Será? Fica o desafio para irem até lá verificar se a presunção se comprova.
(Adaptado de um post no blogue Viajar Porque Sim)